A visão da prática da eutanásia no Brasil

04/03/2018 às 22:35
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O presente artigo possui como objetivo abordar a prática da Eutanásia no Brasil, demonstrando quais os seus benefícios e principalmente porque tal prática é vista com maus olhos em nossa sociedade; trata-se do direito de morrer com dignidade.

Resumo: O presente artigo aborda de forma crítica a discussão da prática da eutanásia no Brasil, fazendo uma interpretação sobre os princípios da bioética sob a ótica desta prática, ressaltando também a crucial diferença entre eutanásia, distanásia e ortotanásia, uma vez que para se explicar a eutanásia, é de suma importância a diferenciarmos das demais condutas que estão relacionadas sobre a cessação do sofrimento de um doente enfermo que se encontra em situação de vida inviável e lhe garantir uma morte digna. Por fim, são expostos e analisados os objetivos da prática da eutanásia, com ênfase aos seus benefícios e porque é tão complexo que a nossa sociedade ocidental brasileira não aceite a morte de forma natural.

Palavras chaves: Eutanásia. Dignidade. Sofrimento. Vida. Morte.

Sumário: Introdução. 1. A bioética e a análise de seus princípios. 2. A diferença entre Eutanásia, Distanásia e Ortotanásia. 3. A discussão da prática da Eutanásia no Brasil em pleno século XIX. Conclusão. Referências.

Introdução

A prática da eutanásia gera polêmicas, pois a nossa sociedade brasileira não consegue lidar com a morte, questão esta enraizada na cultura ocidental; e é por conta disto que milhares de pessoas com vidas inviáveis e doenças incuráveis sofrem em macas de hospitais, pois a sua família não encara a morte como acontecimento inevitável e prefere prolongar, por egoísmo e vaidade, o sofrimento deste ente.

Atualmente, a legislação penal brasileira não possui previsão para a prática da eutanásia, entretanto, ela é classificada como homicídio privilegiado; é importante lembrarmos que não há possibilidade para ocorrer analogia maléfica no Direito Penal, mas em relação à prática da eutanásia, isto ocorre para se evitar que se pratique esta conduta com fins maléficos e homicidadas, entretanto, quando o princípio da eutanásia é respeitado (cessar o sofrimento de uma vida inviável e lhe garantir uma morte digna), esta prática não deveria ser encarada como violação de direito à vida, e sim como garantia de direito à morte.

Este problema deve ser discutido para que a sociedade jurídica compreenda que praticar eutanásia contra um ente querido não configura crime de homicídio, pois a mesma está garantindo o direito de morrer com dignidade, e não envolve ódio ou motivo fútil.

A realização do presente artigo contribui para que a legislação e a sociedade entendam que o ato conhecido como "boa morte" está assegurando um direito humano, que é morrer com dignidade e em paz; ninguém é obrigado a sofrer em uma UTI, é preciso entender e discutir que no ato da eutanásia benéfica não há que se falar em crime de homicídio, e sim em compaixão e respeito pelo direito do próximo.

1. A bioética e a análise de seus princípios

Atualmente, de acordo com André Hellegers, a bioética se caracteriza como a ética da ciência da vida, estudando no campo da ciência a vida e a saúde enquanto os princípios e valores morais, porém, nem sempre a bioética teve esse conceito. O termo foi empregado pela primeira vez em 1971 por Van Rensselder Potter, que considerava a bioética uma relação de compromisso com o equilíbrio das relações humanas com o ecossistema (DINIZ, 2011, p.33); vejamos isto com maior detalhe nas palavras de Namba (2009, p.8):

Potter dizia que a bioética "é a ponte entre a ciência e as humanidades". Ele se propunha a enfatizar os dois componentes mais importantes para se atingir uma nova sabedoria: o conhecimento biológico e os valores humanos.

Em 1988, outra é a definição apresentada pelo oncologista: é "a combinação da biologia com os conhecimentos humanísticos diversos constituindo uma ciência que estabelece um sistema de prioridades médicas e ambientais para a sobrevivência aceitável". Ele procurou dar ênfase a uma bioética global, com ampla abrangência.

Na definição atual, a bioética não é uma parte da biologia, e sim da ética, é uma parte da nossa responsabilidade com a humanidade e com a nossa relação de homem com homem; a vida deve ser conduzida de forma ética, ou seja, de acordo com o bem comum de todos e para todos (NAMBA, 2009, p.10). Nas palavras de Maria Helena Diniz (2011, p.34-35):

A bioética seria, em sentido amplo, uma resposta da ética às novas situações oriundas da ciência no âmbito da saúde, ocupando-se não só dos problemas éticos, provocados pelas tecnociências biomédicas e alusivos ao início e fim da vida humana, às pesquisas em seres humanos, às formas de eutanásia, à distanásia, às técnicas de engenharia genética, às terapias gênicas, aos métodos de reprodução humana assistida, à eugenia, à eleição do sexo do futuro descendentes a ser concebido, à clonagem de seres humanos, à maternidade substitutiva, à escolha do tempo para nascer ou morrer, à mudança de sexo em caso de transexualidade, à esterilização compulsória de deficientes físicos ou mentais, à utilização de tecnologia do DNA recombinante, às práticas laboratoriais de manipulação de agentes patogênicos etc., como também dos decorrentes da degradação do meio ambiente, da destruição do equilíbrio ecológico e do uso de armas químicas.

