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Verdade, consenso e os discursos contemporâneos, o que estamos verdadeiramente proclamando?

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31/03/2018 às 11:10
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Considerações Finais

Ao término deste trabalho é possível concluir que na maioria das vezes os discursos pugnam pela manutenção do ‘status quo’. Somos facilmente conduzidos ao erro já que não fomos adequadamente preparados ao longo de nossas vidas para lidarmos com a verdade (ou não) nos textos, normas, exortações, sermões, etc. Logo a ‘opinião oficial’, enquanto o homem apresenta graves dificuldades para determinar o significado preciso dos códigos de linguagem/comunicação que estão a sua volta. Mais uma vez, citando Juan Capella[51]

“Interpretar consiste em establecer uma relación lo más unívoca posible entre series de signos y series de significados. El derecho se expresa em um lenguaje común y solo parcialmente tecnificado. Las reconstrucciones de los hechos se expresan em el lenguaje común.”

Enquanto muito é falado e prometido, pouco é realizado e ainda menos é entendido. Como pode existir no presente figura ‘homo sacer’[52] na sociedade brasileira, mesmo quase três décadas após a promulgação da Constituição dirigente, que tudo prometeu em suas orações?! A discrepância social ainda existente em nossos dias deixa em efervescência a solidez que se acredita haver no discurso de um ‘país do futuro’[53].

Se, por um lado, os modos de comunicação entre os indivíduos ganharam nova roupagem na atualidade, também o é que os seres estão se tornando solitários, solipsistas e carentes de (afeto, orientação, espiritualidade). Não há sinais perceptíveis se estamos avançamos ou retrocedemos e, neste novo cenário, tudo se torna extremamente complexo, por exemplo; traçar uma diferença entre ‘amor’ e ‘ódio’ deve ser considerado um ato de amor ou um ato de ódio? . Em Eni Orlandi[54]

“Por outro lado, pela observação dos diferentes discursos, podemos reconhecer fatos que nos remetem à importância do silêncio: o discurso religioso em que Deus representa a onipotência do silêncio; o jurídico em que o discurso liberal, produzindo o apagamento das diferenças constitutivas dos lugares distintos, reduz o interlocutor ao silêncio; o científico do qual é bem conhecido o fato de que há teorias que não deixamos significar; o discurso amoroso, em que a onipotência avizinha o impossível, é um discurso votado ao silêncio.”

Em síntese, todo discurso é o índice potencial de uma agitação nas filiações sócio-históricas de identificação e marca a possibilidade de uma desestruturação e uma reestruturação das redes e trajetos. Sua análise é, enfim, uma relação com a linguagem, mantendo a distinção forma/conteúdo. Eis aí a razão pela qual o silêncio, às vezes, apresenta importância fundamental.

Ao término deste artigo, a incerteza sobre estarmos jornadeando em um armistício, rumo à paz perpétua ou outra realidade, continua sendo uma incógnita quando estudamos atentamente as orações que são preconizadas em nossos tempos. Os métodos são múltiplos e finalísticos; toda fala humana tem a intenção de convencer, de fazer com que algo aconteça por meio de um comando lingüístico.

Não conseguimos ainda identificar para onde os comandos estão nos levando. Percebemos, ao longo da história, que os regimes totalitários[55] foram fundamentados em argumentações estrambóticas. As palavras levam e transformam as sociedades e seus indivíduos, construindo assim a realidade que os cerca.

Os consensos são passageiros e a verdade é sempre relativizada, de modo que não acreditamos no método, no procedimento, nos códigos da linguagem e, em certas ocasiões, nem em nossas próprias percepções. Estamos aparentemente perdidos. Todavia, precisamos, assim mesmo, marchar, comunicando, criando novas possibilidades e se abrindo a possíveis janelas apresentadas pelas vicissitudes da vida.


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Notas

[2] Como se faz uma tese. Umberto Eco, pg. 115.

[3] La sociedad de la sociedad. Niklas Luhmann, pgs. 21/22

[4]  Critica da Razão Pura. Immanuel Kant, pg. 187.

[5] ‘Homo sacer’ é um conceito cunhado por Giorgio Agamben, filósofo italiano cuja produção se concentra nas relações contínuas entre filosofia, ética, estética, lógica, literatura, poesia, política e o meio jurídico, compreendendo-as como áreas implicadas umas nas outras e indiferentes.

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[6] Referência a Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 05/10/1988.

[7] Hermenêutica Jurídica (em) Crise. Lenio Streck, pg. 115.

[8] “A expressão ‘pós-modernidade’ batiza um contexto sócio-histórico particular, que se funda na base de reflexões críticas acerca do esgotamento dos paradigmas instituídos e construídos pela modernidade ocidental. A expressão é polêmica e não gera unanimidades, assim como seu uso não somente é contestado como também se associa a diversas reações ou concepções divergentes.”. O Direito na Pós-Modernidade – Eduardo Carlos Bianca Bittar.

[9] Ibidem, pgs 115/116.

[10] Verdade e Método I. Hans-Georg Gadamer, pgs. 38/39.

[11] Elementos de análisis jurídico. Juan Ramón Capella, pg 11.

[12] Força de lei. Jacques Derrida, pg. 23.

[13] SIMIONI, Rafael Lazzarotto. Poder e autopoiese da política em Niklas Luhmann. Disponível em: < http://www.fdsm.edu.br/site/posgraduacao/volume27/08.pdf>.

[14] Sociólogo alemão do séc. XX. Adepto do pensamento sistêmico (em contraposição ao pensamento ‘reducionista-mecanicista’) foi o responsável pela teorização da sociedade como um sistema autopoiético.

[15] Op. cit.

[16] Ibidem, pg. 13.

[17] Judiciário como Superego da Sociedade - O papel da atividade jurisprudencial na “sociedade órfã”. Ingeborg Maus.

[18] Hobbes, Locke, Rousseau, etc.

[19] A Judicialização da Política e das Relações Sociais no Brasil. Luiz Werneck Vianna ‘et al’, pg. 149

[20] Ciência com Consciência. Edgar Morin, pg. 197.

[21] A Constelação Pós Nacional. Jurgen Habermas.

[22] Sociedade de Risco - Ulrich Beck.

[23] The Consequences of Modernity - Anthony Giddens .

[24] Ibidem, pg. 47.

[25] Vide a obra: Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. Friedrich Muller.

[26] As Metamorfoses do Governo Representativo. Bernard Manin.

[27] Leviatã. Thomas Hobbes.

[28] Teoria da Argumentação. Klaus Gunther, pg. 76.

[29] Ibidem, pg. 48.

[30] Ibidem, pg. 365.

[31] As formas do silêncio. Eni Puccinelli Orlandi, pg. 159.

[32] O Discurso. Michel Pêcheux, pg. 29.

[33] Introdução à Teoria dos Sistemas. Niklas Luhmann, pg. 312.

[34] FOCAULT, Michel. A Ordem do Discurso – Aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. Editora: Loyola. São Paulo/SP, 1996, pg. 44.

[35] Ibidem, pg. 553.

[36] Ibidem, pg. 554.

[37] Ibidem, pgs. 295/296.

[38] O Discurso. Michel Foucault, pgs. 10/11.

[39] Ser e Tempo. Martin Heidegger, pg. 98.

[40] Papel da Memória. Pierre Achard, pg. 13.

[41] Ibidem, pg. 33.

[42] Ibidem, pg. 19

[43] Ibidem. pg. 17.

[44] A Paz Perpétua: Um Projecto Filosófico. Immanuel Kant.

[45] Ibidem, pg. 296.

[46] Teoria da Argumentação do Direito e na Moral: Justificação e Aplicação. Klaus Gunther, pg. 365.

[47] Ibidem, pgs. 53/54.

[48] O que é o Iluminismo? Michel Foucault.

[49] Microfisica do Poder. Michel Foucault, pg. 5. 

[50] Niklas Luhmann. Introdução à Teoria dos Sistemas, pg. 315.

[51] Ibidem, pg. 137.

[52] ‘Homo sacer’ é um conceito cunhado por Giorgio Agamben, filósofo italiano cuja produção se concentra nas relações contínuas entre filosofia, ética, estética, lógica, literatura, poesia, política e o meio jurídico, compreendendo-as como áreas implicadas umas nas outras e indiferentes.

[53] Vide a obra: Brasil, País do Futuro (Brasilien: Ein Land der Zukunft), Stefan Zweig,

[54] Ibidem, pg. 41.

[55] Sistema político onde o Estado é controlado por apenas uma pessoa, não havendo limites a sua autoridade.

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Sobre o autor
Daniel Edson Alves e Silva

advogado, mestrando em Direito pela FDSM, professor de Sociologia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Daniel Edson Alves. Verdade, consenso e os discursos contemporâneos, o que estamos verdadeiramente proclamando?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5386, 31 mar. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64379. Acesso em: 24 abr. 2024.

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