2. SUBCULTURA DELINQUENTE
Dentro da criminologia, a teoria da subcultura delinquente foi consagrada pelo sociólogo norte-americano Albert K. Cohen através de sua obra intitulada Delinquent Boys: the culture of the gang, de 1955.
Conforme Sérgio Salomão Shecaira[18]:
“O conceito não é exclusivo da área criminal, sendo utilizado igualmente em outras esferas do conhecimento, como na antropologia e na sociologia. Trata-se de um conceito importante dentro das sociedades complexas e diferenciadas existentes no mundo contemporâneo, caracterizado pela pluralidade de classes, grupos, etnias e raças.”
Nesse sentido, é importante deixar claro, que mesmo no estudo da ciência criminal existem outros autores que trataram do tema, no entanto como principal expoente, este trabalho se sujeitará a analisar a teoria do Albert K. Cohen.
2.1 Teoria Subcultural
A teoria da subcultura delinquente, conforme já explicado, faz parte das teorias consensuais da Escola Sociológica.
Mas, inicialmente, faz-se necessário diferenciar cultura de subcultura, para que, finalmente, se chegue à subcultura delinquente.
Cultura são modelos coletivos de ações, identificados nos modos de pensar, sentir e de se comportar em uma comunidade, dinamicamente transmitidos de geração para geração e dotados de certa durabilidade. São os conhecimentos, crenças, artes, direito, costumes etc.
Subcultura é a divisão dentro da cultura dominante, que tem as próprias normas e valores, ou seja, é uma cultura dentro da cultura. Compartilham linguagens, ideias e práticas culturais que diferem das seguidas pela comunidade geral.
Assim, a subcultura existe dentro de uma sociedade maior, não à parte dela. A ideia de subcultura implica a existência de padrões normativos opostos ou, pelo menos, divergentes dos estabelecidos na cultura dominante.
Em outras palavras, podemos dizer que a subcultura decorre das chamadas sociedades complexas e pode ser imaginada como uma “cultura dentro da cultura”, pois, na realidade, a subcultura depende da existência de padrões normativos opostos ou divergentes dos que permeiam à cultura dominante.
Já a subcultura delinquente, por sua vez, pode ser resumida como um comportamento de transgressão que é determinado por um subsistema de conhecimento, crenças e atitudes que possibilitam, permitem ou determinam formas particulares de comportamento transgressor em situações específicas. Esse conhecimento, essas crenças e atitudes precisam existir, primeiramente, no ambiente cultural dos agentes dos delitos e são incorporados à personalidade, mais ou menos como quaisquer outros elementos da cultura ambiente.
Segundo Wilson Donizeti Liberati[19]:
“Essas subculturas emergem quando os indivíduos, em circunstâncias semelhantes, se encontram praticamente isolados ou negligenciados pela elite social. Desse modo, agrupam-se, para se apoiarem mutuamente.”
A subcultura, para ser definida como tal, além do que já foi exposto, apresenta algumas características próprias. Antonio García-Pablos de Molina[20] classificou essas características e a chamou de ideias fundamentais das teorias subculturais. São três:
Caráter pluralista e atomizado da ordem social
A ordem social é um mosaico de grupos, subgrupos, fragmentado e conflitivo. Assim, cada subgrupo possui seu próprio código de valores, que nem sempre coincide com os valores majoritários e oficiais.
Cobertura normativa da conduta desviada
A conduta delitiva não seria produto da desorganização ou da ausência de valores, senão reflexo e expressão de outros sistemas de normas e valores distintos: a subcultura. Teria, portanto, um respaldo normativo.
Semelhança estrutural, em sua gênese, do comportamento regular e irregular
Tanto a conduta normal, regular, adequada ao Direito como a irregular, desviada, delitiva, seriam definidas em reação aos respectivos sistemas de normas e valores oficiais e subculturais, pois o autor (delinquente ou não) o que faz é refletir, com sua conduta, o grau de aceitação e interiorização dos valores da cultura ou da subcultura à qual pertence.
Portanto, através do pensamento de Antonio García-Pablos de Molina, conclui-se que a subcultura pressupõe a existência de uma sociedade pluralista, constituída de valores diversos que servem de fundamento para os grupos de delinquentes, que os utilizam como regra de conduta. Essa visão de subcultura, considerada intrinsecamente, permite compreender o delito como uma opção do grupo ou da coletividade.
Para este grupo, não interessa sua própria organização como bando ou gangue nem tampouco, sobre áreas degradadas ou deterioradas, que representam a desorganização social, mas sobretudo com sua origem, que está intimamente ligada à estratificação social e que representa a proibição de acesso, das classes sociais oprimidas, aos objetivos e metas culturais das classes sociais mais elevadas.
Assim, o delito não é consequência da desorganização social ou da carência ou vazio normativo, senão de uma organização social distinta, de códigos e valores próprios ou ambivalentes em relação aos da cultura dominante.
E quando se trata de subcultura delinquente, a teoria mais conhecida, como já foi dito, pertence à Albert K. Cohen.
De acordo com José Figueredo Dias e Manuel da Costa Andrade[21]:
“A Teoria da Subcultura Delinquente, de Albert Cohen, que focaliza o crime como resultado da identificação dos jovens do sexo masculino, da classe trabalhadora com os valores e as regras de conduta emergentes da subcultura delinquente; ou seja, essa subcultura delinquente representa uma resposta coletiva às experiências de frustração nas tentativas de aquisição de status no contexto da realidade respeitável e da sua cultura.”
Portanto, faz-se necessário tecer alguns comentários à referida teoria.
2.2 Teoria da Subcultura Delinquente de Albert K. Cohen
Albert K. Cohen desenvolveu a teoria da subcultura delinquente em 1955, através do seu livro Delinquent Boys: the culture of the gang.
Como expoente da escolas sociológicas da criminologia, sua ideia foi de encontro às teorias do início da escola positiva que viam a etiologia criminal somente como fator natural ou psicológico.
Cohen procurou explicar a desproporção das estatísticas oficiais do comportamento delinquente de cidadãos da classe baixa, principalmente a delinquência juvenil, em regiões degradadas.
Apesar de seu livro tratar de uma delinquência juvenil, sua teoria vai além disso, por ser considerada uma teoria geral da subcultura delinquente,
Albert K. Cohen[22] inventou um comportamento delinquente e entendeu que:
“A delinquência não é uma expressão ou uma invenção de uma forma particular de personalidade, se as circunstâncias favorecerem a associação com modelos delinquentes. O processo de se chegar a um ser delinquente é o mesmo que o de se chegar a ser escoteiro. A única diferença que tem é o modelo cultural com o qual o jovem se associa.”
Baseado no chamado “sonho americano”, Cohen entendia que os jovens de classe baixa, devido às condições sociais, encontravam geralmente muitos obstáculos e dificuldades para seguir, por meios legítimos, o caminho de alcance ao sucesso traçado pela classe média segundo os moldes desta, que produz nesses jovens o “estado de frustração” (status frustracion).
Esse estado de frustração provoca, segundo Cohen[23]:
“[...] fortes sentimentos de humilhação, angustia e culpa, devido a interiorização da ética e do sucesso, que tem, como componente decisiva, a tendência para confundir o sucesso com a própria virtude.”
E completa[24]:
“Uma saída possível, para essa situação, seria repudiar-se ao jogo e sair dele, recusando-se a reconhecer regras que para eles, não tem qualquer aplicação e estabelecer novos jogos com as regras e critérios de status, regras segundo as quais eles possam realizar-se satisfatoriamente.”
Na mesma linha, José Figueredo Dias e Manuel da Costa Andrade[25]:
“A subcultura delinquente representa a resposta coletiva às experiências de frustação nas tentativas de aquisição de status no contexto da sociedade respeitável e da sua cultura.”
E ainda complementa, Alessandro Baratta[26]:
“A constituição de subculturas criminais representa, portanto, a reação de minorias desfavorecidas e a tentativa, por parte delas, de se orientarem dentro da sociedade, não obstante as reduzidas possibilidades legítimas de agir, de que dispõem.”
A consequência disso é que os jovens se reúnem em grupos subculturais e desenvolvem comportamentos característicos.
Cohen[27]classificou esses comportamentos em não utilitarista, mau e negativista.
Não utilitarista
Normalmente, as pessoas cometem crimes por uma razão justificável, por exemplo, alguns furtam coisas porque precisam delas. No entanto, muitas gangues furtam sem motivação utilitarista, já que o objeto furtado é, por si mesmo, uma motivação, pois esse objeto roubado engloba sentimentos glória, bravura e satisfação. O furto se justificaria por status ou por puro prazer.
Mau
Os membros das gangues de jovens delinquentes revelam um evidente prazer em agredir ou molestar as pessoas e desafiar as tabus sociais. Segundo Shecaira[28]: “os estudos das gangues juvenis demostram que seus membros exibem uma hostilidade gratuita contra jovens que não pertence às gangues”.
Negativista
A subcultura representa a subversão total e a inversão de valores da cultura dominante. A subcultura delinquente toma suas normas da cultura dominante, porém invertidas, ou seja, as condutas dos delinquentes são corretas segundo os padrões da subcultura, justamente por serem contrárias as normas da cultura geral.
E além das três características já citadas, Albert K. Cohen[29], ainda acrescenta a versatilidade, o hedonismo-imediatista e a autonomia do grupo como características secundárias.
Versatilidade
A conduta delitiva pode ser praticada da várias formas pela mesma subcultura delinquente.
Hedonismo-imediatista
Desconsideração pelos objetivos a longo prazo, no planejamento de atividades, administração do tempo, ou qualquer outra atividade que envolva conhecimento ou habilidades que somente são adquiridas pela prática, deliberação e estudo.
Autonomia
Os membros da subcultura delinquente se opõem a toda restrição de controle dos pais, professores e outros agentes de controle social. Essa organização proporciona aos seus integrantes um propósito, uma forma de vida que demanda lealdade, reciprocidade e colaboração mútua, subordinando os desejos e aspirações pessoais às demandas e prioridades do grupo.
Conforme Wilson Donizeti Liberati[30]:
“Cohen percebeu que os jovens formavam uma subcultura separada constituída de um sistema de valores diretamente oposto àquilo que pensava a maior parte da sociedade. Ele descreveu a subcultura como uma que absorve suas normas de uma cultura mais abrangente, mas a vira de cabeça para baixo. A conduta delinquente é certa, pelos modelos de sua subcultura, precisamente porque ela é errada pelas normas da cultura dominante.”
Portanto, para os delinquentes dessas subculturas, a normalidade do crime e a afirmação do crime é um valor do grupo e não uma negação de uma pretensa universalidade de valores sociais da cultura geral dominante.