Visando a proteger cada vez mais os valores da vida presentes na bioética, no final da década de 70 e começo de 80, quatro princípios básicos surgiram para enaltecer o ser humano, como explica Diniz (2011, p.38):

No final da década de 70 e início dos anos 80, a bioética pautou-se em quatro princípios básicos enaltecedores da pessoa humana, tendo dois deles caráter deontológico (não maleficiência e justiça) e os demais, teleológicos (beneficiência e autonomia).Esses princípios, que iluminam a nova caminhada da humanidade, estão consignados no Belmont Report, publicado, em 1978, pela National Commission for thr Protection of Human Subjects of Biomedical and Behavioral Research (Comissão Nacional para a Proteção dos Seres Humanos em Pesquisa Biomédica e Comportamental), que foi constituída pelo governo norte-americano com o objetivo de levar a cabo um estudo complexo que identificasse os princípios éticos básicos que deveriam nortear a experimentação de seres humanos nas ciências do comportamento e na biomedicina. Tais princípios são racionalizações abstratas de valores que decorrem da interpretação da natureza humana e das necessidades individuais.

O princípio da não maleficiência consiste em não acarretar dano intencional ao indivíduo e sempre assegurar o melhor para o mesmo; o princípio da justiça requer a imparcialidade em relação aos riscos e benefícios que irão atingir o paciente através da prática médica, levando em consideração que todos devem ser tratados de forma igual de acordo com as suas necessidades (DINIZ, 2011, p.39).

O princípio da beneficiência requer o atendimento por parte do médico ou dos geneticista ao maior interesse dos indivíduos presentes na prática biomédica ou médica, visando ao bem-estar, evitando, na medida do possível, dano ou danos ao paciente. O princípio da autonomia requer que o profissional da saúde respeite a vontade de seu paciente ou representante, levando em consideração que o indivíduo é capaz de saber o que é melhor para si (DINIZ, 2011, p.38-39).

Todos estes princípios buscam o melhor para todo e qualquer indivíduo, principalmente para aquele que se encontra em um estado delicado de sua vida, tornando-se um paciente terminal em um leito de hospital, e é em torno disto que atualmente se discutem os princípios da bioética, como explica Maria Berenice Dias (2005, p.210):

Mas vida continua sendo vida. E as respostas devem ser buscadas na leitura e interpretação dos quatro princípios básicos da Bioética: o da não-maleficência, da beneficência, da autonomia e da justiça.

Não-maleficência significa não fazer o mal. Mas manter vidas inviáveis, com o sofrimento do paciente, será maleficência? Beneficência é fazer o bem. O médico deve empregar os meios possíveis. Mas cabe indagar: é benemerente a atitude do médico de manter a vida pela vida, embora sabendo-a inviável, ainda que vendo a insuportabilidade da dor do paciente?

O princípio da autonomia compreende-se como o direito do paciente no uso pleno de sua razão - ou de seus responsáveis, quando faltar consciência - de estabelecer os limites em que gostariam e ver respeitada a sua vontade em situações fronteiriças. Assim, cabe questionar, existe o direito do indivíduo de antecipadamente dizer: "não quero que tentem nada''?

Outra hipótese diz com a validade do documento público elaborado por alguém plenamente capaz solicitando que nada seja levado a efeito, em caso de doença incurável, em particular as que conectam do mundo , ou quando o prolongar a vida seja às custas de intenso sofrimento.

O mais delicado dos princípios é o da justiça, em face do qual se questiona: até que ponto é legal, não apenas legítimo, suspender os suportes de vida? Há uma faceta que sempre é mistificada e escondida e que se encontra subjacente em motivações de ordem econômica(...).

De acordo com os princípios básicos da bioética, o objetivo é o bem para todos, sendo assim, pode-se analisar cada um como um todo. Se não-maleficiência significa não fazer o mal, qual é o princípio pelo qual deixar um enfermo agonizando e piorando cada dia mais em uma cama preserva o bem estar dele? Ao se deixar de aliviar o sofrimento humano quando possível e não fazer isso por egoísmo, com certeza a não-maleficiência está sendo desonrada.

A beneficência consiste em fazer o bem, logo, como pode um paciente sofrer um ato de bondade por parte dos médicos e até mesmo de seus familiares se não o deixam morrer em paz? Se a sua angústia e desespero aumentam a cada dia em uma cama onde o mesmo se encontra debilitado; por mais que seja doloroso para uma família ter que perder um ente querido pelo processo da eutanásia, pior ainda é ver o mesmo sofrendo a uma intensidade maior a cada instante.

O princípio da autonomia consiste na escolha consciente e racional por parte do enfermo ou de um familiar (quando o mesmo não puder se manifestar) para optar pela cessação de seu sofrimento quando for necessário, logo, se essa opção for eleita como o melhor a ser feito, a prática não deve ser vista como crime, uma vez que a escolha foi decidida de forma correta e não impulsional.

Por último e não menos importante, o princípio mais delicado é o da justiça, como ressaltou a própria autora. Até onde é legal suspender os suportes da vida? Deixar com que um enfermo descanse em paz não é atentar contra a sua vida, e sim respeitar o seu direito de morrer, e com dignidade.

2. A diferença entre Eutanásia, Distanásia e Ortotanásia

Ao abordarmos o tema da eutanásia, é de suma importância diferenciarmos esta prática da prática de distanásia e ortotanásia.

