A institucionalização dos “ismos” na política brasileira

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30/03/2018 às 10:30

Resumo:


  • O estudo analisa a realidade da política brasileira, focando na atuação de práticas como coronelismo, clientelismo, mandonismo e paternalismo, que são culturalmente enraizadas e influenciam a dinâmica política do país.

  • Conceitos desses "ismos" são explorados, e o texto propõe alternativas para a mudança dessas práticas, destacando a importância da ação conjunta entre governantes e sociedade para a evolução da política brasileira.

  • O trabalho também discute a dificuldade em definir um conceito de cidadania que atenda a todos os brasileiros, ressaltando a necessidade de uma nova cultura política desvinculada de interesses pessoais e focada no coletivo.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O presente estudo objetiva retratar a realidade da política brasileira com foco especifico na atuação do que neste trabalho é nomeado de “ismos”, destacando-se as práticas desenvolvidas do coronelismo, clientelismo, mandonismo, paternalismo dentre outros.

RESUMO: O presente estudo objetiva retratar a realidade da política brasileira com foco especifico na atuação do que neste trabalho é nomeado de “ismos”, destacando-se as práticas desenvolvidas do coronelismo, clientelismo, mandonismo, paternalismo dentre outros. Trazendo-se conceitos e propondo-se alternativas a modificação destes meios de atuação política no Brasil, demonstrando-se que trata-se de uma questão cultural e a necessidade da atuação conjunta dos governantes e sociedade para a modificação destes mecanismos e evolução da política brasileira.

PALAVRAS CHAVE: Política. Coronelismo. Clientelismo. Cidadania. Brasil


INTRODUÇÃO

A formação do Estado não pode ser dissociada da gestação de um grupo responsável pela organização e pelo exercício do espaço político (WEBER. 1982, apud, REIS, 2007). Esta afirmação retrata a realidade brasileira que tem em seus entes federados sem exceções o protagonismo de grupos concentradores de poder e gestores não apenas da máquina pública, mas de todos os recursos a ela inerentes, sejam estes financeiros como também físicos e laborativas, propagando até hoje a institucionalização do coronelismo, sendo este atualmente existente com outras nomenclaturas, mas com características similares, que serão desenvolvidas no transcorrer deste trabalho.

Importante mencionar neste sentido os conceitos trazidos pelo Professor Vitor Nunes Leal, que de forma simples e direta caracteriza a figura do coronel perante a realidade dos municípios do Brasil, segundo o autor concebemos o “coronelismo” como resultado da superposição de formas desenvolvidas do regime representativo a uma estrutura econômica e social inadequada (LEAL, 2012, p. 23).

Destaca-se que a presença intrínseca dos “ismos” na política é concebida como uma transição política capitalista. Diversamente da corrente dominante na sociologia política brasileira define o clientelismo eleitoral como prática pré-capitalista (“pré-moderna”), pensamos que deve ser incluído no conjunto das práticas ideológicas capitalistas (FARIAS, 1999, p. 8). A instauração dos diversos tipos de política clientelista no Brasil remontam as relações desde o Brasil Colônia, mas foram intensificadas, criando especificidades e características próprias após a consolidação e advento da política capitalista.

Nesta perspectiva questiona-se se este tipo de ação política durante anos moldada de diversas formas, mas sempre com o objetivo principal de gerenciamento indevido da máquina pública seria forte o suficiente para atravessar gerações, segundo dispõe Paulo Delgado este tipo de poder e dominação, é um sistema que se constrói para durar, superior as pessoas que imaginavam dirigi-lo. Um estrutura, sua engenharia e recursos de preservação do poder que contrariam a ideia de mudança contínua do filosofo grego Heráclito (NUNES, 2010, p. 13).

Em uma análise simples da realidade brasileira é perceptível a utilização da política como profissão, como mecanismo de gestão financeira da máquina pública não em função dos cidadãos, mas em beneficio particular dos que se encontram em cargos públicos. Não há a preocupação com a cidadania, com a criação de políticas efetivas que garantam aos eleitores os direitos mínimos de subsistência, a cidadania passou a ser vista não mais como um direito e sim como um privilégio daqueles que governam.

A preocupação de perpetuar este privilégio do poder é o que faz os chefes políticos utilizar a máquina pública para uma nítida troca de favores, para realização de um jogo político de especulação, criando o que podemos determinar como uma rede organizada de utilização dos recursos públicos, em busca ainda da estabilidade, governabilidade e popularidade que segundo Paulo Delgado são subprodutos dos encaixes nos mundos imutáveis do clientelismo, corporativismo e burocratismo nacionais (NUNES, 2010, p. 13).

