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Consolidação da responsabilidade penal internacional do indivíduo com o advento do Tribunal Penal Internacional permanente

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08/04/2005 às 00:00
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1. INTRODUÇÃO

Por ocasião da instauração do TPI para Ruanda, Kofi Annan, Secretário-geral da ONU, proferiu as seguintes palavras: "(…)For there can be no healing without peace; there can be no peace without justice; and there can be no justice without respect for human rights and rule of law." [1]

Acertada a mensagem do eminente Secretário-Geral de que não pode haver justiça sem o respeito aos direitos humanos e à lei, sendo certo que a ausência de tais elementos não raro conduz à guerra.

O Estatuto do Tribunal Penal Internacional Permanente veio, em resposta às violações dos direitos humanos, tentar contribuir para o papel que pertence a todos de asseguração da paz. Representa um grande avanço no direito internacional e no direito internacional penal. Se tanto internacionalistas como penalistas negavam a inexistência deste último, suas teses não mais têm como prosperar. Sustentava-se que não pode haver um Direito internacional penal enquanto inexistentes se acharem os delitos e as penas internacionais. À guisa de exemplificação, Enrico Ferri, afirmava que somente seria possível falar-se de um Direito internacional penal a partir do momento em que se organizasse entre os Estados uma justiça penal. [2] Embora não seja exatamente isso em que se formou o Estatuto de Roma, seu conteúdo não passa longe dessa pretensão. Para os que esperavam um organismo internacional capaz de ditar leis e impor sanções, o Estatuto se amolda perfeitamente para o cumprimento desse papel, tendo em seu bojo a instrumentalidade necessária para esse desiderato, bem como deflagra o processo de consolidação definitiva da condição do indivíduo como sujeito do Direito Internacional, sobre o que também não há como pairar duvidas, haja vista que se um dia a repressão dos crimes internacionais cabia tão somente aos Estados e as normas de Direito Internacional não se projetavam na esfera jurídica dos indivíduos, a realidade atual é outra.

Com o advento do Estatuto, desmoronam posições que negam a personalidade jurídica do indivíduo no plano internacional, eis que o instrumento em questão veio também reforçar o suprimento dessa lacuna apontada por alguns expoentes da doutrina do Direito das Gentes.

Não há como negar a consolidação da responsabilidade internacional penal do indivíduo a partir do advento do indigitado Estatuto de Roma. A respeito desta responsabilidade, cuidará o presente trabalho de tecer algumas considerações, e em torno dela girarão os modestos, mas sérios e significativos esforços na tentativa de demonstrar sua consolidação no cenário jurídico internacional.


2. HISTÓRICO DA TENTATIVA DE RESPONSABILIZAÇÃO PENAL INTERNACIONAL DO INDIVÍDUO

2.1 Os primeiros processos

A instauração de uma corte internacional permanente para processar e julgar e responsabilizar penalmente indivíduos aos quais se imputavam o cometimento de delitos perante o Direito Internacional, tais como os crimes de guerra, de agressão, de genocídio e contra a humanidade, conforme preleciona Celso D. de Albuquerque de Mello, não constitui idéia nova, mas desejo antigo da comunidade internacional. [3]

Há cerca de um século, fazia-se sentir a necessidade de um organismo, que, acima das próprias nações, pudesse julgar delitos internacionais graves, assim considerados pela sua natureza e repercussão capazes de extrapolar os limites territoriais e pela sua projeção para além do domínio do Direito Nacional.

Houve diversas tentativas e vários projetos defendendo a idéia, resultando todas frustradas quer por razões predominantemente políticas contrárias à idéia quer pela falta da aceitação de todos os Estados, requisito indispensável para a formação de um organismo supranacional.

As primeiras articulações voltadas para processar quem seja acusado de violar direitos internacionais e punir os efetivos transgressores, deram-se, como se verá adiante, no período sucessivo à primeira guerra mundial, mas foi só após a segunda, que vieram a tomar novo vigor, consideradas as atrocidades que, em seu curso, foram perpetradas, causando estarrecimento na comunidade internacional.

