RESUMO: O presente artigo trata do crime de furto de uso em âmbito militar, o qual possui requisitos específicos para sua caracterização, tais como a subtração de coisa móvel para utilização momentânea, mediante dolo e a devolução da mesma no local de origem, não possuindo o autor interesse na manutenção da res. Para a evolução do presente tema utilizamos como fonte de pesquisa diversos autores entre eles: HELENO FRAGOSO (1983), DELMANTO (2000) E NORONHA (1994), os quais possuem entendimentos diversos a cerca do tema como será apresentado a seguir. Sendo que após a realização desta pesquisa conclui-se sobre a atipicidade do tema, visto que o agente não possui interesse na manutenção da res pra si, contudo, ante a atipicidade da matéria não teríamos o crime de furto de uso, conforme o principio da legalidade no direito penal, sobre o qual infere-se quel não há crime sem lei anterior que o defina.
Palavras-chave: Direito Militar. Crime de Furto de Uso. Conduta. Uso Momentâneo. Res.
Introdução
O presente artigo nos fará refletir sobre a ocorrência do crime militar de furto, mais precisamente o furto de uso, previsto no Art. 241 do Código Penal Militar. Para aprofundarmos no tema apresentaremos neste trabalho a definição de “militar” e a organização da Justiça Militar para apreciação dos crimes.
Faremos uma breve classificação sobre os crimes militares, classificando-os como próprios e impróprios, no que tange a matéria de furto de uso, os crimes propriamente militares que são cometidos apenas por militares, desde que possua tipificação penal apenas no CPM.
Apresentaremos doutrinadores que tratam do tema central deste trabalho, tais como Delmanto (p.311), o qual conceitua o furto de uso sendo:
“quando alguém retira coisa alheia infungível, para dela servir-se momentânea ou passageiramente, repondo-a, a seguir, na esfera de atividade patrimonial do dono; tal fato é ilícito civil e não penal (STF, RTJ 37/97, 34/657; TJSC, RT 545/403; TAPR, RT 523/471; TACrSP, julgados 93/149).”
Trataremos sobre a importância da distinção entre o crime de furto de uso e apropriação indébita, para o C.P.M (Código Penal Militar), utilizaremos como fonte de pesquisa as legislações vigentes e doutrinadores que discorrem acerca do tema, tais como: Delmanto, Heleno Fragoso e Noronha.
Portanto, o presente trabalho tem por objetivo apresentar a distinção entre o furto de uso e apropriação indébita, esclarecer toda e qualquer duvida com relação às tipificações supracitadas, bem como, apresentar decisões dos Tribunais Superiores, as quais vêm desqualificando a conduta dos autores por entenderem que recai sobre o tema o principio da insignificância e deficiência de dolo.
Desenvolvimento
A palavra militar deriva do latim e quer dizer “andar em mil” homens, ou militar, relativo à guerra, a soldado, contudo a denominação de militar encontra-se no Art. 22 do Código Penal Militar, segundo o aludido artigo teremos nesta condição todo cidadão, que em tempo de guerra ou de paz, seja incorporado as Forças Armadas, para nela servir, ou sujeitar - se à disciplina militar. Os militares no Brasil são divididos em duas categorias, militares estaduais e federais.
Em nossa Constituição Federal temos a definição de militar estadual que está prevista em seu Art. 42, o qual vincula a definição de militar aos integrantes das Polícias Militares e do Corpo de Bombeiros Militares, dos Estados, do Distrito Federal e dos territórios, que porventura venham a ser criados pela União.
Destarte o Art. 142, caput, da Carta Magna do país, o qual nos remete aos militares federais, como sendo membros das Forças Armadas, que são compostas pelo Exército, Marinha e Aeronáutica, que tem como primazia a manutenção da ordem interna do país, a que vem sendo muito desempenhada pelo Exército Brasileiro.
Cabe resaltar que a Lei Complementar nº. 97, de 09 de junho de 1999, disciplina sobre as atribuições subsidiárias das Forças Armadas, as quais poderão atuar somente em situações de segurança nacional , quando a preservação da ordem publica estiver em risco, como recentemente observamos em Vitória-ES, quando o Exercito Brasileiro ocupou o território em face a “greve de Policiais Militares”, ou seja, única e exclusivamente para garantir a sociedade a manutenção da ordem pública, visto que o Estado não possuía condições de oferecê-la .
Atualmente o território esta dividido em doze Circunscrições Judiciárias Militares definidas pela Lei nº 8.457/92, sendo sua Organização pautada na Lei anteriormente citada, no Código Penal Militar (Decreto-Lei nº 1.001/69), o Código de Processo Penal Militar (Decreto-Lei nº 1.002/69), no Estatuto dos Militares (Lei nº 6.880/80) além de diversas resoluções.
O primeiro grau da Justiça Militar Federal é constituída pelos Conselhos de Justiça, o qual é formado por um auditor militar, provido por concurso de provas e títulos, e mais 4 (quatro) oficiais, onde deverá ser observado sua antiguidade com relação a postos levando em conta a do acusado. Ademais os Conselhos dividem-se em Especiais e Permanentes, onde este é composto para o julgamento das praças e aquele composto para o julgamento de oficiais. Os militares integrantes dos Conselhos que atuam na justiça militar compões os mesmos pelo período de três meses, quando do termo final serão escolhidos outros oficiais para compor o Conselho de Justiça.Temos o STM como instancia superior da Justiça Militar da União, o qual teve seu nome consagrado pela Constituição de 1946 como Superior Tribunal Militar (STM) possuindo jurisdição em todo território nacional.
Para que tenhamos a Organização Militar da Justiça Militar devemos nos remeter aos órgãos que compõe a mesma, que são: Superior Tribunal Militar; e os Tribunais e juízes militares instituídos por lei, a Lei nº 8.457/92 que trata da Organização Judiciária Militar que traz em seu artigo 1º como sendo órgãos da Justiça Militar: o Superior Tribunal Militar; a Auditoria de Correição; os Conselhos de Justiça; e, os Juízes-Auditores e os Juízes-Auditores Substitutos.
No que tange a Organização da Justiça Militar Estadual, a mesma encontra-se amparada pela Constituição Federal em seu artigo 125 paragrafos 3 e 4, in verbis:
“§ 3º A lei estadual poderá criar, mediante proposta do Tribunal de Justiça, a Justiça Militar estadual, constituída, em primeiro grau, pelos juízes de direito e pelos Conselhos de Justiça e, em segundo grau, pelo próprio Tribunal de Justiça, ou por Tribunal de Justiça Militar nos Estados em que o efetivo militar seja superior a vinte mil integrantes.
§ 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos, disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças (Redação anterior à Emenda Constitucional nº 45/04).”
Podemos inferir do artigo supracitado que após proposta do Tribunal de Justiça poderá ser criado o Tribunal Justiça Militar nos Estados em que houver mais de vinte mil integrantes, portanto não são em todos os Estados da Federação que teremos os Tribunais de Justiça Militar, caso que ocorre no Estado de Mato Grosso do Sul.
Após breve e sucinta apresentação da Organização da Justiça Militar e seus Órgãos os quais são competentes para apreciação das mais diversas matérias, trataremos sobre o objeto do presente trabalho, o que segue.
O crime de furto de uso encontra-se tipificado no art. 241 do Código Penal Militar, inserido no título V, capitulo I, dos Crimes Contra o Patrimônio, ou seja, patrimônio pertencente as Forças Armadas e Forças Auxiliares. Portanto o furto de uso acontecerá caso um militar, em qualquer das esferas estadual ou federal, onde na forma dolosa, subtrai para si um bem móvel, o qual seja de outro militar ou da própria Administração Pública,caso ocorra a subtração de forma definitiva , poderá o militar estar cometendo outro tipo penal, podendo ser furto simples ou furto qualificado , ambos com previsão nos § 1º e § 2 º, do art. 240 do Código Penal Militar, contudo também temos a previsão de crimes de furtos cometidos em zonas de operações militares ou território militarmente ocupado, sendo para tanto a pena de reclusão em dobro da pena cominada para o mesmo crime ocorridos em tempo de paz, conforme aduz o art.404 do C.P.M.
Ocorrerá o agravamento da pena de um a dois terços caso o objeto furtado seja veiculo automotor ou animal de sela ou de tiro, os quais são comumente encontrados a disposição nas Policias Militares, bem como no Exército Brasileiro o qual possui diversos regimentos de cavalaria pelo país. Podemos inferir deste aumento de pena sobre a necessidade e o valor que as viaturas e animais possuem para a execução dos mais diversos tipos de atividades desempenhada pelas Forças Armadas e Auxiliares. Vejamos alguns entendimentos jurisprudenciais e doutrinarios a cerca do tema:
“STF: "Furto de uso. Automóvel subtraído sem animus furandi. Prova da intenção do acusado de dar uma volta e devolver o carro ao local em que estava. Absolvição". (RT 395/416).”
“TACRSP: "O furto de uso tem requisitos específicos, como a devolução da res em sua integralidade, no lugar de onde foi retirada e em curto espaço de tempo". (RJDTACRIM 25/211).”
Para Delmanto (p.311) o furto de uso ocorre quando:
“quando alguém retira coisa alheia infungível, para dela servir-se momentânea ou passageiramente, repondo-a, a seguir, na esfera de atividade patrimonial do dono; tal fato é ilícito civil e não penal (STF, RTJ 37/97, 34/657; TJSC, RT 545/403; TAPR, RT 523/471; TACrSP, julgados 93/149).”
Sopesando sobre Noronha (p. 225), o mesmo considera que só comete furto de uso quem causa apenas um único dano à vítima: o da privação momentânea que esta sofre do uso da coisa. Qualquer outro dano diferente irá descaracterizar o furto de uso.
Para Heleno Fragoso (p. 284), seria uma infeliz iniciativa, caso o crime de furto de uso tivesse entrado em vigor no ano de 1969, uma vez que vivemos numa época de crise no sistema penal, na qual não seria conveniente criminalizar condutas sem gravidade.
Portanto, para que seja caracterizado o de furto de uso é necessária à subtração de bem móvel, de forma dolosa pelo autor que tenha a intenção de devolvê-la na forma anteriormente encontrada.
No que tange a matéria de furto de uso faremos um paralelo com a apropriação indébita, sendo esta tipificada C.P.M, mais precisamente no art. 248, onde classifica como sendo um ato de apropriar-se de res alheia móvel que seja detentor ou tenha posse. Portanto, a diferença entre apropriação indébita e furto de uso está clara quando nesta o autor tem a posse do bem por meio de subtração, dolo e com intuito de devolvê-la sem que fosse observada tal alteração, ao passo que, na apropriação indébita o autor possui a posse ou a detenção do bem de forma legitima, porém, não restitui a res para quem de direito em momento posterior.
Apresentaremos a seguir uma situação hipotética de furto de uso, que segue:
Mévio, Soldado Policial Militar do Estado X, o mesmo, ao realizar “faxina” observa sobre uma escrivaninha um “walkman”, decide pegá-lo para ouvir música enquanto executava sua tarefa, com a intenção posterior de deixar no mesmo local encontrado ao término de sua missão, porém, antes do término de seu serviço entra no recinto o Sargento PM Tício, o mesmo é o proprietário do “walkman”, ante ao flagrante do “walkman” utilizado por Mévio sua anuência, resta evidenciado no caso em tela, o crime de furto de uso.
Cabe ressaltar que, poderá ser arguida pela defesa o principio da insignificância, ante ao insignificante valor atribuído a um “walkman”, o que não pode ser confundido com baixo valor, bem como a deficiência no dolo, visto que o agente não possui intenção de permanecer com a res subtraída, entendimento que podemos classificá-lo como majoritário nos Tribunais Militares frente ao tema, contudo, há de se ressaltar que hoje o dispositivo do tipo penal de furto de uso esta sendo utilizado com intuito de se desclassificar um tipo penal mais gravoso como furto simples ou qualificado em furto de uso, ou seja, acaba servindo como tese para defesa da autoria, porem, deve-se observar os requisitos da subtração para utilização momentânea e restituição onde se encontrava, os quais em sua maioria não são preenchidos.
Desta forma, vamos ao encontro do pensamento do autor Heleno Fragoso, onde este tipo penal – furto de uso - encontra-se apenas no Direito Militar, não possuindo tal previsão na Legislação Penal Comum, e ante a atipicidade da matéria, ou seja, a não intenção de o agente permanecer com a res, não haveria o cometimento do crime, caso tivéssemos essa previsão no Código Penal Comum teríamos um colapso ainda maior tanto no sistema judiciário quanto no sistema penitenciário do país, ao criminalizar condutas que em suma não possuem gravidade.
Conclusão
Após a abordagem realizada frente ao tema, faremos os últimos apontamentos sobre do furto de uso, que é a matéria central deste trabalho, para a conclusão do mesmo.
Como vimos, o furto de uso ocorre quando alguém subtraí uma res alheia móvel para o uso momentâneo. Contudo, a conduta do agente que subtraí a coisa mas logo em seguida a devolve ao mesmo lugar que a subtraiu, não possui o animus de permanecer com a res subtraída, ou seja, restando evidenciado a deficiência de dolo.
Nesta celeuma, quem pratica o crime de furto de uso possui uma conduta atípica, contudo, não há que se falar em casos de diminuição de pena, mas sim de atipicidade da conduta, portanto, exclusão do crime.
Concluímos que não restam dúvidas de que quem comete furto de uso, não comete crime algum, tornando-se desta forma descabida e inaceitável toda e qualquer punição por parte do Estado em face a conduta do agente.
REFERÊNCIAS
DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado, Ed. Renovar, 2000.
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal, Parte Especial, Arts. 121 a 212, Ed. Forense, 1983.
NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal, v. 2, Ed. Saraiva, 1994.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del1001.htm
http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,divergencias-doutrinarias-e-jurisprudenciais-sobre-o-furto-de-uso,29657.html
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm
https://deniscaramigo.jusbrasil.com.br/artigos/146141219/furto-art-155-cp-e-apropriacao-indebita-art-168-cp
https://jus.com.br/artigos/11190/o-furto-de-uso-como-crime-militar