O trabalho como fonte de restauração da dignidade da pessoa humana sob o enfoque da Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (APAC)

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4. Método da associação de proteção e assistência ao condenado (APAC) e a relação com o trabalho

Uma das finalidades que o direito penal almeja alcançar é a reinserção do condenado na sociedade, como decorrência da teoria da prevenção especial3. A ressocialização tem como objetivo a humanização da passagem do detento na instituição carcerária, implicando sua essência teórica, numa orientação humanista passando a focalizar a pessoa que delinquiu como centro da reflexão cientifica. Assim, dentre os métodos utilizados para a efetivação da reinserção social do apenado, estão: estudo, trabalho e a Associação de Proteção e Assistência aos Condenados - APAC.

A APAC é instalada em outro estabelecimento, tendo em vista que seus métodos ressocializadores não se adequam ao ambiente carcerário. Necessário se faz analisar sucintamente esses institutos, pelos quais o Estado proporciona ao detento formas de reintegração social. Ao passo que o estudo e o trabalho são realizados quando o sentenciado se encontra na penitenciária.

À APAC, começou a funcionar em caráter não oficial em 1983, como Pastoral Penitenciária, e só veio a adquirir personalidade jurídica em 1985, quando foi fundada como associação civil, sem fins lucrativos e registrado seu primeiro Estatuto, e desde então, evoluiu e se espelhou, sendo hoje considerada como uma referência na efetivação da realização de uma atividade ressocializadora, com o intuito de proteger a sociedade e promover a justiça. Pois, possui uma metodologia própria, com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana, regulada na reeducação do condenado, o que se tem na prática, obtido bons resultados. É uma entidade jurídica, que não possui fins lucrativos, tendo como objetivo a recuperação do preso e a missão de reestruturar a maneira como a execução da pena é feita onde o acompanhamento da sociedade civil é um ponto diferencial e essencial no caminho à reabilitação social, em que o reeducando a cada estágio passa a ter um acesso maior ao mundo além do cárcere.

O método apaqueano parte da premissa de que todo ser humano é recuperável, desde que receba o tratamento correspondente. Sendo assim, utilizam-se de 12 preceitos fundamentais. Convém salientar que para o sucesso na recuperação do condenado, é indispensável a adoção de todos eles, quais sejam:

1) participação da comunidade;

2) recuperando ajudando recuperando;

3) trabalho;

4) religião;

5) assistência jurídica;

6) assistência à saúde;

7) valorização humana;

8) a família;

9) o voluntário e sua formação;

10) Centro de Reintegração Social – CRS (O CRS possui três pavilhões destinados ao regime fechado, semiaberto e aberto);

11) mérito do recuperando;

12) a Jornada de Libertação com Cristo4.

A principal distinção entre o Método APAC e o modelo tradicional é o fato de os próprios presos serem corresponsáveis pelo seu processo de recuperação, elemento evidenciado pela expressão “recuperando ajudando recuperando”. Consoante Luiz Carlos Rezende e Santos essa divisão de tarefas “[...] contribui para a harmonia do estabelecimento, partilhando as responsabilidades para o alcance das propostas com os próprios beneficiados” 5.

Existem outras diferenças entre o Sistema Penitenciário comum e a APAC que fazem desta um método eficiente e capaz de ressocializar os recuperandos e inseri-los na sociedade. É um método inovador pelas seguintes razões:

- Todos os recuperandos são chamados pelo nome, valorizando o indivíduo;

- Individualização da pena;

- A comunidade local participa efetivamente, através do voluntariado;

- É o único estabelecimento prisional que oferece os três regimes penais: fechado, semiaberto e aberto com instalações independentes e apropriadas às atividades desenvolvidas;

- Não há presença de policiais e agentes penitenciários, e as chaves do presídio ficam em poder dos próprios recuperandos;

- Ausência de armas;

- A religião é fator essencial da recuperação;

- A valorização humana é a base da recuperação, promovendo o reencontro do recuperando com ele mesmo;

- Os recuperandos têm assistência espiritual, médica, psicológica e jurídica prestada pela comunidade;

- Além de frequentarem cursos supletivos e profissionais, os recuperandos praticam trabalhos laborterápicos no regime fechado; no regime semiaberto cuida-se da mão de obra especializada (oficinas profissionalizantes instaladas dentro dos Centros de Reintegração); no regime aberto, o trabalho tem o enfoque da inserção social, pois, o recuperando trabalha fora dos muros do Centro de Reintegração prestando serviços à comunidade;

- Oferecem assistência à família do recuperando e à vítima ou seus familiares;

- Há um número menor de recuperandos juntos, evitando formação de quadrilhas, subjugação dos mais fracos, pederastia, tráfico de drogas, indisciplina, violência e corrupção;

- A escolta dos recuperandos é realizada pelos voluntários da Apac. (FARIA, 2011).

