Manifesto Comunista e a Insegurança Nacional
Sérgio de Oliveira Netto
Procurador Federal. Mestre em Direito Internacional (Master of Law), com concentração na área de Direitos Humanos, pela American University – Washington College of Law. Especialista em Direito Civil e Processo Civil. Professor do Curso de Direito da Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE (SC).
Desde 2017, e também continuando agora em 2018, os postulados marxistas tem sido reavivados pelos seus adeptos. Especialmente porque em 2017, completou 100 anos da denominada Revolução Russa (Revolução Bolchevique). E em maio de 2018, será lembrado como marco dos 200 anos de nascimento de Carl Marx.
Primeiramente, é preciso destacar que estes 100 anos de Revolução Comunista de 1917, não foram objeto de comemoração nem mesmo na Rússia, berço deste levante (ou pelo menos não aconteceram comemorações significativas e nem oficiais). Mas, estranhamente, em alguns países sul-americanos, a data foi celebrada pelos seus simpatizantes.
Na mesma linha, os festejos do bicentenário de Carl Marx dividem opiniões.
O que tem sido possível de observar (ainda que de maneira superficial) é que, aproveitando-se destas datas, muitos dos militantes dos movimentos de esquerda, vem se dedicando a darem palestras e a realizarem eventos, pretendendo, com isso, fortalecer a narrativa sobre o legado de Marx.
O que intriga, entretanto, é que estes defensores destes ideais, por mais que vangloriem o trabalho de Marx, notadamente no intitulado Manifesto Comunista de 1848, não vem abordando temas que são fundamentais para se alcançar os objetivos do pensamento comunista.
O foco de muitas destas palestras e discursos, fica, invariavelmente, centrado, basicamente, em dois tópicos: a) na temática da dominação da classe dominante por meio da estrutura estatal de poder; e b) na exploração econômica desta mesma classe burguesa, sobre a classe menos favorecida do proletariado.
Deixando de adentrar, de forma suspeita, em assuntos que são pilares para a consolidação da etapa final do comunismo, tais quais os referentes: a ELIMINAÇÃO/ABOLIÇÃO da família, da religião, da propriedade privada, da nacionalidade (pátria), dos laços fraternos entre pais e filhos, e de tudo aquilo que possa ser considerado como patrimônio cultural tradicional dos povos.
Abaixo estes tópicos, não abordados nestes eventos comemorativos, são transcritos, retirados do próprio “Manifesto Comunista”[1], versão disponibilizada no formato ebook (disponível em: http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/manifestocomunista.pdf; acesso em 22 abr 2018):
“...II - Proletários e comunistas
Nesse sentido, os comunistas podem resumir sua teoria nesta fórmula única: abolição da propriedade privada. (p. 28)
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Em resumo, acusai-nos de querer abolir vossa propriedade. De fato, é isso que queremos. (p. 30)
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Abolição da família! Até os mais radicais ficam indignados diante desse desígnio infame dos comunistas. Sobre que fundamento repousa a família atual, a família burguesa? No capital, no ganho individual. A família, na sua plenitude, só existe para a burguesia, mas encontra seu complemento na supressão forçada da família para o proletário e na prostituição pública.
A família burguesa desvanece-se naturalmente com o desvanecer de seu complemento, e uma e outra desaparecerão com o desaparecimento do capital. (p. 36)
Acusai-nos de querer abolir a exploração das crianças por seus próprios pais? Confessamos este crime. . (p. 36)
Dizeis também que destruímos os vínculos mais íntimos, substituindo a educação doméstica pela educação social. E vossa educação não é também determinada pela sociedade, pelas condições sociais em que educais vossos filhos, pela intervenção direta ou indireta da sociedade por meio de vossas escolas, etc? Os comunistas não inventaram essa intromissão da sociedade na educação, apenas mudam seu caráter e arrancam a educação à influência da classe dominante. . (p. 36)
As declamações burguesas sobre a família e a educação, sobre os doces laços que unem a criança aos pais, tornam-se cada vez mais repugnantes à medida que a grande indústria destroi todos os laços familiares do proletário e transforma as crianças em simples objetos de comércio, em simples instrumentos de trabalho. . (p. 37)
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Além disso, os comunistas são acusados de querer abolir a pátria, a nacionalidade. (p. 38)
Os operários não têm pátria. Não se lhes pode tirar aquilo que não possuem. Como, porém, o proletariado tem por objetivo conquistar o poder político e erigir-se em classe dirigente da nação, tornar-se ele mesmo a nação, ele é, nessa medida, nacional, embora de nenhum modo no sentido burguês da palavra. . (p. 38)
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Quanto às acusações feitas aos comunistas em nome da religião, da filosofia e da ideologia em geral, não merecem um exame aprofundado. . (p. 39)
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Quando o mundo antigo declinava, as velhas religiões foram vencidas pela religião cristã; quando, no século XVIII, as idéias cristãs cederam lugar às idéias racionalistas, a sociedade feudal travava sua batalha decisiva contra a burguesia então revolucionária. As idéias de liberdade religiosa e de liberdade de consciência não fizeram mais que proclamar o império da livre concorrência no domínio do conhecimento.
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Além disso, há verdades eternas, como a liberdade, a justiça, etc, que são comuns a todos os regimes sociais. Mas o comunismo quer abolir estas verdades eternas, quer abolir a religião e a moral, em lugar de lhes dar uma nova forma, e isso contradiz todo o desenvolvimento histórico anterior." . (p. 40)
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A revolução comunista é a ruptura mais radical com as relações tradicionais de propriedade; nada de estranho, portanto, que no curso de seu desenvolvimento, rompa, do modo mais radical, com as idéias tradicionais. . (p. 41)
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Em resumo, os comunistas apoiam em toda parte qualquer movimento revolucionário contra o estado de coisas social e político existente. . (p. 65)
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Os comunistas não se rebaixam a dissimular suas opiniões e seus fins. Proclamam abertamente que seus objetivos só podem ser alcançados pela derrubada VIOLENTA de toda a ordem social existente. Que as classes dominantes tremam à idéia de uma revolução comunista ! Os proletários nada têm a perder nela a não ser suas cadeias. Têm um mundo a ganhar. . (p. 65)...”
Certamente, não faltarão aqueles que, astuciosamente, pretendam transparecer a noção de que estes baluartes comunistas acima transcritos não mais se aplicariam, e não mais fariam parte da trajetória rumo ao comunismo.
Uma tal alegação, contudo, é desprovida de qualquer sentido. Posto que sem dúvida as estratégias para alcançar estes fins podem ter sofrido alterações ao longo da História. Como é o caso da estratégia da “Revolução Cultural” delineada por Antônio Gramsci (que não será aqui tratada para não estender demasiadamente esta breve análise). Mas os objetivos continuam os mesmos.
Até porque, para Marx, não é possível a concretização do comunismo, sem que instituições como a família, laços de afinidade e educação dos filhos, religião, propriedade privada e pátria, moral e tradições, sejam aniquiladas, para que seja construída uma nova sociedade. E ainda, conforme a ressalva final constante do MANIFESTO COMUNISTA, mediante atos de violência.
Qualquer tentativa de se esquivar deste propósito, ou desvirtuará a essência do marxismo na busca da superação da suposta dominação do Estado, e da exploração burguesa (e, portanto seus adeptos não mais poderão ser considerados marxistas), ou representará mero ardil, tendente a ludibriar os “inocentes úteis”, que são seduzidos pelo discurso da igualdade e melhorias das condições sociais (que não são pautas exclusivas dos movimentos ditos de esquerda).
Em outras palavras, a omissão da abordagem destes temas em eventos acadêmicos recentes que tratam destes assuntos, parece que tentam, deliberadamente, apenas cativar o público (em especial o público jovem, e estudantil e universitário) sobre as alegadas maravilhas do estágio final da implantação do comunismo. Sem sequer tangenciarem, quais são as etapas destrutivas que devem superar para alcançar este desiderato.
No sistema jurídico nacional, e também internacional, estes temas acima descritos (e não endereçados em eventos acadêmicos), configuram verdadeiras afrontas as ordens jurídicas doméstica, e aquelas celebradas perante organismos transnacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), e a Organização dos Estados Americanos (OEA).
Para se ter uma melhor compreensão, abaixo são transcritos trechos destes documentos legais:
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DO BRASIL
PREÂMBULO
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
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Dos Princípios Fundamentais
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
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IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
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Art. 5º... XXII - é garantido o direito de propriedade;
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Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.
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Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
DECRETO No 678, DE 6 DE NOVEMBRO DE 1992 (Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969.)
Artigo 12. Liberdade de consciência e de religião
1. Toda pessoa tem direito à liberdade de consciência e de religião. Esse direito implica a liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças, bem como a liberdade de professar e divulgar sua religião ou suas crenças, individual ou coletivamente, tanto em público como em privado.
2. Ninguém pode ser objeto de medidas restritivas que possam limitar sua liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças.
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4. Os pais, e quando for o caso os tutores, têm direito a que seus filhos ou pupilos recebam a educação religiosa e moral que esteja acorde com suas próprias convicções.
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Artigo 17. Proteção da família
1. A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e deve ser protegida pela sociedade e pelo Estado.
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DECRETO No 592, DE 6 DE JULHO DE 1992. (Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Promulgação)
ARTIGO 18
1. Toda pessoa terá direito a liberdade de pensamento, de consciência e de religião. Esse direito implicará a liberdade de ter ou adotar uma religião ou uma crença de sua escolha e a liberdade de professar sua religião ou crença, individual ou coletivamente, tanto pública como privadamente, por meio do culto, da celebração de ritos, de práticas e do ensino.
2. Ninguém poderá ser submetido a medidas coercitivas que possam restringir sua liberdade de ter ou de adotar uma religião ou crença de sua escolha.
3. A liberdade de manifestar a própria religião ou crença estará sujeita apenas à limitações previstas em lei e que se façam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas.
4. Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a respeitar a liberdade dos pais e, quando for o caso, dos tutores legais - de assegurar a educação religiosa e moral dos filhos que esteja de acordo com suas próprias convicções.
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ARTIGO 23
1. A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e terá o direito de ser protegida pela sociedade e pelo Estado.
Ora, não é difícil compreender que, se a nossa Constituição Federal (e demais tratados e acordos celebrados perante organismos internacionais como ONU e OEA), defende valores como a religião (por mais que o Estado seja laico), nacionalidade/soberania, propriedade privada, família e filhos, moral e tradições, qualquer sorte de ideologia, doutrina, ou pensamento que se posicione contrário a estes preceitos, caracteriza-se como inconstitucional e ilegal.
E que, portanto, representa um ato contra os interesses de Segurança Nacional. A este respeito, a Lei de Segurança Nacional prevê situações como estas que, em tese, poderiam caracterizar crimes:
Lei n° 7.170/83
Art. 1º - Esta Lei prevê os crimes que lesam ou expõem a perigo de lesão:
I - a integridade territorial e a soberania nacional;
Il - o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito;
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Art. 22 - Fazer, em público, propaganda:
I - de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social;
II - de discriminação racial, de luta pela violência entre as classes sociais, de perseguição religiosa;
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Pena: detenção, de 1 a 4 anos.
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Art. 23 - Incitar:
I - à subversão da ordem política ou social;
II - à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis;
III - à luta com violência entre as classes sociais;
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Pena: reclusão, de 1 a 4 anos.
Não se trata de cercear a liberdade de pensamento, tanto que a mesma Lei de Segurança Nacional, estabelece no art. 22 que: “...§ 3º - Não constitui propaganda criminosa a exposição, a crítica ou o debate de quaisquer doutrinas...”
Preservando, desta maneira, a possibilidade de realização de discussão destas vertentes de pensamento, enquanto no campo das ideias.
A proposta deste texto é meramente a de trazer alguns esclarecimentos sobre os temas anteriormente mencionados. Pois, respeitando entendimentos em contrário, o debate (especialmente em ambientes acadêmicos), parece estar carente de um aprofundamento mais explicativo para o público jovem e estudantil, sobre a forma de atuação de setores que seguem esta corrente de pensamento, consignado no intitulado “Manifesto Comunismo”.
Com a finalidade de permitir que o público juvenil e acadêmico, tenha acesso a diferentes versões sobre os mesmos fatos. E possa, assim, ter condições de formar suas convicções fazendo uma livre análise do contexto.
Pois, do contrário, o que ficaria caracterizado é uma manipulação, com o direcionamento e limitação da análise final sobre todos estes fatos.
[1] Escrito por Karl Marx e Friedrich Engels em dezembro de 1847 - janeiro de 1848. Publicado pela primeira. vez em Londres em fevereiro de 1848. Publicado de acordo com o texto da edição soviética em espanhol de 1951, traduzida da edição alemã de 1848. Confrontado com a edição inglesa de 1888, editada por Friedrich Engels. Traduzido do espanhol.