A influência econômica, como acima mencionada pouco varia na forma de execução dos procedimentos da política coronelista, clientelista, paternalista, o que podemos considerar é a modificação da atuação dos praticantes destes “ismos”, ou seja, evolui a sociedade e surgem o que Maria A de Andrade define como neocoronel, segundo a autora o neocoronel é um misto de moderno empresário e de coronel. Como empresário modernizou-se ou soube fazer uso dos instrumentos creditícios e financeiros oferecidos pelo governo. Conservou porém velhos traços do antigo coronel no que se refere às suas práticas políticas (ANDRADE, pp. 16-17 apud FARIAS, 1999, p. 7).

Ressalta-se a preocupação de autores para que não haja a criação de dois polos, entre a política nacional e a política local, defende Farias que as mesmas se interpenetram, complementam-se segundo afirma a atuação política em termos municipais e estaduais está associada em grau variável (segundo os estágios de desenvolvimento socioeconômico no plano nacional, bem como a intervenção na esfera federal tem repercussão variáveis) na política dos estados e municípios (FARIAS, 1999, p. 8).

Nesta perspectiva objetiva-se trazer com este trabalho em um primeiro momento uma breve exposição acerca das características do coronelismo proposto pelo professor Vitor Nunes Leal, realizando-se uma verificação de suas ações no Brasil, trazendo a visão de autores que defendem a queda deste sistema, e verificando-se a possível substituição do mesmo pelas práticas clientelistas, citando uma análise comparativa do que Edson Nunes define como as diferentes gramáticas do Brasil.

Em momento posterior propõe-se uma análise conceitual e de atuação dos diversos “ismos” institucionalizados na política brasileira, demonstrando-se as suas esferas de atuação e as influências geradas na sociedade, com uma verificação do seu alcance na percepção do conceito de cidadania, sugerindo-se possíveis alternativas à estas práticas.

Objetiva-se trazer uma reflexão acerca destas estruturas, propondo-se que haja em verdade uma reflexão por parte da sociedade como um todo, para que possa verificar que estas práticas não apenas realizadas pelos gestores do poder, mas principalmente pelos considerados cidadãos comuns, pelos eleitores, que são neste estudo considerados os destinatários, e falsos beneficiários desta política. Ressaltando-se a assertiva de José Murilo ao afirmar que a ausência de uma população educada tem sido sempre um dos principais obstáculos à construção da cidadania civil e política (CARVALHO, 2011, p. 11).

 Verificando-se tais conceitos em estudos já realizados sobre o assunto, em pesquisas anteriormente publicadas que demonstrem a atuação dos “ismos” no Brasil, alinhados a uma verificação doutrinaria sobre os diversos conceitos.


O INICIO DOS “ISMOS” COM A INSTAURAÇÃO DO CORONELISMO NO BRASIL.

Destaca-se que o Brasil da primeira metade do século XX passaria por mudanças em sua arena política e as pressões populares ganhariam corpo, como nos mostra Francisco Welffort, em sua obra O populismo na política brasileira (1978 apud RIBEIRO):

“Se a pressão popular sobre as estruturas do Estado pode ser apenas sentida pelas minorias dominantes na etapa anterior a 1930; na etapa posterior, ela se tornará rapidamente um dos elementos centrais do processo político, pelo menos no sentido de que as formas de aquisição ou de preservação do poder estarão cada vez mais impregnadas da presença popular” (WEFFORT, 1978, p. 67 apud RIBEIRO).

Após a atuação política de 1930 iniciou-se uma longa caminhada em busca da democratização do Brasil, sofrendo a população vários períodos difíceis de transição, dentre estes períodos militares que geraram em verdade uma guerra interna no país, mas que contribuíram para o fortalecimento da população que culminou na Constituição de 1988. Ocorre que, esta não estava desintoxicada do desenvolvimento da política anteriormente vivenciada no Brasil, criou-se muitas expectativas na aplicação e estruturação de um conceito verdadeiro de cidadania que em verdade não se concretizou, neste sentido afirma José Murilo que:

Destaca-se que após o esforço da reconstrução, melhor dito, de construção da democracia no Brasil, ganhou ímpeto após o fim da ditadura militar, em 1985. Uma das marcas desse esforço é a voga que assumiu a palavra cidadania. Políticos, jornalistas, intelectuais, líderes sindicais, dirigentes de associações, simples cidadãos, todos a adotaram. A cidadania, literalmente, caiu na boca do povo. Mais ainda, ela substituiu o próprio povo na retorica política. Não se diz mais “o povo quer isto ou aquilo”, diz-se “a cidadania quer”. Cidadania virou gente. No auge do entusiasmo cívico, chamamos a Constituição de 1988 de constituição cidadã. Havia ingenuidade no entusiasmo. Havia a crença de que a democratização das instituições traria rapidamente a felicidade nacional. Pensava-se que o fato de termos reconquistado o direito de eleger nosso prefeitos, os governadores e presidente da república seria garantia de liberdade, de participação, de segurança, de desenvolvimento, de emprego, de justiça social (CARVALHO, 2011, p. 7).

Esta realidade contribuiu diretamente para a configuração do que afirma Edson de Oliveira Nunes pelo uso e institucionalização do “jeitinho”, para o autor: os brasileiros enaltecem o jeitinho (isto é, uma acomodação privada e pessoal de suas demandas) e a autoridade pessoal como mecanismos cotidianos para regular relações sociais e relações com instituições formais (NUNES, 2010, p. 52).

Esta realidade é perfeitamente associada ao desenvolvimento da prática coronelista, objeto desta primeira parte do estudo, prática detalhadamente estudada na obra Coronelismo, Enxada e Voto, implantada em todos os municípios do Brasil e condição necessária para o conhecimento da vida política do interior do país (LEAL, 2012, p. 23). Nesta perspectiva ressalta-se a afirmação de Vitor Leal, segundo o autor o coronelismo:

Não é, pois, mera sobrevivência do poder privado, cuja hipertrofia constituiu fenômeno típico de nossa história colonial. É antes uma forma peculiar de manifestação do poder privado, ou seja, uma adaptação em virtude da qual os resíduos do nosso antigo e exorbitante poder privado têm conseguido coexistir com um regime político de extensa base representativa. Por isso mesmo, o “coronelismo” é sobretudo um compromisso, uma troca de proveitos entre o poder público, progressivamente fortalecido, e a decadente influência social dos chefes locais, notadamente dos senhores de terras.  (LEAL,2012, 23).

Ressalta o citado autor que alinhada ao coronelismo há o desenvolvimento de práticas paternalistas com a predominância de trocas de favores pessoais que partem desde arranjar empregos públicos até outros pedidos de menores proporções, mas que também envolvem diretamente a máquina administrativa, segundo o autor:

É neste capítulo que se manifesta o paternalismo, com a sua recíproca: negar pão e água ao adversário. Para favorecer os amigos, o chefe local resvala muitas vezes para a zona confusa que medeia entre o legal e o ilícito, ou penetra em cheio no domínio da delinquência, mas a solidariedade partidária passa sobre todos os pecados uma esponja regeneradora. A definitiva reabilitação virá com a vitória eleitoral, porque, em política, no seu critério, “só há uma vergonha: perder”. Por isso mesmo, o filhotismo tanto contribui para desorganizar a administração municipal. (LEAL,2012, p. 32)

O desenvolvimento do coronelismo no Brasil na perspectiva exposta por Victor Nunes, tem a base de atuação nos municípios, entretanto, vinculam-se diretamente aos governos estaduais e federais, havendo uma relação de interdependência entre os entes políticos como garantia das práticas paternalistas e de troca de favores. Afirma Reis neste sentido que:

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O bem e o mal, que os chefes locais estão em condições de fazer aos seus jurisdicionados, não poderiam assumir as proporções habituais sem o apoio da situação política estadual para uma e outra coisa. Em primeiro lugar, grande cópia de favores pessoais depende fundamentalmente, quando não exclusivamente, das autoridades estaduais. Com o chefe local — quando amigo — é que se entende o governo do Estado em tudo quanto respeite aos interesses do município. Os próprios funcionários estaduais, que servem no lugar, são escolhidos por sua indicação. Professoras primárias, coletor, funcionários da coletoria, serventuários da justiça, promotor público, inspetores do ensino primário, servidores da saúde pública etc., para tantos cargos a indicação ou aprovação do chefe local costuma ser de praxe. Mesmo quando o governo estadual tem candidatos próprios, evita nomeá-los, desde que venha isso a representar quebra de prestígio do chefe político do município. Se algum funcionário estadual entra em choque com este, a maneira mais conveniente de solver o impasse é removê-lo, às vezes com melhoria de situação, se for necessário. A influência do chefe local nas nomeações atinge os próprios cargos federais, como coletor, agente do correio, inspetor de ensino secundário e comercial etc. e os cargos das autarquias (cujos quadros de pessoal têm sido muito ampliados), porque também é praxe do governo da União, em sua política de compromisso com a situação estadual, aceitar indicações e pedidos dos chefes políticos nos Estados (REIS, 2007, p. 13 E 14).

