ATIVISMO JUDICIAL: O PILAR DE EFETIVIDADE DA RESOLUÇÃO DA CRISE DEMOCRÁTICA COM BASE NA FORÇA NORMATIVA DOS PRINCÍPIOS
JUDICIAL ACTIVISM: THE PILLAR OF EFFECTIVENESS OF THE RESOLUTION OF THE DEMOCRATIC CRISIS BASED ON THE NORMATIVE STRENGTH OF PRINCIPLES
Resumo: O presente trabalho tem por escopo analisar a atuação do Poder Judiciário no exercício da jurisdição constitucional, tentando suprir casos em que não houve edição ou complementação de normas que assegurem os direitos fundamentais. Após a contextualização histórica acerca da Separação de Poderes e o apontamento de seus problemas de ordem estrutural, aborda-se o conceito de ativismo judicial e busca-se descrever como se deram algumas das atuações do STF – de forma ativista – e a importância de cada uma delas. Por fim, sugere-se, no momento conjectural em que estamos inseridos, desconstruir a ideia de que haverá um exercício desenfreado de legiferação atípica por parte do Poder Judiciário, a fim de construir o pensamento de incursão deste poder sobre o núcleo essencial de funções constitucionalmente atribuídas ao Legislativo e ao Executivo, trazendo-se o Supremo como um quarto poder, que se expandiria quando houvesse grupos minoritários estigmatizados, sendo um verdadeiro pilar de efetividade da resolução da crise democrática, com base na força normativa dos princípios.
Palavras-chave: Separação de Poderes. Ativismo Judicial. Judiciário. Políticas Públicas. Constitucionalismo Democrático.
Abstract: The purpose of this paper is to analyze the Judiciary's performance in the exercise of constitutional jurisdiction, trying to provide for cases in which there was no edition or complementation of norms that ensure fundamental rights. After the historical contextualization about the Separation of Powers and the observation of its structural problems, the concept of judicial activism is approached and the aim is to describe how some of the STF's actions - in an activist way - and the importance of each one of them. Finally, it is suggested, in the conjectural moment in which we are inserted, to deconstruct the idea that there will be an unbridled exercise of atypical legifi- cation on the part of the Judiciary, in order to construct the thought of incursion of this power over the essential nucleus of functions constitutionally attributed to the Legislative and the Executive, bringing the Supreme as a fourth power, which would expand when there were stigmatized minority groups, being a true pillar of effectiveness of the resolution of the democratic crisis, based on the normative force of principles.
Keywords: Separation of Powers. Judicial Activism. Judiciary. Public policy. Democratic Constitutionalism.
Sumário: 1 – Introdução; 2 – Separação de Poderes e Problemas de Ordem Estrutural; 3 – Ativismo Judicial no Brasil; 4 – Ativismo Judicial como pilar de efetividade da resolução da crise democrática com base na força normativa dos princípios; 4.1. Algumas atuações ativistas pelo STF: 4.1.1. ADPF 347; 4.1.2 Transporte escolar. Implementação de políticas públicas; 4.1.3 Supremo julga inconstitucional lei cearense que regulamenta vaquejada (ADI 4983); 5 – Expansão Imprescindível; 6 – Conclusão; 7 – Referências Bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
A pesquisa tem por escopo analisar a atuação do Poder Judiciário no exercício da jurisdição constitucional, tentando suprir casos em que não houve edição ou complementação de normas que assegurem os direitos fundamentais; trata-se do denominado fenômeno do ativismo judicial.
O contexto temporal – material do objeto insere-se sob a égide da Constituição Estadual de 1988 e legislação infraconstitucional que trata da relação entre os poderes constituídos.
Será apontado que a crise atual democrática se caracteriza pela ineficiência dos poderes Legislativo e Executivo em suas funções típicas, sendo o Judiciário, com sua atuação ativista, um pilar de efetividade da resolução da crise democrática com base na força normativa dos princípios.
Nesse contexto, o trabalho exporá os benefícios que a sociedade pode auferir ao ter os órgãos desse poder contribuindo com os Poderes Executivos e Legislativos na execução de políticas públicas, tomando decisões que venham a torná-las efetivas.
Os críticos ao Ativismo Judicial aduzem que o Poder Judiciário pode transbordar o núcleo essencial de sua função, transformando-se em uma espécie de legislador concorrente.
Em que pesem tais argumentos, a quebra do paradigma de “poderes” apresenta-se atualmente como um dos meios essenciais para superação da crise democrática.
A realidade social brasileira necessita do ativismo judicial como garantidor de políticas públicas e efetivador e solidificador dos direitos e garantias fundamentais.
2. SEPARAÇÃO DE PODERES E PROBLEMAS DE ORDEM ESTRUTURAL
Os homens reúnem-se na sociedade em grupos permanentes, de modo que as expectativas ou interesses de cada um no interior do grupo são harmônicos ou conflituosos.
