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Novas tendências da extensão universitária em Direito.

Da assistência jurídica à assessoria jurídica

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27/03/2005 às 00:00
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6. Método Inovador de Extensão: Assessoria

            Como anteriormente aludido, a Assessoria parte do diálogo entre a Universidade e a Sociedade. (20) O agente do processo de Assessoria Jurídica não é somente o membro da comunidade nem somente o operador jurídico. Dentro da Assessoria jurídica somente o diálogo pode construir um conhecimento. Parte-se da proposta de que cada um, por ter uma experiência de vida diferenciada, detém um conhecimento e somente a partir do diálogo entre o popular e o acadêmico é possível construir um conhecimento crítico. Somente com a congruência do conhecimento acadêmico e do popular, um de cunho preponderantemente teórico e outro de cunho preponderantemente prático, é possível estabelecer diálogo e, por fim, um conhecimento crítico a partir de práxis (direito vivo). O que se busca não é impor conhecimentos ao membro da comunidade mas lhe possibilitar, a partir do diálogo, a construção do seu próprio conhecimento.

            Para o membro da comunidade o conhecimento não se limitará à experiência inativa, pois adquirirá experiência de ‘como’ a questão jurídica pode ser problematizada e ‘como’ poder-se-á encontrar uma solução a partir do intercâmbio de conhecimentos. O diálogo desenvolver-se-á com outros sujeitos, com o próximo, com a própria comunidade (21). Ocorre neste sentido o desenvolvimento da postura coletivista. Logo, quem irá desenvolver a solução para as questões será o coletivo, pois o individual precisa do coletivo para dialogar e construir o seu conhecimento.

            A Assessoria se encontra na terceira onda de Acesso à Justiça, preocupada com os obstáculos socioculturais ao acesso à justiça. "Podemos afirmar que a primeira solução para o acesso – a primeira ‘onda’ desse movimento novo – foi a assistência judiciária; a segunda dizia respeito às reformas tendentes a proporcionar representações jurídicas para os interesses ‘difusos’, especialmente nas áreas da proteção ambiental e do consumidor; e o terceiro – e mais recente – é o que nos propomos a chamar simplesmente ‘enfoque de acesso à justiça’ porque inclui os posicionamentos anteriores, mas vai muito além deles, representando, dessa forma, uma tentativa de atacar as barreiras ao acesso de modo mais articulado e compreensivo" (CAPPELLETTI e GARTH, p. 31). (22)

            A Assessoria articula-se também a partir da crítica a linguagem pedante ou academicista do saber jurídico. "Na verdade, as linguagens não se esgotam nas informações transmitidas, pois elas engendram uma série de ressonâncias significativas e normalizadoras das práticas sociais" (WARAT, p.15). Essa característica da linguagem de transmitir mais do que o seu significado tem extrema relevância para o Direito e sua democratização. A linguagem adornada e pomposa da ciência jurídica transmite algo além da informação nela contida. Foucault aprofunda a questão quando afirma que: "(...) suponho que em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade" (FOUCAULT, p. 09). O controle do discurso se faz através da linguagem. Linguagem dominada por poucas pessoas. Domínio que se confunde com poder. Enfim, o que Foucault denomina saber-poder. (23)

            Marilena Chauí, por viés epistemológico diverso, elenca a questão do discurso competente, discurso que é proferido por determinadas pessoas em determinadas posições sociais. Assim, o Direito é assunto que somente ao jurista cabe tratar. "O discurso competente é aquele que pode ser proferido, ouvido e aceito como verdadeiro ou autorizado (...) porque perdeu os laços com o lugar e o tempo de sua origem. (...) O discurso competente é o discurso instituído. É aquele no qual a linguagem sofre uma restrição que poderia ser assim resumida: não é qualquer um que pode dizer a qualquer outro qualquer coisa em qualquer lugar em qualquer circunstância" (CHAUÍ, p. 07). (24) Na atual sociedade o Direito é isolado da maioria da população, sendo assunto de pequena casta de intelectuais.

            Além do referido controle discursivo, pode-se afirmar que a linguagem utilizada não detém o significado (a norma) em si. "Texto e norma não se identificam. A norma é a interpretação do texto normativo" (GRAU, p. 17). A ambigüidade e a imprecisão, ao contrário do que pretendia o positivismo, são características do discurso jurídico. "Assim, ambigüidade e imprecisão são marcas características da linguagem jurídica. Manifesta-se a primeira virtude de as mesmas palavras em diversos contextos designarem distintos objetos, fatos ou propriedades. A mesma palavra em contextos diversos conota sentidos diversos. (...) Quanto à imprecisão, decorre da fluidez de certas palavras, cujo limite de aplicação é impreciso" (GRAU, p. 197-8). (25)

            Os juristas tradicionais protegem-se na masmorra do discurso competente e nas calabouços da ambigüidade e vagueza formando um enorme castelo jurídico kafkaniano. "(...) Na perplexidade em que se encontram, percebem sua perda de prestígio, para que não encontram salvação no preciosismo de sua linguagem, precisamente porque ela lhes é demasiado peculiar e, por isto, incapaz de comunicar significados por que o povo anseia e espera" (AZEVEDO, p. 14).

            O primeiro passo na democratização do Direito, para a Assessoria jurídica, é a democratização da linguagem jurídica, simplificação que não recaia em simplismo. (26) "É preciso transmutar a linguagem jurídica para a linguagem do povo, tornando-a compreensível e real" (ARAUJO e OLIVEIRA, p. 156). Tal democratização não ocorre por um ato de autoridade mas por uma transformação cultural. "A democratização da justiça, na verdade, deve passar pela democratização do ensino e da cultura, e mesmo pela democratização da linguagem, como instrumento de intercâmbio de idéias e informações" (MARINONI, p. 79-80).

            De outro lado, busca a materialização de democracia, não apenas de cunho formal mas de cunho material. Pretende-se instrumentalizar o povo com conceitos críticos para o desenvolvimento de uma democracia radical. Assim, a Assessoria é uma proposta pautada no anseio de uma sociedade democrática e socialista. Logo, a Assessoria Jurídica pretende educar os indivíduos para o exercício da democracia.

            Objetivando orientar o desenvolvimento das atividades de ‘Assessoria jurídica’, reporta-se à delimitação principiológica apresentada na oficina desenvolvida pelo projeto SAJUP-UFPR (24 de maio de 2003):

            1.Superação do individualismo e preferência pelo coletivo (negar o individualismo);

            2.Participação Comunitária e Acadêmica Horizontais para Conscientização (negar o paternalismo e a subordinação);

            3.Construção de um Direito Crítico (negar o dogmatismo e o positivismo jurídicos);

            4.Presentificação (negar o absenteísmo).

            Negar o individualismo. A perspectiva do coletivo em contraposição ao individual é uma tendência do movimento de Acesso à Justiça. A perspectiva da ‘solidariedade’ ganha nova feição pois os direitos e a cidadania deixam de ser entendidos individualmente para se tornarem uma condição coletiva. Basta observar a moderna concepção de Direitos Humanos (27) e a indivisibilidade entre os direitos individuais e sociais. Isso não significa um abandono do individual, pelo contrário, entende-se que o indivíduo somente terá capacidade de afirmar-se enquanto tal quando coletivamente inserido, culturalmente inserido em sua comunidade. Tendo em vista o sistema econômico capitalista, o qual desnatura o indivíduo no individualismo, cabe à Assessoria propor o reencontro com o coletivo, com o comunitário. Vale dizer, ainda, que coletivamente a força política para o exercício de direitos e para a conquista de novos direitos se potencializa. Portanto, também é uma estratégia para luta política.

            Negar o paternalismo e a subordinação. A Assistência pressupõe o comando das atividades por aquele que detém o conhecimento para resolver o problema jurídico: quando Assistência judiciária propõe a solução dada pelo Poder Judiciário; quando Assistência material a solução dada pelo técnico (advogado, estudante, ou jurista); quando Assistência intelectual a solução (conhecimento) ministrada pelo intelectual. Percebe-se o assistente dirigindo a atividade. Isto porque para a Assistência o membro da comunidade não é capaz de resolver a questão. Ao incapaz se destina o paternalismo. A relação de subordinação é conseqüente. Para superar tal aspecto a Assessoria se baseia na participação ativa do membro da comunidade em todos os momentos da atividade de Assessoria. No mesmo sentido, a participação só é efetiva quando se trava de maneira horizontal.

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            Negar o dogmatismo e o positivismo jurídicos. A Assistência, desde suas classificações até sua prática, apresenta-se conexa ao Direito estatal concebido estritamente pela lei (28). Diversas são as críticas ao positivismo, que resume o direito a lei estatal, e ao dogmatismo. Uma das principais tarefas da Assessoria jurídica é desconstruir os mitos do positivismo e do dogmatismo principalmente quando ligados à noção de cidadania (29). O que qualifica essencialmente a Assessoria enquanto Jurídica é exatamente a sua crítica, não apenas teórica, mas de igual sorte prática, ao Direito tradicional.

            Negar o absenteísmo. Este princípio se mostra enquanto postura ética da Assessoria. Absenteísmo significa o estado de alheamento à realidade, ao ambiente e ao mundo exterior. Quando pratica a ‘Assistência jurídica’, o jurista não detém verdadeiro contato com a sociedade, não há interação entre os seres humanos. Para que os seres humanos realmente interajam é preciso uma intenção ética. É preciso deixar de ser um técnico jurídico e se tornar um ser humano (30). Estar presente na atividade de Assessoria é sentir, vivenciar sentimentos. Nisto consiste a presentificação. O envolvimento pessoal, humano e emocional com o coletivo. Isso não significa o abandono do racional ou da técnica, pelo contrário, se pretende desmitificar o pressuposto da neutralidade axiológica impregnado naqueles. Entender-se humano, repleto de emoções que não podem ser ignoradas, perfaz um novo sentido no contato entre humanos presentes na comunidade.

            Para encontrar os limites de distinção da Assistência e da Assessoria interessante é a provocação do professor Pedro DEMO: "Mesmo fazendo parte do mesmo contexto da política social e dos direitos sociais, assistência e promoção comunitária contêm lógicas diferentes e mesmo polarizadas dialeticamente" (DEMO, p. 98). (31)

            A contradição entre os métodos é nítida. A ‘Assistência jurídica’ pretende a igualdade mediante reformas, solução de litígios. Para a Assistência as reformas diminuem as desigualdades sociais. A perspectiva é reformista, melhorista. Já a Assessoria parte da noção de revolução porque fundada na contestação ao sistema social. A conscientização do homem se realiza na sua humanização, na passagem da posição de objeto para sujeito. O sujeito ao se humanizar não pode mais conviver com um mundo que o reifica, o coisifica. Por outro lado, questionando-se sobre a perspectiva politico-ideológica, de igual sorte incongruentes as metodologias da Assistência e da Assessoria. Enquanto a ‘Assistência jurídica’ visa à manutenção do capitalismo e da democracia meramente formal, a ‘Assessoria jurídica’ busca, ao contrário, o socialismo democrático (democracia material). Operando-se com propostas assistencialistas, estimula-se a confiança nas medidas reformistas do sistema (do status quo). Por isso, quando se desenvolvem propostas assistencialistas, coopta-se o membro da comunidade ao sistema (e, consequentemente, à ideologia da reforma) ao invés de lhe despertar uma concepção crítica sobre o mesmo. Por isso, a mudança do método de educação (32) acaba por despertar no homem uma nova postura política. Conclui-se pela impossibilidade de conciliação dos métodos.

            Assessoria e Assistência não podem ser conciliadas. Suas concepções ideológicas e políticas são estranhas. Logo, o que identificará a metodologia empregada é seu fim político-ideológico.

            Por outro lado resta averiguar a questão relativa aos projetos/programas de extensão universitária que se utilizam das metodologias, simultaneamente, da Assistência e da Assessoria – seja por falta de reflexão do método, seja por outro motivo. Essas atividades tenderam a adotar apenas uma metodologia. Isto ocorre face a contradição finalística das metodologias, as quais caminharão para fins diversos. A tendência, portanto, será a de se adotar apenas um método.

            Em geral, tendencialmente, predominará a metodologia assistencialista porque esta confere resultados imediatos e quantitativos (mesmo que superficiais e momentâneos), apreciáveis em menor tempo. Portanto, além de serem inconciliáveis, inexistindo método misto, também não permaneceram sendo desenvolvidas simultaneamente.

            Se de um lado inexiste método misto de Assessoria e Assistência, por outro lado se deve ponderar pela dificuldade de aplicação pura dos referidos métodos. Para se identificarem, na prática, as diferenças, sugere-se a avaliação teórica e prática da finalidade e o resultado da atividade de extensão. Uma avaliação qualitativa só é possível em contrastando-se a teoria a que se propõe a atividade e sua prática. Isso sugere, portanto, um olhar casuístico.

            Servindo como indicativo, as atividades de Assistência não precedem de explicitações teóricas pois se utilizam apenas das teorias dominantes de Educação e Direito. Já a Assessoria necessita de constante pesquisa teórica sobre Educação e Direito. A contestação não se suporta, enquanto atividade acrítica, sem reflexão teórica. Já a consecução prática da Assessoria depende de avaliações metodológicas (e não quantitativas) constantes. Portanto, a constante busca pela teorização caracteriza a Assessoria jurídica como método inovador.

            Como se pode observar, nem sempre as Assessorias conseguiram (talvez nunca conseguirão) superar todos os obstáculos a que se propõem. A superação, portanto, exige um constante e rígido processo de auto-avaliação.

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Sobre o autor
Ivan Furmann

Doutor em Direito pela UFPR. Mestre em Educação. Bacharel em Direito. Professor EBTT no IFC (Instituto Federal Catarinense) Campus Sombrio - Santa Rosa do Sul. Leciona Direito Ambiental, Direito do Trabalho, História, Metodologia Científica e Sociologia..

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FURMANN, Ivan. Novas tendências da extensão universitária em Direito.: Da assistência jurídica à assessoria jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 627, 27 mar. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6481. Acesso em: 22 nov. 2024.

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