Uma análise pontual da intervenção estatal como meio de obtenção dos direitos fundamentais ante a realidade atual do Estado brasileiro

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16/03/2018 às 11:08
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A Necessidade de Reforma do Estado e Formas de Prestação de Serviços

De tudo o que foi dito, e considerando a realidade atual da economia brasileira, notadamente pela necessidade de atuação do Estado no cumprimento de suas atribuições fundamentais, não se admite mais a simples intervenção estatal sem uma ação planejadora, de forma que essa ação interventiva permita ao Estado adquirir conhecimento do setor, suas utilidades e requisitos para o desenvolvimento.

Esse planejamento deve se basear em duas premissas básicas: difusão do conhecimento econômico e redistribuição, capazes de lidar com dois óbices estruturais: concentração de poder econômico e inexistência de forças propulsoras econômicas do lado da demanda.

Essa intervenção baseada em princípios institucionais pode se dar de várias formas: empresas públicas, setores desregulamentados, pouco regulamentados, etc. Outra forma de planejamento e intervenção seria através da regulação. É fundamental, nessa modalidade, que a introdução de princípios institucionais seja apenas um primeiro passo no sentido da resolução efetiva dos problemas estruturais. Políticas concorrenciais não servem para atração de investimentos.

São instrumentos de desestruturação de centros de poder econômico. Políticas redistributivas não servem simplesmente para fazer com que os serviços estejam disponíveis para toda a população, mas que possam ser usufruídos por toda a população.

Segundo Calixto Salomão Filho[79] essa preocupação de redistribuição deve ser a meta do Estado, pois segundo sua lavara, “É na redistribuição que deve ser identificada a grande função do novo Estado. Trata-se, portanto, de um Estado que deve basear sua gestão (inclusive do campo econômico) em valores e não em objetivos econômicos.”

A redistribuição só pode ocorrer se for, do mesmo modo, objetivo da regulação econômica, podendo ser feita de diversas formas.

A eficiência na gestão se alcança com maior proximidade e especialidade do tratamento do problema. Isto só pode ocorrer com a redistribuição setorial; logo o objetivo redistributivo é também uma maneira de dar eficiência à atuação estatal. Neste sentido, segundo Calixto,[80] a redistribuição pode ser direta (v.g. regulação que impõe parâmetros de universalização) ou indireta, mas deve primar sempre pela universalização.

Na verdade, a universalização se insere no gênero mais amplo das políticas públicas de subsídios entre consumidores de alta e baixa renda.

A propósito dessa universalidade, Daniel Wunder Hachem,[81] ato tratar do tema “Direito Fundamental ao serviço público e a capacidade econômica do cidadão – Repensando a universalidade do acesso à luz da igualdade material” assim se pronunciou:

[...] depreende-se que o serviço público é composto por três elementos: (i) o subjetivo, que consiste na titularidade do Estado, a quem cabe assegurar continuamente a sua prestação, fornecendo-os diretamente ou através de sujeitos privados por via da concessão ou da permissão; (ii) o material (ou objetivo), que diz respeito ao fato de se tratar de uma atividade de oferecimento de “utilidade ou comodidade material” — isto é, de prestações fáticas — e destinada à satisfação de relevantes necessidades dos seres humanos, direta ou indiretamente ligadas à garantia e promoção de sua dignidade; (iii) o formal (ou jurídico), que se refere ao regime jurídico especial ao qual a oferta de tais atividades se submete, composto por princípios e regras de Direito Público, que têm por objetivo garantir a sua prestação adequada, com qualidade e acessibilidade a todos os que deles necessitem.[82]

Uma reforma do Estado passaria necessariamente, em sentido amplo, como dito originalmente no introito deste texto, por meio de numa nova Constituição, o que evidentemente é uma tarefa de extrema complexidade e que não estaria na agenda política, além do que pressuporia uma revisão do próprio papel do Estado, como também dito algures.

Outra alternativa, dentro do contexto legal e constitucional vigente, seria uma gestão de redistribuição, não significando dizer que seja necessário diminuir a presença do Estado ou destitui-lo de sua função, estando, portanto adstrito o debate sobre a função das agências reguladoras, que deverá ser instrumental e perseguir este objetivo procurando dotar as agências de regulação, que deverá se pautar por princípios regulatórios em lei (redistribuição, etc) e o processo de produção normativa que se espera para tal desiderato.

Relativamente ao surgimento de tais agências dentro do universo da intervenção estatal, Floriano de Azevedo Marques Neto,[83] quando da análise das finalidades e fundamentos da moderna regulação econômica, ainda que de forma preambular, assim se expressa:

O surgimento das agências entre não decorre (com chega a sustentar felinamente parte da doutrina) de um modismo ou uma mudança perfunctória na estrutura da Administração Pública. Foi fruto, isto sim, de uma profunda mudança na relação do aparelho estatal com a sociedade, particularmente com a ordem econômica.

Para Calixto Salomão Filho,[84] aliás, ao falar sobre essas agências e uma pretensa autonomia, assim se pronuncia:

[...] o elemento fundamental não é a autonomia da agência. Autarquia independente ou órgão governamental, imprescindível é a existência de princípios regulatórios em lei (redistribuição, difusão do conhecimento econômico etc.) e, sobretudo, presença e representação de grupos atingidos pela regulamentação no processo de produção normativo, que motive ampla participação da sociedade. São estas as únicas formas coerentes de evitar a prevalência de grupos de pressão.

Essa característica é fundamental para garantir que esses órgãos cumpram sua função principal: tornaram-se centros de coleta e processamento de informações e escolhas econômicas de toda a sociedade. Só com essa coleta e essa efetiva comparação será, finalmente, possível planejar com vistas ao desenvolvimento.

Para Egon Bockmann Moreira,[85] a positivação do Estado como agente estatal normativo e regulador, como parte integrante das relações econômicas (art. 173), havendo ainda o dever de conviver, regular, interagir e integrar a realidade econômica brasileira (arts. 173 e 174). [86]

Segundo ele ainda, sendo o Estado brasileiro detentor de competência para emanar regulamentos na ordem constitucional, entende-se que tais regulamentos não mais se dirigem à administração pública, mas também às relações econômicas e seus sujeitos públicos e privados.[87]

Para Egon, o art. 174 da CF 88 apresenta peculiaridades, sendo que diferem das prescrições constitucionais anteriores (que se limitavam aos regulamentos administrativos de execução). Não havia menção anterior a qualquer competência pública dirigida à regulação estatal da economia.

Já, Paulo Modesto,[88] reconhecendo que a doutrina brasileira não oferece quadro abrangente e atualizado para os diversos modos de prestação de serviços públicos destinados ao cidadão observa uma classificação binária usual para a atividade, que demonstram a dicotomia do tema[89], citando expressões como: ato vinculado/ato discricionário, cargo efetivo/cargo de confiança. Segundo o autor estas dicotomias simplificam por demais o tema.

Ao observar que a dicotomia serviço público/atividade de exploração econômica, lastreada na dicotomia entre Estado/Sociedade e entre interesse público/interesse privado observa a importância do papel estatal na normatização e regulamentação das atividades prestacionais públicas, bem como a sua ação como agente de fiscalização, planejamento e incentivo.[90]

Observou que os particulares agem como meros delegados do Estado, cabendo a esses, atuação direta na economia.

Para Modesto,[91] a aplicação do chamado “Modelo de soma zero”, que em síntese confirmam a dicotomia anteriormente comentada, pois se qualificam as atividades em públicas ou privadas, havendo, via de consequência um interesse público de um lado e o interesse privado de outro. Ao mencionar-se as esferas de atuação, valendo-se da metáfora da “lei do terceiro excluído”[92] (Tertium nom datur), observa a nitidez das fronteiras entre as atividades, o que impacta no regime jurídico da atividade pública e da atividade privada.


O Poder Sancionatório do Estado, a Opção do Fomento e Considerações Finais

Segundo Heraldo Garcia Vitta[93] “para o exercício da função administrativa, o ordenamento jurídico atribui determinada potestade[94] ou poder ao agente público. A atividade administrativa é a expressão dessa potestade, a fim de obter a cura do interesse público.”

Para Heraldo a finalidade das sanções é repressiva, de modo a atemorizar os eventuais infratores, fazendo com que os indivíduos ajustem os seus comportamentos e não se confunde com o poder regulatório do Estado, aplicando-se como efeito e não como causa.

Ressalte-se, no entanto que, segundo o autor, esta não é a finalidade, assim dispondo:

A punição não é o fim da pena; é efeito, apenas, do ato impositivo desta, ao sujeito. Toda sanção acarreta a punição do infrator, mas o fim dela não é este, é o de evitar condutas contrárias ao Direito. Isso decorre do regime democrático de Direito, do princípio da dignidade da pessoa humana, do respeito aos valores fundamentais da sociedade.

Ao comentar o poder administrativo sancionador estatal e geral, Marcelo Madureira Prates,[95] assim dispõe:

[...] decorrente do jus puniendi, da soberania do Estado, dado que é exercido prioritariamente por uma autoridade administrativa estatal e visa, de modo similar ao que ocorre com o poder penal jurisdicional, à proteção de interesses gerais, de bens jurídicos relevantes para toda a sociedade, ou, ao menos, para um conjunto determinado de pessoas.

Daniel Ferreira,[96] por sua vez, analisando as novas tendências a partir da finalidade da sanção administrativa à luz dos princípios da necessidade e da adequação, pontuou haver uma “franca e imprevisível revolução” no Direito tendo por lastro a função social do contrato (no âmbito do Direito Civil) e não mais apenas pelas proibições legais[97], assim dispondo:

Por sua vez, o Direito Administrativo Sancionador tem recebido contribuição acadêmica de qualidade nos últimos anos e que tem se voltado (salvo raras, mas justificadas exceções – como a constante desta tese[98]) à exigibilidade de certas regras de limitação que, na origem, seriam apenas do Direito Penal.

