Imprópria e deselegante a manifestação do Sr. Presidente da Anamatra ao comentar a decisão do Pleno do STF ao julgar o RE-438.639-MG, que entendeu ser competente a Justiça Comum e não a Justiça do Trabalho, para processar e julgar ações de indenização movidas em face do empregador decorrentes de acidente de trabalho ou doença profissional, após a Emenda Constitucional nº 45.
Realmente foi uma atitude lamentável e inconveniente do prestigioso Presidente da referida entidade que congrega em âmbito nacional os ilustres magistrados da Justiça do Trabalho.
Ao dizer que por ocasião de um próximo julgamento vai oferecer opiniões aos Ministros do Egrégio Supremo Tribunal Federal sobre a competência da Justiça do Trabalho, insinuou que os Srs. Ministros podem ser influenciados por opiniões de fora da lide, além de mostrar-se pretensioso, desrespeitando, como magistrado que é, uma das mais valiosas instituições em direito que é a coisa julgada material, principalmente quando emanada do último grau de jurisdição, decisão da qual a parte legítima dela pode discordar e, quando possível, até recorrer ou rescindir, mas a ninguém é dado desrespeitá-la. E como se não bastasse, falando em nome da entidade, mas possivelmente não em nome de todos os magistrados do trabalho, insinuou a desobediência, talvez escudado no principio da livre convicção do juiz, ao conclamar os magistrados a reafirmarem a competência da Justiça do Trabalho para as ações indenizatórias acidentárias movidas contra o empregador.
Ao dizer que a decisão não encontra respaldo na Constituição Federal, não esboçou o Sr. Presidente sequer qual seria o respaldo em favor de sua posição contrária, esquecendo-se de que as normas jurídicas não se interpretam apenas pelo método gramatical, sendo neste caso de maior importância a interpretação sistemática, além de ser necessário se perquirir a mens legislatoris.
Ao dizer também que a decisão do STF teria contrariado sua própria Sumula 736, mostrou o Sr. Presidente da Anamatra que não analisou devidamente os precedentes da súmula, pois é evidente que são ações com fundamentos jurídicos diversos.
Ao contrário do que se tem afirmado, o art. 109-I da Carta Magna não exclui apenas da competência da Justiça Federal a ação acidentária dirigida contra o INSS. O artigo 109-I também distingue duas matérias (acidente de trabalho e falência) e dois órgãos de jurisdição (Justiça Eleitoral e Justiça do Trabalho).
Ora, se o artigo 109-I fez essa distinção, não é possível querer-se que o artigo 114-VI aglutine uma das matérias distinguidas, no caso acidente do trabalho, a um dos órgãos de jurisdição distinguidos, Justiça do Trabalho.
Não faz sentido, o artigo 109-I dirigir competência de julgamento, de forma residual, das ações de falência e acidente do trabalho, para a Justiça Comum, enquanto o artigo 114-VI, logo em seguida, transfere acidente de trabalho para a Justiça do Trabalho. Seria evidente contradição, oposição recíproca (antinomia) entre os dois dispositivos.
Se essa fosse a intenção bastaria à Comissão de Reforma excluir do artigo 109-I as palavras "as de acidente do trabalho". Se isso fosse feito, porém, o julgamento das ações acidentárias contra o INSS seria também transferido para a Especializada, o que não era a vontade da constituinte derivada.
Tentou-se, então, incluir as palavras "acidentes do trabalho e doença profissional" no artigo 114 (vide a Proposta de Emenda Constitucional nº 96/92 – art. 115-IV - Diário da Câmara dos Deputados – Suplemento – 14/12/99, fls. 00981.
Todavia, o Deputado Ricardo Barros ingressou com o Requerimento de Destaque nº 121, ao Presidente da Câmara dos Deputados, pretendendo destaque para votação em separado da expressão "relativas a acidentes do trabalho e doença profissional e" constante do art. 115-IV (que na redação final tomou o nº 114-VI), na redação do art. 27 do Substitutivo aprovado pela Comissão Especial - Diário da Câmara dos Deputados – 3/2/2000, fls. 06059.
