4. TENTATIVA DE EXTINÇÃO DOS TRIBUNAIS DOS MUNICÍPIOS PELA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO CEARÁ – INCONSTITUCIONALIDADE
Em dezembro de 2016, a Assembleia Legislativa do Estado do Ceará deu início a um Projeto de Emenda Constitucional para tentar extinguir o Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) do Estado. Os deputados já haviam votado pelo fim do órgão, mas uma decisão liminar da Justiça impediu o fechamento do TCM. Em 28 de dezembro, o STF suspendeu a PEC, em atenção à Ação de Inconstitucionalidade apresentada pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon).
Entre os argumentos apresentados pela associação na ADI, a ministra Carmem Lúcia entendeu que processo legislativo seguiu uma velocidade incomum da emenda constitucional, com regime de urgência e sequência de sessões de primeiro e segundo turno sem intervalo. Ela também asseverou acerca de eventual prejuízo que poderia resultar para a tramitação e conclusão dos processos em curso no Tribunal de Contas dos Municípios, o que poderia gerar prejuízos ao funcionamento dos órgãos de controle externo da Administração Pública no Ceará.
No dia 17 de maio de 2017, a Assembleia Legislativa já tem nova proposta de Emenda Constitucional, que visa corrigir erros na aprovação da EC 87 (que foi suspensa) e extinguir novamente o TCM. Para o deputado que autor da proposta, a medida vai gerar economia sem prejudicar a fiscalização das contas do Estado e dos municípios do Ceará. Já para o conselheiro do TCM, Domingo Filho, o órgão é o "mais enxuto", com R$ 86 milhões do TCE. Enquanto a Assembleia Legislativa do Ceará tem R$ 500 milhões.
A questão está longe de findar, ao passo que no Senado tramita Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que mantém o funcionamento do Tribunal de Contas dos Municípios, conferindo-lhe caráter permanente e essencial. O autor da proposta defende que a medida evita abusos por parte do governo.
Segundo G1 CEARÁ, o presidente do Senado, Eunício Oliveira justificou a mudança, alegando:
Nota-se grande insegurança no sistema de controle externo, essencial à fiscalização e ao combate à corrupção tão reclamado pela sociedade nos dias atuais. Infelizmente, não é raro que existam abusos por parte de governos em tentar fragilizar o regime jurídico, estrutura e funcionamento desses órgãos mediante diversos expedientes, como a extinção de cargos e órgãos respectivos ou fortes cortes orçamentários injustificados.
Sabe-se que existem inúmeros interesses políticos, alguns evidentes, outros ocultos, em questões tão importantes como a extinção de um tribunal. Interesses partidários e vinganças políticas muitas vezes vêm à tona e se sobressaem aos argumentos jurídicos. Mas, urge fazer uma análise, a mais próxima possível da imparcialidade, a partir dos princípios constitucionais trabalhados neste artigo.
4.1. O estado democrático, a transparência e a preservação do interesse público
Os Tribunais de Contas possuem uma função essencial, dentro do Estado Democrático ao qual se propõe o Brasil. O desenvolvimento de uma nação está intimamente relacionado ao fortalecimento de sua democracia e de suas instituições, a fim de que o Estado possa cumprir efetivamente com os seus objetivos precípuos: promover o bem comum, reduzir as desigualdades e garantir o desenvolvimento.
Nesse sentido, os órgãos de controle externo são um avanço no combate à corrupção e ao uso ineficiente dos recursos públicos. Como tais, promovem a efetivação dos princípios de moralidade, legalidade, publicidade e eficiência. Ademais, a necessidade de transparência fica evidente quando a CF prevê que a publicidade seja de caráter educativo, informativo e de orientação social.