Porém, muito antes, a aparição da definição de delito internacional encontrava-se estreitamente vinculada à necessidade de se regulamentar os eventos bélicos. Conforme nos ensina Carlos Canêdo "Já no século IV a.C., Sun Tzu, em obra intitulada A Arte da Guerra, buscava daquele evento bélico excluir atos contra anciãos e enfermos." [4] Timothy L. H. Mccormack assevera que "The concept of individual culpability for international crimes first arose in the context of the laws of war, and the only international tribunals assembled to date to deal with allegations of international crime have been for offences ocurring in the context of armed conflict". [5]

Também Aristóteles, Cícero, Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino, buscando distinguir as guerras injustas das justas, cuidavam de estabelecer as premissas filosóficas de sua legitimação. Entretanto, cogitava-se apenas de trazer certa "humanidade" aos conflitos e não ainda de nenhuma espécie de responsabilidade criminal.

Para Quintano Ripollés, ex-magistrado dos Tribunais Internacionais do Sarre e do Cairo, "[...] a idéia de julgar perante uma corte internacional os responsáveis por condutas bélicas criminosas surge com o direito natural medieval e renascentista, graças ao Pontificado que existia como autoridade supra-estatal reconhecida [...]." [6] Tratava-se, no entanto, como o próprio autor reconhece, de sanções principalmente de ordem moral e espiritual.

A idéia de crime internacional e de responsabilidade penal internacional ainda não poderia prosperar no limiar do processo de fortalecimento dos Estados nacionais, a partir do século XVI, chegando-se a admitir a possibilidade de sanção individual por desencadeamento de uma guerra injusta e por crimes nela praticados, porém tratava-se de posição restrita ao plano das idéias, de incidência prática pouco viável para a época.

A primeira vez, contudo, que se tentou traduzir em conseqüências práticas a responsabilidade penal internacional de um alto dignitário do Estado teve lugar após o término da Primeira Grande Guerra. [7] Logo após o fim deste episódio bélico, a consciência universal cogitou de julgar e punir os chamados criminosos de guerra, ou seja, aqueles que durante o conflito ultrapassaram, pelos seus reais atos de terrorismo, as normas tradicionais da guerra, geralmente aprovadas nos tratados, acordos e costumes reconhecidos pelas potências em conflito. As atrocidades cometidas sem fim militar; o extermínio célere dos aprisionados na guerra; o abandono das vítimas em alto-mar e outras barbáries foram em geral os atos que os aliados colocaram mais especificamente em evidência.

Ao terminar o conflito de 1914/18, discutiu-se em Paris sobre a necessidade de julgamento do Kaiser Guilherme II e de seus seguidores, responsáveis, no curso do evento bélico, pela violação dos Tratados de neutralidade e pelos atos atrozes perpetrados e decidiu-se então que o Kaiser devia ser submetido a julgamento perante um Tribunal de Guerra, mas Vittorio Emanuele Orlando, que representava a Itália, favorável àquele julgamento, receava que se fizesse do Imperador da Alemanha Willhem II, ao invés de um criminoso, um herói-mártir.

Nas palavras de Luis Wanderleu Torres:

"O tratado de Versailles, o "Diktat" para os alemães, foi ajustado para atender a intenção de julgamento das potências aliadas e consagrou os artigos 228 e 230 ao Kaiser e seus assistentes, considerando-se que o mesmo havia ofendido gravemente a moralidade internacional e a santidade dos Tratados. Objetivava-se julgar o Kaiser por ter desrespeitado tratados de paz anteriormente firmados, assim como pela violação das convenções de Haia e Genebra." [8]

Porém, resultaram infrutíferas as tentativas de realização do julgamento, uma vez que o Kaiser, um dia antes da assinatura do armísticio de 1918 entre a Alemanha e os aliados, refugiou-se em Doorn, na Holanda, país que o protegeu e lhe concedeu asilo por intermédio da Rainha Guilhermina, negando-se a entregá-lo sob o argumento de que não havia de sua parte obrigação internacional de se sujeitar à política internacional dos vencedores da 1ª Grande Guerra. Referiu-se ainda ao Direito de Asilo, invocado pelo Kaiser [9] e terminou dizendo que quando se constituísse uma jurisdição internacional validamente organizada, a Holanda dela participaria. Eis aqui uma das manifestações acerca da necessidade que se fazia sentir de criação de uma Corte Penal Internacional Permanente.

O fracasso dessa tentativa de instauração de um Tribunal Penal Internacional que, por conseqüência, retardou a consolidação da responsabilização penal internacional do indivíduo que ora se defende, foi somente um reflexo de um outro de maior importância.

Nos anos que seguiram ao pós-guerra, fatores decorrentes de sua deflagração propiciaram um ambiente internacional de precário armistício, favoreceram o nascimento do nazismo, culminando com a eclosão de uma Segunda Grande Guerra, após a qual, tendo em vista os assustadores atos desrespeitosos aos direitos humanos praticados em seu curso, o mundo pôde conhecer as primeiras experiências de tentativa concreta de efetivação de uma justiça penal internacional, isto é, de um julgamento realizado por um tribunal supranacional de crimes de guerra e contra a humanidade. Os acusados eram indivíduos da Alemanha e do Japão, países que desfrutavam já à época posições política e militar de relevo. Trata-se dos históricos e propalados Tribunais de Nuremberg e de Tóquio, respectivamente.

Em 1943, no auge da Segunda Guerra Mundial, as potências aliadas tomaram para si o compromisso de submeter a julgamento os autores dos crimes de guerra e decidiram, ao fim do conflito bélico, que "todos os que houvessem participado na elaboração e execução de medidas que tinham dado origem a atrocidades seriam presos e julgados como criminosos de guerra" [10]. Em 1945 e 1946, respectivamente, aquelas forças vencedoras do grande conflito mundial instauraram os tribunais internacionais de Nuremberg e Tóquio.

2.4 O Tribunal para a antiga Iugoslávia

O Tribunal Penal Internacional (TPI) para ex-Iugoslávia foi criado quase cinqüenta anos após o julgamento feito pelos Tribunais Internacionais militares de Nuremberg e Tóquio, para processar os transgressores que desrespeitaram os direitos humanos no território daquele antigo país europeu [11]. O TPI para antiga Iugoslávia abriu precedente ao ser composto apenas por juízes selecionados em toda a comunidade internacional e foi o primeiro Tribunal especial penal não-militar da história criado para conhecer, processar e julgar as condutas delitivas perpetradas a partir de 1º de janeiro de 1991 naquela extinta nação hoje denominada Sérvia-Montenegro.

A Responsabilidade penal internacional do indivíduo no Estatuto do TPI para a antiga Iugoslávia está inserida no seu artigo 7 e parágrafos seguintes. O número (1) indica que uma pessoa é penalmente responsável perante o Tribunal se ela planejou, instigou, ordenou, cometeu ou por outra forma auxiliou ou incitou no planejamento, preparação ou execução de qualquer dos crimes previstos no mesmo Estatuto [12]. O instrumento também traz a previsão de que a posição oficial de qualquer pessoa acusada, mesmo como Chefe de Estado ou de Governo ou como responsável oficial do Governo, não livrará tal pessoal de sua responsabilidade penal tampouco mitigará sua punição.

Prescreve ainda que o fato de qualquer dos delitos tipificados no Estatuto ter sido cometido por um subordinado não exime seu superior da responsabilidade penal se este último sabia ou tinha razão para saber que o subordinado iria cometer tais atos ou, tendo cometido-os, deixou de adotar as medidas razoáveis e necessárias para impedi-los ou punir o agente perpetrador. O fato também de uma pessoa denunciada agir em obediência à ordem do Governo ou de um superior não a eximirá de sua responsabilidade penal, mas tal pode ser considerado como atenuante.

