O resguardo do direito à segurança individual pela legislação penal brasileira

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O escopo do presente artigo é abordar o tema da importância do direito a proteção individual, bem jurídico este que devera ser fundamentalmente resguardado.

RESUMO: Resguardado como um bem jurídico fundamental à preservação da vida, o direito à segurança individual sustenta-se na necessidade intrínseca ao ser humano de não se encontrar em condições de vulnerabilidade no meio social em que está inserido. Por se tratar de um tema abrangente, no presente estudo, serão ponderados o direito à segurança individual, no que diz respeito à tutela do direito à vida, bem como as circunstâncias em que são observadas as condutas tipificadas pelo Código Penal Brasileiro atual. Abordar-se-ão ainda os procedimentos penais ordinários no que tange à periclitação da vida e da saúde individual para a manutenção da ordem pública.

PALAVRAS-CHAVE: Segurança individual. Vulnerabilidade social. Ordem pública. Direito fundamental. Periclitação da vida e da saúde. Direito Penal.


INTRODUÇÃO

O presente estudo tem como critério principal discorrer sobre a importância do direito à proteção individual no que diz respeito à promoção da paz e à manutenção da ordem pública. Dentre os crimes contra a pessoa dispostos no Título I, da Parte Especial do Código Penal, encontram-se os crimes contra a periclitação da vida e da saúde, no Capítulo III.

Através da leitura e interpretação de artigos científicos a despeito do tema, buscar-se-á, neste trabalho, tratar dos crimes de perigo, compreendidos como a probabilidade de lesão a um bem jurídico penal. Desse modo, quando o legislador origina uma figura típica de perigo, objetiva, em esfera sancionatória, coibir condutas que se enquadrem na probabilidade de causar danos a outrem, bem como assegurar o devido dever de cuidado aos indivíduos considerados imputáveis.

São subdivisões dos crimes de perigo, os crimes de perigo concreto e os crimes de perigo abstrato, distinguindo-se um do outro porque, nos primeiros, há a necessidade de demonstração da situação de risco sofrida pelo bem jurídico penal tutelado, o que somente pode ser reconhecível por uma valoração subjetiva da probabilidade de superveniência de um dano.

Por outro lado, no crime de perigo abstrato, há uma presunção legal do perigo, que, por isso, não precisa ser provado. Punindo-se, dessa forma, o comportamento perigoso a fim de que se possa, no futuro, evitar um possível dano em sua concretude, o que incidirá na possibilidade do autor responder penalmente pelo crime de dano.

Verificar-se-á, por fim, a importância da responsabilidade do Estado em assegurar a integridade física e psicológica dos indivíduos, a fim de garantir-lhes a segurança necessária à própria existência digna da pessoa humana, de maneira ampla e criteriosa, resguardando inclusive a mera exposição do bem jurídico tutelado a perigo de dano.


DOS CRIMES DE PERIGO E DANO

Os crimes de periclitação da vida e da saúde no Código Penal Brasileiro são retratados na parte Especial, denominados como espécie do gênero crimes de perigo. Segundo Rogério Greco: “Os delitos de perigo, a seu turno, podem ser subdivididos em crimes de perigo abstrato e crimes de perigo concreto. ” O crime de perigo abstrato, é tido como uma mera presunção de perigo, já o crime de perigo concreto, quando realizado, deverá ser comprovado, em juízo, a proximidade do perigo ao bem protegido.

O crime de perigo poderá ser também individual (quando atinge somente uma pessoa, ou um grupo determinado delas), comum ou coletivo (quando atinge um número indeterminado de pessoas, a coletividade), iminente (aquele que está para acontecer) e futuro ou mediato (é aquele que pode se originar de tais condutas, como por exemplo, o porte de uma arma). No entanto, o crime de perigo, em si, é considerado antecedente ao crime de dano, possuindo natureza subsidiária a dele. Podendo essa subsidiariedade ser expressa ou tácita. Em outras palavras, o crime de dano, absorve o delito de perigo.

Fazem parte dessa espécie gênero crimes de perigo, os delitos definidos nos artigos 130 a 136 do Código Penal, englobando o perigo de contágio venéreo, o perigo de contágio de moléstia grave, o perigo para vida ou saúde de outrem, o abandono de incapaz, o abandono de recém-nascido, a omissão de socorro e maus tratos. Porém, neste presente artigo científico, serão abordados apenas os temas dos artigos 130 ao 134, citados dentre estes.