Necessário se faz verificar não apenas as características de atuação do coronelismo na sociedade brasileira, nem definir apenas se há uma concentração predominante em municípios, estado ou no entre federal, é pertinente verificar-se o porquê de sua atuação, quais as primeiras motivações que permitiram o ingresso dessa pratica na sociedade brasileira[1]. Nesta perspectiva deve-se lembrar que a exploração, o jogo de poder é antes de tudo visto como cultural no Brasil, a sua forma de colonização retrata o início de uma civilização viciada na perpetuação da política, do poder e gananciosa pela movimentação de recursos financeiros, que estruturaram o país em benefício do que possuíam melhores condições monetárias surgindo os grandes latifúndios e com eles a prática dos primeiros coronéis, neste sentido:

No entanto, a razão primeira do coronelismo é o fator geográfico, que vai estar intrinsecamente ligado à formação das grandes propriedades. A formação complexa e individualista da nossa expansão territorial se faz através de núcleos isolados Portugueses nobres, comerciantes ricos e militares a serviço da Coroa, etc, recebem sesmarias, formando os primeiros núcleos independentes e iniciando, por razões várias, um processo que prossegue no Império e República Enquanto os latifúndios se estendem, praticamente não existe a ação do Estado; a ausência do poder público facilita a presença do poder privado, que se arroga no direito de todos os atributos "legais". A formação dispersa torna o problema do mandonismo um processo nacional. Desde a Colônia os grandes proprietários de terra vêm dominando de fato, e tornando- se os homens bons (ricos), que compõem as câmaras municipais. Os barões e coronéis representam simples continuidade do sistema anterior, havendo, no entanto, maior amplitude de representação legal. É que a partir da Independência e, principalmente, do federalismo da Primeira República, acentuam-se os predomínios locais, uma vez que são os representantes das oligarquias latifundiárias que dominam o legislativo e executivo. A partir do Império, o mandonismo local é denominado indistintamente de coronelismo (maior parte do Brasil), caudilhismo (Rio Grande do Sul), chefismo (vale do São Francisco), etc. A regionalização de nomes mostra a expansão e unidade do problema, que se traduz também em fatores extrínsecos comuns. Como diz um publicista uruguaio, "caudilho quer dizer força própria, autoridade própria e, portanto, autonomia"(CARONE, 1971)

No desenvolvimento do coronelismo no Brasil predomina a atuação de grupos políticos que concentram-se em si todas as lideranças políticas pois não há propriamente partidos, são siglas fantasmas dilaceradas internamente entre caciques e aspirantes, e um dos aspectos decisivos da balança continuará sendo a questão da mediação com o governo federal, este o ponto em torno do qual os líderes vão se mover. (REIS, 2007, p. 14)

Os conceitos e meios de atuação até o momento expostos retratam bem a realidade brasileira coronelista, comandada no início por famílias influentes, detentoras de grandes extensões de terras, que utilizava-se da influência social alinhada ao manejo desenfreado da máquina administrativa para manter-se no poder por tantos anos, gerando uma dependência da sociedade local a suas ações. Houveram transformações como suscitadas no início desta explanação em que alinhada a evolução da sociedade brasileira, houve consequentemente a evolução também dos tipos de coronéis, que passaram a não ser latifundiários apenas, mas agora empresários ocupantes de status elevados no jogo político brasileiro.