Etimologicamente, eutanásia significa uma morte serena e sem sofrimento; atualmente a expressão é usada para representar uma morte provocada por piedade ou por compaixão em face daquela pessoa que sofre, antecipando a sua morte e inibindo o seu sofrimento (NAMBA, 2009, p.171). A partir desta breve análise, é importante citarmos o entendimento de Edison Namba (2009, p.171):

A verdadeira eutanásia ocorre quando a morte é provocada em quem é vítima de forte sofrimento e doença incurável(...). A eutanásia caracteriza-se, portanto, quando há: a)morte provocada por sentimento de piedade, compaixão; b)a pessoa visada é acometida de sofrimento e doença incurável. Caracteriza-se o homicídio, não a eutanásia, quando alguém provoca a morte de outrem para obter alguma vantagem econômica ou, então, para vingar-se.

Quando estamos nos referindo à prática da eutanásia, a expressão direito de morrer é mais adequada do que direito à morte, uma vez que a morte é um fato inevitável para todos nós, por isso, é preferível usar o termo morte digna (VIEIRA, 2006, p.33).

Embora a eutanásia seja o ato de romper o sofrimento intenso de outrem, é importante analisarmos a sua divisão, uma vez que há diferença entre eutanásia ativa, eutanásia passiva e eutanásia de duplo efeito, como conceitua Namba (2009, p.172):

A eutanásia ativa é o ato deliberado de provocar a morte sem sofrimento do paciente, por fins humanitários (em caso de utilização de uma injeção letal).

Na eutanásia passiva, a morte ocorre por omissão em se iniciar uma ação médica que garantiria a perpetuação da sobrevida (deixar de se aclopar um paciente em insuficiência respiratória ao ventilador artificial).

Quanto à eutanásia de duplo efeito, a morte é acelerada como consequência de ações médicas não visando ao êxito letal, mas ao alívio do sofrimento de um paciente (emprego de uma dose de benzodiazepínico para minimizar a ansiedade e a angústia, gerando, secundariamente, depressão respiratória e óbito).

A eutanásia ainda é subdividida em eutanásia voluntária, quando se atende a uma vontade expressa do doente; eutanásia involuntária, quando o ato é realizado contra a vontade do paciente e eutanásia não voluntária, em que a morte ocorre sem se saber a vontade do enfermo (NAMBA, 2009, p.172).

O termo "distanásia" é muito pouco conhecido ainda, ao contrário do termo "eutanásia", que a todo momento ganha grande repercussão na mídia e da sociedade, mas é, entretanto, muito menos praticado do que a distanásia em nossos hospitais (PESSINI, 2009, p.177); complementando esta ideia nas palavras do mesmo autor, Pessini (2009, p.177):

Que entender por distanásia? O dicionário Aurélio conceitua o termo com precisão ao defini-lo como "morte lenta, ansiosa e com muito sofrimento". Trata-se, portanto, do tratamento fútil e inútil que simplesmente prolonga a agonia, o sofrimento e adia a morte. Nessa conduta, não se prolonga a vida propriamente dita, mas o processo de morrer. É a obstinação terapêutica que nega a finitude humana.

Em relação à distanásia, é de suma importância citarmos inicialmente o pensamento de Pessini (2007, p.144):

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O dever médico de prolongar a vida a qualquer custo não tem raízes clássicas, como mostra Darel W. Amundsen. O tratado A morte no Corpo Hipocrático define a medicina a partir de três objetivos: Aliviar o sofrimento do paciente, diminuir a violência de suas doenças e recusar tratar aqueles que estão completamente tomados por suas doenças, reconhecendo que em tais casos a medicina não pode fazer nada.

Baseando-se na citação acima relatada, deve-se entender que a Medicina tem a função de aliviar o sofrimento do paciente, sendo assim, a prática da distanásia está violando esta função, uma vez que centenas de pessoas em todo e qualquer lugar do mundo se encontram em um estado vegetativo em macas de hospitais, possuindo suas vidas prolongadas por grande dose de remédios que não lhe proporcionam dignidade alguma de vida, apenas prolongam o sofrimento de um ser humano que se encontra nesta situação em decorrência do egoísmo de outras pessoas que preferem lhe ver sofrendo em uma cama do que aliviar esta situação e lhe proporcionar uma morte digna. Nas palavras do professor Cabette (2009, p.15):

(...)Afinal, como sublinha Rachels,"nada pode estar moralmente certo ou errado simplesmente porque uma autoridade assim afirma", ainda que esta autoridade advenha de uma norma legal ou regulamentar. O pensamento e o agir moral baseiam-se na ponderação de razões e na disposição de guiar-se por suas indicações.(grifo do autor)

O conceito de distanásia gira em torno da problemática de definir quando a intervenção médica irá beneficiar ou não o paciente que se encontra em um estado crítico terminal, vegetativo ou um neonato concebido com seríssimas deficiências congênitas; nestes casos a intervenção médica seria fútil e inútil, uma vez que se trata de vidas inviáveis (PESSINI, 2007, p.163). Conclui assim o autor Pessini (2007, p.163):

Finalizamos nossa reflexão ética apresentando uma perspectiva de trabalho que seja de ajuda a todas as partes envolvidas (pacientes, familiares, profissionais e instituições), destacando a necessidade de se definir algumas diretrizes em torno de quando um determinado tratamento é fútil e, portanto, não deve ser aplicado. Esse desafio-tarefa é apontado pela grande maioria dos bioeticistas envolvidos na discussão da distanásia.

