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Efetividade da tutela do consumidor na relação contratual bancária

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5 tutela do consumidor nas contratações bancárias

Analisados os elementos constitutivos da relação contratual formada entre um tomador de crédito e uma instituição bancária, verificam-se presentes os requisitos essenciais à sua configuração como relação de consumo. Além disso, tem-se que a incidência do CDC aos contratos bancários é tema pacificado pela jurisprudência brasileira.

No entanto, surge uma questão no que se refere à efetividade da aplicação destas normas no caso concreto, e ainda, a quem cabe o papel de torná-las efetivas.

Retomando a análise dos elementos formadores do Estado brasileiro em estado social, através da Constituição Federal de 1988, tem-se que nesta nova concepção o Estado tomou para si a garantia de outras funções na persecução de seu objetivo maior, que passou a ser o bem comum.

E a tripartição de poderes é apresentada pela, CF/88, como um dos princípios fundamentais para que se assegurem estes novos direitos. Ressalta Celso Antônio Bandeira de Mello, que este princípio seria melhor denominado como "tripartição de funções, pois no Estado democrático o poder pertence ao povo". [45]

Interessa ao estudo realizado, especialmente, uma destas funções, a jurisdicional, sobre a qual serão feitas breves considerações.

5.1 função jurisdicional do estado brasileiro

Ao lado das funções de legislar e administrar, o Estado brasileiro exerce a função jurisdicional com o intuito de dirimir as controvérsias surgidas por ocasião da aplicação da lei.

À função jurisdicional cabe portanto, o "importante papel de fazer valer o ordenamento jurídico de forma coativa, toda vez que seu cumprimento não se dê sem resistência". [46] Considerando que, a partir do momento em que o Estado assume esta função, garante ao cidadão a defesa de seus direitos ao mesmo tempo em que lhe retira o poder de fazer justiça com as próprias mãos.

Portanto, o papel a ser exercido pelo juiz é maior do que mera aplicação das leis, a ele cumpre o papel de intérprete, não apenas das normas mas de todo o contexto em que se apresenta o conflito.

Pois não é possível ao intérprete, pensar o direito validamente sem que considere a sociedade sobre quem atua e por quem é influenciado, até porque direito e sociedade são realidades historicamente mutáveis, não sendo o direito de hoje o mesmo que se apresentou no passado ou que se apresentará no futuro.

E o intérprete das leis está atualmente inserido no contexto do Estado Social, instaurado com a CF/88, que objetiva a formação de uma nova ordem jurídica, voltada ao homem médio, tantas vezes excluído, oferecendo-lhe garantias fundamentais, através de uma socialização do Direito.

Desta forma deve o juiz aplicar o direito privado à luz da constituição, que apresenta novos valores para o campo das relações jurídicas.

Sendo a Constituição feita para durar, mais ou menos intacta, enquanto a ordem social fatalmente evolui, contém normas mais gerais, mais vagas, do que as leis. Esta técnica legislativa salutar implica maior solicitação ao intérprete, cuja contribuição para a mais justa aplicação de suas normas se torna bem maior. [47]

As novas normas jurídicas surgidas dentro deste contexto podem ser interpretadas sob dois enfoques, ou como meio de preservação de situações preexistentes ou como instrumentos de transformação de toda estrutura, tendo em vista as necessidades da sociedade, surgindo daí a necessidade do hermeneuta conhecer o texto constitucional e os princípios ali consagrados, fundamentadores da nova ordem jurídica e social.

5.2 prestação jurisdicional de proteção ao consumidor de crédito

Levando em consideração esta necessária coadunação de todo ordenamento jurídico ao espírito da CF/88, deve-se entender que o juiz ao analisar um contrato bancário e aplicar efetivamente as normas do CDC, estará agindo em conformidade com toda a principiologia constitucional, e não apenas respeitando a vontade do legislador infraconstitucional.

Frisa-se o disposto no artigo 1º do CDC ao afirmar que "as normas de proteção ao consumidor, estabelecidas neste código são de ordem pública e interesse social" remetendo expressamente ao texto constitucional, especificamente aos artigos 5º, XXXII, 170, V e ao artigo 48 do ADCT.

O status de ordem pública, significa,que em se tratando de relações de consumo, poderá o magistrado aplicar suas normas de ofício. Na realidade, tendo em vista esta natureza de ordem pública e o interesse social envolvido, não só poderá como deverá aplicar estas normas, que são cogentes e independem da vontade das partes.

Lembrando o texto do inciso I, do artigo 4º do CDC, determinando como princípio a ser atendido, o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo, através da adoção de uma Política Nacional das Relações de Consumo, tendo em vista ser fundamento da lei 8078/90 o princípio constitucional da isonomia.

Partindo então deste pressuposto de vulnerabilidade do consumidor justifica-se a criação de normas protetivas a se configurarem em instrumentos da justiça distributiva para que se alcance nas relações contratuais a igualdade real.

