A redução salarial na reforma trabalhista.

Como o princípio da irredutibilidade salarial foi afetado com a reforma Trabalhista

07/03/2018 às 15:08
Leia nesta página:

A Reforma trabalhista acabou com a irredutibilidade salarial? Seria o fim da estabilidade financeira? Trata-se de norma inconstitucional? As normas prejudiciais ao trabalhador da Lei 13.467/17 podem ser retroativas?

Em torno da polêmica da Reforma Trabalhista, alguns pontos seguem em plena discussão. Dentre eles podemos destacar a nova redação do Art. 468 da CLT ao dispor:

Art. 468 - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.

§ 1º Não se considera alteração unilateral a determinação do empregador para que o respectivo empregado reverta ao cargo efetivo, anteriormente ocupado, deixando o exercício de função de confiança. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)

§ 2º A alteração de que trata o § 1o deste artigo, com ou sem justo motivo, não assegura ao empregado o direito à manutenção do pagamento da gratificação correspondente, que não será incorporada, independentemente do tempo de exercício da respectiva função. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

Esta redação, poder-se-ia concluir que esvaziou a súmula 372 do TST que previa:

GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO. SUPRESSÃO OU REDUÇÃO. LIMITES (conversão das Orientações Jurisprudenciais nos 45 e 303 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005

I - Percebida a gratificação de função por dez ou mais anos pelo empregado, se o empregador, sem justo motivo, revertê-lo a seu cargo efetivo, não poderá retirar-lhe a gratificação tendo em vista o princípio da estabilidade financeira. (ex-OJ nº 45 da SBDI-1 - inserida em 25.11.1996)

II - Mantido o empregado no exercício da função comissionada, não pode o empregador reduzir o valor da gratificação. (ex-OJ nº 303 da SBDI-1 - DJ 11.08.2003)

Com a nova redação, após decorridos 10 ou 20 anos, poderia o empregador simplesmente suprimir as gratificações, passando por cima do princípio da "estabilidade financeira"?

Pela leitura fria da lei, após a reforma, sim.

Mas seria este o papel do operador do direito? Apenas aplicar a redação nua e crua? Não pensamos dessa forma. Nesse sentido, trouxemos três debates que merecem ser considerados:

  1. Direito adquirido anterior à vigência da Reforma Trabalhista;

  2. Irretroatividade da Reforma Trabalhista aos contratos anteriores à Lei 13.467/17;

  3. Inconstitucionalidade do §2º do Art. 468. da CLT.

Vejamos cada um deles:


1. Direito adquirido - estabilidade financeira

A jurisprudência majoritária bem como a doutrina, ao lecionar sobre a estabilidade financeira, esclarece:

"(...) o Tribunal Superior do Trabalho houve por bem fixar em dez anos o lapso temporal capaz de identificar aquilo que se convencionou chamar de “estabilidade financeira”

(Homero Batista Mateus da Silva, Curso de Direito do Trabalho Aplicado - vol. 5. - Edição 2017, e-book, CAPÍTULO 5. GRATIFICAÇÕES AJUSTADAS)

Trata-se de matéria sumulada desde 20.04.2005 com a seguinte redação:

Súmula nº 372 TST:

“Percebida a gratificação de função por dez ou mais anos pelo empregado, se o empregador, sem justo motivo, revertê-lo a seu cargo efetivo, não poderá retirar-lhe a gratificação tendo em vista o princípio da estabilidade financeira ”.

Ocorre que num piscar de olhos, aquele que laborou por 10, 15 ou 20 anos passa a poder ter suas gratificações suprimidas com base em nova norma vigente.

Ocorre que, como outras discussões já trazidas nesta plataforma, não é razoável aceitar que a nova redação dada pela Reforma Trabalhista, possa alcançar um empregado que tenha adquirido o direito à estabilidade financeira antes da vigência da Reforma.

Trata-se, como já referido em outros artigos, da necessária ponderação da irretroatividade de norma prejudicial ao empregado em observância à SEGURANÇA JURÍDICA e o DIREITO ADQUIRIDO, nos termos de clara redação da Constituição Federal em seu Art. 5º, inc. XXXVI:

“A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.”

Afinal, a aplicação de uma nova norma que reflita negativamente nas vantagens do trabalhador só poderiam atingir contratos originados após a vigência da Reforma, entendimento já pinçado na redação da Súmula 51 do TST:

Súmula nº 51 do TST:

I - As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento. (ex-Súmula nº 51 - RA 41/1973, DJ 14.06.1973)

Sob este prisma, a jurisprudência, mesmo após a vigência da Reforma Trabalhista, manteve a aplicação da estabilidade financeira:

RECURSO ORDINÁRIO. SERPRO. ESTABILIDADE FINANCEIRA. EXERCÍCIO DE FUNÇÃO GRATIFICADA POR MAIS DE 10 ANOS. INCORPORAÇÃO. DEVIDA. O disposto nos arts. 450. e 468, § 1º, da CLT não constituem óbice ao deferimento do direito postulado, eis que, se é certo que o ordenamento jurídico garante ao empregador a reversibilidade do empregado ao cargo de origem, sem que tal se configure alteração contratual lesiva, não é menos certo que, percebendo o trabalhador gratificação de função por longos anos, adquire uma estabilidade financeira que não pode ser abalada por ato do empregador. Cuida-se, inclusive, da consagração do princípio constitucional insculpido no art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal. Incide, portanto, à espécie a diretriz perfilada na Súmula nº 372. Recurso patronal improvido, no aspecto.

(Processo: RO - 0001432-21.2015.5.06.0007, Redator: Maria Clara Saboya Albuquerque Bernardino, Data de julgamento: 05/02/2018, Terceira Turma, Data da assinatura: 21/02/2018)

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

"GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO. SUPRESSÃO OU REDUÇÃO. LIMITES I - Percebida a gratificação de função por dez ou mais anos pelo empregado, se o empregador, sem justo motivo, revertê-lo a seu cargo efetivo, não poderá retirar-lhe a gratificação tendo em vista o princípio da estabilidade financeira. (ex-OJ nº 45 da SBDI-1 - inserida em 25.11.1996)." Ocorre que, no caso específico dos presentes autos, o Município não negou que a autora exerceu as funções de coordenadora pedagógica e de supervisora de ensino, de fevereiro de 2003 a dezembro de 2016. Portanto, mesmo que a gratificação tenha sido instituída provisoriamente, foi auferida pela reclamante por mais de 10 anos, incorporando-se, assim, em definitivo ao salário da autora. Desta forma, nego provimento ao apelo do reclamado.

(TRT-15 - RO: 00104261920175150039 0010426-19.2017.5.15.0039, Relator: HAMILTON LUIZ SCARABELIM, 8ª Câmara, Data de Publicação: 16/02/2018)

Razões pelas quais podemos entender por razoável a compreensão de que o §2º do Art 468 atingiria apenas os contratos originados após a Reforma, ou, em última análise àqueles que não tenham adquirido o direito antes da referida vigência.


2. Aplicação da Lei no tempo - As normas prejudiciais podem ser retroativas?

Em tese, a Reforma Trabalhista não teria eficácia para retirar direitos do trabalhador cuja relação jurídica é anterior à Lei 13.467/17, em observância pura à segurança jurídica inerente ao Estado Democrático de Direito, e ao DIREITO ADQUIRIDO, nos termos da redação constitucional em seu Art. 5º:

XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

Este entendimento já foi concretizado pela Súmula 191 do TST que entendeu em caso análogo a não aplicação de lei norma por ser prejudicial ao empregado:

Súmula nº 191 ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. INCIDÊNCIA. BASE DE CÁLCULO (cancelada a parte final da antiga redação e inseridos os itens II e III)

( ...)

III - A alteração da base de cálculo do adicional de periculosidade do eletricitário promovida pela Lei nº 12.740/2012 atinge somente contrato de trabalho firmado a partir de sua vigência, de modo que, nesse caso, o cálculo será realizado exclusivamente sobre o salário básico, conforme determina o § 1º do art. 193. da CLT.

Trata-se de aplicação do princípio da irretroatividade de norma nova, disposto no Decreto-Lei nº 4.657/42 (LIDB):

Art. 6º. A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

Assim, mesmo que em vigor, a lei que estabeleça alterações que prejudique algum direito do trabalhador, tem-se a necessidade de se ponderar sobre a irretroatividade da norma, pra fins de que produza efeitos, quando prejudiciais, somente para os contratos de trabalho celebrados a partir 11/11/2017, em respeito à cláusula pétrea de proteção ao direito adquirido.

Todavia, trata-se de um tema polêmico e sem análise do judiciário ainda.


3. Inconstitucionalidade do §2º do Art. 468. da CLT

Outra polêmica gerada seria sobre a possível inconstitucionalidade do §2º do Art. 468, ao configurar nítida redução do salário protegido pela Constituição Federal:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

( ...)

V I - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;

Assim, referida reforma ao configurar nítida permissão à redução salarial, contraria a nitidamente jurisprudência consolidada pelo STF, que declarou a constitucionalidade do instituto da estabilidade financeira (AI 675.287-AgR, Min. Rel. Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe de 10.02.2015)

A doutrina, no mesmo sentido, destaca a inconstitucionalidade da norma:

"A retirada da gratificação ao cabo de 10 anos representa efetiva redução salarial. O salário-condição tornou-se salário-base. Isso é irrespondível. Como a Súmula 372 do TST foi calcada no princípio da irredutibilidade salarial e como esse princípio está constitucionalizado , o caminho não tem volta. Mera alteração na redação da lei ordinária, propondo que o caso seja considerado de ausência de direito adquirido, não é o bastante para suplantar a CF/88. Há semente de inconstitucionalidade no art. 468, § 2º, portanto."

(Homero Batista Mateus da Silva, Comentários à Reforma Trabalhista - Edição 2018, e-book, Art. 1º - Lei 13.467/2017)

O direito à incorporação da gratificação de função consolidado pela Súmula 372, I, do TST, que concretiza o Princípio da Estabilidade Financeira, possui decorrência lógica da combinação do Princípio da Irredutibilidade Salarial (art. 7º, VI, da CF), do Princípio da Proteção da Confiança e da Segurança Jurídica (art.s 1º e 5º, XXXVI, da CF) e do Princípio da Boa-fé Objetiva (arts. 1º, III, e 3º, I, da CF), reforçando a tese da inconstitucionalidade do §2º do Art. 468. da CLT.

Portanto, tratam-se de temas ainda latentes ao debate que merecem maior aprofundamento no judiciário, mas que já exigem do operador de direito o seu desenvolvimento nas peças iniciais.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Modelo Inicial

Desenvolvemos uma plataforma dedicada à construção colaborativa de peças jurídicas. Conheça nosso site! www.modeloinicial.com.br

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos