ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ELETRÔNICA: a evolução da administração pública e a busca pela máxima eficiência do regime jurídico administrativo

23/04/2018 às 13:51
Leia nesta página:

Vislumbrar a evolução da Administração Pública na tentativa de melhor atender toda a população, que possui necessidades incessantes, ao mesmo passo que busca efetivar os ditames constitucionais, especialmente no tocante à eficiência.

Resumo: O presente estudo pretende analisar a evolução da Administração Pública na tentativa de melhor atender toda a população, que possui necessidades incessantes, ao passo que busca efetivar os ditames constitucionais, especialmente no tocante à eficiência, à celeridade e à publicidade, princípios estes que, além de normas e “mandamentos de otimização” constitucionais, são corolários do direito à boa administração pública. Assim, como temática central deste estudo, verificar-se-á o novo modelo de Administração Pública que surge para, junto com a tecnologia, alcançar um potencial maior de eficiência: o Modelo Eletrônico de Administração Pública. Levar-se-á em consideração não apenas a teoria abstrata, mas dados estatísticos concretos, que possibilitam a análise mais efetiva da Evolução da Administração Pública. Salutar salientar que tais dados serão, ainda, postos em comparação com os de sistemas de Administração considerados mais evoluídos, bem como em relação aos dados pretéritos, para se vislumbrar todo o caminhar evolutivo da Administração a fim de concretizar a eficiência necessária à boa administração, o que, apesar de já ter caminhado alguns passos, ainda encontra empecilhos em adversidades políticas e de falta de capacitação na gestão pública.

 

Palavras-chave: Administração Pública. Evolução. Máxima Eficiência. Administração Eletrônica.

 

INTRODUÇÃO

 

Este estudo exsurge como um questionamento realizado frente à indignação populacional acerca da suposta ineficiência da Administração Pública, bem como uma análise comparativa com outros sistemas de administração, sob a ótica da evolução dos sistemas adotados pelos órgãos públicos e das estatísticas públicas que se alteraram com o implemento de novos sistemas.  

Pergunta-se frequentemente: há necessidade de tanta morosidade na prestação de serviços públicos? Será que não existem alternativas para gerar mais celeridade e eficiência, especialmente nos serviços mais básicos e necessários, considerando-se a era digital que vivenciamos?

Nesse sentido, ante a criação de novas tecnologias, é necessário verificar onde esbarra a Administração para implementá-las, especialmente quanto aos aspectos de governança e governabilidade, isto é, a capacidade de identificar as necessidades e anseios sociais e transformá-los em políticas públicas eficazes, bem como de materializar o planejamento administrativo.

Na temática ora abordada, a necessidade social estaria contemplada pela necessidade da população de obter mais celeridade e eficiência na prestação de serviços por parte da Administração Pública, o que necessita, incontestavelmente, do auxílio da evolução tecnológica.

Assim, o objetivo deste estudo é fazer uma análise da evolução administrativa efetivada, bem como do possível, porém talvez distante, enveredar para um modelo mais atualizado de Administração Pública, um modelo que não somente aplica conceitos digitais, mas um modelo que é, em sua quase totalidade, Digital.

1.   A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL

A fim de tecer pontuações sobre a Administração Pública e sua evolução, faz-se necessário conhecê-la conceitualmente e no espaço, ou seja, questiona-se: o que é isto, a Administração Pública? Sob quais modelos foi adotada no Brasil durante os séculos?

A Administração Pública pode ser analisada e conceituada sob várias óticas, dentre elas a formal e a material. Pela ótica material, tem-se que é o conjunto de funções necessárias à prestação dos Serviços Públicos; pela ótica formal, é o conjunto de órgãos necessários para concretizar as finalidades governamentais. (MEIRELLES, 2013)

Assim, vislumbrar-se-á que o presente estudo objetiva tratar da evolução da administração pública em sentido material, isto é, acerca de suas funções.

Ademais, frisa-se que os modelos-alvo deste estudo são aqueles que decorrem das Constituições Brasileiras, não se perpassando nas questões administrativas Pré-Constitucionais, como a Administração das Capitanias Hereditárias e a utilizada pelos Indígenas, que, apesar de pouco citada pela doutrina, não deixa de ter suas peculiaridades administrativas.