Para melhor se entender a distanásia e compreender a sua problemática, é importante mencionar uma história pequena porém clara sobre esta dolorosa e cruel prática, como conta Pessini (2009,p.177-178):

No interessante artigo "Escolhendo morte ou mamba em UTI (Unidade de Terapia Intensiva)", publicado, em 1991, no jornal norte-americano Washington Post, o doutor John Hansen conta uma interessante história que aqui resumimos: mamba é uma serpente africana peçonhenta, cuja picada inflige grande sofrimento antes da morte quase certa. Conta-se a história de três missionários aprisionados por uma tribo de canibais, cujo chefe lhes ofereceu entre a morte e a mamba. Dois deles, sem saber do que se tratava, escolheram a mamba e aprenderam, assim, da maneira mais cruel, o significado de uma longa e torturante agonia para só então morrer. Diante disso, o terceiro missionário rogou logo pela morte, ao que o chefe respondeu-lhe: "Morte você terá, mas primeiro um pouquinho de mamba".

Não é isso que vem acontecendo nos nossos hospitais, que utilizam tecnologia de ponta nas UTI's? Do mesmo modo como o missionário não sabia o que significava mamba, o público, em geral, e os profissionais da saúde, em particular, desconhecem a existência e o significado da distanásia, cuja prática é muito comum nos hospitais de hoje, quando não se deixa a pessoa morrer em paz e com dignidade. Uma postura mais humana diante de um paciente sem possibilidade de cura, e que não prolongue seu sofrimento, é facilmente interpretada como eutanásia ou, então, confundida com omissão de socorro.

A ortotanásia é a prática de deixar morrer de modo natural o indivíduo que se encontra em estado terminal, sem lhe oferecer nenhuma ajuda médica, ou seja, é a morte advinda por abstenção ou omissão de cuidados (VIEIRA, 2006, p.33).

Por não se tratar de uma ação que visa diretamente a interromper a vida do paciente, a ortotanásia não é reprovada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e não é expressamente prevista em nosso ordenamento jurídico, como explica Cabette (2009,p.13):

Em 28.11.2006 o Conselho Federal de Medicina (CFM) firmou posição com relação à não reprovabilidade deontológica da prática da chamada ortotanásia. Efetivamente naquele dia foi publicada no Diário Oficial da União a Resolução 1.805/06 do CFM, a qual, em seu art. 1º estatui o seguinte:

Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal.(grifo do autor)

Ocorre que embora a discussão sobre a temática do direito à vida e do direito de vida digna seja recorrente nos meios jurídicos, nosso ordenamento é omisso quanto a um tratamento claro e direto do tema. Assim é que o Código Penal, ao regular o crime de homicídio, não faz menção expressa à questão da eutanásia em nenhuma de suas diversas modalidades, inclusive a ortotanásia.

Embora o Conselho Federal de Medicina tenha se posicionado em relação à ortotanásia, o mesmo não é capaz de finalizar a polêmica que gira em torno desta prática, uma vez que ele não possuiu aspecto jurídico-penal, como cita Eduardo Cabette (2009, p.16):

Também em relação ao aspecto jurídico-penal da matéria, a Resolução 1.805/06 CFM não tem o condão de pôr fim à polêmica sobre a reprovabilidade criminal na ortotanásia. Ela somente insufla o debate e, como já frisado, pode funcionar como uma motivação para o tratamento mais claro da questão na legislação penal. No entanto, é de trival conhecimento que uma normativa administrativa oriunda de um órgão consultivo profissional não pode alterar a legislação penal, criando tipos criminais ou mesmo descriminalizando condutas. Este é um espaço exclusivo para a legislação federal, imposto por "reserva de lei" pela própria Constituição (CF,arts. 5º, XXXIX; 22, I; e 62, I,"b").

A ortotanásia é a síntese ética entre o morrer com dignidade e o respeito à vida humana, que nega a prática da eutanásia, onde se abrevia a vida; e da distanásia, que se caracteriza pelo prolongamento da agonia e do sofrimento do paciente antes de morrer (PESSINI, 2009, p.179).

A questão da prática da ortotanásia gira em torno de se deixar o enfermo morrer bem e com dignidade e principalmente sem sofrimento, fazendo com que ele e seus familiares aceitem um fato inevitável entre nós: a morte; quanto a isso, esclarece Pessini (2009, p.179):

A ortotanásia permite, ao doente que se encontra diante da morte iminente e inevitável, bem como aqueles que estão ao seu redor - sejam familiares, sejam amigos, sejam profissionais da saúde -, enfrentar com naturalidade a realidade dos fatos, encarando o fim da vida não como uma doença para qual se deva achar a cura a todo custo, mas sim como condição que faz parte do nosso ciclo natural.

A cultura ocidental esconde e nega a morte. Essa atitude acaba marginalizando os doentes terminais, que estão por aí para nos lembrar de algo que não gostamos nem de pensar: do nosso fim, pois, simplesmente, somos mortais. A perspectiva da ortotanásia é a de integrar na vida a dimensão da mortalidade e de distinguir o que significa curar e cuidar. Em outras palavras, manter a vida e lutar pelo restabelecimento do doente, quando isso for uma intervenção que traga esperança e saúde, e permitir que a pessoa morra, quando a cura não é mais possível e a hora de dizer adeus se aproxima.