O Tribunal para Ruanda

Reconhecendo que graves violações ao direito humanitário estavam sendo cometidas em Ruanda, pequena nação situada na África, o Conselho de Segurança da ONU criou o Tribunal Penal Internacional para aquele País [13], visando contribuir para o processo de reconciliação nacional e para a manutenção da paz na região. Decidiu-se ainda que a Corte Internacional teria sede em Arusha, na Tanzânia. O TPI para Ruanda foi instaurado para processar criminalmente indivíduos cometeram ou ordenaram a perpetração das graves condutas penais contrárias ao Direito Internacional Humanitário no território de Ruanda no período de primeiro de janeiro a 31 de dezembro de 1994 e também para a persecução de cidadãos ruandeses responsáveis pela prática de genocídio e outras crimes cometida no território dos Estados vizinhos durante o mesmo período.

O TPI para Ruanda concentra-se em processos em desfavor dos que detinham poder e instigaram as atrocidades e crimes cometidos no massacre de tutsis e hutus ruandeses quando, em 1994, a violência chegou ao ápice naquele país africano, culminando com o genocídio de 1 milhão de pessoas, na maioria tutsis, hutus ruandeses moderados e milhares de refugiados na região.

De forma muito semelhante, até mesmo quase idêntica, ao Estatuto do TPI para ex-Iugoslávia, foi elaborado o conteúdo do Estatuto do Tribunal para Ruanda no que concerne à responsabilidade penal internacional do indivíduo. Tal está prevista no seu artigo 6 e parágrafos elencados por números. Versa o Estatuto que um indivíduo é penalmente responsável desde que tenha planejado, instigado, ordenado, cometido ou por outra forma auxiliado ou incitado no planejamento, preparação ou execução de um crime previsto naquele instrumento. [14] Assim como no Estatuto Iugoslavo, a posição oficial de qualquer pessoa acusada, mesmo como Chefe de Estado ou de Governo ou como responsável oficial do Governo, não livrará tal pessoal da responsabilidade penal nem lhe servirá como atenuante.

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De igual forma, o fato de que qualquer dos atos previstos no artigos 2 a 4 do Estatuto ter sido cometido por um subordinado não exime seu superior da responsabilidade penal se este sabia ou tinha como saber que seu subordinado estava para cometer tais atos ou assim o procedera, sem que tomasse as necessárias medidas para evitá-los ou mesmo punir o suposto autor. De igual modo, o fato de uma pessoa ter agido em obediência à ordem do Governo ou de um superior não a eximirá da responsabilidade penal que lhe é, em tese, imputada, mas pode ser considerado também como atenuante.


3. TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PERMANENTE (TPI): A CONSOLIDAÇÃO DA RESPONSABILIDADE PENAL INTERNACIONAL INDIVIDUAL

3.1 O indivíduo como sujeito de Direito Internacional

Se até recentemente o Direito das Gentes regia apenas as relações entre Estados soberanos, é certo porém que desde bem cedo o indivíduo foi alvo do que se poderia chamar de lei penal internacional, como acertadamente demonstra, em sintéticas palavras, René-Jean Dupuy quanto à posição que o indivíduo vinha ocupando na sociedade internacional e particularmente no Direito das Gentes, indicando que este "...tinha uma participação na vida internacional de forma indireta, posto que a direta cabia ou era exercida pelos Estados, mas que no entanto, no plano dos deveres para com a comunidade das nações, o homem desde muito cedo fora abrangido pela lei penal internacional...", a exemplo da campanha normativa e efetiva em desfavor da atuação dos piratas, considerados que eram violadores de normas do Direito Internacional. [15]

Embora os doutrinadores não tenham criado, em largo curso da história do direito internacional, obstáculos à existência da personalidade internacional do indivíduo, a partir da prevalência da soberania estatal, consoante dá notícia Carolina Ghinato Daoud [16], inicia-se um movimento em desfavor daquela realidade, perdendo a pessoa sua "autonomia" e necessitando do Estado para exercer seus atos na órbita jurídica internacional.

Nesse contexto, colhendo ainda ensinamento da autora supramencionada, "a classificação da doutrina quanto ao tema, no século XX não é uniforme; entretanto, é possível dividi-la em dois grandes grupos: os que negam e os que afirmam ser o homem sujeito de Direito Internacional."

O ex-ministro da Corte Suprema Brasileira, José Francisco Rezek, advogava a idéia de que os indivíduos, assim como as empresas, privadas ou públicas, não gozam de personalidade internacional o que seria possível se "...eles dispusessem da prerrogativa ampla de reclamar, nos foros internacionais, a garantia de seus direitos, e que tal qualidade resultasse de norma geral". Completa o juiz de Haia que "...é ilusória a idéia de que o indivíduo tenha deveres diretamente impostos pelo direito internacional público, independentemente de qualquer compromisso que vincule seu Estado patrial, ou seu Estado de residência..." Entende ainda que "...a tese de que os indivíduos podem cometer crimes suscetíveis de punição pelo direito internacional, sem embargo da licitude de sua conduta ante a ordem jurídica interna a que estivessem subordinados..." defendida por ocasião da instauração do Tribunal de Nuremberg que julgou e condenou nazistas ao final da 2ª Guerra Mundial constituiu circunstância excepcionalíssima. [17]

Não obstante o entendimento supra - que autor deste modesto trabalho colheu da obra do eminente magistrado brasileiro sobre Direito Internacional Público datada de 1998, 7ª edição, podendo ter havido posterior mudança de posição doutrinária - o fato é que o acesso pelo indivíduo aos tribunais internacionais deixa paulatinamente de configurar uma enorme exceção como no passado. Consoante novamente Carolina Ghinato Daoud [18] "os Estatutos da Corte Internacional de Justiça, que é o principal órgão judiciário da Sociedade Internacional, não admite que o homem compareça perante ela como parte de um litígio. Entretanto, alguns Tribunais admitiram o homem sendo parte nos litígios, como o Tribunal Militar Internacional de Nuremberg e de Tóquio; a Corte de Justiça Centroamericana; os Tribunais Arbitrais Mistos, instituídos após a Primeira Guerra Mundial, além de diversos projetos de Tribunais Internacionais, como a Corte Internacionais de Presas."

Agora, com a instauração do TPI cujo principal objetivo é de processar indivíduos, constata-se que sua posição como sujeitos do Direito das Gentes, penalmente responsáveis, alcança indubitavelmente o patamar da consolidação, não havendo ambiente favorável para se vivenciar retrocessos que impeçam tal desenvolvimento. Nesse sentido defende André de Carvalho Ramos que "o projeto de convenção internacional contendo o Estatuto do Tribunal penal Internacional, aprovado em 1998 em conferência internacional patrocinada pela organização das Nações Unidas, na cidade de Roma, representa um novo estágio da responsabilização internacional penal do indivíduo". [19]

De fato, conforme já se esboçou, o expressivo aumento de delitos internacionais após a 2ª Grande Guerra fez com que a comunidade internacional estabelecesse uma meta voltada para dar fim ou ao menos diminuir tais condutas delitivas, evitando-se a impunidade que reinava após a prática destas, o que, com expressiva e predominante colaboração, seria alcançável por meio de um tribunal internacional permanente dotado de poder suficiente para aplicar o direito internacional àqueles acusados de cometerem crimes violadores do Direito Internacional Humanitário.