Nesse contexto, pode-se observar que a Administração Pública no Brasil evoluiu perpassando por 3 (três) modelos de administração, quais sejam: o Modelo Patrimonialista (até início do século XX), o Burocrático (durante início e meio do século XX) e o Gerencial (a partir dos anos 1970), cada qual com suas particularidades.

O Modelo Patrimonialista de Administração Pública é o modelo considerado típico dos estágios mais primitivos da sociedade. Isso porque possui como característica principal a incapacidade de distinção entre o público e o privado (CARVALHO, 1997), isto é, o centro do poder – chefe político – tinha a coisa pública como sua, assim como se verifica na Administração Imperial.

Esse modelo é baseado em relações pessoais, favorecendo, portanto, o nepotismo e a corrupção. Assim, é no seio deste modelo que se fala em “estamento burocrático”, que nada mais é do que prestígio do indivíduo pela camada social na qual estava inserindo, isto é, a ideia de honra social – diferindo de classe social, que se relaciona com o poder econômico (FAORO, 1979, p. 61).

Visando a contornar as mazelas do modelo patrimonialista e, com base nos estudos de Max Weber sobre as formas de dominação, surge, no início do século XX, o Modelo Burocrático, também chamado de Modelo Racional-Legal, que, ao contrário do modelo primitivo anterior, tinha por atributos a impessoalidade, especialização, hierarquia, normatização e meritocracia (MAZZA, 2011).

A característica da hierarquia surgiu para eliminar, pelo menos de forma regional (em alguns casos), a variabilidade de resultados e julgamentos subjetivos. Ponto importante é que a autoridade passou a residir na posição (cargo), e não mais na pessoa. Esse atributo é altamente vinculado ao da meritocracia, especialmente tendo em vista que as carreiras passaram a ser organizadas hierarquicamente, com promoções por tempo de serviço e mérito próprio dos empregados e servidores públicos.

Quanto ao atributo da normatização, serviu para padronizar comportamentos e procedimentos, reduzindo o risco de decisões discricionárias. Ocorre que também gerou disfunções, como o formalismo extremo e a legalidade rígida em detrimentos da busca de resultados, gerando uma flexibilidade limitada que criou morosidade e lentidão no processo administrativo e decisório em geral. Essas disfunções passaram a ser percebidas especialmente após a globalização e o aumento do fluxo de informações.

Dessa forma, o Modelo Burocrático ficou em apuros quando se viu em dificuldades de controlar as informações e manter uma prestação de serviços célere e de qualidade, o que ocasionou – junto com a corrupção e falta de investimentos eficientes na Administração Pública – a baixa qualidade na prestação dos serviços públicos.

Assim, com o aumento dos tributos e da insatisfação em relação aos serviços públicos prestados, o Modelo Burocrático começou a ser descrito como defasado, abrindo caminho para o surgimento de um novo modelo de Administração Pública, que teria como diretriz a máxima a eficiência em detrimento da máxima legalidade, isto é, o atual modelo gerencial.

O Modelo Gerencial emergiu com a corrente de Gerencialismo Puro (managerialism), que tinha como objetivo principal “fazer mais, gastando menos”, organizando estruturas governamentais para que custassem menos e preocupando-se com desperdícios em períodos de escassez, bem como com a utilização de técnicas que melhorassem a eficiência. Esta corrente-modelo tem como eixo central a produtividade (ABRUCIO, 1997).

As principais medidas que emergiram junto com o Gerencialismo Puro foram o corte de pessoal (especialmente os que não estavam se mostrando produtivos), a privatização, a descentralização administrativa e a utilização de técnicas de racionalização e controle orçamentário (COLEN, 2016).

Entretanto, a corrente supracitada logo começou a ser criticada, em especial por não estimular a construção de instituições voltadas à participação popular e pela desatenção à efetividade. Apesar de ser um modelo mais eficiente, não houve aumento significativo da flexibilidade a fim de alcançar decisões concretas.

Diante disso, surgiu a nova corrente do modelo gerencial, a Nova Gestão Pública (New Public Management), que tinha como diretriz central a ideia de “Fazer Melhor”, ainda que gastando mais. Aqui, verificou-se que melhor do que gastar o mínimo era prestar serviços de qualidade, focando-se no usuário/consumidor (BRESSER, 2001).

Para tanto, houve aumento da competição entre prestadoras de serviço e adoção de novas formas de contratação. A principal crítica foi no sentido de que esta corrente do modelo significou apenas direito de escolha entre os prestadores de serviço, não atendendo realmente ao singular desejo da sociedade, isto é, eficiência (ABRUCIO, 1997).

Destarte, a corrente que emerge para satisfazer o desejo popular foi a da Orientação para o Serviço Público (Public Service Orientation), tendo como principal diretriz “Fazer o que deve ser feito” (ABRUCIO, 1997).

Com essa mudança, os principais objetivos passaram a ser: foco no cidadão, ênfase no desenvolvimento da aprendizagem social, fusão de ideias de gestão dos setores públicos e privados, garantia de participação e responsabilidade social, e transparência com controle social (COSTA, 2015).

Exsurge, pois, com maior destaque, o conceito de accountability, que nada mais é que a prestação de contas da Administração a fim de concretizar a transparência (SCHEDLER, 1999).

Nesse diapasão, temos que: o Gerencialismo Puro tem foco na economia e na eficiência, buscando alcançar os contribuintes; o Consumerismo tem foco na qualidade, alcançando os clientes; e, com foco na equidade, accountability e nos cidadãos (essencialmente pública portanto), tem-se o Public Service Orientation – Orientação para o serviço público (ROCHA, 2011).

Entretanto, o conceito de accountability e a efetividade da participação popular são ainda incipientes no Brasil. Isso porque o corpo político do Estado tem certo receio quanto à realização de consultas populares, vez que podem perder benefícios próprios (BENEVIDES, 2005).

Vislumbra-se, ainda, com a evolução dos modelos de administração, a busca pela máxima efetividade do sistema. Observa-se, também, que a Administração Pública, a fim de melhor administrar, passou a ter como suas atividades principais a atividade regulamentar (por meio das autarquias regulamentares), a prestação de serviços essenciais (saúde e educação) e a exploração de atividades com alto lucro econômico ou que possuam relação com a soberania/segurança nacional, como a exploração do petróleo e gás natural (BRODBEKIER, 2003).

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Isso ocorre a fim de evitar que a iniciativa privada busque apenas o lucro, valendo-se da prestação de serviços públicos.

Assim, a iniciativa privada deve cumprir os ditames da Lei de Serviços Públicos (lei 8.987/95), sob pena de ter sua concessão caducada. Vejamos.

Art. 6 - Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.

§ 1o Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas. (...) (BRASIL, 1995)

Não realizando a prestação de serviço público adequado, ocorre a caducidade da Prestação do Serviço, que consiste na retomada desta pelo poder público, caso constatado que a iniciativa privada não esteja cumprindo as diretrizes da concessão, a fim de melhor atender o administrado.

2.  DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIGITAL

Como se vislumbrou no tópico preambular, o modelo de Administração Patrimonialista tornou-se obsoleto com o surgimento do modelo Burocrático, tendo este, por sua vez, perdido caminho para o modelo Gerencial.

Com o emergir do modelo Gerencial até os dias hodiernos, a tecnologia da informação evoluiu exponencialmente e informações que anteriormente poderiam demorar dias ou meses para se conseguir, hoje podem ser conseguidas de forma momentânea com um simples toque na tela de um celular.

A tecnologia evoluiu a patamares tão elevados que raramente se observa alguém que não conheça a concepção básica de internet ou que não possua um celular, ou ainda, meios de acesso à rede de computadores. Assim, passa-se a ser ineficiente dirigir-se aos órgãos públicos para obter informações ou realizar atos e manifestações que não dependam de muitas formalidades.

Do mesmo modo, a Administração Pública também é ineficiente quando obriga a sociedade a permanecer em longas filas para ter acesso a informações simples. Destarte, a Administração Pública não pode ficar adstrita ao modelo anterior, sendo necessário evoluir para a plena utilização das tecnologias atuais (CARVALHO FILHO, 2004).

Passa-se, então, a falar do Modelo Digital de Administração Pública, que exsurge para resolver síndromes de ineficiência administrativa, bem como fatores relacionados à economia pública.