No fundo, a ortotanásia nada mais é do que permitir ao enfermo que ele morra da melhor maneira e digna possível, cercado de amor e carinho por parte daqueles que lhe rodeia. A Medicina nem sempre curará o indivíduo, então, cabe a nós respeitarmos a sua integridade humana através de alguns pequenos e importantes princípios, como menciona Pessini (2009, p.180):

  • Tenha a sua dor e sofrimento cuidados com tratamento adequados;

  • Receba cuidados contínuos e não seja abandonado quando os objetivos da medicina mudam da "cura" para o "cuidado";

  • Seja o protagonista, e não mero objeto, do processo de cuidados de saúde;

  • Tenha controle, tanto quanto for possível, das decisões a respeito de sua vida;

  • Seja-lhe dada a possibilidade de recusar a obstinação terapêutica (distanásia);

  • Seja ouvido e respeitado em seus medos, pensamentos, sentimentos e valores;

  • Possa optar, quando possível, por despedir-se da vida no local que deseja.

Assim, mesmo a morte sendo um fato inevitável, não há dúvidas acerca de que é muito melhor esperar este momento sem sofrimento, do que encarar esta realidade acompanhada de dores, sejam elas físicas como espirituais.

3. A discussão da prática da Eutanásia no Brasil em pleno século XIX

Como eutanásia, pode-se considerar então toda a ação ou omissão realizada com o objetivo de suprimir a vida de um paciente com a finalidade de evitar sofrimento físico ou psíquico (URBAN, 2010, p.86), ou seja, não se trata de um homicídio qualificado por motivo fútil ou torpe, e sim de uma ação dotada de compaixão e piedade por aquele enfermo que não possui mais cura. Um dos grandes problemas em torno desta prática se encontra no fato de um esquecimento básico por conta dos médicos, como cita Cícero Urban (2010, p.88):

Não foi ensinada ao médico a compaixão como terapêutica e ficou esquecido no tempo o jargão do “cuidar mais do que curar”. É neste contexto em que se ancoram alguns discursos pró-eutanásia hoje: o da falta de esperança e o medo da solidão na última fase da vida, bem como o da necessidade de se respeitar a autonomia como valor absoluto.

Délio Kipper menciona o artigo 7º do Código de Ética Médica do Brasil (2004, p.410):

O Código de Ética Médica do Brasil, datado de 1998 diz, em seu artigo 7º: "O médico deve guardar respeito absoluto pela vida humana, atuando sempre em benefício do paciente. Jamais utilizará seus conhecimentos para gerar sofrimento físico ou moral, para exterminar o ser humano ou para permitir ou encobrir os ataques a sua dignidade e integridade".

Sobre o artigo 7º do Código de Ética Médica do Brasil, cabe aqui uma análise sobre o que o mesmo diz. O médico deve ter respeito pela vida humana e atuar em benefício do paciente, mas onde podemos ver a prática disto quando os médicos insistem em prolongar a vida inviável de uma pessoa, acreditando que um dia irá surgir a cura para aquela doença e enquanto isto o paciente sofre em silêncio? O médico não deve usar seus conhecimentos para gerar sofrimento ao paciente, mas deixar ele agonizando, vegetando, sofrendo e não lhe abreviando a vida por "consciência pesada", é usar o seu conhecimento para o quê? Ao tratarmos de eutanásia, o médico não está exterminando ninguém, até porque esta prática é usada para garantir uma morte digna para aquelas pessoas que possuem vidas inviáveis, seria extermínio e homicídio se o paciente não se encontra em um estado de vida inviável e com possibilidade de cura.

Há um grande debate acerca da eutanásia e até mesmo sobre o seu entendimento, como menciona Soares (2006,p.142):

O debate sobre eutanásia tem recebido destaque da imprensa e a atenção de vários profissionais da saúde, além de despertar o interesse de membros dos Poderes Legislativo e Judiciário. A expressão morrer com dignidade se transformou num slogan confuso. De um lado, é proclamado por grupos e movimentos favoráveis ao desligamento de aparelhos que mantêm vivo um paciente. De outro, é defendido por aqueles que, contra a transformação da pessoa em mero objeto, colocam-se contra o prolongamento abusivo da vida humana através de tratamentos fúteis(...). Neste sentido, é necessário afirmar que o termo eutanásia (do grego boa morte, que também pode significar morrer com dignidade ou morrer em paz e sem dor). (grifo do autor)

Atualmente, o ordenamento jurídico brasileiro é omisso ao tratar da prática da eutanásia, entretanto, caso o ato seja realizado, o mesmo será caracterizado como homicídio privilegiado, atenuando-se a pena do agente que realizou a conduta em vista do valor moral que o levou a praticar a eutanásia com a vítima, pouco importando se houve ou não o consentimento por parte daquele que sofreu este ato (D'URSO, 2001).

Embora a eutanásia não possua uma previsão legal no Código Penal, a comissão da reforma do código propõe uma alternativa para a mesma, como cita Luíz D'Urso (2001):

A comissão de reforma do Código Penal brasileiro enfrenta essa questão e traz uma alternativa que merece estudos, vejamos o que diz o projeto:

§3º. Se o autor do crime é cônjuge, companheiro, ascendente, irmão ou pessoa ligada por estreitos laços de afeição à vítima, e agiu por compaixão, a pedido desta, imputável e maior de dezoito anos, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave e em estado terminal, devidamente diagnosticados: Pena reclusão, de dois a cinco anos.

Exclusão de ilicitude:§4º. Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos a morte como iminente e inevitável e desde que haja consentimento do paciente ou, em sua impossibilidade, de cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão.(grifo do autor)

Embora o projeto de reforma do Código Penal considere a prática da eutanásia como uma figura típica e ilícita, uma possível legalização da mesma permitiria que doentes incuráveis pudessem escolher entre a prolongação de sua agonia ou uma morte imediata, com a cessação de seu sofrimento (VIEIRA, 2006, p.35), como acrescenta Tereza Vieira (2006, p.35):

Os defensores da legalização da eutanásia ativa são conscientes de que esta não poderá ser admitida exceto em circunstâncias específica, em condições estritas, objetivando livrar-se de uma situação insuportável para o paciente. Assim, os prosélitos da eutanásia rejeitam os termos matar ou provocar a morte, preferindo permitir a morte ou não prolongar a agonia(...)Contudo, quando defendemos a prática da eutanásia, referimo-nos apenas a casos especiais.(grifo do autor)

Não é só no Brasil que há uma grande discussão sobre esta prática, a possibilidade de legalização mundial da mesma já chegou até à ONU, visando a garantir a mesma como um direito humano, se isto fosse aceito, o Brasil poderia inserir em seu ordenamento jurídico a prática da eutanásia como direito fundamental, como complementa Sgreccia (2009, p.702):

Contribuem para esse impulso pela legalização da eutanásia associações como a Euthanasian Society of America, que apresentou à ONU uma petição para que o direito à eutanásia seja incluído na Declaração Universal dos Direitos do Homem. Esse impulso cultural ganha forças com a influência dos grupos e movimentos de propaganda a favor do suicídio concebido como self-deliverance. Multiplicaram-se em todo o mundo as associações e sociedades dedicadas à difusão da eutanásia e ao estímulo para a mudança das leis a favor desta prática.(grifo do autor)

Embora a eutanásia seja um gesto nobre que visa a garantir a integridade da pessoa humana, ao respeitar o seu direito de não apenas viver com dignidade e sim morrer com dignidade, é de suma importância que tal ato seja previsto na nossa legislação para se punirem aqueles que praticam a mesma com má-fé; entretanto, como ressalva o professor Cabette, não é só porque uma autoridade define tal conduta como crime que a mesma será moralmente errada (2009, p.15). Nas palavras de Maria Berenice Dias (2005, p.211):

É bom sempre recordar o conceito da Organização Mundial de Saúde (OMS): ''Saúde é o completo estado de bem-estar físico, psíquico e social". E esse bem-estar, se conseguido no coletivo, seria a volta do paraíso na terra, utopia desejada, mas raras vezes alcançada. Em nível individual, quando acontece, costuma levar o nome simples e globalizante de felicidade.

De acordo com a própria OMS, a saúde engloba o bem-estar físico, psíquico e social, sendo assim, podemos analisar que um doente incurável não possui sua saúde física de forma íntegra, e muitas vezes os seus órgãos, membros e outras partes do corpo se encontram debilitados; seu estado psicológico provavelmente é o mais afetado, uma vez que estando nestas condições de incurabilidade, o próprio paciente passa a não suportar as suas condições de sobrevida, aliás, passa a não suportar a partir do momento em que possui consciência, o que não ocorre em muitos casos. Será mesmo que vale a pena manter uma pessoa nestas condições de sobrevida? O problema da sociedade é muitas vezes não querer aceitar o sofrimento do outro e muito menos aceitar que a sua morte pode ser um alívio para o mesmo, o orgulho (muitas vezes religioso) deve ser deixado de lado, aceitar que não importa se foi Deus que deu a vida para aquele ser, e sim aceitar que este mesmo ser não aguenta mais sofrer e se encontra sem saúde alguma.

Ao contrário do que muito se pensa, a prática da eutanásia possui seus benefícios, sendo alguns deles apontados por Urban (2010,p.92):

  • Diminuição do número de pacientes em fase terminal ocupando os disputados leitos das unidades de terapia intensiva brasileiras;

  • Diminuição do sofrimento prolongado de pacientes com patologias crônicas incuráveis;

  • Exercício pleno da autonomia da pessoa;

  • Diminuição de custos com pacientes terminais e redirecionamento de recursos para outras áreas emergentes.

De acordo com uma reportagem elaborada pela Revista "Istoé" em 2016, baseando-se no levantamento do Conselho Federal de Medicina, feito a partir de dados do Ministério da Saúde, atualmente, existem 40.960 leitos de UTI em todo o Brasil (razão de 1,86 leito a cada 10.000 habitantes), sendo que deste número, 20.173 são do SUS (Sistema Único de Saúde) e 20.787 leitos são exclusivos da saúde privada; é possível perceber que há mais habitantes do que leitos, por uma razão de obviedade não seria possível se criar um leito para cada cidadão, entretanto, é importante destacarmos que o dinheiro que o Estado gasta por ano com um doente internado em estado terminal em uma UTI do SUS é altíssimo; se estas pessoas não estivessem ocupando estes leitos, o dinheiro gasto com elas poderia ser repassado para outros doentes com possibilidade de cura, pois haveria a possibilidade de investimento em outras áreas da saúde, invés de se gastar um alto valor com aqueles pacientes que não possuem mais nenhuma chance de vida e estão aguardando a morte da pior e mais agonizante maneira possível.

