A institucionalização dos “ismos” na política brasileira

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30/03/2018 às 10:30

Resumo:


  • O estudo analisa a realidade da política brasileira, focando na atuação de práticas como coronelismo, clientelismo, mandonismo e paternalismo, que são culturalmente enraizadas e influenciam a dinâmica política do país.

  • Conceitos desses "ismos" são explorados, e o texto propõe alternativas para a mudança dessas práticas, destacando a importância da ação conjunta entre governantes e sociedade para a evolução da política brasileira.

  • O trabalho também discute a dificuldade em definir um conceito de cidadania que atenda a todos os brasileiros, ressaltando a necessidade de uma nova cultura política desvinculada de interesses pessoais e focada no coletivo.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

 CONCEITUAÇÃO DOS “ISMOS” E A INFLUÊNCIA NA POLITICA BRASILEIRA

Edson Nunes define que o Brasil possui quatro principais gramáticas sendo estas: clientelismo, corporativismo, insulamento burocrático e universalismo de procedimentos (NUNES, 2010, PAG, 39), gramáticas estas explanadas pelo autor como procedimentos adotados no Brasil como padrões de cooptação política, extremamente difundidos de forma geral em toda a sociedade.  Nesta parte do estudo verificar-se-á alguns conceitos acerca dos “ismos” instaurados na política brasileira. Ressalta-se ainda a diferenciação proposta por Jose Murilo que suscita a importância da conscientização das disparidades vivenciadas entre Coronelismo e clientelismos, segundo o autor:

Outro conceito confundido com o de coronelismo é o de clientelismo. Muito usado, sobretudo por autores estrangeiros escrevendo sobre o Brasil, desde o trabalho pioneiro de Benno Galjart (1964; 1965), o conceito de clientelismo foi sempre empregado de maneira frouxa. De modo geral, indica um tipo de relação entre atores políticos que envolve concessão de benefícios públicos, na forma de empregos, benefícios fiscais, isenções, em troca de apoio político, sobretudo na forma de voto. Este é um dos sentidos em que o conceito é usado na literatura internacional (Kaufman, 1977). Clientelismo seria um atributo variável de sistemas políticos macro e podem conter maior ou menor dose de clientelismo nas relações entre atores políticos. Não há dúvida de que o coronelismo, no sentido sistêmico aqui proposto, envolve relações de troca de natureza clientelística. Mas, de novo, ele não pode ser identificado ao clientelismo, que é um fenômeno muito mais amplo. Clientelismo assemelha-se, na amplitude de seu uso, ao conceito de mandonismo. Ele é o mandonismo visto do ponto de vista bilateral. Seu conteúdo também varia ao longo do tempo, de acordo com os recursos controlados pelos atores políticos, em nosso caso pelos mandões e pelo governo (CARVALHO, 1997).

As políticas clientelistas ingressaram na sociedade brasileira segundo Edson Nunes através da instauração do capitalismo, segundo o autor há esta dominação por meio do que denomina domínio público[8], que segundo afirma consiste no espaço abstrato onde as contradições entre a lógica da produção capitalista e as demandas da sociedade são reconciliadas (NUNES, 2010, p. 41). Este mesmo autor ressalta que a política capitalista proporcionou a modificação de padrões e relações sociais e políticas no interior dos Estados-nação (NUNES, 1997, p.  42).

A ideia de introdução da política capitalista como forma de intensificação dos “ismos” na política brasileira é pertinente com a conceituação apresentada por Edson Nunes trazidos na obra de Alessandro Alves ao aduzir que:

O clientelismo é um sistema de controle do fluxo de recursos materiais e de intermediações de interesses, no qual não há número fixo ou organizado de unidades constitutivas. As unidades constitutivas do clientelismo são agrupamentos, pirâmides ou redes baseados em relações pessoais que repousam em troca generalizada. As unidades clientelistas disputam frequentemente o controle do fluxo de recursos dentro de um determinado território. A participação em redes clientelistas não está codificada em nenhum tipo de regulamento formal; os arranjos hierárquicos no interior das redes estão baseados em consentimento individual e não gozam de respaldo jurídico. Ao contrário do corporativismo, que é baseado em códigos formais legalizados e semi-universais, o clientelismo se baseia numa gramática de relações entre indivíduos, que é informal, não legalmente compulsória e não-legalizada (NUNES, 1999, p. 40-41, apud ALVES, 2003).

Diante desta perspectiva econômica estavam criadas as condições para o desenvolvimento de políticas clientelistas e paternalistas, as quais não almejavam na verdade a criação de melhorias “reais” e substanciais à população, mas sim um conjunto de políticas até certo ponto benéfico, mas que não passava de um mecanismo para que determinadas elites se mantivessem no poder, uma vez que nem mesmo era considerada a elaboração de instrumentos para que a participação popular na política fosse promovida, intensificando-se as desigualdades entre os cidadãos e sendo esta desigualdade a base e o mecanismo de continuidade dos “ismos” no Brasil.

Somando-se ao grupo dos “ismos” que marcaram os primórdios da formação da sociedade brasileira, dentre estes destacam-se o patriarcalismo, coronelismo, mandonismo, clientelismo, além do populismo e paternalismo.

Vitor Leal define que a outra face do filhotismo é o mandonismo, que se manifesta na perseguição aos adversários: “para os amigos pão, para os inimigos pau’. As relações do chefe local com seu adversário raramente são cordiais. O normal é a hostilidade. Além disso, como é obvio, sistemática recusa de favores, que os adversários, em regra geral, se sentiriam humilhados de pedir (LEAL, 1997, PAG 32.) O mesmo autor ainda retrata sua visão acerca do Coronelismo, a proposta deste capitulo é apresentar os mais diversos conceitos, objetivando a verificação de que os “ismos” no Brasil, por mais que se apresentem em diferentes nomenclaturas retratam uma mesma realidade de manipulação da máquina pública e da política em benefício de poucos, em benefício de parlamentares e chefes de governo que objetivam apenas engrandecer o seu patrimônio particular e não o patrimônio da sociedade que os elegeu, neste sentido apresenta-se o coronelismo para Vitor Leal:

Victor Nunes Leal descreve o “coronelismo” da seguinte forma: “O ‘coronelismo’ é sobretudo um compromisso, uma troca de proveitos entre o poder público, progressivamente fortalecido, e a decadente influência social dos chefes locais, notadamente dos senhores de terra. Não é possível, pois, compreender o fenômeno sem referência à nossa estrutura agrária, que fornece a base de sustentação das manifestações de poder privado ainda tão visíveis no interior do Brasil” (LEAL, 1997, p. 40 apud ALVES, 2003)

Nesta perspectiva José Murilo destaca ainda diferença entre os conceitos de coronelismo[9], mandonismo[10] e clientelismo, até o momento retratados, para o autor:

Temos, assim, três conceitos relacionados, mas não sinônimos, guardando cada um sua especificidade, além de representarem curvas diferentes de evolução. O coronelismo retrata-se com uma curva tipo sino: surge, atinge o apogeu e cai num período de tempo relativamente curto. O mandonismo segue uma curva sempre descendente. O clientelismo apresenta uma curva ascendente com oscilações e uma virada para baixo nos últimos anos (CARVALHO, 1997).

Nessa concepção, o coronelismo é um sistema político, uma complexa rede de relações que vai desde o coronel até o presidente da República, envolvendo compromissos recíprocos. (CARVALHO, 1997), ou seja, os “inimigos” políticos são discriminados em todo o período da gestão de seu opositor, negando melhorias em suas ruas, transferindo ou demitindo funcionários de “grupos contrários” etc. Enfim, características encontradas em muitos municípios atuais (ALVES, 2003).

Edson Nunes destaca como atua o clientelismo na política brasileira, afirmando que há em verdade a existência de uma rede que promove o que denomina de corretagem política, desempenhada através da utilização dos recursos materiais do Estado, segundo dispõe o autor:

O clientelismos repousa num conjunto de redes personalistas que se estendem aos partidos políticos, burocracias e diques. Estas redes envolvem uma pirâmide e relações que atravessam a sociedade de alto a baixo. As elites políticas nacionais contam com uma complexa rede de corretagem política que vai dos altos escalões até as localidades. Os recursos materiais do Estado desempenham um papel crucial na operação do sistema; os partidos políticos – isto é, aqueles que apoiam o governo – têm acesso a inúmeros privilégios através do aparelho de Estado. Esses privilégios vão desde a criação de empregos até a distribuição de outros fatores, como pavimentação de estradas, construção de escolas, nomeação de chefes e serviços de agências, tais como o distrito escolar e o serviço de saúde local. Os privilégios incluem ainda a criação de símbolos de prestígio para os principais “corretores” dessa rede, favorecendo-os com acesso privilegiado aos centros de poder (NUNES, 2010, PAG 53).