A ideia do modelo Digital nada mais é do que implementar tecnologias e estruturas digitais na Administração Pública a fim de melhorar a prestação dos serviços públicos, transpondo barreiras geográficas e burocráticas, bem como disponibilizando, com acesso mais simplório e otimizado, informações necessárias ao público.

Assim, nasce, pois, a ideia de telesserviços e teleprocessos (processos eletrônicos, como o Processo Judicial Eletrônico – PJe), isto é, serviços realizados pelo sistema digital, que anteriormente somente eram prestados presencialmente e após longa espera nas repartições públicas (TORRIJOS, 2013).

Com o implemento desta forma de prestação de serviços, a Administração Pública potencializou sua relação com os administrados que não possuíam tempo ou disponibilidade de deslocamento para obter serviços mais simples, ao passo que também efetivou, ainda mais, o Princípio da Impessoalidade na prestação de serviços, vez que o Sistema Digital é lógico.

Nesse sentido, atualmente pode-se facilmente obter e solicitar, de qualquer lugar com conexão à internet, uma série de documentos necessários à vida cível e jurídica: certidões, declarações, expedições de licenças, “nada consta” na Justiça Estadual e Federal, declaração de regularidade do imposto de renda e até mesmo emissão de Carteira Nacional de Habilitação e outros documentos públicos.

Ademais, a Administração Pública funciona como um grande centro de gestão e geração de informação de alta magnitude, ou seja, uma imensa máquina informacional. Assim, para cumprir seu mister, realiza a produção de dados, coleciona-os, coleta-os, distribui-os e difunde-os (BREGA, 2015).

Desta forma, a Administração Pública tem um interesse maior em aproveitar as oportunidades de rapidez cumuladas com a confiabilidade que os hodiernos sistemas informatizados oferecem em face dos meios retrógrados que poderiam se perder ou serem adulterados com maior facilidade.

Outrossim, a digitalização é salutar, inclusive, na busca de objetivos mais desafiadores de quem precisa armazenar informações, isto é: recolher as informações em número maior e em espaços físicos menores¹; transmiti-las a velocidades instantâneas; além de garantir a conservação e a segurança (com certificação) da documentação, que pode permanecer eternamente salva com baixos riscos.

Todavia, faz-se necessário que a Administração garanta certos atributos/elementos para que a informação do documento digital seja segura e protegida contra acessos ou alterações não autorizadas: a integridade da informação, a disponibilidade, a confidencialidade, a autenticidade e a legalidade (BREGA, 2015).

A importância de se perseguir os fundamentos da segurança da informação, no âmbito do direito administrativo, dá-se em virtude dos documentos estritamente públicos serem dotados de fé pública, fazendo com que possibilitem ou restrinjam direitos; e aqueles que são dirigidos à Administração Pública serem importantes, pois buscam determinada pretensão.

Nesse sentido, os dados constantes na Administração Pública devem ser dotados da confiança de que são certos, pois eventual perda desta equivale à própria destruição do Sistema Digital (NETO, 2007). Destarte, não se pode abrir caminho para que pessoas com intenção maliciosa cometam atos que possam gerar prejuízos.

Inobstante à necessária barreira de impermeabilização tecnológica, a digitalização da Administração Pública gera qualidade e velocidade na prestação de serviços, além de diminuir a abertura para corrupção, vez que o administrado estará diante de um mecanismo que funciona de forma lógica², não sendo passível de quebrar regras (pelo menos não facilmente) do sistema em benefício próprio ou de outrem.

É nesse sentido que podemos observar, no plano estatístico, que a prestação de serviços públicos evoluiu exponencialmente com o incipiente Modelo Digital, tendo potencial para alcançar patamares de eficiência e transparência antes impensáveis com um implemento de maior qualidade³.

Assim, pode-se vislumbrar os sítios eletrônicos de portais da transparência dos governos federais e estaduais, que demonstram as despesas e investimentos públicos, sendo estes de acesso altamente instintivo. Ainda é possível obter, nos sítios de transparência dos órgãos públicos, os dados relacionados à evolução destes antes e após o implemento de sistemas digitais na prestação de serviços4.

Ademais, acerca da perspectiva comparada com outros países, de acordo com o website futuregov.asia, em 2014 o website internacional digitalgov.gov listou os 10 melhores websites governamentais, cada um com suas peculiaridades, visando a atingir os anseios de seu povo.