Como exemplo existe na região central de Minas a APAC de Itaúna, que é considerada referência em todo o país. Tal unidade recebe presos de todos os regimes. Além dos presos serem responsáveis pela cozinha, limpeza e manutenção da casa, são desenvolvidas atividades laboterápicas: desde oficinas de trabalho manuais, como pinturas, costura e confecção de velas decorativas, até profissionalização dos recuperandos. Em eventos especiais, os detentos são presenteados com apresentação musicais. Também funciona na cidade uma Apac feminina.6

Em Minas Gerais foi implementado o Projeto Novos Rumos na Execução Penal, o qual incentiva a criação e a ampliação de APAC’s nas comarcas e municípios mineiros interessados na implantação e desenvolvimento do método Apac como medida de defesa social.

Ensina Ottoboni que o trabalho massificado não deve ser a prioridade do método no início do cumprimento da pena. Este é o período em que o trabalho tem o escopo de despertar no recuperando o prazer em exercer atividade lícita e a sua autopercepção como pessoa capaz de produzir algo útil (OTTOBONI, 2001).

Conforme preleciona Ottoboni, o regime fechado é providencial para o trabalho atuar no resgate da autoestima e valores do apenado. Inicialmente, o método APAC utiliza da laboraterapia por meio da realização de trabalhos artesanais (OTTOBONI, 2001). Segundo Ana Paula de Faria Laboraterapia é:

Laboraterapia é utilizado pelos idealizadores e entusiastas do método APAC, vez que não traz o trabalho carcerário como o mero exercício de atividade laboral visando à remuneração ou à ocupação do detento, mas sim como um verdadeiro instrumento de reeducação do indivíduo recluso. O trabalho deve levar em conta os talentos e aptidões adquiridas na vida pregressa do encarcerado (FARIA, 2011).

No regime semiaberto, cuida-se da formação de mão-de-obra especializada, através de oficinas profissionalizantes instaladas dentro dos Centros de Reintegração, respeitando-se a aptidão de cada sentenciado e preparando-o para sua reinserção no mercado de trabalho. No regime aberto, por sua vez, o trabalho enfoca a inserção social, já que o recuperando presta serviços à comunidade, trabalhando fora dos Centros de Reintegração (MINAS GERAIS; 2011).

Não obstante o trabalho não ser o único responsável pela a recuperação do preso na APAC, constitui um elemento essencial para o processo de humanização da pena e ressocialização. Deste modo, o trabalho, além de impedir a ociosidade, deve ainda promover a reciclagem de valores e a melhora da autoestima, fazendo com que o preso se reconheça e enxergue os seus méritos (OTTOBONI, 2001).

O trabalho, quando não é obrigatório, ocupa o pensamento do recuperando, diminuindo a ansiedade e torna-o menos tendente a ideias vingativas ou de evasão (FOUCAULT, 2010), o que traz tranquilidade ao cumprimento da pena.

Em arremate, é importante ressaltar que a filosofia apaqueana utiliza o labor como ferramenta de recuperação do respeito e da dignidade do encarcerado, tal qual um meio de educar, curar, moldar e reformar a psique do indivíduo, contrapondo-se a dois dos maiores fatores criminógenos: o desajuste e a exclusão social. Portanto, ao promover o resgate da pessoa humana do recuperando, o método APAC humaniza a pena (FARIA, 2011).


5. Considerações Finais

A execução das penas privativas de liberdade, retiram o condenado da convivência social buscando evitar novos danos à sociedade. O seu regresso social marca a restruturação de valores sociais. Contudo, para que o individuo possa obter de volta a sua dignidade humana, faz-se necessário o desenvolvimento de mecanismos de reinserção social que sejam suficientes e equilibrados, incutindo no indivíduo a ideia de cidadania, de respeito ao ordenamento jurídico e aos costumes socialmente estabelecidos, na mesma proporção que limita e disciplina as suas ações.

Neste contexto, a ressocialização do apenado, é de interesse da sociedade a qual ele pertence, pois o individuo cumprirá sua obrigação para com a sociedade, incorporando o status de cidadão e o objetivo é que não retorne à criminalidade, diminuindo os índices de violência. Daí então surge o trabalho e o ensino, comumente vistos como os meios mais eficazes de ressocialização e resgate da dignidade do apenado.

Atualmente, é considerado um direito do sentenciado, pois a LEP condiciona a concessão de certos benefícios, como a remição da pena, à realização de atividade laboral, e um dever, posto que o trabalho é dever social de todo e qualquer cidadão que participa do desenvolvimento econômico e social da comunidade na qual está inserido. A sanção, portanto, restringe-se à pena privativa de liberdade e o trabalho deve ser realizado concomitantemente à execução da pena, com a finalidade de ressocialização e reintegração social. A responsabilidade pela ressocialização do indivíduo deve ser compartilhada por toda a Sociedade: o Estado, as empresas e a sociedade civil.

A APAC realiza um trabalho de valorização humana, dentre os seus doze elementos de funcionamento, que oferece aos presos meios de se recuperar tratando-o pela condição humana que possui e, em um aspecto mais amplo, almeja a proteção da sociedade. A qualificação do recuperando para o trabalho se fortalece à partir das atividades de formação e capacitação profissional, privilegiando as habilidades, capacidades individuais e as necessidades do mercado, sem, contudo, renunciar à restauração do senso de participação na sociedade.


REFERÊNCIAS

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_________. Lei 7.210 de 11 de julho de 1984. Lei de execução penal. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7210.htm> Acesso em: 04 de abril 2016.

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Notas

1 RAMOS, Izabel Christina Baptista Queiroz. Igualdade e dignidade da pessoa humana e seu enfoque constitucional e doutrinário. Revista do Ministério Público do Trabalho da 21ª Região.

2 MIRABETE, 2000, p.87/88.

3 NERY, Déa Carla Pereira. Disponível em: <https://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/teorias-da-pena-e-sua-finalidade-no-direito-penal-brasileiro>.

4 Dados apresentados na ‘Cartilha NOVOS RUMOS NA EXECUÇÃO PENAL’ – Projeto do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, lançado em dezembro de 2001.

5 MINAS GERAIS, 2011, p.44

6 VIEIRA, Victor. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2013-mar-30/cresce-numero-unidades-privadas-detencao-alternativa-presidios>.


Abstract: This monographic work analyzes the impact of work on the rehabilitation model advocated by the Protection and Assistance Associations Condemned (APAC). The methodology of this research is literature, is based on books, magazine articles and Internet consulting. Conducted a brief study on the start of criminal enforcement and compliance regimes of the deprivation of freedom, the relationship between incarceration and labor activity. Finally, he sought to present the APAC method with its (12) twelve elements, in particular the work and its importance in the sentence. At the end it was concluded that the APAC method, compared to the common system, is what best provides effective conditions of using the work as a rehabilitation tool, given that this method excels in appearance and / or redemption of dignity human. However, despite giving favorable conditions for the recovery of the condemned, there are few existing APAC.

Keywords: Work. Resocialization. Dignity.

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Sobre os autores
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

Geraldo Guilherme Ribeiro de Carvalho

Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Varginha, Estado de Minas Gerais, em 11 de fevereiro de 1995. Estagiário do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Bacharel em Filosofia pela FAJE - FACULDADE JESUÍTA DE FILOSOFIA E TEOLOGIA, de Belo Horizonte, MG, em Dezembro de 2008, Bacharel em Licenciatura Plena pela FAJE - FACULDADE JESUÍTA DE FILOSOFIA E TEOLOGIA, de Belo Horizonte, MG, em Dezembro de 2009 e Mestre em Filosofia, na área de concentração em Ética pela FAJE - FACULDADE JESUÍTA DE FILOSOFIA E TEOLOGIA, de Belo Horizontes, Estado de Minas Gerais. Atualmente, Professor de Filosofia Geral e Jurídica e Direito Constitucional, na Faculdade Presidente Antônio Carlos de Teófilo Otoni, Estado de Minas Gerais (UNIPAC).

Amanda Soares Gomes

Pós-graduada em Ciências Penais e Segurança Pública pela Faculdade de Direito Presidente Antônio Carlos de Teófilo Otoni, Minas Gerais

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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