3. EXTINÇÃO PARCIAL DO VÍNCULO SOCIETÁRIO NAS LIMITADAS
3.1. Retirada do Sócio
O artigo 1.077 do Código Civil regula o direito de recesso do quotista relacionado apenas à divergência a qualquer alteração do contrato social, inclusive aquela que aprovar a fusão, a incorporação de outra ou dela por outra. O aludido dispositivo legal prescreve assistir ao sócio dissidente o direito de se retirar da sociedade, nos trinta dias subseqüentes à reunião.
O sócio pode se retirar a qualquer tempo, porém, essa retirada deve ser notificada aos demais sócios, com prazo de 60 dias, para que se providencie a alteração contratual, sendo esta sociedade por prazo indeterminado.
Sendo de entendimento doutrinário que “a eficácia do direito de recesso, uma vez notificada a sociedade, não pode ser obstaculizada por qualquer ulterior deliberação da sociedade, inclusive por aquela que venha a decidir pela exclusão do próprio retirante”.21
O direito do sócio se retirar da sociedade representa um poder do sócio de se afastar da sociedade sempre que discordar de qualquer modificação do contrato social. Se trata, na realidade, do exercício de um direito potestativo diante do qual remanesce à sociedade e aos demais sócios apenas uma posição de mera sujeição.
O ato subordina, tão somente, o necessário conhecimento ao retirante por parte da sociedade e dos consócios. No referido ato não há comprovação de prejuízos advindos da sociedade por parte do sócio retirante, nem contestação ou aceitação por parte da sociedade.
O recesso do sócio retirante opera-se ex nunc, não permitindo ao sócio renunciar e dividir, pois não é possível o sócio se retirar com apenas parte de suas quotas. Sendo assim, uma vez declarado o recesso, o quotista deverá receber o reembolso do valor de sua participação no capital social.
Isso significa que o direito de recesso não pode ser exercido, pelo sócio, com parte apenas de suas quotas. É que, pertencendo o direito de voto ao sócio, e não à quota, não se pode permitir que aquele, com parte de suas quotas, vote favoravelmente a uma deliberação e, com a outra, contrariamente. Do mesmo modo, aliás, como não se permite que o sócio vote com algumas de suas quotas em um sentido, e encarregue um representante de votar com o restante das quotas, em sentido oposto.22
No Direito Brasileiro, a Lei das Sociedades por Ações é expressa no art. 137, caput, ao permitir ao “acionista dissidente direito de retirar-se da companhia, mediante o reembolso do valor de suas ações”, dando margem, ao direito de retirada que deve ser exercitado com a totalidade das ações pertencentes ao acionista.
A solução está correta, pois a finalidade do recesso, que é permitir a saída, da sociedade, do sócio que discorda de uma de suas deliberações, por reputá-la prejudicial a seus interesses. Não faria sentido, por conseguinte, que se retirasse ele da sociedade com apenas parte de suas ações, nela permanecendo com o restante. A incoerência inerente a tal conduta afigura-se, destarte, manifesta.
3.1.1. As causas autorizadoras do direito de retirada
Previsto no artigo 1.077 do Código Civil, essa regulamentação prevê a possibilidade de retirada individual do sócio quando houver discordância, por sua parte de alterações do contrato social, também denominado de direito de recesso. O texto legal assim declara:
Artigo 1.077 Quando houver modificação do contrato, fusão da sociedade, incorporação de outra, ou dela por outra, terá o sócio que dissentiu o direito de retirar-se da sociedade, nos trinta dias subseqüentes à reunião, aplicando-se, no silêncio do contrato social antes vigente o disposto no art. 1.031.
Tal instituto preserva a garantia dos minoritários de discordância, tendendo a preservar e a harmonizar as sociedades. Ademais, trata-se de um de um direito potestativo, irrenunciável, portanto insuscetível de negociação. Assim esse poder do sócio de se afastar da sociedade quando não concordar com alterações no contrato social, ou mudanças na sociedade empresarial, não é necessário que lhe cause prejuízos, bastando, no entanto, que manifeste o recesso, independente de justificativa.
Priscila Fonseca afirma que porquanto, se cuide de direito potestativo, o recesso opera sempre ex nunc e não ex tunc. É direito irrenunciável, insuscetível, por isso, de ser abdicado até mesmo por convenção dos próprios sócios – e indivisível -, eis que não se permite ao sócio o direito de retirada com parte de suas quotas apenas. Ou seja, uma vez manifestado o recesso, o quotista deverá receber o reembolso do valor correspondente à totalidade de sua participação no capital social.23
No mesmo sentido José Waldecy Lucena preleciona: “Ao cabo, cumpre dizer que o recesso conceitua-se como o poder do sócio de determinar, com ato de vontade unilateral, a dissolução da relação social limitadamente a esse sócio.”24
O direito de recesso é qualificado nas sociedades anônimas, por ser um direito potestativo, essencial, intangível e irrenunciável, exercido junto à sociedade, mediante declaração unilateral de vontade, de natureza receptícia, sempre que sejam necessárias a declinação de motivos e a comprovação de prejuízos, já que apenas supedaneado na ocorrência objetiva de uma causa prevista em lei. Apresenta-se no campo das sociedades limitadas com essas mesmas características, mas com a diferença de que pode supedanear tanto na ocorrência objetiva de uma causa prevista em lei (Dec. nº 3.708, artigo 15; Código civil, artigo 1.077), como no ato institucional da sociedade (cláusula específica de recesso, prevista no contrato social).
No que pertine às sociedades limitadas, não há vedação para utilização desse instituto, porém, necessário se faz esclarecer uma controvérsia surgida com vista às hipóteses de transformação e cisão, isso, atinente a má técnica legislativa disposta no artigo 1.077 do Código Civil, que pode levar a equivocadas interpretações.
Segundo a doutrina nada justificava, com efeito, a ênfase emprestada pelo legislador àquelas específicas formas de alteração contratual, já que estas, a rigor, não apresentam quais peculiaridades distintivas. Ao revés, a ressalva levada a efeito pelo Código Civil pode dar margem a interpretações equivocadas, entre outras aquela que venha a concluir pela impossibilidade do direito de retirada em caso de discordância em relação à cisão e à transformação.25
Quanto à transformação é necessária a deliberação unânime dos sócios (artigo 1.114 do Código Civil) tornando-se inviável o exercício do direito de recesso, haja vista, a concordância de todo o quadro societário.
Segundo o artigo 1.029, CC a forma de manifestação do sócio dissidente deverá obrigatoriamente ser por escrito. A respeito do mérito da declaração de vontade, incumbe ao sócio que está exercendo o direito de retirada comprovar a alteração do contrato social que possibilita o seu ato de retirada. Tal determinação se justifica tendo em vista o direito da sociedade e dos demais sócios tomarem ciência do motivo que fomentou a decisão de deixar a sociedade.
Quanto ao conteúdo da declaração de vontade, cumpre ao sócio retirante justificá-la, indicando a deliberação fulcro da irresignação, de modo a permitir que da mesma sejam cientificados a sociedade e os demais sócios. Explica-se a exigência à medida que a ratio legis do direito de recesso reside exatamente na divergência manifestada em relação à alteração do contrato social. Têm, pois, a sociedade e consórcios o direito de conhecer o motivo da dissidência, até porque este, em determinadas hipóteses, pode, v.g., não mais subsistir, carecendo, assim, de interesse o sócio que manifesta o recesso.26
O Código Civil, na parte que se refere às sociedade limitadas, admite o prazo de 30 dias após a reunião que deliberou a alteração para que o sócio dissidente anuncie expressamente a utilização do direito de recesso.
Por fim, após a comunicação do dissidente em relação ao uso de seu direito de recesso, esse deixa de ser sócio, restando à sociedade tão somente providenciar a substituição do quotista ou proceder à redução do capital social. Tal ato deverá ser arquivado na Junta Comercial, momento em que se extingue a responsabilidade do sócio dissidente.
3.2. Exclusão do Sócio
A exclusão é o afastamento compulsório do sócio descumpridor de suas obrigações e causador de discórdias e desavenças, tendo como objetivo a proteção da sociedade e dos demais consócios.
Segundo a doutrina, essa modalidade de desvinculação do sócio não é manifestação de vontade discricionária da maioria. O que se dá, afinal, é uma específica distribuição do ônus da prova: na extrajudicial, o expulso deve provar que não descumpriu nenhuma de suas obrigações de sócio, se pretender se reintegrar à sociedade; na expulsão judicial, cabe aos remanescentes provar a culpa do sócio cuja expulsão pleiteiam.27
O fundamento jurídico da exclusão tem suscitado diversas posições doutrinárias. O professor Dalmatello, citado por Priscila Fonseca28, dissertou sobre três teorias:
Teoria da disciplina taxativa legal;
Teoria do poder corporativo disciplinar; e
Teoria contratualista.
A primeira tese consiste na necessidade de conservação da empresa, contudo, o entendimento era de que a exclusão apenas poderia ocorrer nos casos expressamente previstos em lei.
Tal teoria não continuou, pois, o interesso estatal não poderia sobrepor ao interesse privado dos sócios. A vontade estatal de preservação da empresa necessita assemelhar-se com a dos sócios, uma vez que, esses podem resolver não cumpri-la, cabendo aos sócios à possibilidade de deliberarem acerca da exclusão ou da dissolução da sociedade.
A teoria da disciplina taxativa legal assenta fundamento jurídico do instituto exclusivamente na lei e o faz com base em duas ordens de argumento: a) a finalidade publicística do instituto (preservação da empresa), com o que somente a lei e, para alguns, também, o estatuto estabelecerão as causas mediante as quais, visando assegurar dita finalidade publicística, dar-se-à a exclusão do sócio que as põe em risco; b) o caráter penal, restritivo e excepcional do instituto da exclusão, à exigir expressa previsão legal ou estatutária. Como profligou Dalmartello, a teoria da disciplina taxativa legal há de ser descartada porque demasiado rígida para poder explicar um instituto submetido a predominantes interesses privados.
Se é certo que a teoria lastreia-se em uma finalidade sócio-econômica, qual a preservação da empresa, é inegável que esse interesse público – é de se adscrever – há de coincidir com o interesse particular dos sócios de também quererem manter a sociedade, porquanto, ao invés da exclusão, poderá o interesse deles indicar o caminho da dissolução da sociedade.29
No mesmo sentido é a professora Priscila Maria Pereira Corrêa da Fonseca:
Para os partidários dessa primeira corrente – cujos precursores teriam sido os alemães ERZBACH e ALEXANDER KATZ -, o fundamento jurídico da exclusão residiria na necessidade da conservação da empresa, motivada por indiscutível interesse econômico. Tendo em vista, no entanto, as graves conseqüências que da expulsão resultariam para o sócio excluído – quer do ponto de vista financeiro, quer do ponto de vista de sua reputação -, entendia-se que a exclusão só poderia ter lugar em casos expressamente previstos em lei e sempre a título sancionatório. Teria assim, a exclusão caráter penal, restritivo e excepcional, sendo, portanto, insuscetível de aplicação analógica. Vem daí a designação conferida à dita teoria. Esse entendimento foi abandonado por diferentes razões. Em primeiro lugar porque não se poderia considerar prevalente, na explicação do instituto, o interesse público calcado na conveniência econômica da preservação da empresa. Ainda que haja esse interesse público, deve indiscutivelmente prevalecer o interesse dos sócios na manutenção da sociedade. 30
Já no que diz respeito à segunda teoria (teoria do poder corporativo disciplinar), a exclusão consistiria numa prerrogativa que o corpo social teria: o poder disciplinar, o poder de império, ou seja, a sociedade exerceria um poder de controle sobre seus sócios, um poder de ação contra aquele elemento que age nocivamente e dessa forma proporcionar a ordem e o desenvolvimento da atividade.
Para os seguidores dessa corrente, o fundamento da exclusão assentar-se-ia na soberania estatutária disciplinar que todo ente associativo exerce em relação a seus membros, ou seja, tratar-se-ia do poder disciplinar afeto à sociedade, a qual, sem ele, ver-se-ia de mãos atadas para assegurar a ordem imprescindível e necessária ao desenvolvimento da atividade que lhe é próprio. O direito de exclusão, consoante esta teoria, nada mais representaria senão uma manifestação do poder disciplinar próprio “à sociedade como ente separado dos sócios e com predomínio sobre eles”. Por outro lado, “o vínculo corporativo repousaria sobre a existência do poder de império dos corpos sociais, que mais não seria do que seu poder estatutário, enquanto expressão da vontade comum sobre casa membro individualmente”.31
Demanda também reunir o pensamento de José Waldecy Lucena:
A teoria do poder corporativo disciplinar, sustenta o fundamento da exclusão sobre base corporativa, considerando-a como uma emanação do poder estatutário-disciplinar que todo ente associativo tem sobre seus componentes. O direito de exclusão, para essa corrente, é uma manifestação de um poder disciplinar, pertencente “à sociedade como ente separado dos sócios e com predomínio sobre eles”. E “o vínculo corporativo repousaria sobre a existência do poder de império dos corpos sociais, que mais não seria do que seu poder estatutário, enquanto expressão da vontade comum sobre cada membro individualmente”.32
Por fim, a teoria contratualista, sendo essa a teoria mais adotada, divulga que a exclusão se assenta na vontade contratual dos sócios, o contrato social, “uma resolução por incumprimento de tal avença”. 33 O principal fundamento para o amparo dessa corrente está no fato de que a manutenção da sociedade é mais importante que a particularizada de cada sócio, fundamentando para tanto a exclusão do sócio dissidente.
Para analisar melhor a questão, separaremos as possibilidades de exclusão do sócio quotista em três grupos:
aquelas previstas em lei (hipóteses legais)
aquelas dispostas pelos sócios no contrato social (hipóteses contratuais); e
aquelas não previstas nem no contrato social nem na legislação.
O primeiro grupo se divide em três possibilidades. A primeira possibilidade legal é a do sócio remisso, de acordo com o artigo 1.004 do CC, que possibilita aos demais sócios a faculdade de optarem em face do sócio remido pela cobrança, pela redução das quotas ao montante já realizado ou pela exclusão.
Desse modo, ao escolherem a exclusão, podem os demais sócios ficar com as quotas pertencentes ao excluído, transferir para terceiros, ou ainda extinguir as quotas reduzindo o capital social.
A segunda possibilidade legal é a da falência do sócio. O artigo 48 da Lei de falências prevê a hipótese de exclusão do sócio falido, fazendo para tanto a apuração de haveres do falido, tal previsão localiza-se também prevista no Código Civil de 2002, o qual dispõe no artigo 1.030 à exclusão de pleno direito do sócio falido.
A terceira possibilidade são as demais possibilidades legais. Rubens Requião demonstrou que a exclusão de sócios pode se dar além daquele rol disposto na legislação, tudo por entender insatisfatório o disposto no revogado artigo 339 da Lei Comercial.
Assim, acarretou a possibilidade de exclusão do sócio incapaz, inapto e daquele que tenha violado o cumprimento das obrigações sociais. Não se pode admitir justa a dissolução da sociedade em virtude de fato imputável a apenas um do sócio.
E, nesse diapasão, pode-se afirmar que a morte, inabilitação, incapacidade moral ou civil de algum dos sócios, ou abuso, a prevaricação, violação ou falta de cumprimento das obrigações sociais ou fuga de algum deles (hipótese albergadas pelos arts. 335, IV, 336, II, 336 III, do Código Comercial de 1.850) evidentemente não podem conduzir à dissolução da sociedade. Não se denota justo, com efeito, que, em razão de fato imputável a apenas um dos sócios, a sociedade venha a se dissolver. Note-se que, entre as circunstâncias que podem culminar com a exclusão do sócio, algumas há que independem de culpa por parte deste. É o caso, por exemplo, da incapacidade superveniente.34
Outras situações passíveis de aplicação do instituto da exclusão são: a divergência grave entre sócios, sendo permissível a expulsão daquele que divergir sem motivos colocando em risco o corpo social; e a possibilidade de exclusão judicial do dissidente que “por falta grave no cumprimento de suas obrigações ou por incapacidade superveniente”, situação prevista no artigo 1.030 do Código Civil.
Nas sociedades limitadas, poderá ocorrer a exclusão quando a maioria dos sócios representativa de mais da metade do capital social deliberar por excluir o sócio que estiver pondo em risco a continuidade da empresa, referente a atos de inegável gravidade. Em tal caso, exigi-se que haja previsão contratual de exclusão por justa causa.
No que tange ao segundo grupo (hipóteses contratuais), o ordenamento jurídico pátrio sempre autorizou a estipulação, pelos sócios, no contrato social, de outras hipóteses além daquelas previstas em lei.
Segundo Egberto Lacerda Teixeira, entre as circunstâncias estipuladas contratualmente que se mostrariam aptas a ensejar o afastamento forçado do sócio está a “violação de cláusula contratual, concorrência desleal, uso indevido da firma ou da denominação social, recusa de prestação de serviços a que se obrigara, superveniência física, mental ou moral, inimizade ou incompatibilidade com os demais sócios, etc”.35
[...] quanto às sociedades limitadas, o Código Civil prevê, no art. 1.085, a possibilidade de a maioria dos sócios representativa de “mais da metade do capital social”, excluir aquele que estiver “pondo em risco a continuidade da empresa em virtude de atos de inegável gravidade”. Ressalva a Lei Civil, no entanto, que tal faculdade só poderá ser deferida à maioria dos sócios se do contrato social se fizer prever expressamente a exclusão por justa causa.36
Por fim, a terceira possibilidade, que são as hipóteses não previstas nem no contrato social nem na legislação. Em momento anterior exigia-se taxativamente a previsão de exclusão pelo contrato social, tal conhecimento caiu por terra ao se entender a possibilidade de aplicação dos princípios contratuais nas avenças das sociedades.
Com esse entendimento, começou-se a admitir a exclusão de sócios mesmo em casos não previstos no contrato social ou na legislação.
Suprimir-se a possibilidade de eliminação de sócio, sem previsão legal ou contratual específica, é reduzir as soluções jurídicas para o abuso, a prevaricação, a desonestidade do sócio, ou a incompatibilidade superveniente de sua permanência na sociedade (por exemplo, em razão da condenação criminal por delito de natureza econômica) a duas apenas: o recesso e a dissolução total da sociedade.37
O Código Civil, excetuando os casos de mora e falência do sócio, permite a exclusão por justa causa mediante previsão no contrato social.
Tal previsão legal é notoriamente ineficaz, face ser pacífico a impossibilidade de exclusão, através de simples deliberação dos demais sócios, isso porque se não houver motivo justificador para a expulsão, essa não se processará. Enfim, para que se confirme a exclusão, independente de previsão contratual ou não, necessário se faz o cometimento de falta grave.
Com relação ao método, a exclusão do sócio pode se dar de duas modalidades distintas, a saber: extrajudicialmente ou judicialmente.
No que diz respeito a primeira modalidade (extrajudicialmente), se o fator motivador da exclusão for a mora de alguns dos sócios, esta se dará em entendimento com o artigo 1.004 do Código Civil.
Verificando que no contrato social consta a hipótese de exclusão por justa causa, bastará a deliberação dos sócios para que a exclusão se concretize. Vale lembrar que em tais casos o artigo 1.085 do Código Civil prevê que a deliberação necessitará ser tomada pela maioria dos sócios e estes deverão representar mais da metade do capital social.
Sobre a forma de deliberação, Priscila Fonseca dissertou mais detalhadamente sobre o tema:
Observe-se que nesta hipótese de expulsão, qual seja, a calcada no comportamento do sócio que esteja “pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade”, o quórum reclamado pela lei é o da maioria dos sócios que participem com mais da metade do capital social, computado, neste caso, a participação do excluído, quer para perfazer o número de sócios reclamado para a deliberação, quer para o preenchimento do percentual do capital social exigido pelo art. 1085. É a conclusão a que se chega a partir do cotejo dos arts. 1004. e 1.085, já que, naquele primeiro dispositivo legal, a lei é expressa ao excetuar, do cômputo da maioria, o sócio que se pretende expulsar da sociedade, ressalva que não se encontra no art. 1085. A conclusão pode conduzir a alguma perplexidade à medida que o art. 1.074,§ 2º, do Código Civil veda o voto daquele que tiver, em relação ao objeto da deliberação, direto interesse pessoal. Tendo em vista que a participação do sócio na formação do quórum e o exercício do voto não se confundem, parece que o objetivo da lei, ao não excluir do quórum deliberativo da expulsão o excluendo, quer enquanto sócio, quer enquanto titular de determinado percentual no capital social, foi o de vedar três possibilidades distintas: (a) que o sócio majoritário possa, sozinho, excluir qualquer dos demais sócios; (b) a expulsão de um sócio por outro, em sociedade composta por apenas dois; (c) a exclusão do sócio majoritário.38
A segunda modalidade (judicialmente) está prevista no artigo 1.033 do Código Civil. Tal dispositivo autoriza que a maioria dos demais sócios exclua o sócio dissidente através de pedido direcionado ao poder judiciário.
Para uma melhor percepção dessa modalidade de exclusão, necessário se faz trazer a baila o artigo 1.085, que através de uma errônea interpretação pode-se concluir ineficiente a medida judicial, atinente ao fato que tal dispositivo prevê a expulsão do sócio sem a necessidade de se acionar o poder judiciário.
Contudo, nota-se que a possibilidade do artigo 1.085 implica deliberação da maioria do capital social, ao contrário da exclusão determinada por sentença, onde pode se determinar inclusive a expulsão do sócio majoritário, independente de deliberação pela maioria do capital social.
Dessa forma, a ação de expulsão necessita ser proposta pela maioria dos demais sócios, não a maioria do capital social.
Outra situação que permite a exclusão judicial como única condição de expulsão do sócio é aquela em que a sociedade é composta por apenas dois sócios quotistas.
A exclusão opera seus efeitos a partir da deliberação que a proclame. A eficácia desta, é, imediata. Em relação ao sócio excluído, os respectivos efeitos somente começaram a fluir – dado o respectivo caráter receptivo – com base na ciência da alteração processada e, relativamente a terceiros, a contar do arquivamento a ser realizado perante a Junta Comercial.39
Isto posto, uma vez excluído, não terá o ex-sócio legitimidade para impugnar deliberações ulteriores.
3.3. Morte do Sócio
Disposto no artigo 1.028 do Código Civil, a morte de um dos sócios, a priori, implica apenas na liquidação de suas quotas, salvo se ao contrário dispuser os demais sócios, o contrato social ou através de acordo com os herdeiros, realize a substituição do falecido.
Artigo 1.028 – No caso de morte de sócio, liquidar-se-à sua quota, salvo:
I - se o contrato dispuser diferentemente;
II - se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade;
III - se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido.
A respeito disso, o silêncio do contrato social não mais ocasiona a dissolução total da sociedade, como antes era previsto no ordenamento jurídico brasileiro. Contudo, o encerramento total das atividade desenvolvidas pela sociedade somente se dará pela morte de um dos sócios se assim dispuser o contrato social, e ainda, se outro sócio remanescente não deliberar por dar-lhe continuidade.
Dá-se então a dissolução parcial da sociedade, isto é, a dissolução da relação social limitadamente ao sócio pré-morto, cuja quota social é liquidada, para pagamento aos herdeiros, como inclusive agora veio de dispor o novo Código Civil (arts. 1028). A omissão do contrato social em dispor sobre a matéria, de conseguinte, ao contrário do previsto naquelas antigas regras jurídicas (Cód. Com. E CC de 1916), não mais provoca a dissolução total da sociedade, mas tão somente do vínculo individual social que ligava o sócio pré-morto à sociedade. De resto, consoante já argumentávamos no passado, o próprio Decreto n. 3.708, de 1916, admitiu a transmissão causa mortis das quotas sociais, ou autorizar a sociedade a cobrar dos herdeiros ou sucessores do sócio pré-morto “a soma devida pelas suas quotas”. (artigo 7).
A dissolução total da sociedade somente ocorrerá se o contrato social assim prever e isso mesmo se os sócios supérstites, mesmo que em minoria (nesse caso a morte foi do sócio majoritário), não optarem por dar-lhe continuidade. De fato, morto um dos sócios, podem os sobreviventes introduzir modificação no contrato social original, então alterando a cláusula de dissolução da sociedade para dissolução apenas do vínculo do sócio pré-morto, com pagamento de haveres aos herdeiros ou de admissão destes em substituição ao que faleceu.40
Pelo apresentado, conclui-se que morto um dos sócios, a sociedade somente se dissolverá integralmente se assim concordar os demais sócios ou caso a participação do sócio falecido seja indispensável ao prosseguimento da atividade exercida pela sociedade.
Quanto aos efeitos do falecimento do sócio, esses podem ser de três possibilidades:
A transferência de quotas aos herdeiros e legatários
Pagamento aos herdeiros do valor relativo às quotas do sócio falecido
Previsão contratual de dissolução da sociedade por morte de sócio
Na primeira hipótese (transferência de quotas aos herdeiros e legatários), a transferência de quotas pode decorrer de estipulação do contrato social ou de posterior concordância dos demais sócios de aceitarem os herdeiros como novos integrantes da sociedade.
Na primeira situação, previsão expressa do contrato, não permite que os sócios remanescentes impeçam o ingresso dos herdeiros, no entanto, o contrato social pode dispor acerca de restrições, condições e limitações ao ingresso dos sucessores do de cujus.
Vale ressaltar que, se os demais sócios, contra disposição do contrato social, recusam-se a admitir os sucessores do falecido na sociedade, não promovendo a alteração contratual respectiva, podem tais sucessores, se desejarem, obter em juízo sentença que supra a vontade dos renitentes. Isso porque, de acordo com art. 639, do vigente Código de Processo Civil, “se aquele que se comprometeu a concluir um contrato (no caso a alteração de admissão dos sucessores) não cumprir a obrigação, a outra parte, sendo isso possível e não excluído pelo título, poderá obter uma sentença que produza o mesmo efeito do contrato a ser firmado.41
Na segunda situação, posterior concordância dos demais sócios, os herdeiros somente passarão a condição de sócios após a deliberação dos quotistas detentores da maioria do capital social.
Já no que diz respeito a segunda hipótese (pagamento aos herdeiros do valor relativo às quotas do sócio falecido), os herdeiros nunca herdarão a qualidade de sócios, mas tão somente terão o direito de receber a quota-parte que lhes pertencem relativamente ao valor das quotas então deixadas pelo sócio morto.
Mas é comum o contrato prever, para morte de sócio, a possibilidade de seus sucessores não querer ingressar na sociedade, ou de os demais sócios não aceitá-los, sem prejuízo da continuação da empresa. Nesses casos, não entrando os sucessores na sociedade, por não desejarem ou não serem aceitos pelos sobrevivos, seus haveres devem ser apurados e pagos na forma contratualmente prevista para tal hipótese ou no modo estipulado para a retirada de sócio.42
Por fim, a terceira e ultima hipótese (Previsão contratual de dissolução da sociedade por morte de sócio), ocorre quando o contrato assim o dispõe e os demais sócios não têm interesse em dar continuidade a atividade empresarial por mera impossibilidade de continuidade do negócio sem a presença do sócio falecido.
3.4. Disposição Contratual
O Código Civil em seu artigo 1.029 permite que os sócios convencionem outras hipóteses de dissolução parcial da sociedade, deliberando como será a forma de apuração de haveres.
Assim dispõe o texto legal:
Artigo 1.029 – Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa.
Parágrafo único – Nos trinta dias subsequentes à notificação, podem os demais sócios optar pela dissolução da sociedade.
Ninguém é obrigado a associar-se ou manter-se associado, conforme o disposto na Constituição Federal de 1.988, artigo 5º, XX. Dessa forma, todo sócio tem o direito de se retirar da sociedade se for de seu interesse pessoal.
No caso da sociedade constituída por prazo indeterminado, o sócio poderá retirar-se a qualquer tempo, no entanto, deve notificar os demais sócios, por escrito, com antecedência de 60 (sessenta) dias.
A sociedade quando for constituída por prazo determinado, o sócio que querer retirar-se tem de provar, por meio de ação judicial de dissolução de sociedade, a existência de justa causa motivadora para a sua saída. Nesse caso, o juiz apreciará as razões em que sustenta a decisão de retirada antes do tempo previsto para a dissolução da sociedade.
O parágrafo único do artigo disposto diz respeito, apenas, à possibilidade do sócio nas sociedades por prazo indeterminado, quando os demais sócios poderão deliberar pela dissolução total da sociedade, e não apenas pela dissolução parcial.
3.5. Dissolução Parcial
O termo “dissolução parcial” acarreta muitas críticas, tocante ao fato de que contemplaria todas as demais hipóteses (retirada, exclusão, morte do sócio, etc.).
Assim dispõe o professor José Valdecy Lucena:
A construção pretoriana nominou-se “dissolução parcial de sociedade”, locução que tem merecido, ao longo do tempo, acerbadas críticas, sendo a mais contundente e de maior repercussão a de Hermani Estrella, o qual condenou “o emprego frequente, tanto entre os autores, como nos tribunais, do qualificativo dissolução parcial, para designar a hipótese de simples afastamento de sócio com a sobrevivência da sociedade”, em face da patente “impossibilidade lógico-jurídica da enquadrar a apuração de haveres no âmbito da dissolução de sociedade”.43
Trata-se de uma modalidade de ruptura do contrato social criado pela jurisprudência. Tal espécie consiste na retirada compulsória do sócio que requereu a dissolução total da sociedade, conservando-se assim a empresa, tendo em vista sua importância social e econômica, vedando-se, assim, que o interesse particular venha a sobrepor ao interesso coletivo.
Diante disso, já há muito tempo, a doutrina visou pela preservação da empresa. No mesmo patamar, os pretórios caminharam, sendo que essa discussão girava principalmente em torno do artigo 335, V, do Código Comercial de 1.850, que atribuía ao sócio o direito de pleitear a qualquer momento a dissolução total da sociedade.
O Supremo Tribunal Federal, com o escopo de moderar os preceitos do artigo retro mencionado, criou a dissolução parcial, que consiste na verdade no direito de recesso do sócio que requereu a dissolução total,
Como não teria sentido obrigar a permanência de um sócio dissidente, bem como não se justificaria ver seus direitos inerentes a dissolução total maculados, fez-se a parti daí a dissolução parcial com a apuração de haveres do modo que seria feira na dissolução total, possibilitando dessa forma o sócio retirar-se da sociedade a qualquer tempo.
O que de fato aconteceu foi a criação pretoriana de mais uma modalidade de recesso denominada “dissolução parcial”, na qual não há obrigação de haver discordância de algum sócio quanto alterações no contrato social.
O instituto, assim criado pelos pretórios nacionais, introduziu no direito pátrio uma nova modalidade de recesso. Bem ao contrário daquele previsto pelos diplomas legais que regulamentam as sociedades limitadas e as anônimas – os quais reclamam divergência em relação às deliberações sociais -, o direito de retirada, jurisprudencialmente concebido, ou seja, a denominada “dissolução parcial”, acabou por conferir ao sócio uma verdadeira denúncia vazia do contrato de sociedade. Sequer exige, para a respectiva concessão, a alegação de rompimento da affectio societatis, desavença entre os sócios etc.44
O Código Civil revogou o artigo 335, V, do Código Comercial, provocando a criação da dissolução parcial. Por conseguinte, cabe agora discorrermos da continuidade ou não de tal instituto.
Somente em dois casos é possível a dissolução parcial da sociedade tal qual se dava quando ainda estava em vigor o Código Comercial, ou seja, com a retirada de um sócio fazendo a apuração de haveres como se a dissolução fosse total, a saber:
A primeira possibilidade se constata a teor do artigo 1.033, III, do Código Civil, que admite o direito de dissolução total da sociedade quando requerido pela maioria absoluta dos sócios. Nesse caso, se os remanescentes quiserem continuar com a sociedade, pode o juiz realizar a retirada dos sócios dissidentes, através da apuração de haveres como se totalmente dissolvida estivesse a sociedade e a empresa ter sua continuidade com os demais sócios.
A segunda hipótese está prevista no artigo 1.034, II, do Código Civil, que prevê o direito de dissolução total da sociedade quando comprovada sua inexequibilidade. Caso seja requerida sob a alegação da falta de affectio societatis, pode o juiz decretar a retirada do sócio ou dos sócios descontentes, fazendo quanto a esse a apuração de haveres tal qual a dissolução total.
Esse é o denominado poder geral de cautela do juiz frente à ameaça ao direito da parte.
Nesse caso, as medidas cautelares inominadas são de grande importância nas ações de dissolução parcial da sociedade, abaixo, a título de exemplo, relacionamos as mais comuns, citadas por Priscila Fonseca: a nomeação de interventor; a concessão mensal de pró-labore ou de lucros. A indisponibilidade ou depósito judicial de parte dos ativos, bens ou créditos e direitos da sociedade; a proibição de alienação ou oneração de bens integrantes do ativo; a suspensão da eficácia da deliberação que referendou a exclusão do sócio; o afastamento do sócio retirante ou excluendo; a permanência do sócio excluído ou retirante da sociedade até o recebimento dos haveres; a expedição de ofício ao cartório de registro imobiliário para evitar a venda de bens da sociedade; a movimentação de contas bancárias da sociedade, por terceiro nomeado pelo juiz; a destituição de administrador; a proibição de alteração do contrato social; o depósito, pela sociedade, da importância recusada pelo sócio retirante, excluído ou ainda pelos sucessores do sócio pré-morto; proibição do risco de interferência nos negócios sociais; determinação de caução de bens da sociedade; nomeação de perito para fiscalizar a gestão e as contas da sociedade.45