Estes artigos têm como objetivo ajudar a resguardar, de uma certa forma, nossos direitos fundamentais de maior valoração, previstos na Constituição Federal, a saúde e a vida.


PERIGO DE CONTÁGIO VENÉREO

1. Apresentação

Primeiramente, ao se tratar do artigo 130, devemos lembrar que esse, assim como os outros relacionados, foi elaborado na década de 40, quando o Código Penal passou a entrar em vigor. Nessa época os homens da sociedade costumavam frequentar assiduamente prostíbulos, vulgarmente conhecidos como “bórdeis”, onde mantinham relações sexuais e praticavam atos libidinosos com as mulheres que lá se prostituiam. Através desses atos, passavam a adquirir a doença da moléstia venérea, que é transmissível. Em tempos que não se havia tratamento adequado para cura da doença, muito menos para a prevenção de contaminação, esta foi se propagando.

Com a intenção de prevenir esse acontecimento degradante, os legisladores criaram leis, com intuito de minimizar a ocorrência de contágio dessas doenças, punindo penalmente os indivíduos que transmitirem a doença, que saibam ou devam saber que estão contaminados, e punindo de forma qualificada, aumentando sua pena, aquele que tem por única e exclusiva intenção, a transmissão. Porém, o contexto do artigo fala de forma genérica e nada específica sobre o que seja a doença citada no próprio, moléstia venérea. Ficando a cargo dos estudiosos da medicina, defini-la. O doutrinador André Estefam, relata:

A norma penal busca imediatamente a proteção da saúde humana e, mediatamente da vida; aliás, toda defesa daquela visa, em última análise, ao resguardo desta. A incriminação do ato dá-se em razão da imensa facilidade de propagação das moléstias venéreas, tais como as sífilis, a gonorreia, o cancro mole e linfogranulomatose inguinal. A definição legal, ademais, era necessária, sobretudo no caso da figura prevista na cabeça da disposição, porque, sem esta, o comportamento do agente seria penalmente atípico. A norma conclama seus destinatários a que pratiquem relações sexuais com segurança e proteção.

Nesse artigo encontramos uma controvérsia. No caso, o Código Penal tipifica somente a conduta criminosa por dolo, sendo este direto ou eventual, porém, costuma-se punir também os crimes culposos, quando intimamente não se tem a intenção de o fazer, quando o indivíduo não age de forma proposital.

2. Classificação Doutrinária

Segundo Estefam, a infração constitui crime de mera conduta, “motivo por que sua realização típica integral dá-se com a prática do ato sexual com potencial de contágio.” Sendo assim o agente que praticar o ato responderá por lesão corporal, previsto no artigo 129 do Código Penal. Podendo ser essa lesão grave (art.129, § 1º), gravíssima (art.129, § 2º), ou até seguida de morte (art. 129, § 3º). Se este praticar o crime, e por acaso, não ocorrer a infecção, gerando apenas uma ofensa à saúde, responde pela infração de perigo (art. 130). Pois a vítima se encontrou nesse estado, correndo risco de ser contaminada. Admite-se também a tentativa que é quando o agente tem a intenção de contaminar a pessoa a qual se relaciona, mas por circunstâncias alheias a sua vontade, não obtêm êxito.

O crime de perigo no caso tratado neste artigo, é muito bem definido por Rogério Greco, que segundo ele:

Crime próprio, quanto ao sujeito ativo (uma vez que somente a pessoa contaminada é que poderá praticá-lo), sendo comum quanto ao sujeito passivo (pois que qualquer pessoa pode configurar como vítima deste crime); de forma vinculada (pois que a lei penal exige, para fins de reconhecimento da sua configuração, a prática de relações sexuais ou atos libidinosos); de perigo concreto (podendo ocorrer a hipótese de crime de dano, prevista no § 1º do art. 130 do CP), doloso (sendo dolo direto ou mesmo eventual); comissivo; instantâneo; transeunte (quando a vítima não se contaminar); não transeunte (quando houver o efetivo contágio da vítima); unissubjetivo; plurissubsistente; condicionado à representação.