Dessa forma, a transparência possibilita a participação popular, conferindo legitimidade às decisões governamentais. Esse viés de controle social é o que assegura a realização de uma ordem econômica e social justa, afirma e protege os direitos fundamentais do cidadão, aplicando, de forma real e concreta, os novos desígnios do Estado Democrático de Direito. Atos corruptos que eram feitos sob o véu da desinformação, podem agora ser atacados pelo povo, graças ao acesso à informação, a arma mais simples e poderosa na construção de uma sociedade igualitária.
Salienta-se que o princípio da publicidade administrativa se caracteriza também como direito fundamental do cidadão, indissociável do princípio democrático. Assim como os direitos e garantias individuais são protegidos pelo pilar da vedação do retrocesso, também os princípios administrativos, na esfera pública, devem ser protegidos por cláusulas rígidas, que impeçam, a desconstrução de conquistas democráticas, através de abusos de poder.
Um exemplo de retrocesso democrático e institucional é a tentativa de extinguir o Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Ceará. Alegou-se que traria economia para as finanças públicas. Mas, não houve nenhum estudo prévio que comprovasse tal afirmação. Além disso, de que forma haveria tão significativa redução de gastos, tendo em vista que todo o patrimônio e a quase totalidade do quadro funcional seria absorvida pelo TCE e os membros não aproveitados continuariam a receber seus subsídios integralmente sem trabalhar?
Importante destacar que quando somados os orçamentos do TCM e do TCE, os valores não ultrapassam a média dos de Tribunais de Contas de outros Estados que absorvem a jurisdição plena sobre as administrações estaduais e municipais. Ou seja, não existe nenhum luxo ou exagero no uso dos recursos públicos. O que existe é apenas, uma estrutura organizacional mais desmembrada, para que possa desempenhar eficientemente suas atribuições.
É bem verdade que a atual crise econômica e fiscal exige reequilíbrio das contas públicas. Mas, isso requer estudos abalizados que comprovem a real necessidade de extinção de órgãos, bem como um maior rigor nos gastos públicos. A indagação que surge é: sendo, atualmente, tão necessário o rigor nas contas públicas, não seria contraditório começar a enxugar justamente extinguindo órgãos que têm como função precípua a fiscalização e o controle do dinheiro público?
De acordo com o presidente da Atricon (Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil), diante do sistema de controle externo, do qual os Tribunais de Contas são um forte auxílio, “qualquer alteração que reduza, impeça e mitigue a atuação dessas instituições implicaria em infeliz e manifesto retrocesso, vedado pelo pacto republicano e pelos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Carta Magna de 88, a fim de consolidar o Estado Democrático de Direito, estabeleceu mecanismos de participação popular, que legitimam a atividade dos gestores públicos. Tais mecanismos são instrumentos de concretização dos princípios constitucionais de legalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Ademais, a sociedade tem a seu dispor instrumentos de controle que fiscalizam, punem, orientam, sancionam, julgam as contas dos administradores públicos: Ministério Público, Tribunais de Contas, Controladorias e Controle Interno, dentre outros.
Entre esses, os Tribunais de Contas exercem função precípua de fiscalizar e controlar as finanças públicas, atuando como órgão de auxílio do Poder Legislativo no controle externo. No Estado do Ceará, existe o Tribunal de Contas dos Municípios, que tem a missão de “contribuir para a excelência da gestão pública, por meio de orientação e auditoria, visando ao desenvolvimento dos municípios do Estado do Ceará”. Suas funções e competências foram expostas no trabalho em conclusão, sendo de natureza fiscalizadora, consultiva, informativa, judicante, sancionadora, corretiva, normativa e ouvidoria.
Entre acordos e desacordos político-partidários, a Assembleia Legislativa do Estado do Ceará está tentando extinguir o TCM/CE, por meio de PEC. Mas, ao analisar a necessidade cada vez maior de transparência e eficiência nas gestões públicas, percebe-se que extinguir um órgão de controle, em tempos de clamor pelo combate à corrupção, é um grave retrocesso inconstitucional e democrático, que pode trazer prejuízos incontornáveis ao legítimo interesse público.
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