3. SUBCULTURA NOS CRIMES INFORMÁTICOS
Antes de adentrar no estudo da subcultura nos crimes informáticos é importante definir o que é crime informático e quem é o sujeito ativo desse crime.
Crime informático[31] é toda conduta típica, antijurídica, culpável que tenha como meio ou fim, a utilização de um dispositivo eletrônico para cometimento deste.
O sujeito ativo desse crime é comumente conhecido como hacker[32]. Existem discussões entre as terminologias hacker e cracker em razão da sua motivação, criminosa ou não, mas usaremos o conceito de hacker em sua forma ampla.
A primeira relação entre os crimes informáticos e a cultura das gangues, é porque na maioria das vezes, são iniciados por jovens.
De acordo com Alvino Augusto de Sá e Sérgio Salomão Shecaira[33]:
“Quando falamos em cibercrimes em geral, pode ser constatado que, em relação ao perfil dos infratores, a maioria deles surge das camadas médias e altas da sociedade, sendo indivíduos com grandes habilidades e conhecimentos neste meio, e na sua maioria jovens.”
Porém, essa assertiva não pode ser generalizada, uma vez que para cometer um crime informático, só precisa, de forma geral, de um computador e de um conhecimento técnico.
Segundo Mariana Barreto Nobrega de Lucena[34]:
“Para o sociólogo Mannheim, a subcultura criminal não é exclusivamente um fenômeno dos jovens das classes sociais baixas, senão comum a todos os estratos sociais e, constatável, ademais, em certos grupos, atividades e inclusive em áreas geográficas delimitadas. Considera, deste modo, que o objeto dos estudos subculturais pode ser ampliado para o estudo de adultos e de pessoas de todas as classes sociais.”
Quanto ao conhecimento técnico, é preciso relembrar de outra teoria das escolas sociológicas já explicadas anteriormente: a associação diferencial.
Segundo Túlio Lima Vianna[35]:
“Mais do que em qualquer outro tipo de atividade criminosa, a atividade do hacker tem que ser antes aprendida. Crimes clássicos como homicídio, furto e estupro não exigem qualquer tipo de conhecimento para serem cometidos, o que, decididamente, não é o caso dos crimes informáticos que, por sua própria natureza, exigem um aprofundado estudo de técnicas que permitam o domínio do computador para utilizá-lo na conduta criminosa.”
E complementa[36]:
“Por mais que uma significativa parcela dos hackers afirme ser autodidata, não restam dúvidas de que grande parte das técnicas de invasão de computadores são ensinadas por hackers mais experientes na própria Internet. Uma simples busca em mecanismos de procura com o termo hacker gerará centenas de páginas contendo uma série de técnicas que ensinam os primeiros passos para se tornar um criminoso digital.”
No entanto, é justamente nessa busca do conhecimento que o aprendiz se envolve e acaba se influenciando com a cultura hacker, na qual o reconhecimento de sua capacidade intelectual está diretamente relacionado às suas proezas ilegais. E a partir daí, ele começa a invadir sites e fazer pichações digitais buscando ser reconhecido e com isso ganhar respeito dentro da comunidade.
Assim, o indivíduo acaba sendo induzido à prática de crimes informáticos para obter respeito dentro da subcultura, o que lhe garantirá mais informações e consequentemente maiores proezas e mais respeito.
A teoria da subcultura delinquente de Cohen, que afirma que um grupo marginalizado acaba gerando criminalidade, se adapta perfeitamente à realidade da maioria dos hackers, uma vez que eles, quando crianças, foram subestimados em suas capacidades intelectuais dentro da própria escola. A diferença desse nível intelectual faz com que esses jovens percam interesses nas atividades escolares e, por serem autodidatas, acabam buscando sozinhos o conhecimento técnico e, consequentemente, o refúgio daquela sociedade que não os aceitam.
De acordo com Túlio Lima Vianna[37]:
“No mundo digital eles são populares e admirados por seus feitos. Na Internet eles não são marginalizados, muito pelo contrário, eles marginalizam aqueles sem o conhecimento necessário para ser um hacker.”
E nesse mundo digital ocorre a inversão de valores, também sugerido por Cohen, uma vez que os hackers passam a respeitar os códigos de ética e de conduta próprios da subcultura, que são totalmente diversos da cultura geral dominante.
Nesse sentido Roger Darlington[38]:
“A singularidade da vida virtual levanta a questão da formação de valores paralelos aos construídos no mundo físico. Alguns estudiosos do campo da ética discutem a formação de uma nova organização de valores no ciberespaço. Usuários da Internet começam a defender que existe a moral do mundo da Internet e a moral do mundo físico, o que tornariam mais toleráveis certos crimes quando cometidos no mundo virtual.”
Ademais, podemos perceber também as três características de Cohen, sobre a subcultura delinquente:
Não utilitarista
Os hackers, geralmente, não fazem as coisas por dinheiro, eles fazem para se desenvolverem tecnicamente ou para ser reconhecidos e respeitados por outros membros da subcultura.
Maus
Diferente do que acontece no mundo físico, os membros das gangues de hackers revelam um evidente prazer em marginalizar aqueles que não tem o conhecimento necessário para ser um deles, bem como culpam a vítima por ela não ter tomado as medidas de segurança necessária para evitar aquela conduta criminosa.
Negativista
Conforme já explicado, o sistema de valores do hacker torna-se totalmente diverso do sistema de valores gerais predominante. Eles passam a respeitar esses códigos de ética próprios criados dentro da subcultura.
Assim, relacionando mais um vez os hackers à teoria de Cohen, a normalidade de suas condutas é um valor do grupo e não uma negação de uma pretensa universalidade de valores sociais da cultura geral dominante.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho se propôs a dissertar sobre a teoria da subcultura delinquente de Albert K. Cohen e demonstrar se existe alguma relação com os grupos de hackers, que cometem crimes informáticos.
Para isso foi necessário explicar o que é criminologia, quais são seus objetos de estudo e qual seu objetivo, além de explanar sobre as escolas sociológicas, uma vez que, atualmente, o crime é consequência de um problema social.
Para Cohen, a delinquência era um resultado das condições sociais e familiares da experiência da criança desenvolvida num gueto ou numa área residencial degradada, ou seja, na qual a delinquência era um produto inerente à classe inferior, portanto uma limitação social e econômica suportada por membros de grupos sociais desafortunados.
Atualmente, sabemos que esses grupos podem ser formados independente da classe social, e a motivação vai além da esfera econômica.
O estudo criminológico dos hackers ainda é incipiente no mundo todo, e, conforme exposto no trabalho, depende muito mais da ajuda de outras ciências, principalmente a psicologia, mas também a sociologia, a antropologia, do que simplesmente, do direito penal.
Dá para analisar a conduta de um hacker através de vários vieses, até mesmo dentro da própria sociologia criminal, conforme demonstrada a relação com a teoria da associação diferencial. No entanto, este trabalho buscou o viés da subcultura delinquente.
O trabalho deixou claro, também, que existem outras teorias sobre subcultura delinquente.
Mas, segundo o estudo do presente trabalho, a teoria criminológica da subcultura delinquente de Albert K. Cohen, parece explicar bem os fatores que condicionam a formação de um hacker, contudo, são necessários estudos empíricos mais aprofundados que objetivem comprovar as especulações teóricas.
Conforme explanado, o hacker é o indivíduo que busca um conhecimento técnico, que se associa a um grupo social, uma subcultura, como forma de demonstrar sua insatisfação com a cultura geral dominante.
E muita das vezes eles apresentam as três características do Cohen: não utilitarista, mau e negativista.
Apesar disso, é importante ressaltar que os crimes informáticos nem sempre são cometidos por grupos, podendo sua origem ser na forma individualista, e as motivações também podem ser diversas: por ideologia política, por vingança de um ex-funcionário insatisfeito, por lucro, ou até por brincadeira, levando em consideração, mais uma vez, o caráter não utilitarista de Cohen.
Por isso, percebe-se que a singularidade da vida virtual levanta a questão da formação de valores paralelos aos construídos no mundo físico. O delito, assim, não é somente consequência do contágio social ou desorganização, senão expressão de outros sistemas normativos, cujos valores diferem dos majoritários, quando não são deliberadamente contrapostos.
O problema é que o hacker não é a única pessoa que comete ilícitos na internet, existem outros usuários que também cometem crimes informáticos, por exemplo, os crimes contra a honra praticados em redes sociais.
Assim, o fenômeno da criminalidade tende a aumentar a medida que mais e mais pessoas vão se conectando à internet.
Por isso são necessárias outras formas de pesquisas para entender os diversos perfis dos criminosos informáticos, bem como, identificar a etiologia criminal com o fim de estabelecer a melhor forma de prevenir este tipo crime, conforme o objetivo da criminologia.
Porém, quando se trata de cultura ou subcultura, dificilmente o direito penal irá impedir a ação dos hackers.
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