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As instituições brasileiras ficaram altamente impregnadas por esse processo de troca de favores, a tal ponto que poucos procedimentos burocráticos acontecem sem uma “mãozinha”. Portanto a burocracia apoia a operação do clientelismo e suplementa o sistema partidário (NUNES, 2010, PAG 53). A institucionalização dos “ismos” no Brasil passou a ser vista como a regra no desenvolvimento das atividades burocráticas, a sociedade passou a não considerar a troca de favores como meio de corrupção, visão deturbada e condizente apenas com a busca de interesses pessoais, haja vista que a partir do momento que se utiliza a troca de favores como mecanismo de obtenção de privilégios junto ao Estado está automaticamente contribuindo para o fortalecimento deste tipo de política no Brasil e em consequência contribuindo com o fortalecimento dos meios de corrupção que desencadearam a crise política atual, seja este clientelismo privado[11] ou estatal[12], ambos contribuem para os prejuízos sofridos pela política brasileira.

Ressalta-se que consoante disposto no transcorrer deste estudo, a institucionalização dos “ismos” no Brasil, transita entre todos os entes federados seja a nível Federal, Estadual e Municipal, há o que doutrinadores chamam de uma supervalorização do poder do Estado, destacando-se o Poder Executivo e a visão paternalista da população com o mesmo, segundo dispõe José Murilo acerca desta questão:

Uma consequência importante é a excessiva valorização do Poder Executivo. Se os direitos sociais foram implantados em períodos ditatoriais, em que o legislativo ou estava fechado ou era apenas decorativo, cria-se a imagem, para o grosso da população, da centralidade do Executivo. O governo aparece como o ramo mais importante do poder, aquele do qual vale a pena aproximar-se. A fascinação com o Executivo forte está sempre presente, e foi ela sem dúvida uma das razões da vistoria do presidencialismo sobre o parlamentarismo, no plebiscito de 1993. Essa orientação para o Executivo reforça longa tradição portuguesa, ou ibérica, patrimonialismo. O Estado é sempre visto como todo-poderoso, na pior hipótese como repressor e cobrador de impostos; na melhor, como um distribuidor paternalista de empregos e favores. A ação política nessa visão é sobretudo orientada para a negociação direta com o governo, sem passar pela mediação da representação (CARVALHO, 2011, p. 221)

Doutrinadores destacam algumas alternativas a ação do Clientelismo, propondo a criação de meios de formalização dos procedimentos para que possibilitem efetivamente a proteção das instituições da troca excessiva de favores e da prática constantes dos “ismos” no Brasil, segundo afirma Edson Nunes:

O universalismo de procedimentos e o insulamento burocrático são muitas vezes percebidos como formas apropriadas de contrabalançar o clientelismo. O universalismo de procedimentos, baseados nas normas de impersonalismo, direitos iguais perante a Lei e checks and balances, poderia refrear e desafiar os favores pessoais. De outro lado o insulamento burocrático, é percebido como uma estratégia para contornar o clientelismo através da criação de ilhas de racionalidade e de especialização técnica (NUNES, 2010, PAG 54)..

Além das alternativas acima suscitadas Edson Nunes destaca ainda a formalização do corporativismo, segundo o autor este reflete uma busca de racionalidade e de organização que desafia a natureza informal do clientelismo (NUNES, 2010, PAG 57).

Pertinente ressaltar que a busca de alternativas para se ultrapassar a cultura dos “ismos” na política brasileira deve ser observada e sugerida com cautela, a simples especialização intelectual dos políticos e cidadãos que se vinculam a máquina pública não é o suficiente para supressão deste tipo de prática, pelo contrário se levada ao extremo pode gerar uma maior ruptura nas instituições brasileiras, há a necessidade de formulação de mecanismos que atendem exclusivamente a Lei como ponto de unificação para as participações e utilização da máquina pública de forma consciente e condizente com as propostas trazidas pela Constituição Federal.

Havendo de forma imediata a quebra do vínculo embrionário e patológico com as políticas de obtenção de proveitos pessoais através da máquina administrativa. As conceituações levantadas de forma simples e direta demonstram que estas práticas ainda são muito atuantes na política brasileira e apenas com a instauração de uma consciência cultural há a possibilidade de evolução social.

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