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Maus tratos aos animais através da experimentação científica

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05/04/2018 às 16:37

Resumo:


  • A Lei nº 9.605/1998 aborda a proteção dos animais contra maus-tratos e a necessidade de métodos alternativos à experimentação animal.

  • Os animais são considerados objetos de direitos, mas a legislação busca protegê-los de abusos e práticas cruéis, especialmente em pesquisas científicas.

  • O debate sobre a ética na utilização de animais em pesquisas é contínuo, com opiniões divergentes entre a necessidade de avanços científicos e a defesa dos direitos dos animais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3. MÉTODOS ALTERNATIVOS PARA SUBSTITUIÇÕES DE EXPERIMENTAÇÕES COM ANIMAIS

3.1. O método científico em questão: a defesa e a crítica

Quando levantamos a questão sobre experimentos realizados em animais, obtemos as mais diversas opiniões: há pessoas que entendem ser uma prática necessária e outras que afirmam ser um processo doloroso para os animais envolvidos.

De um lado, temos a resposta de que é necessário usar animais na ciência. Os argumentos, nesses casos, baseiam-se nos benefícios obtidos com a utilização de animais, tanto para a saúde humana quanto para a própria saúde dos animais em geral. Dessa forma, obter benefícios no uso de animais em experimentações é visto como necessário para garantir a saúde e aliviar o sofrimento de seres humanos e de animais (PATON, 1993, p. 55-107).

Esses benefícios, porém, dependem do avanço científico; mesmo quando não há benefício imediato, todo avanço significa conhecimento e é considerado um bem em si mesmo, podendo servir como justificativa para utilizar mais animais, independentemente da finalidade (SMITH & BOYD, 1991, p. 39).

Cientistas também se manifestam a favor da experimentação animal, defendendo a pesquisa biomédica baseada em animais (Wyngaarden, 1986). Assim, os argumentos fundamentam-se na ideia de que os avanços na área médica resultaram das pesquisas realizadas em animais, e o término dessas pesquisas acarretaria consequências para a saúde humana e para seu bem-estar. Alguns, inclusive, concluem que “A investigação animal é obrigatória do ponto de vista ético” (MARCUSE & PEAR, 1979, p. 75).

Das formas de sofrimento animal existentes, apenas as que ocorrem no âmbito da experimentação animal são justificadas como meios para reduzir a miséria humana e animal no futuro; ainda assim, “essa é a forma de utilização animal mais violentamente atacada” (PATON, 1993, p. 107).

Na oposição, estão os que criticam o método da experimentação animal. As críticas científicas podem ser divididas em duas categorias: a primeira, chamada crítica absoluta, sustenta que, como os animais são diferentes dos seres humanos, é impossível que os resultados entre as espécies sejam idênticos (FORSMAN, 1993, p. 11). A segunda, denominada crítica seletiva, baseia-se nas características dos experimentos e nos diversos procedimentos que podem apresentar falhas em confiabilidade e validade (FORSMAN, 1993, p. 11).

3.2. Modernos processos de análise genômica e sistemas biológicos in vitro

Existem vários testes vinculados a essa nova tecnologia, abrangendo diversas modalidades de pesquisa contra doenças, testes toxicológicos, descoberta de novas vacinas e desenvolvimento de drogas.

A cada dia, essa tecnologia vem sendo aperfeiçoada, e os pesquisadores parecem concordar que o cultivo de células torna a pesquisa mais rápida e com resultados mais eficazes. É importante a aplicação dessas metodologias in vitro na produção de anticorpos, pois podem substituir os métodos tradicionais que aplicam anticorpos em animais, capazes de causar reações alérgicas como febre, vômitos, taquicardia e falta de ar. Anticorpos obtidos de tecidos humanos são mais seguros.

A utilização dessa nova alternativa apresenta vantagens como a aderência ao princípio dos 3Rs (principalmente o Replace); maior facilidade na purificação de anticorpos; e pouca diferença de custo em relação ao método in vivo, quando considerados os gastos com manutenção e cuidados dos animais.

Outra vantagem consiste no fato de que vacinas produzidas a partir de tecidos humanos são mais seguras do que aquelas produzidas com base em animais. Existem vírus desconhecidos capazes de cruzar a barreira das espécies e transmitir ao ser humano novas doenças. Um desses agentes, o vírus SV40, proveniente de macacos, pode ser fatal; hoje, com a tecnologia disponível, vacinas contra diversas doenças virais podem ser obtidas por meio de culturas de células humanas, eliminando completamente o uso de animais (GREIF & TRÉZ, 2000, p. 55-56).

3.3. “Caso Beagle” – Instituto Royal

Em São Roque/SP, no dia 18/10/2012, o Instituto Royal, que estava irregular de acordo com a legislação brasileira, foi denunciado por ferir e mutilar animais para realizar estudos e testes violentos em cães da raça Beagle. Grupos de defensores dos direitos dos animais divulgaram a situação nas redes sociais e, indignados, decidiram invadir o local com o objetivo de resgatar mais de 178 animais ameaçados pelos maus-tratos.

Os animais utilizados no instituto tinham a função de cobaias para medicamentos lançados no mercado; entretanto, apresentavam reações adversas, como diarreia, vômitos, perda de coordenação e convulsões, podendo levá-los à morte.

Os Beagles eram selecionados para os testes em razão da uniformidade da raça, que apresenta padrão físico semelhante entre os indivíduos, o que os tornava alvos fáceis para a experimentação científica. Além disso, os animais eram sacrificados antes de completarem um ano de vida, o que revela o potencial nocivo dos medicamentos testados.

Após intensa mobilização, os defensores dos animais conquistaram uma grande vitória: o fechamento do Instituto Royal (CAPEZ, 2014).


Conclusão

Podemos concluir que o ser humano sempre esteve relacionado aos experimentos com animais, e um dos principais objetivos deste estudo foi demonstrar o quanto é fundamental discutir a ética animal e evidenciar como os animais sofrem em determinadas situações vinculadas aos experimentos. O resultado desse debate sobre a experimentação animal revela aspectos relevantes e consolidou-se como um problema moral que ganha cada vez mais espaço nas discussões envolvendo ética na pesquisa, seja na bioética, na ética ambiental, mas principalmente na ética animal.

Na doutrina, deparamo-nos com posicionamentos distintos: alguns os consideram sujeitos, outros os consideram objetos e há, ainda, quem os classifique como sujeito-objeto.

Pela visão doutrinária, é possível encontrar posições favoráveis aos animais, reconhecendo-os como sujeitos. Isso esclareceria o fato de que, mesmo havendo uma relação de propriedade entre o homem e o animal, não seria permitido machucá-lo, conforme o artigo 32 da Lei nº 9.605, de 1998.

Desse modo, entende-se que os animais são sujeitos por força das leis que os resguardam e por possuírem direitos pertinentes à sua condição de seres vivos.

Já na relação jurídica, primordialmente, os animais são objetos; o direito positivo os trata dessa forma. Pode-se comprá-los, vendê-los, doá-los etc. Portanto, ampla parte da doutrina os reconhece apenas como objetos de direito, conforme o artigo 82 do Código Civil.

Além dessas duas posições, existe outra, segundo a qual os animais se enquadram em uma categoria em que são considerados sujeito e objeto ao mesmo tempo. Pensando de maneira mais profunda, verifica-se que a figura do sujeito-objeto de uma relação jurídica já ocorreu historicamente; na época do Império, embora fossem considerados coisas, alguns escravos podiam casar-se e reunir quantias em dinheiro para adquirir sua liberdade.

Entende-se que, mesmo diante de toda essa controvérsia, a experimentação animal ainda é essencial para a ciência e para a pesquisa. Os cientistas já desenvolveram novas formas de substituir esses animais; entretanto, tais métodos são mais caros, preferindo-se, assim, a utilização dos animais por demandarem insumos mais baratos. Esses mesmos cientistas já identificaram que muitos experimentos não obtêm respostas positivas quando realizados diretamente em animais, pois o organismo humano não corresponde da mesma forma que o organismo animal.

Esta breve análise sobre a legislação brasileira demonstra que existem leis capazes de tutelar os direitos dos animais, protegendo-os dos maus-tratos e dos sofrimentos desnecessários em pesquisas. A lei deve ser mais rígida, com aumento das penas para os infratores, pois muitos pesquisadores não desejam utilizar práticas que retirem o direito à vida desses animais inocentes e indefesos. Para que ocorram mudanças significativas, é necessário ampliar as leis existentes.

E, conforme apresentado no início deste artigo, a experimentação realizada em animais é um tema extremamente polêmico, que sempre será motivo de discussões entre protetores dos animais, pesquisadores e cientistas.


Referências Bibliográficas

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Notas

[1] Os homens do Paleolítico pintavam animais e cenas de caça nas paredes das grutas. Ao executá-la, o homem acreditava estar garantindo caça abundante para seu grupo. http://www.coladaweb.com/historia/periodo-paleolitico-ou-idade-da-pedra-lascada

[2] Notável médico e cientista pré-socrático grego de Crotona (560 - 500 a. C.) Dedicado à medicina e às investigações das ciências naturais. http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/Alcmeon0.html

[3] Esta passagem do tratado hipocrático Da Doença Sagrada, que preconiza a mesma natureza para todas as doenças conhecidas, é um dos mais importantes textos médicos e científicos de todos os tempos. (Http://greciantiga.org/arquivo.asp?num=0271)

[4] A primeira sociedade protetora dos animais foi criada na Inglaterra, em 1824, com o nome de Society for the Preservation of Cruelty to Animals. (Braz.j.otorhinolaryngol. vol.78 no.2 São Paulo Mar./Apr. 2012-http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-86942012000200020).

[5] O osso zigomático está intimamente ligado a vários outros ossos e acidentes anatómicos que fazem parte do esqueleto facial, como o osso temporal e o seio maxilar. Atlas da saúde,2013 http://www.atlasdasaude.pt/publico/content/zigomatico

[6] Essa substância tem a capacidade de se transformar rapidamente em vapor, indo para os pulmões junto com o ar respirador. Então, passa para a corrente sanguínea e segue até o cérebro. Por isso continuar sendo inalado, atingirá as regiões do cérebro que controlam a respiração e o coração, causando parada respiratória, problemas cardiovasculares e até a morte”. (Carolle U. Alarcon-super.abril.com.br/ciência/éter)

[7] Do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal – CONCEA- http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11794.htm

[8] A senciência é definida como a presença de estados mentais que acompanhem as sensações físicas. Portal Agencia de Notícias de Direitos Animais, ANDA,2009 http://www.anda.jor.br/10/06/2009/senciencia

[9] Descartes chega à conclusão que os animais e os corpos humanos são autômatos, como máquinas semelhantes ao relógio (Miguel Duclós, 1997 - http://www.consciencia.org/descartes.shtml)

[10] Antropocêntrico é a palavra que surgiu no fim da idade média, considera o homem o centro do cosmos. O antropocentrismo sugere que o homem deve ser o centro das ações, da expressão cultural, histórica e filosófica. http://www.infoescola.com/filosofia/antropocentrismo/

[11] Objetos do direito- pretendendo provar que bens são imprescindíveis para o Ordenamento Jurídico, haja vista que são os verdadeiros objetos das relações jurídicas (http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=2960)

[12] Sujeitos de direito-são todos os centros subjetivos de direito ou dever, ou seja, tudo aquilo que o direito reputa apto a ser titular de direito ou devedor de prestação. (Sandy Sousa, 2009- http://respirandodireito.blogspot.com.br/2009/09/sujeito-de-direito-pessoa-natural-e.html)

[13] A criação e a utilização de animais em atividades de ensino e pesquisa científica, em todo o território nacional, obedece aos critérios estabelecidos nesta Lei. § 1o A utilização de animais em atividades educacionais fica restrita a: I – estabelecimentos de ensino superior; II – estabelecimentos de educação profissional técnica de nível médio da área biomédica.

[14] § 2o São consideradas como atividades de pesquisa científica todas aquelas relacionadas com ciência básica, ciência aplicada, desenvolvimento tecnológico, produção e controle da qualidade de drogas, medicamentos, alimentos, imunobiológicos, instrumentos, ou quaisquer outros testados em animais, conforme definido em regulamento próprio

[15] .§ 3o Não são consideradas como atividades de pesquisa as práticas zootécnicas relacionadas à agropecuária. Art. 2o O disposto nesta Lei aplica-se aos animais das espécies classificadas como filo Chordata, subfilo Vertebrata, observada a legislação ambiental.

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