Necessário se faz destacar as visões de alguns autores acerca desta questão ao afirmarem que além do fortalecimento do coronel havia em verdade a consagração do Estado que não bastava ser o detentor da máquina pública, necessitava ser ainda o gestor das relações entre os eleitores, sendo em verdade o controlador de suas vontades, afirma José Murilo que o coronelismo era fruto de alteração na relação de forças entre os proprietários rurais e o governo e significava o fortalecimento do poder do Estado antes que o predomínio do coronel (CARVALHO, 1997). Poder do Estado que permanecia fortalecido a nível federal, estadual e municipal, havendo o estabelecimento denominada por Alves de uma rede de compromissos.[2]

Nessa vertente o eleitor vincula-se ao coronel não apenas para fins laborais, mas ainda de forma mais intrínseca, embrionária com a vinculação moral de suas ações, os eleitores sentem-se compelidos a agirem conforme os mandos dos coronéis como forma de agrada-los, acreditando que conseguirão o respeito de seus mandatários, havia a obrigação moral[3] do eleitor para com o político, constituída por mediações diversas (ALVES, 2003). Neste sentido menciona-se o conceito e o marco temporal da existência do coronelismos para Francisco Farias, segundo o mesmo:

O voto coronelício define-se pela manifestação de fidelidade pessoal do eleitor a um chefe político - o coronel. Como tal, o voto não redutível nem às formas de coerção física, nem a mecanismo da troca mercantil. Ao contrário, esse tipo de legitimidade do ato eleitoral, como uma obrigação moral se concretiza fundamentalmente na doação pura e simples do voto ao candidato do coronel. Como mostram os trabalhos mais abalizados sobre o coronelismo, a condição sócio-economica da prática coronelista é a existência, no campo, de uma estrutura pré-capitalista, em que as relações de produção se expressam como relações de dominação e dependência pessoal. A relação pessoal de dominação e dependência, presente em estruturas econômicas pré-capitalistas como a “parceria” ou o “arrendamento’, implica a apropriação do sobretrabalho sob a forma extra-econômica de uma contraprestação pessoal do trabalhador ao proprietário pela cessão do uso da terra (FARIAS, 1999, p. 11)

A dependência pessoal gerada no coronelismo e acima suscitada não se destina apenas ao chefe da família, ao patriarca responsável, mas a toda a estrutura familiar, a subordinação é transcendental passada desde a infância até a velhice, não havendo nenhuma escolha nessa escala, ou seja, você já nasce subordinado e morre em subordinação, o que demonstra a patologia, se pode-se assim denominar do coronelismo na vida em sociedade[4].

Destaca-se que esta vinculação pessoal, esta dependência não poderia ser justificada pelo uso da força bruta ou da violência entre coronéis e subordinados, esta era utilizada apenas como meio corretivo o que Farias denomina de infidelidade eleitoral, mas a base de toda a estrutura coronelista é a dependência pessoal[5].

Diante das transformações sofridas pela estrutura coronelista houve o que podemos chamar de aperfeiçoamento deste, havendo a queda de seus sistema em 1930 e segundo afirma José Murilo com a implantação do Estado Novo houve a concretização desta queda[6]. Havendo a ascensão do voto de clientela, definido por Francisco Farias como:

O voto de clientela define-se como uma relação de barganha em torno de vantagens materiais entre o eleitor e o agente político denominado de cabo eleitoral. Esse é uma espécie de líder local que cuida dos interesses de seus representados, principalmente junto as “autoridades públicas”, fazendo as vezes de, como caracterizou Paul Singer, um “advogado administrativo” da sua comunidade (uma vila, uma favela, um quadro associativo de um clube recreativo etc). Controlando em geral, uma centena ou uma dezena de votos, o cabo eleitoral os vende ao “político de clientela”, que não passa de um cabo eleitoral suficientemente poderoso” (FARIAS, 1999, p.18).

Trazendo alguns aspectos conceituais acerca do clientelismo que serão melhores estudados na segunda parte deste estudo, se faz pertinente ressaltar que não deve-se reduzir o clientelismo a simplesmente “benefícios públicos em troca de votos”, mas observar as mediações entre os políticos e os seus eleitores e entre políticos locais e os políticos estaduais ou federais, que implicam a mercantilização das relações políticas. São relações amplas entre os atores envolvidos que geram obrigações morais em que o voto é apenas uma consequência (ALVES, 2003).