Em grande parte, portanto, os especialistas entendem chegado o momento de uma completa revisão da atuação administrativa sancionadora, mediante a exigência (supostamente implícita no ordenamento jurídico) do elemento subjetivo como sempre necessário à tipificação da conduta, a obrigatória gradação das sanções in concreto e a sua estrita pessoalidade (por conta da também supostamente exigida individualização), Tudo na cola de um vetusto discurso criminal.

Anote-se ainda, sempre com base na lei, e com uso na discricionariedade descrita no art. 37 da CF/88 a autoridade administrativa, na aplicação da sanção, além de observar os critérios formais primará pelos critérios jurídicos de igualdade, observando o ensinamento de Celso Antônio Bandeira de Mello,[99] que orienta à uma correlação lógica entre o fator de discrímen e a desequiparação procedida, dispondo que “o ponto nodular para exame da correção de uma regra em face do princípio isonômico reside na existência ou não de correlação lógica entre o fator erigido em critério de discrímen e a discriminação legal decidida em função dele.”

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O princípio da isonomia tratado por Celso Antônio Bandeira de Mello motivou Rafael Munhoz de Mello,[100] ao traçar observações acerca do Fomento, que é uma dos modos de intervenção estatal e que recebe menor atenção, desproporcional à sua importância econômica, assim dispõe sobre a atividade de fomento:[101]

A intervenção estatal na ordem econômica pode se dar de três maneiras distintas: i) através da atuação direta do Estado na prestação de serviços ou produção de bens; ii) através da edição de normas jurídicas que disciplinem e limitem a atuação econômica dos particulares, sejam elas gerais e abstratas, sejam individuais e concretas; iii) através da atividade de fomento, por meio da qual o ente estatal procura incentivar o comportamento dos particulares, oferecendo-lhes estímulos. Trata-se de concepção bastante difundida em nossa doutrina, sem grandes variações terminológicas.

Celso Antônio Bandeira de Mello, por exemplo, ao tratar da intervenção estatal no domínio econômico, refere-se ao poder de polícia – “atividade reguladora da ordem econômica” –, aos incentivos à iniciativa privada, “estimulando-a com favores fiscais ou financiamentos, até mesmo a fundo perdido”, e à atuação empresarial do Estado, em que “o Poder Público propõese a agir como protagonista da exploração econômica”.3 Em outras palavras do mesmo autor, “o Estado pode interferir com a atividade econômica a) ‘disciplinando-a’ (...); b) ‘fomentando-a’ (...); c) ‘assumindo-a’”.

Segundo André Luiz Freire,[102] o que “caracteriza o fomento e o distingue das demais atividades administrativas não consiste na finalidade buscada, mas sim na adoção da técnica de encorajamento de condutas. O Estado facilita ou premia condutas, alcançando o fim público sem emprego da coação para a formação da relação jurídico-administrativa.” [103]

Desta forma, em caráter de complementação destes comentários, fica evidente, a toda prova, que o caminho, por mais doloroso que seja, para que o Estado Social passe a ser uma realidade em nosso conturbado momento econômico e financeiro, sendo uma opção considerada de curto e médio resultado, além de correção de rumos aos erros de gestão já antecipados, seria acreditar-se na estrutura de que já dispomos, investindo-se na intervenção positiva do Estado na regulação, seja no fomente ou mesmo na busca de parcerias público-privados, concessões, terceirizações, dentre outras, pois há muito tempo, e até mesma pela já alentada escassez de recursos, o Estado não tem condições de atendimento de atender aos Direitos Fundamentais.

Mais que uma mera suposição, trata-se de convicção ideológica, pois temos um texto constitucional igualado ao das melhores nações democráticas do mundo, mas estamos longe de atingir o padrão que esses países transferem aos seus cidadãos, agravados pela falta de identidade e pelos graves problemas que atravessamos.

Caso isso não ocorra, nada como rememorar Jessé Souza,[104] e nos colocar na ralé do mundo.[105]

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Sobre o autor
José Julberto Meira Junior

Advogado; Mestre em Direito Empresarial pelo Programa de Pós-Graduação do Centro Universitário Curitiba (2018) e especialista em Direito Tributário (1999) pelo IBEJ/FESP; Professor Universitário nos cursos de especialização da UNICENP, FAE BUSINESS, FESP, ABDCONST (Curitiba), FAG (Cascavel e Toledo), CTESOP (Assis Chateaubriand); UniOPET EAD (Curitiba); Instituto Navigare / Faculdade Stª Fé (São Luis – Maranhão), UFPR/Ciências Contábeis (Curitiba), PUC (Curitiba); com estágio docente realizado na Universidade de Santiago de Compostela (USC/Espanha); Membro do Comitê Tributário da OAB/PR; membro honorário do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT); membro do Instituto de Direito Tributário do Paraná (IDT); membro do Comitê de Estudos Tributários, Fiscais e Contábeis do CRC/PR e do Conselho Temático Tributário da Federação das Indústrias do Paraná (FIEP). Lattes: http://lattes.cnpq.br/2581196308704093 E-mail: [email protected]

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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