Nesse mesmo diapasão, corrobora Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros ao asseverar que:

"Uma das principais qualidades do Estatuto reside na afirmação do princípio da responsabilidade penal de indivíduos pela prática de delitos contra o Direito Internacional. Situar o indivíduo como sujeito de direitos e deveres no plano internacional constitui idéia corrente desde os tempos em que Hugo Grotius lançou as bases do moderno Direito das Gentes. O grande jurista holandês divergiu da noção corrente no século passado – com vertentes ainda vivas na atualidade – de que o Direito Internacional deve restringir-se a disciplinar as relações entre os Estados. A evolução acelerada da proteção internacional dos Direitos Humanos após a Segunda Guerra Mundial conduziu a profundas alterações sobre o papel do indivíduo no cenário internacional, enfatizando , primeiramente, os direitos, e, a seguir, os deveres individuais. [20]

Wolfgang Friedmann, com respeito à responsabilidade internacional do indivíduo, argumenta, a seu turno, que:

"o indivíduo, que normalmente deve agir através da proteção do Estado a que deve lealdade, está começando a adquirir – embora, até o presente, em muitos poucos casos – o direito de queixa direta contra a interferência em seus direitos humanos elementares. Deveria, correspondentemente, ser considerado responsável, em circunstâncias excepcionais, por ações que violem direitos humanos elementares. [21]

Fauzi Hassan Choukr enriquece essa linha de raciocínio e, mencionando Flávia Piovesan [22], faz referência ao fortalecimento, no cenário internacional hodierno, da idéia de que a proteção dos direitos humanos não pode se circunscrever á esfera de domínio exclusivo do Estado, ou seja, não deve ser reduzir à competência doméstica exclusiva ou à jurisdição interna privativa em face do caráter de legítimo interesse internacional que gira em torno do tema. Complementa ainda que:

"Pronuncia-se Flávia Piovesan [ ...] Por sua vez, essa concepção inovadora aponta para duas importantes conseqüências: (1) a revisão da noção tradicional de soberania absoluta do Estado, que passa a sofrer um processo de relativização, na medida em que são admitidas intervenções no plano nacional, em prol da proteção dos direitos humanos; isto é, permitem-se formas de monitoramento e responsabilização internacional quando os direitos humanos forem violados; (2) a cristalização da idéia de que o indivíduo deve ter direitos protegidos na esfera internacional, na condição de sujeito de Direito." [23]

E ser sujeito de direito é ser destinatário de direitos, mas também de obrigações, o que gera a conseqüente exigibilidade de tais direitos e a responsabilidade de tais obrigações.

Assim, no desdobrar de todo o processo de sedimentação internacional dessa consciência, conforme já dito, mais de cinco décadas anos após a instauração e os julgamentos que tiveram lugar em Nuremberg, criou-se um Tribunal Penal Internacional (TPI) permanente, resultado das conferências realizadas em Roma pelos plenipotenciários das Nações Unidas, dotado para julgar indivíduos perpetradores de delitos que transcendem as fronteiras nacionais, consagrando sua responsabilidade penal que será apreciada pela referida Corte Internacional.

3.2 Responsabilidade penal internacional do indivíduo no Estatuto do TPI Permanente

Avançando no debate e na defesa, é necessário primeiro que se proceda, para tornar as considerações mais palpáveis, à transcrição dos artigos do Estatuto de Roma atinentes à responsabilidade penal internacional do indivíduo cuja consolidação crescentemente se faz presente no Direito internacional penal como se abstrairá das argumentações que se seguirão.

"ESTATUTO DE ROMA DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL

Artigo 25

Responsabilidade penal individual

1. O Tribunal terá jurisdição sobre pessoas naturais, de acordo com o presente Estatuto.

2. Um indivíduo que cometer um crime sob a jurisdição do Tribunal será penalmente responsável e passível de pena em conformidade com o presente Estatuto.