O CDC criou vários mecanismos para fazer com que se possa alcançar a igualdade real entre fornecedor e consumidor, pois isonomia significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na exata medida de suas desigualdades. [48]

E o legislador cumpriu de forma satisfatória o seu papel no que diz respeito ao mandamento constante no inciso XXXII do artigo 5º da CF/88, pois a lei 8078/90 apresenta estes instrumentos de defesa, conforme apontados anteriormente. Contudo só o Estado, através da prestação de sua função jurisdicional é quem pode concretizar esta tutela.

Isto tendo em vista que não basta o reconhecimento formal da aplicabilidade do CDC aos contratos bancários, mister torná-lo efetivo, principalmente, em se tratando de relações contratuais, dando o magistrado cumprimento ao direito básico do consumidor previsto no artigo 6º, inciso V, do CDC, que determina a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.

Sempre que se constatar que uma cláusula impõe desproporcional vantagem ao fornecedor, em detrimento do consumidor, deverá, mesmo que de ofício ser modificada pelo julgador. Assim como têm que ser revistas aquelas que a princípio não lhe eram desfavoráveis, mas se tornaram durante o cumprimento do contrato, por qualquer razão que seja, imprevisível ou não.

Como há pouco afirmado, é intuito deste código oferecer tratamento desigual, pois regula relações entre desiguais, e só assim se perquiri a justiça, não formal, mas real.

A experiência contudo, tem demonstrado que não obstante a pacificação jurisprudencial quanto à incidência das normas do CDC aos contratos bancários, esta aplicação tem sido mais teórica do que prática em muitos casos.

Prova inequívoca desta afirmação reside numa breve análise que se faça do modelo contratual – de adesão- oferecido pelos entes bancários aos consumidores atualmente, 13 anos após a entrada em vigor do código, e àqueles existentes antes da criação da lei 8078/90. Na realidade não houve alteração substancial, nem da forma nem do conteúdo destes instrumentos. E não houve, porque ainda que muitas sentenças afirmem a aplicação do instituto, não modificam a situação de desvantagem do consumidor concretamente.

Nelson Nery Júnior ensina o que seria uma atuação concreta do magistrado, dando efetividade às normas do CDC e desta forma realmente protegendo o consumidor, retirando-o da situação de desigualdade:

Pedida a modificação da cláusula contratual que estabeleça prestações desproporcionais ou a revisão do contrato por onerosidade excessiva, cumpre ao juiz proferir sentença determinativa. O magistrado irá integrar o contrato, criando novas circunstâncias contratuais. Para tanto deverá pesquisar e observar a vontade das partes quando da celebração do contrato de consumo, qual a dimensão da desproporção da prestação ou da onerosidade excessiva, de forma a recolocar as partes na situação de igualdade contratual em que devem se encontrar, desde a formação até a execução completa do contrato. [49]

Na revisão dos contratos bancários, o julgador tem afirmado a aplicação do CDC, inclusive de ofício, nos casos em que à parte não a tenha solicitado. Mas no momento de efetuar a modificação ou revisão do contrato, parece não interpretá-lo como um todo, analisando isoladamente e de forma superficial as cláusulas, e somente aquelas que foram indicadas pelo consumidor.

Ora, se as normas do código são de ordem pública, toda cláusula abusiva, independente da solicitação por parte do consumidor, desde que percebida pelo magistrado deve ser anulada, pois é o que determina o artigo 51 deste mesmo código.

Relembrando que é considerada abusiva e portanto nula de pleno direito toda cláusula que estabeleça desvantagem considerável ao consumidor. Desta forma no curso de uma ação de revisão ou mesmo execução de um contrato bancário, o julgador tem que ter em mente as normas do CDC como sendo exteriorização de princípios e valores constitucionais, devendo interpretar o contrato da forma mais favorável ao consumidor, conforme reza o artigo 47 do CDC.

O que acarretou evolução e revolução nas relações contratuais, pois a lei 8078/90 premida do espírito constitucional e dos valores do novo estado social busca a real proteção do consumidor, da forma mais ampla possível.

Traçando um paralelo com o Código Civil de 2002, aprovado já dentro da moderna concepção estatal, que prima pela valoração da função social dos contratos, percebe-se que a nova lei civil seguiu a tendência inovadora do CDC, ainda que de forma mais restrita, em razão de sua finalidade, devendo o CDC ser mais abrangente por tratar de relações entre desiguais.

Acarretando para o julgador a necessidade de proceder um estudo mais profundo do conteúdo contratual, analisando não uma ou outra cláusula, mas a situação geral criada através deste instrumento, determinando sua modificação ou revisão de forma a alterar materialmente a posição desfavorável do consumidor. Esta análise tem que ser tão detalhada a ponto do conteúdo da sentença, se assemelhar às declarações de vontade das partes contratantes, manifestando contudo não a vontade pessoal do julgador, mas o desejo social de equidade e justiça.

O que tem dificultado muitas vezes a atuação do magistrado é o fato de versarem estes contratos sobre matéria complexa que exige conhecimentos específicos, o que talvez explique algumas decisões contraditórias que embora declarem a aplicação das normas do CDC, não alteram de fato a situação do consumidor.

Esta complexidade do conteúdo dos contratos bancários é agravada muitas vezes pelo fato de alguns julgadores não levarem em conta que a lei 8078/90 instaurou um microssistema de direito próprio das relações de consumo, possuidor portanto de seus próprios princípios e regras, de modo que a interpretação do instrumento contratual deve se dar à luz do regulamento deste microssistema.

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Devendo o julgador, ao analisar um contrato bancário, por exemplo do Sistema Financeiro de Habitação, considerar se estão presentes cláusulas abusivas, desproporcionais, se o contrato como um todo é prejudicial ao consumidor, se está de acordo com a boa-fé, se cumpre sua função social, se o seu conteúdo não fere princípios constitucionais implícitos na lei 8078/90, como o da dignidade da pessoa humana, tudo isto de acordo com as regras de consumo.

A mera declaração de incidência das normas do CDC pouco ou nada resulta ao consumidor, se analisadas as cláusulas contratuais à luz do direito tradicional, tomando o mesmo exemplo, SFH, não adianta às finalidades do CDC, o magistrado afirmar a incidência de suas normas, se ao proceder a análise do conteúdo, considerar válido o Decreto – Lei 70/66, que cuida das execuções extrajudiciais pois não fere o ordenamento jurídico, ou seja não é ilegal. A lei 8078/90 determina a facilitação da defesa dos direitos do consumidor, possibilitando inclusive a inversão do ônus da provam, e os contratos do SFH, estão sob a égide de sua proteção, como será possível então, conceber a incidência deste decreto, contrário aos princípios e regras do microssistema do consumidor.

O que está em discussão não é a legalidade, à luz do direito tradicional, de índices como a TR, TJLP, CES, ou mesmo do sistema de amortização francês – Tabela Price, entre outros. O magistrado deve considerar o que estes índices, taxas, sistemas, acarretam ao consumidor quando executado o contrato. A prestação resta desproporcional, ou mesmo impossível de ser cumprida? Estes são os parâmetros que devem orientar o julgador, que está aplicando lei especial, e não as normas do Código Civil, ou do Código Comercial, pois estes regulamentam as relações entre iguais, pressupondo-se que ao contratarem em igualdade de condições, não se submeterão a obrigações irracionais.

A regra é clara, o CDC apresenta tratamento diferenciado e favorável ao consumidor e a cláusula que seja contrária a seus preceitos, expressos ou implícitos, deve ser modificada, revista ou anulada, sendo interpretada sempre em benefício do consumidor.

Se sob a ótica jurídica geral, determinado índice, ou condição contratual, não é ilegal, mas se mostra na prática exageradamente desfavorável, excessivamente onerosa ou lesiva ao consumidor, sua "legalidade" a torna apta a fazer parte das relações entre os iguais, mas não àquelas reguladas pelo CDC, pois dentro dos princípios deste microssistema é ilegal.

E esta atenção do magistrado, deverá ser ainda maior ao tratar dos contratos bancários, pois as cláusulas abusivas que apresentam decorrem em grande parte da forma de adesão em que se fazem parte de seu contúdo, reprisando a já mencionada característica principal destes instrumentos ser justamente a supressão da manifestação de vontade do aderente.

No que diz respeito à complexidade do conteúdo dos contratos bancários, assim como a especialidade da lei de defesa do consumidor, com todas as suas peculiaridades, consta do texto do próprio CDC uma alternativa que poderia facilitar a sua aplicação. O artigo 5º, IV, da lei prevê como instrumento da execução da política nacional das relações de consumo a criação de varas especializadas para solução dos litígios de consumo.

A criação destas varas, ao arbítrio do Poder Judiciário, parece que seria de fato um instrumento de efetivação da defesa do consumidor, levando em conta os aspectos acima mencionados e considerando que o julgador ao aprofundar seus conhecimentos sobre as normas de proteção ao consumidor tenderia a aplicar mais sentenças determinativas.

José Geraldo Brito Filomeno em seus comentários à lei, ao se referir à implementação destas varas afirmou: "Oxalá sejam logo implementadas, já que a especialização é fundamental para o devido equacionamento de tão relevantes questões do ponto de vista social e público." [50]

Concluindo, resta evidente que mais importante do que a pacificação jurisprudencial quanto à aplicação das normas do CDC aos contratos bancários, sem desconsiderar o avanço por ela representado, é a correta aplicação destas normas no caso concreto de forma a eliminar qualquer abuso de que sejam vítimas os consumidores, e assim efetivar a concessão da garantia constitucional de defesa do consumidor.

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Sobre a autora
Rafaella Munhoz da Rocha Lacerda

acadêmica do curso de Direito da Faculdade de Direito de Curitiba

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LACERDA, Rafaella Munhoz Rocha. Efetividade da tutela do consumidor na relação contratual bancária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 615, 15 mar. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6443. Acesso em: 29 nov. 2024.

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