TEORIAS SOBRE A POSSE

CONCEITOS E APLICAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Leia nesta página:

O tratamento da posse é um dos elementos mais controversos na doutrina e na jurisprudência. Destaque-se que, no direito pátrio, segundo doutrina majoritária, o código civil de 2002 adota a teoria de Ihering, contudo, o faz de forma mitigada.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo abordar as principais teorias acerca da posse, bem como a aplicabilidade de tais teorias no ordenamento jurídico pátrio. De acordo com a doutrina majoritária existem três grandes correntes de pensamentos sobre as teorias da posse, não se pode, todavia definir exatamente qual dessas seria a mais correta, uma vez que as autoridades que a defendem são de grande respeitabilidade e estão em condições de igualdade em domínio de conhecimento.

As grandes figuras que trazem as duas teorias mais tradicionais, carregam seu nome de maneira umbilicalmente associadas, ou seja, é quase que uma extensão do próprio titulo, Teoria subjetiva de Savigny e da teoria objetiva de Ihering.

Savigny e Ihering comungam entendimento de que a posse é composta por um elemento material e um elemento moral ou intelectual, que são chamados Corpus e Animus, mas discordam quanto à caracterização destes elementos específicos.

Há ainda uma terceira teoria, atualmente aceita, e fortemente defendida por alguns doutrinadores como Silvio Perozzi, Raymond Saleilles e Hernandez Gil, trata-se da teoria sociológica.

Quanto ao Código Civil de 2002, este por sua vez não define posse, mas estabelece o conceito de possuidor no art.1.196, CC. “considera-se possuidor todo aquele eu tem de fato o exercício, pleno ou não, de alguns dos poderes inerentes à propriedade”.

 

METODOLOGIA

A metodologia aplicada foi a pesquisa descritiva, onde se procurou estudar as características das Teorias da Posse por meio da abordagem qualitativa. Esta abordagem foi feita através da busca de conceitos, princípios e relações entre as teorias abordadas.

Além disso, o procedimento adotado foi a pesquisa bibliográfica, tendo como fontes livros e artigos científicos já publicados.

 

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA OU DISCUSSÕES

 

1. TEORIA SUBJETIVA

Trataremos inicialmente sobre a teoria subjetiva, defendida por Savigny, alemão que, aos 24 anos, publicou sua clássica obra “Tratado da posse”. Teve como maior virtude o fato de entender a posse como instituto autônomo, como direitos exclusivamente resultantes dela- ius possessionis. (GONÇALVES, 2012, p. 36).

 Para Savigny a posse se caracteriza pela conjugação de dois elementos: O corpus, elemento objetivo que consiste na detenção física da coisa, e o animus, elemento subjetivo, que seria a intenção de ter a coisa para si e de defendê-la contra a intervenção de outrem. Neste sentido, o locatário, o depositário e outros sujeitos em situação semelhante, sem animus domini, não seriam possuidores e sim meros detentores, pois não teria qualquer intenção de tornarem-se proprietários da coisa. A posse para Savigny é um estado de fato, no entanto para definir o grau de proteção concedido ao bem em relação ao seu detentor se fazia necessário analisar se o mesmo possuía animus domini, ou seja, a vontade de ser dono. Diante disso, sua teoria ficou conhecida como subjetiva, pois se fazia necessário pesquisar a intenção do agente.

Logo o animus domini é o fator responsável por diferenciar os conceitos de posse e detenção, visto que a utilização da coisa sem a vontade de tê-la como sua não gera posse e sim mera detenção. Assim, o locatário, o usufrutuário e o arrendatário não constituiriam relação possessória e não poderiam, portanto, ajuizar as medidas competentes para a proteção do bem que detêm nessas situações. Esse é o ponto de forte crítica a esta teoria.

Tanto o conceito de corpus como o do animus sofreram mutações na própria teoria subjetiva. O primeiro inicialmente considerado simples contato físico com a coisa, posteriormente passou a consistir na mera possibilidade de exercer esse contato, tendo sempre a coisa à sua disposição. Também a noção de animus evoluiu para abranger não apenas o domínio, senão também, os direitos reais, sustentando-se inda a possibilidade de posse sobre coisas incorpóreas.

A imposição do elemento vontade caracteriza o nome da teoria como subjetiva. Apesar dos avanços apresentados por Savigny, a imposição apresentada do elemento vontade é o motivo das maiores críticas que lhe são oferecidas.

Ocorre que o animus é elemento íntimo e de difícil prova ou percepção, causando embaraços para a ação que visa tutelar o respectivo direito.

No Brasil a teoria de Savigny é aplicada, por exemplo, para explicar a posse usucapiendo, eis que basta que possua a coisa com vontade de ser o proprietário para que tenha acesso aos interditos e possa beneficiar-se da usucapião.

 

2. TEORIA OBJETIVA 

Ihering era um ferrenho crítico da Teoria Subjetiva de Savigny e desenvolveu sua teoria acerca da posse, no livro “O espírito do Direito Romano”, onde considerava a posse uma exteriorização do domínio. Ao passo que desconsiderava o elemento subjetivo trazido por Savigny, qual seja a vontade de ser dono.

De modo que a posse se verifica quando o possuidor detiver a coisa exercendo poderes próprios de proprietário, o que fez com que sua teoria ficasse conhecida como Teoria Objetiva, já que pouco importa a intenção do possuidor (animus domini) para caracterizar a posse. Importando, na verdade, a maneira como o proprietário age em face da coisa, ou seja, a conduta de dono.

E essa conduta de dono pode ser analisada objetivamente ao verificar se o possuidor age como habitualmente o faz o proprietário, ou seja, sem a necessidade de avaliar a intenção do agente. Neste sentido, se um lavrador deixa sua colheita do campo, embora não a tendo fisicamente, conserva a posse sobre ela. Visto que essa é uma atitude natural de um dono em relação a uma colheita. No entanto, já não conserva a posse, um agente que também no campo deixa uma jóia, pois esta não é uma atitude típica de proprietário (Sílvio Rodrigues, Direito Civil, v.5, p. 18). Logo, a posse é o uso econômico da coisa e é por isso que deve ser protegida.

Ihering ainda cita outros exemplos para reforçar sua teoria, como o caso dos pássaros apanhados num laço, materiais de construção ao lado de uma residência em construção e uma charuteira com charutos. Ele defende que o homem comum saberá que tanto os pássaros quanto os materiais de construção estão naquela situação não porque estão perdidos e sim porque o dono escolheu deixá-los ali, pois se trata de uma situação normal do dono com a coisa. Já a charuteira ao ser encontrada no mesmo local que os citados objetos, será julgada como perdida, visto que não é comum ser deixada ali. E, isso mostra, segundo ele, que até o homem comum aplica o raciocínio da posse segundo o destino econômico da coisa.

Ihering ainda fez a distinção da posse direta e indireta, já que ele entendia que posse e propriedade se exteriorizavam da mesma maneira. Sendo que o possuidor é o que detém o poder de fato sobre a coisa e o proprietário aquele que detém o poder de direito. Podendo os poderes de fato e de direito se concentrarem em uma única pessoa.

Sabendo que é a conduta de dono que determina a ocorrência ou não de posse do sujeito em relação ao objeto, Ihering afirma que o que converte tal relação em mera detenção são os obstáculos legais. Ou seja, quando a lei determina que determinadas situações sejam de detenção e não de posse, tratando-se assim a detenção de uma posse degradada.

Resta claro que o Código Civil de 2002 adota a Teoria Objetiva de Ihering, quando em seu art.1196 considera possuidor aquele que exerce algum dos poderes inerentes ao proprietário, ou seja, exerce conduta de dono. E ainda aponta o Código, expressamente, situações em que esta conduta de dono configura detenção e não posse, quando em seu art. 1198 considera detentor aquele que conserva a posse em nome de outrem ou que cumpre instruções ou ordem daquele em cuja dependência se encontre. Bem como o art. 1208, do Código Civil que também considera detenção os atos de mera permissão ou tolerância e ainda os atos violentos ou clandestinos.

 

3. TEORIA SOCIOLÓGICA

Desenvolvida, entre outros, por Silvio Perozzi, Raymond Saleilles e Hernandez Gil, a teoria sociológica defende que a posse existe quando a sociedade atribui ao sujeito o exercício da posse. Aquele que der a destinação social ao bem da vida será o possuidor. Sua teoria preconiza que a posse tem autonomia em face da propriedade.

Perozzi entende que a desistência de terceiros diante de uma situação é o que legitima a posse.

Para Saleilles o possuidor é aquele que manifesta a independência econômica para, por exemplo, arcar com a manutenção e sustentabilidade da coisa.

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Já Gil acredita que a propriedade deve servir a propósitos coletivos.

Essas novas teorias, que dão ênfase ao caráter econômico e a função social da posse, aliadas à nova concepção do direito de propriedade, que também deve exercer uma função social, como prescreve a  Constituição Federal de 1988, no inciso XXIII, do art 5°, que consagra a função social da propriedade: “ a propriedade atenderá a sua função social”.

Os doutrinadores modernos com o intuito de dar uma maior importância à noção de posse passaram a desenvolver a teoria da função social da posse. Fazendo-a adquirir a sua autonomia em face da propriedade, onde em alguns casos e diante de certas circunstância o direito de posse irá prevalecer diante do direito de propriedade.

Saleilles é o mais notório defensor desta teoria e concorda com a teoria objetiva, pois exclui do conceito de posse a intenção do agente, ou seja o animus domini. Assim, ele agrega à Teoria Objetiva a ideia de que tal posse somente poderá pleitear proteção jurídica quando o estado de fato sobre a coisa estiver acompanhado da realização de algum objetivo socioeconômico. Com isso Saleilles busca evitar a chamada posse por mera especulação, ou seja, aquela posse sem nenhum objetivo social ou econômico.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo teve como objetivo mostrar a evolução das teorias que buscavam explicar o conceito de posse e como esses estudiosos influenciaram a sociedade com vistas a garantir a melhor forma de proteger este instituto tão importante para o Direito, qual seja o direito possessório.

Percebemos que a Teoria Subjetiva de Savigny resta superada, pois atribui importância exagerada ao elemento animus, deixando de proteger, por exemplo, o arrendatário, o locatário e usufrutuário. Visto que estes não possuem a coisa com a intenção de tê-la como dono. Assim, para Savigny, tais situações não merecem proteção jurídica, o que enfraqueceu sobremaneira a sua teoria.

Quanto ao Código Civil, este de maneira acertada adota a Teoria Objetiva de Ihering, pois é a que oferece maior segurança jurídica e abarca o maior número de situações fáticas. Como também possibilita uma melhor distinção entre posse e detenção e entre posse direta e indireta.

Por fim, a Teoria Sociológica ainda está em construção e se apresenta como uma boa alternativa para o futuro. É defendida por modernos doutrinadores, visto que busca melhorar a Teoria Objetiva através da inclusão do elemento social ou econômico.

 

REFERÊNCIAS

TARTUCE, Flavio. Manual de Direito Civil: volume Único. São Paulo, Método, 2011.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro: direito das coisas. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro: direito das coisas. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

NETO, José Agostinho dos Santos, A evolução do conceito de posse através das teorias de Savigny, Ihering e Saleilles. Disponível em <https://joseagostinhoneto.jusbrasil.com.br/artigos/247469407/a-evolucao-do-conceito-de-posse-atraves-das-teorias-de-savigny-ihering-e-saleilles> Acesso em: 25 out 2017.

 

 

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Sobre os autores
Letícia Helena Paulino Maciel de Sousa

Acadêmica de Direito do Centro Universitário Dr. Leão Sampaio (UNILEÃO) - 10º período.

Kassio Silva de Sousa

Acadêmico de Direito na Faculdade Paraíso (FAP) - 7º período; Especializando em Direito Constitucional pela Universidade Regional do Cariri (URCA).

Adriana de Sousa Alencar

Acadêmica de Direito no Centro Universitário Dr. Leão Sampaio (UNILEÃO)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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