Votado o destaque as referidas palavras foram excluídas da proposta, permanecendo o texto como se encontra na Emenda Constitucional nº 45, sem aquelas palavras,caso contrário haveria conflito com o disposto no artigo 109-I.
Não há como distinguir, para efeito de interpretação do art. 109-I, um órgão de jurisdição para julgar uma ação de acidente do trabalho contra o empregador, e outro órgão de jurisdição diversa para julgar ação de acidente de trabalho contra o INSS. Seria um mesmo acidente sendo julgado por órgãos de jurisdição diferentes. O legislador não fez essa distinção, e nem o quis fazer, portanto, não cabe ao intérprete fazê-la.
A distinção entre si das duas matérias e dos dois órgãos de jurisdição feita pela pelo art. 109-I, não pode aceitar interpretação que coloque qualquer uma dessas duas matérias na competência de qualquer um desses dois órgãos de jurisdição. Assim sendo, enquanto o artigo 114-VI se refere a todas as indenizatórias decorrentes da relação de trabalho, em tratamento genérico, o art. 109-I distingue e exclui do inciso VI, tão somente, as indenizatórias acidentárias movidas tanto em face da autarquia como em face do empregador, em tratamento específico, atribuindo quanto a estas, pelo método residual, competência da Justiça Comum (vide a respeito o RE-349.160-BA).
Não se pode dizer também que as decisões do E. STF anteriores à EC-45 não mais se aplicam em face do que dispõe o novo artigo 114, pois este dispositivo sempre generalizou as relações jurídicas de competência da Justiça do Trabalho, enquanto o art. 109-I excluía da Justiça Federal as acidentárias, transferindo-as à Justiça Comum. Foi assim quando o artigo 114 "caput" dizia: "outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho". Sempre foi entendido que entre essas "outras controvérsias" compreendiam-se todas as indenizatórias, exceto as decorrentes de acidente do trabalho, conforme vem decidindo o STF há muito tempo. Dessas controvérsias sempre foram excluídas as indenizatórias decorrentes de acidente do trabalho, fossem aquelas propostas contra a autarquia, fossem aquelas propostas contra o empregador, de forma que nada se alterou. Conter o artigo 114 a referência a indenizatórias ou a controvérsias, em nada modificou o que se extrai do artigo 109-I. O E. STF continua aplicando o artigo 109-I em relação ao artigo 114, da mesma maneira que sempre o aplicou, seja quando este tratava as indenizatórias como "outras controvérsias" seja agora explicitando essas controvérsias como indenizatórias. O fato é que destas se extraem e se excluem da Justiça do Trabalho as indenizatórias tão somente acidentárias.
Não fosse só por isso, o E. STF, em sessão plenária de 9-03-2005 (RE-438.639-MG), ainda fundamentou seu entendimento no que o Ministro Peluso chamou de unidade de convicção, situação em que em relação a um só fato (o acidente) não pode haver pronunciamento sobre a verdade ou não de sua existência por órgãos jurisdicionais de controles diversos. Por sua vez, os Ministros Sepúlveda Pertence e Ellen Gracie confirmaram a jurisprudência do E. STF, reafirmando os votos em que foram relatores nos acórdãos, respectivamente, RE-436.438-7-DF e 345.486-SP, uma vez que o artigo 109-I não teve sua redação alterada, pois enquanto o artigo 114-VI se refere (como antes de outra forma sempre se referiu) a todas as indenizatórias decorrentes da relação de trabalho, o art. 109-I distingue e exclui daquele artigo apenas as indenizatórias acidentárias.
Precisa e perfeita, pois, a respeitabilíssima a decisão do Egrégio Supremo Tribunal Federal, do último dia 9 de março, em sessão plenária.