No entanto, é somente quanto aos aspectos sistemáticos que se pode falar em realizar uma perspectiva comparada propriamente dita entre os Modelos Digitais da Administração Pública Nacional e a Internacional, conhecidas no meio internacional por e-government, vez que cada website visa a satisfazer interesses populacionais diversos.

Outrossim, o website publicadministration.un.org também realiza análises nas quais se leva em consideração o E-Government Development Index (Índice de Desenvolvimento do Governo Eletrônico), que levam em consideração os serviços prestados pela Administração Pública Eletrônica (nos sítios governamentais da internet), a transparência e efetividade governamental, a facilidade ou dificuldade no acesso aos websites, bem como a acessibilidade de outros tipos de dispositivos e conexões disponíveis na localidade (redes sem fio públicas, isto é, wireless).

Conforme pesquisa do website supracitado acerca do índice de desenvolvimento do e-government, datada de 2016, o Brasil se encontra em 51º lugar, dentre 193 países (ONU 2016), ganhando 6 posições em relação ao ano de 2014 (ONU 2014). Já no sentido da participação popular (e-participation), encontra-se em 37º dentre os 193 países, perdendo 13 posições em relação ao ano de 2014 (ONU 2014-2016).

Os parâmetros para contagem dos rankings (posições) quanto ao e-government e a e-participation, são os do primeiro lugar na lista, que figura tanto como mais desenvolvido quanto com maior participação popular, qual seja, o Reino Unido – índice de desenvolvimento do e-government de 0.9193, enquanto o Brasil possuía 0.6377, de acordo com o E-Government Survey 2016 da ONU (ONU, 2016).

3. OBSTÁCULOS AO IMPLEMENTO PLENO DO MODELO DIGITAL

A evolução da Administração Pública para o modelo eletrônico, na era digital, passou a ser não uma mera faculdade governamental ou administrativa (CEPIK, 2014), mas sim uma necessidade, tendo em vista que a sociedade atual demanda informação em tempo hábil (MERINO, 2006).

Entretanto, o advento da Administração Pública Digital também encontra muitos desafios e obstáculos, como uma população que vê a Administração Digital com bastante descrédito, especialmente pela perda de confiança nos representantes do povo e nos gestores públicos em geral.

Noutro viés que também desafia o implemento do modelo, uma parcela da população, em especial moradores rurais e idosos, deve ser alvo de políticas públicas de participação na Administração Pública Digital, pois nada obstante a dificuldade inicial de uma pessoa leiga entender como se utiliza o sistema digital, esta se compensa pela desnecessidade de locomoção à repartição pública, bem como pela altíssima eficiência do serviço à distância.

Nesse sentido, Hélio Santiago Ramos Júnior assevera que é necessário assegurar a todos o efetivo acesso à informação governamental, bem como a participação do administrado na Administração Pública, além de o desenvolvimento do e-government ser inevitável para atender às necessidades individuais e coletivas da população. (RAMOS JUNIOR, 2007)

Outro ponto negativo que deve ser considerado é o despreparo e a falta de investimento no Setor de Tecnologia da Informação, que acaba gerando danos irreversíveis tanto aos documentos públicos como à confiança da sociedade no sistema.

Nesse sentido, pode-se perceber que a prestação de serviços totalmente ou parcialmente realizada por meio eletrônico ainda encontra inúmeras falhas sistêmicas, principalmente em relação a prazos que devem ser cumpridos.

Um exemplo disso é o sistema do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), em que, para gozar do financiamento de curso superior pelo programa, o aluno-requerente deve preencher determinados requisitos, ir ao banco com seu fiador e assinar o contrato de financiamento. Após, o aluno deve realizar aditamentos contratuais feitos semestralmente para manifestar o interesse em continuar com o financiamento. Esses aditamentos de financiamentos são efetuados pelo Sistema Informatizado do FIES (SIS-FIES), isto é, por meio eletrônico do sítio governamental.

Ocorre que a ineficiência e a falta de investimentos numa rede de maior porte eletrônico originaram inúmeras falhas sistêmicas que abarrotaram o Judiciário de causas relacionadas a aditamentos do SIS-FIES, que por vezes desaparecem do histórico do discente ou, ainda, após a abertura do prazo, o sistema não aceita as tentativas de aditamentos.

Nesse sentido, em breve pesquisa, pode-se verificar inúmeros mandados de segurança ou mesmo ações ordinárias com pedido de liminar para regularização de situação no FIES.

Veja-se a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. FINANCIAMENTO ESTUDANTIL. FIES. FALHAS NO SISTEMA INFORMATIZADO. MATRÍCULA. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO ESTUDANTE. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. (...) FIES, porém não logrou êxito em concluir os trâmites necessários para a conclusão do contrato junto ao FIES, em virtude de falhas no sistema informatizado (SisFies). 2. Como é de conhecimento público, por ter sido amplamente divulgado através de diversos canais de informação, o sistema informatizado do FIES, à época dos fatos, vinha apresentando sérios problemas de acesso (f. 70-71). Tanto é verdade que, também por determinação judicial através da ação civil pública nº 0005881-32.2015.4.01.3600, o prazo para acesso ao site e para a consequente realização de inscrição de novos contratos pelo FIES foi prorrogado. 3. Dessa feita, mostra-se inadmissível que o impetrante sofra os efeitos punitivos do atraso na contratação de crédito educacional, haja vista que a restrição à matrícula decorreu de fatos alheios à sua vontade, sem que lhe pudesse atribuir qualquer culpa. (...) 5. Apelação e remessa oficial desprovidas.

(AMS 00068020320154036100.TRF3. Terceira Turma. Data da Publicação: 20/04/2017. Grifos Nossos).

Eis, pois, que o Modelo Digital já possui uma excelente base implementada, contudo ainda necessita transpor inúmeras barreiras, sob pena de não conseguir, de forma efetiva, alcançar o administrado da forma desejável com o modelo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se observar que o Modelo Digital não é uma ideia distante para a Administração Pública no Brasil, vez que já começou a ser utilizado e evolui de forma expressiva com o passar do tempo.

Ademais, a Administração Pública Digital no Brasil não está demasiadamente atrasada em relação aos países mais desenvolvidos, como seria de costume pensar, haja vista que o implemento do Sistema Digital não ocorre de um dia para o outro, mas, sim, utilizando-se de políticas públicas de inclusão tecnológica a fim de alcançar o seu objetivo.

Inobstante, também se faz necessário altíssimos investimentos para que o sistema digital funcione perfeitamente, bem como que não seja alvo de ataques maliciosos. É nesse sentido que a Administração Pública ainda vem esbarrando consideravelmente, vez que a má administração dos recursos públicos pelos gestores gera déficit orçamentário, que, consequentemente, impede o investimento nos sistemas digitais.

Entretanto, viu-se que mesmo com o implemento incipiente do Modelo Digital, o administrado e a Administração Pública já colhem frutos do sistema inovador, especialmente no que toca à eficiência e à transparência na prestação dos serviços públicos.

Abstract: This study aims to analyze the evolution of the Public Administration in an attempt to serve better the entire population, which has incessant needs, while search the constitutional dictates, especially in relation to efficiency, celerity and publicity, principles which are corollaries of the right to good Public Administration and regulations commandments of constitutional optimization. Thus, as the central theme of this study, we will check the new Public Administration model that emerges, together with technology, to reach a greater potential of efficiency: the Electronic Public Administration Model. The abstract theory and concrete statistical data will be considered to enable an more effective analysis of the Evolution of Public Administration. It should be noted that these data will also be compared with those of more advanced management systems, just as in relation to past data, in order to envisage the evolutionary progress of the Administration in order to achieve the efficiency necessary for the good administration, which although it had already walked few steps, it still finds obstacles in political adversities and lack of capacity in public management.

Keywords: Public Administration. Evolution. Maximum Efficiency. Eletronic Administration.

NOTAS

¹ Um HighDisk (disco rígido), de cerca de 4 polegadas, pode armazenar mais dados do que milhares de resmas de papel;

² Isto é, o sistema digital funciona da seguinte forma: se condição x, então resultado y. Nesse sentido, caso um condutor tenha pontuação maior que 21 pontos em sua CNH, então o resultado será a penalidade y automaticamente;

³ Apesar disso, ainda não existe uma participação popular com potencial efetivo para fiscalizar os gastos e investimentos públicos;

4 Nesse sentido, cita-se o implemento do sistema digital SIS-DPU para a abertura de Procedimentos de Assistência Jurídica (PAJ) gratuita no âmbito da DPU-Núcleo de São Luís, onde observa-se que o número de PAJs abertos praticamente dobrou de 2010 a 2016 com o implemento do sistema, mesmo havendo redução no número de Defensores. Ainda, no âmbito da Justiça Federal, o TRF1 teve aumento substancial no número de processos julgados e distribuídos após o implemento do EPROC e PJe, que nada mais são que sistemas de processos eletrônicos. Tais dados encontram-se disponíveis no portal da transparência dos respectivos órgãos.

REFERÊNCIAS

ABRUCIO, Fernando. O impacto do modelo gerencial na Administração Pública: um breve estudo sobre a experiência internacional recente. In: Cadernos ENAP. Fundação Escola Nacional de Administração Pública – ENAP. 1997.

BENEVIDES, Maria Victoria. Entrevista concedida ao jornal O Estado de São Paulo. 27 de março de 2005.

BRASIL. Lei Federal nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8987compilada.htm>, Acesso em 10 fev. 2018.

______. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Apelação em Mandado de Segurança nº 0006802-03.2015.4.03.6100/SP – 3ª Turma. Data: 20 abr. 2017.

BREGA, José Fernando Ferreira. Governo eletrônico e direito administrativo. 1ª ed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2015.

BRESSER, Luiz Carlos Bresser. Do Estado Patrimonial ao Gerencial. 2001. Disponível em: <https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/3870283/mod_resource/content/1/Bresser%20estadopatrimonial-gerencial.pdf>. Acesso em: 29 jan. 2018.

BRODBEKIER, Bruno. Poder regulamentar da Administração Pública. R. Dir. Adm., Rio de Janeiro, 233: 141-177, Jul./Set. 2003.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 11ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.

CARVALHO, José Murilo de. Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo: Uma Discussão Conceitual. Rio de Janeiro, 1997, vol.40, n.2, pp.-. ISSN 0011-5258. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52581997000200003. Acesso em: 29 jan. 2018.

COLEN, Samuel. A gestão pública na anatel: uma análise sob o enfoque do public servisse orientation. 85 p. (dissertação de mestrado) – Universidade Federal de Lavras, Minas Gerais. 2016.

COSTA, Robson; SOUZA, Marli. A percepção holística da Administração Gerencial no Serviço Público. Revista de Administração Geral. v.1, n.2, p.138-153. 2015.

FAORO, Raymundo. Os donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. 7ª Ed. Porto Alegre, Globo, 1979, 2v.

MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativa. São Paulo: Saraiva, 2011.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo. 39º. Ed. São Paulo: Malheiros 2013.

MERINO, Muriel. L´Obligation d´informer dans I´action administrative. Aix-en-Provencw: PUAM, 2006.

UNITED NATIONS. E-government in support of sustainable development: survey 2016. New York, 2016. Disponível em: < https://publicadministration.un.org/egovkb/en-us/Reports/UN-E-Government-Survey-2016>. Acesso em: 16 jan. 2018.

RAMOS JÚNIOR, Hélio Santiago. Princípio da Eficiência e Governo Eletrônico no Brasil: o Controle da Administração Pública pelo Cidadão Brasileiro. In: Revista Democracia Digital e Governo Eletrônico. 1ª ed. Florianópolis: UFSC, 2009. p. 143-154.

ROCHA, Arlindo. Accountability na Administração Pública: Modelos Teóricos e Abordagens. ISSN: 1984-3925, UESC. In: Contabilidade, Gestão e Governança, v.14, n. 2, Brasília. 2011.

SCHEDLER, Andreas. Conceptualizing Accountability. In: A. Schedler, L. Diamond, & M. Plattner, (Ed.) Self-Restraining State – Power and Accountability in New Democracies. Boulder: Lynne Rienner Publishers. 1999.

TORRIJOS, Julian Valero. Derecho, Innovacion y Administracion Electronica. Derecho Global-Global Law Press. 2013. 417 págs.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Vinícius Guedes Florencio

Advogado; Pós-Graduado em Direito Público (Damásio) e Direito Constitucional; Graduado em Direito (Universidade Federal do Maranhão).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos