Educação Ambiental e a interdisciplinaridade: ressignificando saberes e práticas
A interdisciplinaridade surgiu como uma necessidade de explicara complexidade dos fenômenos, de diferentes naturezas, cuja especialização do conhecimento já não conseguia mais dar conta.Se a realidade se apresenta de forma multidimensional, a sua compreensão requer um pensamento igualmente abrangente, que abarque sua amplitude, que promova o diálogo entre os campos de conhecimento, rompendo com as fronteiras conceituais e possibilitando a construção de novos saberes (ALVARENGA, 2011).
Trata-se de uma mudança paradigmática que vem aos poucos suplantando o caráter da especialização científica e a concepção fragmentada de natureza e de sociedade presente no modelo de pensamento positivista.
Dessa forma, a interdisciplinaridade se constitui como uma reação à concepção da supremacia disciplinar e racional e propõe a construção de uma nova forma de conceber a realidade, resgatando o lado humano e ampliando, assim, as possibilidades de olhares e intervenções. Tal proposição já se manifesta como tendência em várioscampos científicos, dentre eles a educação.
A inserção da Educação Ambiental nos currículos escolares, por meio da prática interdisciplinar, visa integrar os diferentes campos do saber, refletir e buscar soluções na coletividade para os problemas complexos, mas sem abandonar o olhar humanizado sobre as relações com a natureza e demais seres vivos. Nessa direção, Leff (2007) complementa que “aprender a complexidade ambiental não se constitui um problema de aprendizagens do meio, e sim de compreensão do conhecimento sobre o meio” (LEFF, 2007, p. 217).
A prática da EA nas escolas foi referendada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) que sugerem a abordagem da relação homem/natureza de forma integradora, por meio de temas transversais comuns às várias disciplinas, propiciando assim o desenvolvimento de projetos interdisciplinares. O documento propõe reunir em diálogo um conjunto detemáticas que “não dizem respeito apenas à proteção da vida no planeta, mas também a melhoria do meio ambiente e da qualidade de vida das diferentes comunidades” (BRASIL, 1997, p. 23).
Tais propostas buscam levar os alunos a discutir os problemas globais e locais, suas causas e seus desdobramentos sob os diversos olhares e nas diferentes áreas do conhecimento, enfatizando o importante papel da educação na formação da consciência ambiental e da sociedade-mundo. Dessa forma, espera-se atingir “mudanças de comportamento pessoal e a atitudes e valores de cidadania que podem ter fortes consequências sociais” (BRASIL, 1997, p. 27).
Nessa perspectiva, o desenvolvimento da temática ambiental por meio de projetos interdisciplinares favorece amplamente a abordagem contextualizada e o protagonismo dos atores envolvidos, visto que essa metodologia caracteriza-se pela construção coletiva das propostas, pela busca conjunta de soluções para os desafios levantados e pelo exercício de valores de cooperação, solidariedade e respeito. Trata-se, portanto, de uma nova atitude na articulação entre ensinar e aprender, o que leva à ressignificação do trabalho pedagógico, a revisão dos métodos e conteúdos, bem como a organização do ambiente para a aprendizagem.
Portanto, se uma mudança de paradigma está em curso, a educaçãonão pode-se furtar a contribuir para o resgate da relação intrínseca entre seres humanos e natureza, com a multiplicidade de aspectos que a envolvem. Se a crise ambiental é protagonizada por uma racionalidade insana, cabe (também) à educação lançar a semente da mudança desde cedo, nas classes iniciais, fomentando o desenvolvimento de outra forma de pensar e analisar o sentido de humanidade, de vida e de planeta.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Face à crise ambiental (e racional), esse novo milênio aponta para a conscientização de que os fenômenos que ocorrem no mundo têm consequências globalizadas, o que demanda uma responsabilidade compartilhada no cuidado e uso dos recursos naturais pela sociedade-mundo.
Sendo essencial à vida e ao equilíbrio dos ciclos no planeta, a preservação da água torna-se um tema primordial no cenário global, do qual nenhuma nação pode se eximir de sua responsabilidade na gestão deste recurso.
Embora o direito à vida seja um princípio universal, preconizado pelas Nações Unidas (1948) e pela Constituição do Brasil (1988), observa-se que o acesso à água potável deveria ser, da mesma forma, um direito humano universal, visto sua essencialidade para a manutenção vital ou para a qualidade de vida das pessoas. No entanto, constata-se que tal direito é violado, visto que o acesso à água tratada tem um preço, excluindo boa parcela da população mundial (e brasileira). E com a crescente demanda e a progressiva escassez do recurso, as projeções indicam uma situação muito crítica já nas próximas décadas.
Nesse contexto conflituoso, a Educação Ambiental apresenta-se como uma possibilidade de mudança na concepção fria e mercantilista que se instaurou na relação entre os homens e destes com a natureza. Sob o olhar da interdisciplinaridade, (re)ligando os saberes e resgatando os valores humanitários, a EA torna-se um poderoso instrumento de transformação social, capaz de atuar na construção de hábitos e comportamentos mais conscientes e solidários em relação à preservação e consumo dos recursos naturais, especialmente a água.
Para atingir esse objetivo, o currículo escolar precisa estar integrado ao “currículo da vida”, onde os saberes adquirem significados e conduzem à mudança verdadeira, essencial e urgente frente aos desafios postos. Uma vez que os problemas ambientais ultrapassam fronteiras territoriais, a Educação Ambiental se faz necessária e urgente para romper com a visão fragmentada sobre os fatos cotidianos, ampliando as possibilidades de olhares e intervenções numa nova racionalidade.
REFERÊNCIAS:
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