Capa da publicação IPI: inclusão de descontos incondicionais e frete na base de cálculo
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A posição do STF sobre a inclusão dos descontos incondicionais e do frete na base de cálculo do IPI

24/05/2018 às 15:30
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Examinam-se as divergências entre o fisco e os contribuintes acerca do alcance do conceito de valor da operação, constante do art. 47, II, a, do CTN e a interpretação do STF sobre a matéria.

Interpretação do STF quanto à inclusão do frete e dos descontos incondicionais na base de cálculo do IPI

Dispõe a Constitucional Federal de 1988, em seu art. 153, inciso IV, que compete à União instituir impostos sobre produtos industrializados. Dispõe ainda, no art. 153, § 3º, incisos I e II, respectivamente, que o imposto será seletivo, em função da essencialidade do produto e será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores.

Outros mandamentos foram impostos ao legislador pela CF, relativamente ao IPI, como podemos ver nos dispositivos transcritos abaixo que constituem limitações ao poder de tributar.

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: 

VI - instituir impostos sobre:

d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.

e) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser.  

Art. 153, § 3º, inciso III – o IPI não incidirá sobre produtos industrializados destinados ao exterior. 

Art. 155, § 3º -  À exceção do ICMS, do Imposto de Importação e do Imposto de Exportação, nenhum outro imposto poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País 

Art. 153, § 5º - O ouro, quando definido em lei como ativo financeiro ou instrumento cambial, sujeita-se exclusivamente à incidência do IOF, devido na operação de origem.

Estas foram as balizas definidas pela Constituição Federal relativamente ao IPI que deverão ser observadas pelo legislador infraconstitucional. Note-se que a Constituição não definiu as normas gerais do imposto, deixando-as a cargo de lei complementar, nos termos de seu art. 146, in verbis: 

Art. 146. Cabe à lei complementar:

...

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários. 

Assim foi feito pela Lei nº 5.172/66 - formalmente lei ordinária – que já houvera sido recepcionada pela Constituição de 1967 como lei complementar, como se percebe pelo art. 19, § 1º, da Constituição Federal de 1967: “Lei complementar estabelecerá normas gerais de direito tributário, disporá sobre os conflitos de competência tributária entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e regulará as limitações constitucionais do poder tributário.” 

A Lei nº 5.172/66 (Código Tributário Nacional) estabeleceu as normas gerais aplicáveis ao IPI em seus arts. 46 a 51.

A  Base de Cálculo, objeto de nosso estudo, é definida no art. 47, como sendo:

Art. 47. A base de cálculo do imposto é:  

I - no caso do inciso I do artigo anterior, o preço normal, como definido no inciso II do artigo 20, acrescido do montante:

a) do imposto sobre a importação;

b) das taxas exigidas para entrada do produto no País;

c) dos encargos cambiais efetivamente pagos pelo importador ou dele exigíveis;

II - no caso do inciso II do artigo anterior:

a) o valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria;

b) na falta do valor a que se refere a alínea anterior, o preço corrente da mercadoria, ou sua similar, no mercado atacadista da praça do remetente;

III - no caso do inciso III do artigo anterior, o preço da arrematação.

Vamos centrar nossa análise na base de cálculo aplicável à saída do produto do estabelecimento contribuinte do IPI, prevista no art. 47, inciso II, letra a, acima transcrita: o valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria.

O núcleo da discórdia entre o Fisco e os contribuintes é o alcance da expressão valor da operação. 

A verdade é que o conceito é demasiadamente vago, cabendo diversas interpretações e gerando controvérsias ainda não definitivamente pacificadas pela doutrina e pela jurisprudência, malgrado já haver julgados sobre o tema no STJ e no STF.

Embora vago no CTN, o conceito de valor da operação foi explicitado pela Lei nº 4.502/64, lei instituidora do IPI, em seu art. 14, como segue:

“Art.14. Salvo disposição especial, constitui valor tributável: ......

II - quanto aos de produção nacional, o preço da operação de que decorrer a saída do estabelecimento o produtor, incluídas todas as despesas acessórias debitadas ao destinatário ou comprador, salvo, quando escrituradas em separado, os de transporte e seguro nas condições e limites estabelecidos em Regulamento. Parágrafo único. Incluem-se no preço do produto, para efeito de cálculo do imposto, os descontos, diferenças ou abatimentos, concedidos sob condição.”

Este inciso II, foi alterado pela Lei nº 7.798/89 e passou a ter a seguinte redação:

“II - quanto aos produtos nacionais, o valor total da operação de que decorrer a saída do estabelecimento industrial ou equiparado a industrial.

§ 1º. O valor da operação compreende o preço do produto, acrescido do valor do frete e das demais despesas acessórias, cobradas ou debitadas pelo contribuinte ao comprador ou destinatário.

§ 2º. Não podem ser deduzidos do valor da operação os descontos, diferenças ou abatimentos, concedidos a qualquer título, ainda que incondicionalmente.

§ 3º. Será também considerado como cobrado ou debitado pelo contribuinte, ao comprador ou destinatário, para efeitos do disposto no § 1º, o valor do frete, quando o transporte for realizado ou cobrado por firma coligada, controlada ou controladora (Lei nº. 6.404) ou interligada (Decreto-Lei nº. 1.950) do estabelecimento contribuinte ou por firma com a qual este tenha relação de interdependência, mesmo quando o frete seja subcontratado."

§ 4º. Será acrescido ao valor da operação o valora das matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem, nos casos de remessa de produtos industrializados por encomenda, desde que não se destinem a comércio, a emprego na industrialização ou no acondicionamento de produtos tributados, quando esses insumos tenham sido fornecidos pelo próprio encomendante, salvo se se tratar de insumos usados."

O que se discute é se a ampliação do conceito de valor da operação procedido pela Lei 7.798 relativamente ao que dispunha a Lei 4.502 – notadamente a inclusão dos descontos incondicionais na base de cálculo e a ampliação do conceito de frete - , extrapolou o disposto do art. 47, inciso II, letra a, da Lei 5.172 (CTN)  e portanto a mudança seria inconstitucional, ou a Lei 7.798, ao dispor sobre valor da operação estaria simplesmente disciplinando, aclarando um conceito que estaria demasiadamente vago, e a nova redação seria constitucional.

Por outro lado, seria correto interpretar o conceito de valor da operação, conforme descrito no CTN, como equivalente tão somente ao preço do produto, sem a inclusão de qualquer outra cobrança acessória que venha a ser feita ao adquirente do produto?

Dentre os elementos descritos na Lei 7.798/89 passíveis de serem incluídos na base de cálculo como despesas acessórias podemos apontar os descontos condicionais, o frete e os descontos incondicionais. Apenas os dois últimos - frete e descontos incondicionais  - têm sido objeto de discórdia, razão porque discorreremos apenas sobre os dois.

Primeiramente vale registrar que em minha opinião a expressão valor da operação constante do art. 47, inciso II, letra a, da Lei 5.172 (CTN) não é sinônimo de preço do produto. Em meu entendimento o legislador pretendeu que a base de cálculo do IPI fosse o custo real incorrido pelo adquirente, vale dizer, o preço do bem propriamente dito acrescido de despesas acessórias cobradas do adquirente pelo vendedor.


Inclusão dos descontos incondicionais na base de cálculo do IPI

Coerentemente com o que dissemos no parágrafo anterior, de que o valor da operação significa o custo real do produto para o adquirente, não faz sentido incluir os descontos incondicionais na base de cálculo do IPI, afinal esse tipo de desconto independe de evento futuro, constando diretamente na nota fiscal de venda, reduzindo de fato o valor da operação. Ora, não teria nenhuma lógica calcular o IPI sobre um valor maior do que o valor real da operação.

Felizmente esse erro foi corrigido pelo STF no julgamento do RE 567.935 SC, cuja ementa mostramos a seguir, que decidiu pela inconstitucionalidade do art. 15 da Lei nº 7.798/89 no que tange à inclusão dos descontos incondicionais na base de cálculo do IPI.

IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS – VALORES DE DESCONTOS INCONDICIONAIS – BASE DE CÁLCULO – INCLUSÃO – ARTIGO 15 DA LEI Nº 7.798/89 – INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL – LEI COMPLEMENTAR – EXIGIBILIDADE. Viola o artigo 146, inciso III, alínea “a”, da Carta Federal norma ordinária segundo a qual hão de ser incluídos, na base de cálculo do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, os valores relativos a descontos incondicionais concedidos quando das operações de saída de produtos, prevalecendo o disposto na alínea “a” do inciso II do artigo 47 do Código Tributário Nacional.

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Não há reparos a fazer ao presente acórdão uma vez que entendemos que a lei nº 7.798/89, ao incluir os descontos incondicionais na base de cálculo do IPI, à toda evidência incorreu em vício de inconstitucionalidade pois extrapolou o conceito de valor da operação constante do art. 47, inciso II, letra a, da Lei 5.172 (CTN).


Inclusão do frete na base de cálculo do IPI

Usando o RE 567.935 SC como paradigma, as Turmas do STF vêm decidindo que igualmente não cabe a inclusão do frete na base de cálculo do IPI, como podemos observar no julgamento do RE 926.064 SC, assim ementado:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. IPI. BASE DE CÁLCULO. INCLUSÃO DO VALOR DO FRETE DO PRODUTO. ARTIGO 15 DA LEI Nº 7.798/1989. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. RESERVA DE LEI COMPLEMENTAR. CONTROVÉRSIA ABARCADA PELO TEMA Nº 84 DA REPERCUSÃO GERAL. RE 567.935. RECURSO DESPROVIDO.”

Diferentemente dos descontos incondicionais, cuja inclusão na base de cálculo é absolutamente indefensável, uma vez que reduz o valor da operação, não se pode dizer o mesmo relativamente ao frete, uma vez que este, em determinadas circunstâncias, pode alterar o valor da operação, aumentando-o, sendo, portanto, defensável sua inclusão na base de cálculo. Não, evidentemente, de forma ampla, como previsto na Lei nº 7.798/89.

Entendo que seria correta a inclusão do frete na hipótese em que o próprio estabelecimento vendedor faz o transporte da mercadoria e cobra ou debita o valor do frete ao adquirente.

Entretanto, não nos parece correta a inclusão do frete na base de cálculo quando o transporte da mercadoria é realizado por outra empresa, mesmo que tenha alguma ligação com o estabelecimento vendedor.


Conclusão  

É irretocável a decisão do STF de considerar inconstitucional a inclusão dos descontos incondicionais na base de cálculo do IPI. Os descontos incondicionais são redutores do valor da operação/preço do produto e não poderia, por óbvio, haver a incidência do IPI sobre os mesmos. Seria uma ficção, para não dizer uma aberração jurídica, fazer incidir o imposto sobre valores que não integraram a base tributável.

Quanto à decisão proferida no RE 926064 SC relativa ao frete, entendo que a mesma poderia ser modulada a fim de abarcar apenas o frete nas hipóteses em que o transporte da mercadoria é realizado por terceiros, com ou sem vínculo com o estabelecimento vendedor. Entendo que na hipótese em que o próprio estabelecimento vendedor faz o transporte da mercadoria o frete deveria integrar a base de cálculo, uma vez que acaba por onerar o preço final do produto. Tanto isso é verdade que nas aquisições efetuadas por pessoa jurídica o frete pago é acrescido ao custo do produto e não contabilizado à parte como despesa.

Em conclusão, sou de opinião que, relativamente à inclusão do frete na base de cálculo do IPI, apenas o § 3º, art. 14, da Lei nº 4.502/64, com a redação dada pela Lei nº 7.798/89 seria inconstitucional, estando o § 1º do mesmo artigo em perfeita consonância com o conceito de valor da operação previsto no art. 47, II, a, do Código Tributário Nacional.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Arnaud. A posição do STF sobre a inclusão dos descontos incondicionais e do frete na base de cálculo do IPI. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5440, 24 mai. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64824. Acesso em: 23 nov. 2024.

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