A vida em sociedade exige normas jurídicas, ou seja, exige um complexo de normas disciplinadoras que estabeleçam regras para o convívio entre os indivíduos que a compõem.
Se remontarmos, segundo hipóteses de escritores iluministas (Hobbes, Kant, Locke, etc.), ao período pré-absolutista, veremos que os homens relacionavam-se inicialmente sem se sujeitar a nenhuma regra ou lei, vivendo, portanto, em um estado natural.
Na segunda metade do século XVIII, eclode a Revolução Industrial, a qual marca a passagem da sociedade feudal (sistema de trocas de bens) para a sociedade capitalista (sistema de circulação monetária).[2]
Com a dissolução do estado feudal, a massa popular saída do campo começa a concentrar-se nas cidades, com a finalidade de ofertarem mão-de-obra, de acordo com os novos ditames industriais. Nas cidades, há uma contraposição entre a oferta e a demanda de mão-de-obra, aquela em larga escala. Neste sentido, vai-se delineando o surgimento de grupos dominantes e grupos dominados. Pobreza e riqueza entrelaçam-se em um mesmo local.[3]
Em virtude dos sentimentos de desconforto e medo de terem suas propriedades ou riquezas ameaçadas, bem como, de serem saqueadas ou violentadas, a nobreza começa a sentir a necessidade de um mecanismo de controle social capaz de resolver eventuais conflitos que pudessem se originar.[4]
Neste contexto, Hobbes começa a conceber o Estado como brotando de uma situação de uma “guerra de todos contra todos”. Não seria mais possível viver em uma sociedade onde imperava a ausência de normas jurídicas. Surge a necessidade da sociedade estabelecer contratos e também de obedecê-los, eis que “o contrato é uma transferência mútua de direitos”.[5]
A única garantia que serviria como forma de controle para obter-se segurança para todos, era a concentração do poder do Estado, com caráter absolutista.
No regime absolutista, encontraremos um direito exercido pela autoridade de um poder judiciário central, totalmente subordinado à figura do rei.
Neste período, “inexistia, até então, qualquer proporcionalidade entre a infração cometida e a punição aplicada”.[6]
A partir do século XVIII, filósofos e juristas começam a se manifestar contra o caráter desumano do suplício, considerando-o revoltante e intolerável.
Ideava-se estabelecer proporções exatas entre a natureza do delito e a natureza da punição, fazendo-se uma taxinomia das penas.
Entre o período de 1789 a 1799, a situação social da França era grave e a insatisfação popular era grande, tanto que a população foi às ruas com o objetivo de tomar o poder e abolir a monarquia comandada pelo Rei Luis XVI.
A Revolução Francesa foi um processo social e político cujas principais consequências foram a queda de Luís XVI, a abolição da monarquia e a Proclamação da República, que poria fim ao Antigo Regime.[7]
A Revolução Francesa não ficou adstrita à França, seus ideais espalharam-se e foi por seu caráter ecumênico é que se convencionou ser a Revolução Francesa o marco da passagem para a Idade Contemporânea.
Com a conquista de seus objetivos, os revolucionários, trataram logo de estabelecer um governo, não fundado na vontade de homens, e sim, erigido sobre o estandarte da lei, surgindo o Estado de Direito, com propósitos de assegurar direitos individuais e limitar a ação estatal.
O controle foi dividido entre órgãos autônomos e independentes; um que administrava, um que criava leis e outro que fiscalizava o cumprimento destas e solucionava as demandas.
A origem da separação de poderes adveio da definição de constituição mista, por Aristóteles:
[...] constituição mista, para Aristóteles, será aquela em que os vários grupos ou classes sociais participam do exercício do poder político, ou aquela em que o exercício da soberania ou o governo, em vez de estar nas mãos de uma única parte constitutiva da sociedade, é comum a todas.
Contrapõe-se-lhe, portanto, as constituições puras em que apenas um grupo ou classe social detém o poder político.[8]
Posteriormente a Aristóteles, Jonh Locke[9], apresentou seu pensamento sobre a separação de poderes, ao discorrer a respeito da propriedade privada e do Estado Liberal, em sua obra “Segundo Tratado sobre o Governo Civil”.
Na citada obra, Locke discorreu sobre a liberdade de todos os membros de uma sociedade, inseridas nos limites do Direito Natural; sendo que, a medida em que os seres humanos se associavam, sentiam necessidades de estabelecer leis. Estabelecidas estas, constatava-se a necessidade de existência de um juiz imparcial.
Por sua vez, o estabelecimento de leis e definição de juiz, são consideradas como a origem dos Poderes Legislativo e Judiciário, marcando a sedimentação de sociedade e governos. Sucessivamente, surge a necessidade de um Poder Executivo, com a responsabilidade de execução continuada das leis.
Discorre Locke, que o Executivo deve ser subordinado ao Legislativo, e a função Legislativa julga as ofensas sofridas por um indivíduo dessa sociedade política.[10] Portanto, sua obra refere-se à reparação e subordinação às funções de poder.
O primeiro filósofo a sistematizar a Teoria da Separação dos Poderes, foi Montesquieu[11], em sua obra “O Espírito das Leis”. Explana este que, se os mesmos governantes ou grupos de governados exercessem simultaneamente os três poderes – criar leis, executar e julgar litígios dos cidadãos – haveria abusos, daí a necessidade de que o poder contenha a si próprio.[12] Cria a teoria da tripartição dos poderes: Legislativo (responsável pela elaboração, correção e revogação das leis), Executivo (responsável por exercer a administração geral e outras funções do Estado) e Judiciário (responsável por julgar demandas pessoais).
A tripartição de poderes, em que pese de um lado sustente a harmonia e independência de cada poder, lado outro aponta para a necessidade de haver algum tipo de controle de suas atuações.
Dessa forma, foram criados os sistemas de “freios e contrapesos”, a fim de equilibrar o poder político de cada ente.[13]
Assim, cada poder refreia os abusos e arbitrariedades do outro. Cite-se a título de exemplo, o controle de constitucionalidade pelo Judiciário, das normas elaboradas pelo Legislativo.
Rousseau[14] – em sua obra Contrato Social – critica a separação de poderes:
“Porém nossos políticos, não podendo dividir a soberania em seu princípio, dividem-na em força e em vontade, em poder legislativo e em poder executivo, em direitos de impostos, de justiça e de guerra, em administração interior e em poder de tratar com o estrangeiro; ora confundem todas essas partes, ora as separam; fazem do soberano um ser fantástico dotado de peças ajustadas; é como se compusessem o homem reunindo diversos corpos, um dos quais teria os olhos, outro os braços, outro os pés, e nada mais. (...). Tais são aproximadamente os engodos de nossos políticos: depois de haverem desmembrado o corpo social graças a uma prestidigitação digna da feira, reúnem as peças não se sabe como. (...). Observando igualmente as demais divisões, perceberíamos que todas as vezes que imaginamos ver a soberania partilhada nos enganamos, que os direitos tomados como partes dessa soberania lhe são todos subordinados e sempre supõem vontades supremas, dos quais esses direitos só dão a execução”.
Destarte, o poder dividido não é benéfico nem ao Estado nem a sociedade, tornando-se desvanecido e desacreditado.
O modelo institucional adotado sofre um problema de ordem estrutural, relacionada com a manutenção de um esquema de Separação de Poderes, em suas linhas clássicas, insatisfatório, em virtude da inadequação de seu agenciamento. Em razão desta (inadequação), mesmo que reduzidas suas atribuições, continuará ele deficiente em seu funcionamento.[15]
Barcellos[16] afirma que o formato de separação de poderes desempenhou, de fato, um relevante papel histórico, no entanto, é um modelo que necessita de reformulação, posto não atender mais às necessidades contemporâneas. Prossegue afirmando que, mesmo sendo essencial à organização do Estado Moderno, não é um fim em si mesmo, devendo ser flexibilizado de acordo com as necessidades históricas de cada povo. Destaca que, a bem da verdade, a crise não é da separação de poderes, mas sim do próprio sistema representativo.
A partir do sistema atual, como exemplos de anomalias dos poderes, pode-se citar: o excesso do Poder Executivo na atividade normatizante e limitações do Poder Legislativo quanto à morosidade no desenvolvimento do processo legislativo por ele conduzido.[17]
O fato é que as transformações constantes da realidade histórica, política, social e econômica exigem rápida resposta dos poderes, harmonizados entre si, e não estanques, imutáveis, de forma que não possam dar um rápido atendimento aos direitos fundamentais violados ou sob a ameaça de serem.
Assim, verificado que o Executivo e/ou o Legislativo quedaram-se inertes diante de situações em que não houve edição ou complementação de normas que assegurem os direitos fundamentais ou que não puderam acompanhar o evoluir da sociedade, o Judiciário deve intervir, sendo provocado para analisar e julgar decisões que seriam típicas desses outros dois poderes.
O que se mostra adequado, no momento conjectural em que estamos inseridos, é desconstruir a ideia de que haverá um exercício desenfreado de legiferação atípica por parte do Poder Judiciário ou uma “supremocracia”[18], a fim de construir o pensamento de incursão deste poder sobre o núcleo essencial de funções constitucionalmente atribuídas ao Legislativo e ao Executivo.
Isto porque, o Judiciário, em alguns casos, tem uma capacidade institucional que o determina como mais habilitado a produzir a melhor decisão em determinada matéria.
Embora não haja um consenso com relação às medidas a serem adotadas para que haja uma ampla reforma democrática e quais os meios e métodos mais eficazes, a conclusão que se chega com o temário é o de que o ativismo judicial é irrenunciável nos dias de hoje.