A mulher transgênero e o sistema prisional: violações aos direitos fundamentais à identidade de gênero

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03/04/2018 às 19:00
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TRANSEXUALIDADE/TRAVESTILIDADE NO DIREITO PENAL E NA LEI DE EXECUÇÃO PENAL

É possível constatar que no Código Penal (decreto lei 2.848 de 7 de dezembro de 1940), existem garantias aos indivíduos que se encontram encarcerados, conservando todos os direitos que não são atingidos pela sentença condenatória, devendo as autoridades respeitarem à sua integridade física e moral.

Rogério Greco ao analisar o referido artigo discorre

Talvez esse seja um dos artigos mais desrespeitados de nossa legislação penal. A pena é um mal necessário. No entanto, o Estado, quando faz valer o seu ius puniendi,deve preservar as condições minimas de dignidade da pessoa humana. O erro cometido pelo cidadão ao praticar um delito não permite que o Estado cometa outro. Se uma das funções da pena é a ressocialização do condenado, certamente num regime cruel e desumano isso não acontecerá. (GRECO, 2012, p.130)

Verifica-se que o encarceramento de mulheres transgêneros às submete a um tratamento claramente atentatório a sua dignidade, integridade física e moral, explicitando uma clara violação a Constituição Federal de 1988, o Pacto de San José da Costa Rica e os Princípios de Yogyakarta.

A execução penal pressupõe os direitos e deveres, referentes ao Estado e ao condenado, devendo observar estritamente os limites da lei e do cumprimento da pena um dos focos do presente estudo, será o artigo 3º que diz

Art.3º Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.

Parágrafo único. Não haverá qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou política. (BRASIL, Lei Nº 7.210 de 11 de Julho De 1984)[10]

Nucci diz ao contextualizar a aplicabilidade do referido artigo narra

Punição não significa transformar o ser humano em objeto, logo, continua o condenado, ao cumprir sua pena, e o internado, cumprindo medida de segurança, com todos os direitos fundamentais em pleno vigor.(NUCCI, 2009, p.439)

Deve o Parágrafo Único ser interpretado de modo exemplificativo, vez que a lei de execuções penais não possui uma garantia explicita a população carcerária LGBT, que sofre distinção devido a sua identidade de gênero.

É necessário também uma analise em foco do artigo 40º, que garante o devido respeito de todas as autoridades à integridade física dos condenados e presos provisórios.

É de se verificar que o referido tema é atrelado ao principio dos direitos individuais que explicita que ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante, ao analisar o referido tema José Afonso da Silva, diz que

Agredir o corpo humano é um modo de agredir a vida, pois esta se realiza naquele. A integridade fisico-corporal constitui, por isso, bem vital e releva um direito fundamental do indivíduo. Dai por que as lesões corporais são punidas pela legislação penal (SILVA, 2005, p.199.)

E também diz

A vida humana não é apenas um conjunto de elementos materiais. Integram-na, igualmente, valores imateriais, como os morais. A Constituição empresta muita importância a moral como valor ético social da pessoa e da família, que se impõe aos respeitos dos meios de comunicação social. Ela, mais que as outras, realçaram o valor moral individual, tornando-a um bem indenizável. A moral individual sintetiza a honra da pessoa que integra a vida humana como dimensão material. Ela e seus componentes são atribuídos sem os quais a pessoa fica reduzida a uma condição de animal. (SILVA, 2005, p.200)                                 

Embora a haja avanços nos direitos LGBT, carece a Lei de Execução Penal ao não garantir explicitamente o direito a essa minoria, negligenciando a aplicabilidade das garantias fundamentais da população LGBT podendo ser constatado através de noticias veiculadas pela mídia.

É de se verificar que embora a igualdade esteja expressa na Constituição Federal de 1988 e na Lei de Execução Penal, a mulher transgênero é tratada de forma totalmente desigual, tendo em vista que necessita de um tratamento diferenciado, vez que se encontra em um segmento social vulnerável a supressões de direitos e violências.

A INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA

A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º, XLVI da Carga Magna, ao definir direitos fundamentais, garantiu ao indivíduo encarcerado a individualização da pena

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

 a) privação ou restrição da liberdade;

 b) perda de bens;

 c) multa;

 d) prestação social alternativa;

 e) suspensão ou interdição de direitos (BRASIL, Constituição Federal de 1988).

Tais prerrogativas obrigam o Judiciário a analisar uma série de garantias e princípios a serem respeitados no momento da aplicação da pena, em conjunto com o artigo 5º, inciso XLVII que garante

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XLVII - não haverá penas:

 a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

 b) de caráter perpétuo;

 c) de trabalhos forçados;

 d) de banimento;

 e) cruéis (BRASIL,Constituição Federal de 1988)

Bem como o inciso, XLVIII

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado. (BRASIL, Constituição Federal de 1988)

Que garante que no momento da individualização da pena, o indivíduo seja encaminhado para um estabelecimento prisional de acordo com seu sexo.

Assim sendo, a individualização da pena consiste em aplicar a pena devida ao caso concreto, tendo em vista os fatores sociais de cada indivíduo, com o objetivo de garantir a cada cidadão encarcerado os elementos e oportunidades necessários para a reinserção social.

O Artigo 41 da LEP trás um rol exemplificativo dos direitos dos presos vejamos o inciso XII

Art. 41 - Constituem direitos do preso (...)

XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena (...)

(BRASIL, Lei Nº 7.210 de 11 de Julho De 1984)

Ao discorrer sobre o inciso XII, do referido Artigo, Nucci afirma

A individualização executória da pena corolário natural do princípio constitucional da individualização da pena (artigo 5º, XLVI, primeira parte da Constituição Federal), demonstra a sua importância ao, aparentemente, mitigar até mesmo a igualdade de todos perante a lei, se aproximando da isonomia, fazendo com que a autêntica forma de igualdade seja observada (NUCCI, 2009, p.466)

A Lei de Execução Penal define em seu artigo 82, trata a respeito dos estabelecimentos penais, definindo

Art. 82. Os estabelecimentos penais destinam-se ao condenado, ao submetido à medida de segurança, ao preso provisório e ao egresso.

§ 1° A mulher e o maior de sessenta anos, separadamente, serão recolhidos a estabelecimento próprio e adequado à sua condição pessoal. (Redação dada pela Lei nº 9.460, de 1997)

§ 2º - O mesmo conjunto arquitetônico poderá abrigar estabelecimentos de destinação diversa desde que devidamente isolados.           

Logo, no momento da individualização da pena, o indivíduo transexual deve ser encaminhado a um presídio único ou com separação nítida conforme discorrer Guilherme de Souza Nucci

A lei não impõe que o Poder Público mantenha um presídio isolado para mulheres e outro, em lugar totalmente distinto para idosos. É viável que, no mesmo complexo de presídios, volteado por uma só muralha, existam diversos pavilhões ou alas, devidamente isoladas. (NUCCI, 2009, p.508)

Verifica-se também no artigo 84º§4, que o indivíduo que tiver sua integridade ameaçada, deverá ser mantido em um local distinto dos demais presos, garantindo assim sua integridade, logo, o indivíduo transgênero que encontra-se encarcerado com pessoas de um sexo divergente do qual se identificam e estão passiveis de diversos tipos de violência, deverá ser encaminhado para uma ala especifica ou presídio único.

Art.84. O preso provisório ficará separado do condenado por sentença transitada em julgado.

§4º. O preso que tiver sua integridade física, moral ou psicológica ameaçada pela convivência com os demais presos ficará segregado em local próprio. (incluído pela Lei nº13.167, de 2015)

E também que o Estado é negligente ao fiscalizar a aplicabilidade do Plano Nacional de Política Criminal e Penitenciária (2015), que garante a população LGBT a aplicabilidade dos direitos fundamentais

As diferenças devem ser respeitadas para gerar igualdade de direitos. As questões de gênero; de orientação sexual e identidade de gênero; de deficiência; geracional; de nacionalidade; raça, cor e etnia, são vividas também no campo criminal e penitenciário, e não devem ser desconsideradas. É uma questão de acesso aos direitos e de gestão das políticas públicas. (BRASIL, Plano Nacional de Politica Criminal e Penitenciária,2015, p.29)

Tendo como previsão de demandas, necessárias à serem implementadas no sistema carcerário brasileiro

a) Criar e implementar política de diversidade no sistema prisional

b) Assegurar as visitas íntimas para a população carcerária LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis) (...)

 e) Implementar a Resolução conjunta nº 01, de 2014, do CNPCP e CNCD (Conselho Nacional de Combate à Discriminação), que estabelece parâmetros de acolhimento de LGBT em privação de liberdade. (BRASIL, Plano Nacional de Politica Criminal e Penitenciária,2015, p.30)[11]

Ante o exposto, cabe ao Estado garantir, a fiscalização e implementação de uma politica de diversidade através da criação de alas especificas ou presídios únicos para que o indivíduo transgênero encarcerado possa cumprir sua pena privativa de liberdade com dignidade.


DIREITOS HUMANOS

A Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, foi assinada em 22 de novembro de 1969, sendo ratificada pelo Brasil através do Decreto 678, de 6 de novembro de 1992, a referida convenção deriva da condição de ser humano, e não da nacionalidade do indivíduo, sendo a condição humana a base da norma.

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Na Convenção está previsto o Direito à integridade pessoal de todos os indivíduos, bem como a proteção à honra e dignidade.

Artigo 5º  Direito à integridade pessoal 

1- Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral. 

2- Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes.  Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.

Artigo 11.  Proteção da honra e da dignidade.

1- Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade.

2- Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, na de sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação.

 (DIREITOS HUMANOS, Convenção Americana de, 02 de Novembro de 1969)[12]

Embora esteja previsto na Convenção de Direitos Humanos, o Brasil vive um estado constante de violações aos Direitos Humanos.

A Rede Trans Brasil aponta em seu dossiê claras violações

Não obstante de a transexualidade não ser analisada como uma doença pela OMS, ainda é muito assinalada pelo viés médico e psiquiátrico. Isso é uma violação dos direitos humanos destas pessoas, uma vez que as pessoas trans necessitam trazer a liberdade com relação à sua identidade de gênero e autonomia sobre seus corpos, sem intervenção de uma autoridade médica. Essa violação de direitos humanos é realizada pelo próprio Estado, ao recusar direitos sociais e não legislar em favor das pessoas trans funcionando, deste modo, como autorização social para a violência e as mortes de travestis, transexuais e transgênero em todo o país,portanto, pode-se concluir que o Brasil não reconhece seus cidadãos e cidadãs trans. Não raro, consequentemente, as pessoas trans ficam sujeitadas às piores formas de desprezo e arbitrariedade. Por estarem posicionadas nos patamares inferiores da estratificação sexual, isto é, por vezes mais expostas que gays e lésbicas, seus direitos são ordenadamente negados e violados, sob a indiferença geral. (AQUINO; CABRAL; NOGUEIRA, Rede Trans, 2017, p.37.)[13]

Verificar-se-á que a tutela jurisdicional deve ser aplicada para que haja condições mínimas para que as transgêneros tenham respeitados os seus direitos como pessoa humana.

Porém, para uma sociedade já preconceituosa é fácil suprimir os direitos dos indivíduos transgênero, por muitas vezes desconsiderando a condição de ser humana desse segmento social, atribuindo-lhes uma condição de “coisa”.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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