O Clientelismo tem o seu auge ainda com a retomada dos direitos democráticos no pós-ditadura (início dos anos 80) que não exclui o desenvolvimento de dispositivos de cooptação política que servem como contrabalanço à crescente participação política dos setores populares, e à sua relativa, mas significativa, autonomia em face do Estado e partidos políticos. (LENARDÃO, 1999)

Destaca-se que muitos autores afirmam e a vivência prática confirma que no clientelismo não há um preconceito para atuação preferencialmente em um único ente federado, pelo contrário defende-se que a instauração do federalismo propiciou o fortalecimento desta prática, generalizando a sua forma de atuação seja a nível municipal, estadual ou federal, alguns com mais ou menos intensidade, mas todos com a presença desta forma de cooptação política, destacando-se o que afirma Elsio Lenardão:

Assim compreendido, pode-se observar a presença do clientelismo desde a esfera da política federal, com a troca de favores entre o presidente da república e os congressistas através do fisiologismo (liberação de recursos à parte do orçamento votado, distribuição de cargos, etc), passando pelos governadores que repetem tais práticas em relação às assembleias estaduais e que tratam diferenciadamente os prefeitos “aliados” dos que não o são. Não menos comum é o clientelismo praticado por membros dos legislativos, na manutenção de clientelas eleitorais, sustentadas com recursos públicos. Chega-se também às práticas de elites políticas municipais que usam do clientelismo para garantir sua sobrevida eleitoral e o mando político, onde são práticas corriqueiras o empreguismo, o uso eleitoreiro de programas e recursos estatais – como tíquete-leite, cestas básicas- e a cooptação de lideranças populares, atraindo-se com benesses, privilégios, apadrinhamento, etc” (...) por seu lado o clientelismo no Brasil foi sempre um corolário da forma singular de colocar-se a relação entre o poder público e o poder privado, mais exatamente à confusão entre os espaços e os interesses próprios dessas duas esferas de poder. De fato, o clientelismo serviu como um mecanismo articulador de certa confusão, não distinção, entre o espaço público e o espaço privado, comprometendo até a instalação de alguns pressupostos básico do Estado democrático-liberal no Brasil o exercício “livre” do voto, a mediação política exercida por partidos políticos, a existência de espaço institucionais de representação, organizados a partir de relações políticas despersonalizadas, etc (LENARDÃO, 1999).

Diante de toda esta mudança estrutural entre os dois polos denominado de coronelismo e clientelismo[7] faz-se pertinente demonstrar de forma simples um quadro comparativo criado por Francisco Farias que elucida os pontos de convergência e de divergência entre estas duas estruturas

CORONELISMO

CLIENTELISMO

Voto de cabresto: votar no “coronel” e nos candidatos apoiados por ele.

Há aqui uma fidelidade ao coronel que implica a vinculação das escolhas nos vários níveis da eleição.

Currais eleitorais. Caráter não concorrencial nas eleições. Predomínio da opção eleitoral do coronel.

Local de votação: zona urbana. Trabalhadores (eleitores) dependiam da condução, da roupa, da alimentação oferecida pelos coronéis nos dias de eleição. As eleições como festas. E ainda havia o ‘bico de pena’ = fraudes eleitorais.

Políticas Sociais.

Municípios pobres e dependentes. O coronel trazia recursos e fazia obras.

Uma associação entre os feitos públicos como obras do coronel.

Prefeituras pouco técnicas. Os empregos eram indicados pelo coronel (filhotismo).

Favoritismo. Recursos estatais eram propriedades da facção governante, dos coronéis.

Voto livre: os eleitores podem desvincular o voto no candidato a Prefeito das opções partidárias desse candidato em outros níveis da eleição. Este voto se traduz, na maioria dos casos, no voto de barganha, que assume uma forma sofisticada por meio do associativismo (associações locais dominadas por cabos eleitorais).

Multiplicidade de Partidos. Pluralismo concorrencial, exigindo recursos financeiros dos Partidos e candidatos no convencimento dos eleitores

Local de votação: vários locais. Maior ação de cabos eleitorais. Locais de votação espalhados por todas as localidades do Brasil.

Constituição de 1988. Municípios mais autônomos, mais ricos. A Prefeitura realiza as obras para garantir o apoio de seus eleitores.

Prefeituras mais técnicas. Concurso público; obras feitas pela administração da Prefeitura.

Crescimento dos partidos de esquerda. Cabos eleitorais identificados com a política comunitária. A esquerda fiscalizando as obras da Prefeitura.

Fonte: (FARIAS 2000, passim apud ALVES, 2003)

Os dois “ismos” acima citados abriram caminho para a propagação de novas formas de cooptação política na sociedade brasileira com algumas diferenças e semelhanças que serão abaixo pormenorizadas na segunda parte deste estudo.

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