3. Sujeitos Ativo e Passivo

Sujeito ativo é tido como qualquer pessoa, portadora da doença venérea, que a transmite através dos atos determinados no artigo. Já o sujeito passivo, poderá ser qualquer pessoa ofendida, sem mais distinções.


PERIGO DE CONTÁGIO DE MOLÉSTIA GRAVE

1. Apresentação

Tem como objetivo a segurança física da pessoa, e a preservação de sua saúde, punindo penalmente o agente que praticar o ato doloso contra a vítima, tendo como igualitária a pena dada ao art. 130 § 1º. Esse ato praticado é considerado um delito de ação livre, pois distinto do artigo 130, não é obrigatório ocorrer o contágio através da relação sexual, ato libidinoso ou qualquer outro em específico, podendo assim, se consumar por diversas ações, sendo essas diretas (através do contato corporal) ou indiretas (através de elementos auxiliares, como seringas, alicates de unha, etc.). Segundo Greco:

Dessa forma, pode o agente valer-se de meios diretos ou indiretos à consecução da transmissão da moléstia grave. Meios diretos dizem respeito à aqueles em que houver um contato pessoal do agente, a exemplo do aperto de mão, beijo, abraço, etc. Meios indiretos são aqueles que decorrem da utilização de quaisquer instrumentos capazes de transmitir a moléstia grave, a exemplo de seringas, bebidas etc.

Não se admite forma culposa no delito. A norma não pune o ato praticado culposamente, mediante imprudência, imperícia ou negligência. Porém, na ocorrência de um caso, em que o agente transmitir a doença contagiosa a vítima, sem ter o conhecimento que se encontra com a tal, será cabível responder por lesão corporal culposa, previsto no art. 129, onde não ocorre a intenção de transmissão, mas mesmo assim a vítima prejudica-se. Contudo, a tentativa será admitida. E será configurado crime impossível, quando a vítima que o autor pretende atingir, já estiver contaminada com a moléstia grave, não sendo ele, dessa forma, o transmissor da doença.

No entanto, há um pequeno conflito aparente, entre os artigos 129 e 131 do CP, que é solucionado pelo princípio da especialidade, pois assim como 130, o 131 também é especial diante ao 129.

Tratando-se do artigo 131, fica-se nitidamente visível, a falta de definição sobre do que se trata a moléstia grave, dando ênfase apenas a punição quando se pratica o crime. Porém, não cabe ao âmbito jurídico definir esse tipo de doença. Assim, é essencial a perícia médica, para fazer uma análise do contágio e saber a que risco a vítima foi exposta. Esta também servirá como uma prova pericial para saber se o agente no momento da relação, se encontrava ou não com a moléstia grave. O artigo 152 do C.P. afirma: “Quando a infração penal deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.”

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2. Classificação Doutrinária

O crime de perigo de contágio de moléstia grave, trata-se de um crime próprio, de dano, com dolo direto, de meio de execução livre, comissivo, podendo também ser comissivo por omissão, unissubsistente ou plurissubsistente, monossubjetivo, instantâneo, formal, se consumando com a mera conduta da transmissão.

O sujeito ativo poderá ser qualquer pessoa, homem ou mulher, contato que seja portadora da moléstia grave contagiosa. E o sujeito passivo também pode ser qualquer pessoa, porém, não poderá portar a doença da moléstia grave, vindo a adquiri-la depois do delito, cuja perigo de contágio foi submetida.

3. Divergências

Existe a hipótese de crime cometido pelo agente, e este não estar contaminado com a moléstia grave, mas utilizar-se de instrumentos contaminados com a doença, para servir como objeto de contágio.

No entanto, a descrição do artigo 131, faz a exigência do agente ser portador da moléstia grave para transmiti-la.

Sendo assim, se o infrator cometer o delito com objeto de terceiros, com a intenção de transmitir a moléstia grave, não responderá pelo crime tipificado no art. 131, e sim por lesão corporal, art. 129.


PERIGO PARA A VIDA OU SAÚDE DE OUTREM

1. Apresentação

Mais uma vez é notória a preocupação do legislador com a segurança da pessoa física, com intuito de preservar sua vida e saúde, objeto jurídico indisponível.

Tratando-se do art. 132 do C.P., o autor do delito danoso, tem a consciência e a intenção maldosa, de expor a vítima ao perigo de vida. O autor Fernando Capez declara a respeito do crime previsto no artigo:

Trata-se de delito de caráter eminentemente subsidiário, por expressa disposição contida em seu preceito secundário: “(...) se o fato não constitui crime mais grave”. Se praticado crime de maior gravidade, ele absorverá, assim, o crime de perigo em tela. Da mesma forma, não incidirá o crime em questão, ainda que a pena prevista seja maior, se o fato puder ser enquadrado em algum crime específico, como o de maus tratos (art. 136, C.P.).

Há uma ressalva em questão no dispositivo, o qual a lei só punirá o delito penal de perigo para vida e saúde de outrem, se esse, não apresentar um resultado mais grave, danoso. Se houver efetivamente o dano como resultado criminal, o crime de perigo não existirá. Pois o artigo ressalta o fato de expor, que se presume um comportamento comissivo, ou seja, a vítima corre apenas o risco.

2. Classificação Doutrinária

Esse crime subsidiário, com subsidiariedade expressa. Está no rol dos crimes de perigo direto iminente, ou seja, individual, devendo atingir a vítima determinada, prevendo o acontecimento do ato. Será também de forma livre; comum (quanto ao sujeito ativo e passivo); comissivo ou omissivo impróprio; de perigo concreto (pois deverá ser constatadas provas de que o agente expôs a vida ou saúde da vítima em perigo); doloso; instantâneo; transeunte (exceto quando houver a prova pericial); plurissubsistente e unissubjetivo.

O sujeito ativo neste caso poderá ser qualquer pessoa, homem ou mulher. E o sujeito passivo também será qualquer pessoa, devendo apenas ser determinada.

3. Divergências

Daremos ênfase, a um dos temas mais repercutidos, o conflito de normas entre a Lei n° 9.437/97 e o artigo 132 do Código Penal, ambos tratando do tema do crime de disparo de arma fogo, o qual tem como objeto jurídico á incolumidade pública. Para existir o conflito de normas, entre elas terá que existir, um desses dois requisitos: unidade de fatos ou pluralidade de normas identificando o mesmo fato como delituoso.

Com o intuito de resolução dos conflitos de normas, os doutrinadores apresentam princípios buscando solucioná-los: Princípio da Consunção, Princípio da Subsidiariedade, Princípio da Especialidade.

Utiliza-se, então, do princípio da Subsidiariedade, para solucionar tal conflito, podendo este subsidiariedade ser tácita ou expressa. Segundo João Marcelo Brasileiro, autor do artigo que trata somente deste conflito citado, explica:

Sempre em que se falar em subsidiariedade de uma norma, deve-se ter em mente a primariedade de uma outra, apesar das duas normas defenderem graus de violação do mesmo bem jurídico, a infração definida pela norma subsidiária é de menor grau que a principal, ficando, pois absorvida por esta. Tal raciocínio deve ser feito no caso concreto, nunca em abstrato.

O crime de disparo de arma de fogo, poderia ser enquadrado perfeitamente no art. 132, quando o autor da ação tiver a intenção de expor a saúde ou a vida da determinada vítima em perigo. Diferentemente do caso previsto no art. 28 da L.E.P, Lei de Contravenções Penais.

Em 20 de fevereiro de 1997, a Lei 9.437 foi lançada, criando assim um novo delito em relação ao disparo da arma de fogo, previsto no art. 10. § 1°, III. A criação dessa lei teve como resultado a revogação do art. 28 da L.E.P.

A partir de então, surge a dúvida em questão. Qual norma eficaz a ser utilizada para esse crime de disparo da arma de fogo? Pois a Lei criada mais recentemente, também fala da conduta do agente ao disparar a arma, tendo como objetivo a intenção de expor a vítima a perigo. Quem pratica este determinado crime, deverá responder pelo artigo 132 do C.P. ou pela Lei 9.437/97? Como já citamos, o conflito será resolvido pelo princípio da Subsidiariedade.

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Sobre as autoras
Fernanda Letícia de Mesquita Araújo

Estudante do nono período de Direito na Faculdade Luciano Feijão, Sobral - CE

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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