Edison Namba também destaca os argumentos favoráveis em face da prática da eutanásia (2009, p.176):

Quem defende o ato aponta para a necessidade de que seja respeitada a liberdade de escolha do ser humano que padece e decide, sendo competente e autônomo, impôr fim em seus dias.

Além disso, a eutanásia reveste-se de um genuíno estofo humanitário, propiciando que se livre o enfermo de um sofrimento insuportável, retirando-se uma vida sem qualidade, na visão do próprio paciente, não tendo mais sentido de ser vivida.

Aqueles que defendem a eutanásia fazem valer dois princípios, o da autonomia e o da inutilidade do sofrimento. Sendo assim, nos casos de enfermidade grave e irreversível, o médico estaria autorizado a praticar a eutanásia ativa em seus pacientes (SOARES, 2006, p.146). É melhor morrer do que ter uma vida cruel, do que ter uma doença constante (PESSINI, 2004, p.389).

A eutanásia só deve ser aplicada sempre que não houver mais terapêutica de cura (confirmada por uma junta médica) e o doente plenamente consciente solicitar o fim da sua vida que se encontra ausente de dignidade (VIEIRA, 2006, p.34); entretanto, nem sempre o doente poderá se manifestar em decorrência do seu estado crítico de sobrevida, sendo assim, há uma linha cogitativa de quem poderia requerer a eutanásia: o próprio paciente; o cônjuge ou quem coabite com o paciente; os filhos, sejam naturais ou adotivos, maiores de idade; os seus ascendentes e por último, os médicos (VIEIRA, 2006, p.35). Destacamos a complementação realizada por Vieira (2006, p.35):

O profissional que praticar o ato deverá estar seguro que não existem meios para salvar aquele doente. A solicitação deve ser examinada com prudência, tomando-se as precauções devidas: obtendo-se o maior número de informações possíveis acerca da doença, evitando-se um erro prognóstico, consultando outros médicos e, eventualmente, um psicólogo.

Sobre a conscientização do paciente em relação ao seu estado atual, destaca Drane (2004, p.425-426):

No final da vida, tem particular importância dar aos pacientes informações fidedignas. A participação do paciente na decisão médica exige que ele primeiro possa entender sua situação médica e as vantagens ou desvantagens das intervenções propostas. Então, ele, ou seu representante, tem de poder escolher livremente se aceita ou não uma dada intervenção. A ética médica contemporânea do consentimento informado supõe um paciente capaz de entender e escolher em liberdade.

Em relação a um paciente que se encontra dependente de aparelhos, caso ocorra o desligamento destes, não há que se falar em homicídio, e sim em um exemplo de eutanásia ativa, pois se a pessoa não possuía mais condições de viver, não há que se falar em interrupção da vida biológica (CAPEZ, 2006, p.62). Como recebemos ajuda ao nascer, também devemos receber ajuda ao morrer, deve haver uma solidariedade em face daquela pessoa que encontra-se fragilizada; isto é garantia de dignidade no adeus à vida (PESSINI, 2004, p.406).

Um dos mais impactantes problemas acerca da prática da eutanásia esta relacionada à cultura do medo do desconhecido existente no homem, apesar de todos os progressos, como destaca Eduardo Cabette (2009, p.48):

O pensador Krishnamurti já diagnosticou que inobstante todo nosso progresso tecnológico-científico, "psicologicamente, internamente, não progredimos - somos o que éramos há dez mil anos ou mais". E o medo da morte é manifestação de algo que vem incrustado ao "medo de desistir daquilo que conhecemos". Seja a morte encarada como um mergulho no nada sob uma perspectiva atéia-materialista, seja concebida como a passagem a alguma outra dimensão existencial, de acordo com as mais diversas concepções religiosas e místicas, o medo do desconhecido permanece, pois não há contato direto seja com o nada, seja com alguma suposta dimensão espiritual.

Saliente Rinpoche que inobstante todas as suas conquistas tecnológicas, a moderna sociedade ocidental carece de "uma compreensão real da morte". As pessoas são doutrinadas para "negar a morte" e crer que ela não tem outro significado que não o de "aniquilação e perda". Por isso, "a maior parte do mundo vive negando a morte ou aterrorizado por ela. Até falar da morte é considerado mórbido, e muitos acham que fazer a simples menção a ela pode atraí-la sobre si"(grifo do autor)

Em relação a este medo da morte, complementa Sgreccia (2009, p.695):

(...)Depois de um estudo histórico comparativo, o antropólogo Thomas tirou a conclusão um tanto paradoxal: "Há uma sociedade que respeita o homem e aceita a morte: a africana; há outra, mortífera, tanatocrática, obcecada e aterrorizada pela morte, a ocidental"

Podemos observar que parte desta não aceitação da prática da eutanásia está relacionada a nossa cultura brasileira que é a ocidental; não nos é ensinado que todos um dias partirão, e quando este momento chega, todos se aterrorizam e fazem de tudo para prolongar a vida humana, praticando assim a distanásia; é curioso observarmos que a palavra "eutanásia" causa uma grande repulsa, mas todos aceitam a prática da distanásia, porque acham que isto é uma das maneiras de se salvar aquela vida inviável.

Lidar com a vida, e principalmente com a morte é algo que exige uma necessidade de intervenções pedagógico-educacionais, como aborda Pessini (2004, p.404):

Lidar com a vida e a morte é um desafio que exige um longo processo de aprendizado não só pessoal, mas também comunitário e social. Daí a necessidade de se levar em conta as dimensões pedagógicas implicadas na descoberta de sentidos e significados para a vida e a morte; e a correspondente necessidade de investir na educação das pessoas para lidar com tais situações, seja em âmbito de experiência pessoal, seja na área de cuidados dos serviços de saúde em geral.

Como a nossa cultura de uma forma geral não está preparada para a chegada do fim da vida, o ideal é que esta aceitação seja inserida no ser humano desde a sua primeira lição, pois quanto mais cedo se aprender sobre a morte, mais cedo descobriremos que ela na verdade nos liberta deste mundo de dor e egoísmo sem fim.

Conclusão

O texto abordado procurou descrever e demonstrar a polêmica que gira em torno da prática da eutanásia, mostrando que a mesma não é nenhum mal como boa parte da sociedade pensa, quando praticada por piedade e compaixão; este ato é uma forma de demonstrar respeito pelo direito de morrer com dignidade daquele que se encontra em estado incurável.

Com a análise dos princípios da bioética, percebemos que negarmos e repudiarmos a eutanásia está violando o princípio da não-maleficência, justiça, autonomia e da beneficência, pois nenhum destes demonstra que violar um direito humano é considerado como bom ato.

Ao se analisar a diferença entre eutanásia, distanásia e ortotanásia, percebemos que esta primeira prática é uma solução viável e respeitosa em relação ao indivíduo que sofre; percebe-se que entre estas, a vilã não é a eutanásia, e sim a distanásia, pois ela sim visa a prolongar o sofrimento de um paciente que se encontra em situação de vida inviável, e submete este a um tratamento fútil e inútil, fazendo com que a sua situação atual se perpetue por muito tempo; a eutanásia não visa prolongar sofrimento, e sim cessar este e garantir um direito humano, que é morrer com dignidade, evitando que aquele que sofre continue em um estado de dor infinita.

Um dos maiores problemas em relação à aceitação da morte no Brasil está entrelaçado com a nossa cultural ocidental, pois a sociedade não encara a morte como um fato inevitável e natural, e sim como uma abominação, e é graças a isto que milhares de doentes terminais sofrem calados dentro da sua própria dor. E embora a mesma não tenha previsão expressa no atual Código Penal e o projeto para acrescentar a eutanásia como forma de homicídio ainda não tenha se tornado lei, devemos pensar que a verdadeira eutanásia não se configura como homicídio.

A reflexão acerca deste assunto é válida e talvez nunca se chegue a uma opinião unânime, pois cada indivíduo pensa de uma maneira, entretanto, devemos deixar nossas vaidades, medos e orgulhos de lado e aceitar que todo nós somos findos; é fácil ser contra a prática da eutanásia quando somos saudáveis e temos os nossos direitos garantidos.

Referências

CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Eutanásia e Ortotanásia; Comentários à resolução 1805/06 CFM.Aspectos Éticos e Jurídicos. Curitiba: Editora Juruá, 2009

CAPEZ, Fernando. CHIMENTI, Ricardo Cunha, et al. Curso de Direito Constitucional .3º edição- São Paulo: Saraiva, 2006

DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 8º edição- São Paulo: Saraiva, 2011

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GARRAFA, Volnei. PESSINI, Leocir, et al. Bioética: poder e injustiça. 2º edição- São Paulo: Centro Universitário São Camilo: Loyla, 2004

GUERRA, Arthur Magno. SILVA,Guerra, et al. Biodireito e Bioética: Uma introdução crítica. Rio de Janeiro: Editora América Jurídica, 2005

ISTOÉ.www.istoe.com.br/utis-devem-dar-alta-para-paciente-terminal-ecomenda-resolucao-do-cfm. Acessado em 19/05/2017

MOSER, Antônio. SOARES, André Marcelo M. Bioética: do consenso ao bom senso- Petrópolis: Vozes, 2006

NAMBA, Edison Tetsuzo. Manual de bioética e biodireito. São Paulo: Atlas, 2009

PESSINI, Leocir. Distanásia: Até quando prolongar a vida? 2º edição- São Paulo: Centro Universitário São Camilo: Loyola, 2007

PESSINI, Leocir. Bioética: um grito por dignidade de viver. 3º edição- São Paulo: Paulinas, 2008

SGRECCIA, Elio. Manual de bioética: Fundamentos e ética biomédica. 3º edição- São Paulo: Edições Loyola, 2009

URBAN, Cícero de Andrade. A questão da eutanásia no Brasil sob a perspectiva bioética. Curitiba: Revista Studia Bioethica, 2010

VIEIRA, Tereza Rodrigues. Bioética; temas atuais e seus aspectos jurídicos. Brasília: Editora Consulex, 2006


 

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O presente texto foi elaborado com a intenção de mostrar a prática da Eutanásia através de outros olhos, mostrando que esta não é a vilã, e sim a Distanásia.

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