QUANDO O ERRO DE PREENCHIMENTO DE PLANILHA É UMA TENTATIVA DE CHEGADA A UMA PROPOSTA VISIVELMENTE BAIXA

17/04/2018 às 07:57
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Em que pese o entendimento jurisprudencial entender que erros de preenchimento de planilha não são motivos suficientes para a desclassificação da proposta, seria possível diferenciar se a correção posterior não se trata apenas de uma tentativa de chegada?

As planilhas são informações que buscam tornar ainda mais objetiva a avaliação das propostas apresentadas ante a uma provável inexequibilidade, comumente exigidas em certames cuja existência de mão de obra especializada seja basilar, podendo incluir o fornecimento ou não de materiais e utilização de equipamentos.

Nas contratações que visam limpeza e conservação, por exemplo, é comum observarmos convenções coletivas de trabalho contemplando cláusula com o seguinte teor: “... fica convencionado que as empresas do segmento abrangidas pela CCT deverão praticar o percentual mínimo de encargos sociais e trabalhistas de xx,xx% conforme planilha de cálculo abaixo como documento essencial a quaisquer licitação, sob pena de nulidade do certame tal como disposto nos artigos 607 e 608 da CLT

Diante desta informação, neste tipo de contrato, encontramos órgãos seguindo a risca tal entendimento e buscando desclassificar empresas que poderiam executar bem os serviços, ou mesmo o contrário, empresas conseguindo impugnar editais cujos percentuais estejam divergindo da determinação existente na CCT daquela sede.

Sobre o tema, a AGU, após argumentação recentemente analisada pela 3ª Turma do TRF/5, afastou a possibilidade de inclusão de normas e índices fixados em convenção coletiva de trabalho em proposta de prestação de serviços à Administração Pública. Em resumo, ressaltou que não existe lei que obrigue a Administração Pública a aceitar os percentuais de encargos sociais previstos em CCT, devendo-se submeter apenas à disciplina legal, nos termos do artigo 37, caput, da Constituição Federal, o que a isenta de cumprir tais normas autônomas, evidente que excetuando àquelas pertinentes às condições de trabalho, como piso salarial, férias, descanso, vale refeição e aviso prévio, entre outras.

Nesta diapasão, competirá apenas à Administração verificar se a cotação observa os direitos dos trabalhadores, bem como se há exeqüibilidade ou não da proposta e se esta está de acordo com os parâmetros exigidos, não esquecendo de observar o histórico da unidade, sendo de inteira responsabilidade da empresa observar os percentuais legais que compõem tais encargos na formulação de sua proposta.

No mesmo sentido ocorre quando se trata das manutenções prediais, aqueles serviços simples de engenharia que tratam de pequenos reparos, objeto de licitações na modalidade pregão.

Muitos órgãos públicos utilizam como referência a Tabela SINAPI ou plataforma equivalente, a exemplo do Sistema ORSE (Sergipe). Com isso, praticam orçamentos com valores nela constantes e estipulam parâmetros de BDI aceitáveis, desclassificando empresas que desatendam a qualquer um dos valores determinados nestes e no Edital.

Observe a seguinte situação extraída de um certame no site de compras do Governo Federal onde determinada empresa teve sua proposta desclassificada sob os seguintes argumentos:

a. A composição do BDI adotada pela empresa de 18% e menor que o mínimo aceitável pelo acórdão n° 2622/2013 do TCU – plenário e lei 12.844/2013, que é de 20,34%, dentro dessa composição são utilizada os parâmetros mínimos e máximos aceitáveis para os valores de taxa e benefícios e despesas indiretas, que a empresa desprezou completamente essa faixa colocando valores arbitrários sem quaisquer parâmetros;

b. Em relação aos impostos: ISS sobre a mão de obra, na composição de BDI da empresa o ISS e cobrado em cima do valor integral (material e mão de obra) algo incorreto e o CPRB que elevou a alíquota da construção civil de 2,0% para 4,5% tornando obrigatório a partir de 1 de dezembro de 2015, na composição de BDI da empresa continua 2,00% algo incorreto;

c. Em relação ao seguro garantia e risco a faixa mínima aceitável pelo acórdão n° 2622/2013 do TCU – plenário e lei 12.844/2013 e de 0,8% para Seguros e Garantia e 0,97% para riscos na composição da empresa ele estabelece 1% para Riscos garantia e seguro algo não aceitável.

d. A composição do BDI, um dos anexos pedido no edital e de fundamental importância para temos conhecimentos de como a empresa chegou ao valor apresentado, e que consta todos os itens exigidos de acordo com o acórdão nº 2622/2013 do TCU, composição do BDI é importante sim, se não fosse não era um do item exigido no edital;

e. Itens pedidos no edital não apresentado pela empresa, cronograma físico financeiro, curva ABC e encargo social sobre mão de obra;

f. A empresa não cumpriu com o 10.3.4 do edital onde fala; Benefícios e Despesas Indiretas - BDI, detalhando todos os seus componentes, inclusive em forma percentual, conforme modelo anexo ao Edital;

A decisão para a não aceitação da proposta baseou-se em item do instrumento convocatório, onde diz que “em desacordo com qualquer das exigências do presente edital, desclassifica a empresa”, complementando sua decisão alegando que “ela não atendeu ao item 10.3.4 não utilizou nenhum critério para elaboração do detalhamento da bonificação e despesas indiretas (BDI) não sendo possível a correção sem alterar o custo final da proposta”.

Sem entrar no mérito de todos os argumentos, focando naqueles que afetam a apresentação das planilhas de custos, as argumentações trazidas no contexto poderiam ser vistas como erros de preenchimento de planilha, passíveis de correção por parte do licitante, ou tal concessão entraria no mérito de que a empresa buscaria chegar ao valor proposto, considerado inapropriado por aquele órgão?

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Em análise preliminar do caso, o Acórdão 637/2017 TCU - Plenário traz o seguinte:

A inexequibilidade de itens isolados da planilha de custos não caracteriza motivo suficiente para a desclassificação da proposta (art. 48, inciso II, da Lei 8.666/1993), pois o juízo sobre a inexequibilidade, em regra, tem como parâmetro o valor global da proposta”. (Acórdão 637/2017 – Plenário. Representação, Relator Ministro Aroldo Cedraz)

O que se observa é que a análise supra manteve o foco apenas nos dados constantes da composição do BDI, no entanto, se é sabido que as composições de custos unitários também observam a existência de mão-de-obra, bem como a utilização de materiais, presentes no orçamento base. Seria então possível considerar que tal procedimento poderá ser corrigido, considerando-o erro de preenchimento de planilha ou ainda assim, qualquer outra alteração que ocorra, fora do quadro do BDI, poderia ser tratada como uma tentativa de ludibriar a Administração, em simples conta de chegada? Como atuar nesta situação?

No tocante ao valor total do BDI, já decidiu o Plenário do Tribunal de Contas da União:

“O licitante pode apresentar a taxa de BDI que melhor lhe convier, desde que o preço proposto para cada item da planilha e, por consequência, o preço global não estejam em limites superiores aos preços de referência”. (Acórdão 2738/2015 – Plenário. Embargos de Declaração, Relator Ministro Vital do Rêgo)

Observa-se que a base daquela decisão foi com valores (internos) de BDI divergentes, porém alguns para mais e outros para menos, onde, qualquer adequação ao utilizado como referência, por si, tornaria o valor da proposta superior à que deveria ser, mantendo a acertiva da decisão, momentaneamente.

No entanto, como sabemos, o valor final da proposta não é apenas focado no BDI, mas num conjunto de planilhas de formação de custos, que englobam valores de mão-de-obra e respectivos encargos sociais, materiais empregados em cada serviço unitário e BDI.

Então, de modo a poder corrigir o erro de preenchimento de planilha individual (BDI) e atender ao valor final proposto, seria possível que a empresa alterasse os demais valores constantes noutra planilha (Custos Unitários), garantindo que sua planilha orçamentária atinja o valor proposto?

Se analisar individualmente cada planilha, não. No entanto, vale-nos lembrar que as normas que disciplinam as licitações públicas devem ser interpretadas em favor da ampliação da disputa entre os interessados, desde que não comprometam o interesse da Administração, o princípio da isonomia, a finalidade e a segurança da contratação.

Desta a forma, sendo a planilha orçamentária a planilha final, cujo valor deva ser compatível com o ofertado, e as demais planilhas, subsidiárias, que com esta formam conjunto, não se observa óbice algum ser permissivo sua retificação quanto ao preenchimento, mesmo não sendo a do BDI, havendo assim a compensação, contudo, restando preservados os direitos dos trabalhadores, tal como ocorre nas terceirizações com dedicação exclusiva de mão-de-obra.

Compete, nesta situação, à Administração Pública observar se as alterações realizadas, ainda assim, atendem a cada item específico.

Por exemplo, uma alteração realizada na Planilha de Custos Unitários que enseje na redução dos valores nos custos dos materiais que compõem cada item, deverá a empresa arcar com tal preço. Caso a instituição, entenda que os valores praticados em tais custos estão abaixo do mercado, facultará a esta realizar diligência para aferir a capacidade da empresa em fornecer os insumos naquele preço.

Noutro prisma, sendo a alteração realizada na mesma Planilha, onde se modificou coeficiente de produtividade, de consumo e de aproveitamento de insumos, o cuidado deverá ser maior, pois poderá afetar o resultado final e, principalmente a qualidade do serviço a ser executado.

Não quer dizer que não seja possível proceder alteração em quaisquer deles, pois a empresa poderá ter um pedreiro que consiga otimizar seu tempo, por exemplo, contudo, deverá a equipe técnica responsável avaliar minuciosamente cada valor. O que não é possível é não constar num item de serviço que contemple ‘reboco de parede’ o insumo ‘cimento’.

Competirá a Administração não somente se ater às planilhas apresentadas como ainda se precaver, adotando medidas de fiscalização de modo a garantir que as informações contidas na proposta de produtividade realmente mantiveram a qualidade e a segurança da contratação e, não sendo o caso, adotar as medidas administrativas necessárias para o cancelamento do acordo administrativo firmado e a convocação dos demais interessados, sem descuidar das possibilidades sancionatórias.

Em suma, identificar que as alterações permitidas nos erros de preenchimento de planilha se trataram de uma tentativa desesperada de chegada a uma proposta baixa exige cautela tanto do condutor do certame quanto da fiscalização recorrente, posto que, nem sempre as alterações são facilmente identificadas e exigem um maior conhecimento dos atores envolvidos.

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Sobre o autor
Daniel da Silva Almeida

Consultor e assessor técnico especializado em licitações, contratos e convênios. Professor Administrador Especialista em Gestão Estratégica de Recursos Humanos. Atualmente Pregoeiro e Membro do Conselho de Ética no Conselho Regional de Administração em Sergipe. Mestre em Administração Pública, é bacharel em Administração, pós-graduado em Direito Público com ênfase em Contratos e Licitações e em Gestão Estratégica de Recursos Humanos, palestrante e instrutor na área de licitações e contratos, elaboração de planilhas de custos e formação de pregoeiros.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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