3. Em conformidade com o presente Estatuto, um indivíduo será penalmente responsável e passível de pena por um crime sob a jurisdição do Tribunal, se tal indivíduo:

a) cometer esse crime individualmente, em conjunto com outrem ou por meio de outrem, seja este ou não penalmente responsável;

b) ordenar, propor ou induzir a prática de tal crime, que de fato ocorra ou seja tentado;

c) com o propósito de facilitar a prática de tal crime, ajude, encubra ou colabore de algum modo na prática ou na tentativa de praticar o crime, inclusive fornecendo os meios para sua perpetração;

d) contribuir de qualquer outro modo à perpetração ou tentativa de perpetração do crime por um grupo de pessoas que tenham uma finalidade comum. Tal contribuição deverá ser intencional e;

1.ser prestada com a intenção de levar a cabo a atividade delitiva ou propósito criminal do grupo, quando tal atividade ou propósito implicar a perpetração de um crime do âmbito da jurisdição do Tribunal; ou

2.ser prestada com o conhecimento da intenção do grupo de perpetrar o crime;

e) com relação ao crime de genocídio, instigar direta e publicamente outrem a praticá-lo;

f) tentar perpetrar tal crime mediante atos que constituam um passo inicial importante para a sua execução, mesmo que o crime não seja consumado devido a circunstâncias alheias a sua intenção. No entanto, o indivíduo que abandonar o esforço de perpetrar o crime ou de outra forma impedir a consumação do mesmo não deverá ser passível de pena em conformidade com este Estatuto pela tentativa de cometer tal crime, se o indivíduo renunciar íntegra e voluntariamente ao propósito delitivo.

4. Nada do disposto neste Estatuto a respeito da responsabilidade penal das pessoas naturais afetará a responsabilidade do Estado, conforme o direito internacional."

Feita a transcrição acerca da responsabilidade penal internacional no Estatuto de Roma, importa ainda percorrer os trilhos do Estatuto de Roma, instrumento penal internacional inovador e capaz de assegurar a consolidação da responsabilidade penal internacional do indivíduo que aqui se defende. Vejamos algo de sua estrutura, natureza jurídica, princípios e normas, todos estes aspectos garantidores desse processo de sedimentação da responsabilização penal.

O Estatuto de Roma do TPI Permamente, que tem natureza jurídica de tratado, foi aprovado no dia 17 de julho de 1998, por 120 votos, computando-se algumas abstenções. A votação foi um histórico e inequívoco avanço na defesa dos direitos humanos, um aviso para o fim da impunidade e um instrumento, repise-se, de consolidação da responsabilidade penal internacional do indivíduo.

O Brasil é signatário desde 7 de fevereiro de 2000, além de mais 139 Estados, sendo que existem 97 ratificações até o momento conforme divulgado no site da ONU. Com sede em Haia – Holanda (art. 3º do Estatuto), o Tribunal tem personalidade jurídica internacional, dotado de capacidade jurídica para celebrar tratados e passou a ser considerado permanente em 2002 depois que 60 países depositaram suas ratificações com caráter complementar às jurisdições penais internacionais [24].

Pelo Decreto Legislativo n. 112 de 06 de junho de 2002, o Congresso Nacional Brasileiro aprovou o texto do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, tendo o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso promulgado o seu texto por meio do Decreto n. 4388 do mesmo ano.

Em contato com o texto do Estatuto, verifica-se que este disciplina as questões ligadas ao direito penal e processual penal indispensáveis à salvaguarda do devido processo legal. No que concerne ao objetivo deste trabalho, oportuno esclarecer que a parte V regulamenta o modo de investigação e do ajuizamento. A Parte VI trata da fase de julgamento, adotando-se os princípios gerais a este aplicáveis, desde o recebimento da denúncia até a decisão da Câmara de Julgamento. A Parte VII estabelece previsão das penas aplicáveis e sua fixação pelo Tribunal, sem prejuízo de aplicação de penas pelos Estados com adoção de seu ordenamento jurídico doméstico, fazendo menção ainda a um fundo fiduciário para fins de reparação à vítimas dos crimes sob a jurisdição da Corte, ao qual se pode se destinar o valor obtido da cobrança de multa. Já a Parte VIII, com 05 artigos, disciplina a possibilidade recursal.

Há no Estatuto também a inclusão de princípios gerais de direito penal insertos nos arts. 22 a 24 da Parte III, a exemplo do princípio da legalidade, não retroatividade, etc, discorrendo a partir do 25 diretamente sobre a responsabilidade penal individual, elementos de sua intencionalidade, circunstâncias que a excluem etc. O Estatuto de Roma normatiza a atuação do Ministério Público, elenca e define as condutas delitivas de direito internacional.

Em suma, suas regras refletem a inquietação da comunidade internacional, conforme consta de seu preâmbulo, quanto ao combate à impunidade daqueles que violam os direito humanos, cometendo atrocidades a milhões de mulheres, homens e crianças, ameaçando a segurança e a paz na relação entre os povos. Reflete também o desiderato de responsabilizar penalmente tais transgressores, fazendo com que haja efetivação e respeito à justiça internacional. Para tanto, funda um sistema de ataque, prevendo um Ministério Público atuante e forte, sem se afastar, porém, das garantias processuais em estreita obediência ao já mencionado princípio internacionalmente consagrado do due process of law, proporcionando assim investigação – iniciada com base em fundamento razoável -, acusação, defesa, instrução, julgamento e execução legítimos. Conforme aduz Sylvia Helena F. Steiner:

"O sistema de garantias processuais trazidos nos estatutos do Tribunal Penal Internacional autoriza-nos a concluir pela adoção de um modelo garantista. O garantismo penal é fruto da evolução história da humanidade, a partir do momento em que se passa a considerar o suposto criminoso como sujeito de direitos, tutelado pelo Estado, o qual tem por dever garantir o respeito a ele devido, quer na fase pré-processual, quer durante o julgamento, quer após condenado. Como afirma Ferrajoli, o garantismo significa a existência de um conjunto de garantias jurídicas necessárias, à afirmação da responsabilidade penal e para a aplicação da pena. Traduz a legitimidade do poder de punir. Essas garantias foram exatamente as introduzidas pela normativa internacional, vale dizer, as Convenções, especialmente as regionais, de proteção a direito fundamentais." [25]

Ainda neste particular, o TPI distingue-se dos tribunais ad hoc instaurados após as deflagrações de alguns conflitos internacionais, como o de Nuremberg, de Tóquio e dos Tribunais de Ruanda e da Ex-Iugoslávia.

Conforme ressalta Hans-Jörg Behrens:

"As previsões procedimentais do Estatuto de Roma diferem substancialmente das partes procedimentais dos estatutos atinentes ao tribunal para a antiga Iugoslávia e Ruanda, tribunais estes ad hoc, que tiveram de ser estabelecidos de uma maneira extremamente rápida, razão pela qual não foi possível haver tempo hábil para que se procedesse a um trabalho comparativo das leis processuais penais. Sendo assim, a lei processual teve de seguir um dos sistemas já estabelecidos, e o sistema optado foi a da common law [ ...] Durante os estágios preparatórios do Estatuto para o Tribunal Penal Internacional a situação era diferente. Para complementar, as delegações integrantes deste trabalho tiveram a oportunidade de contar com expertos, que poderiam não apenas acrescentar os conhecimentos atinentes aos seus sistemas legais, como também a outros." [26]

De fato, ponto central da Conferência dos plenipotenciários em Roma foi valorizar a questão relativa às regras mínimas de defesa. Procedeu-se então à estreita observância às normas internacionais previstas sobretudo no artigo 14 da Convenção Internacional de Direitos Civis e Políticos. Também os artigos 55 e 67 do Estatuto de Roma delineam de forma completa as regras da investigação e do processo, elencando os direitos do acusado nesses procedimentos. Ainda o artigo 66 traz a presunção da inocência, princípio basilar do direito penal presente em inúmeros textos internacionais de direitos humanos. Em suma, consoante complementa o supramencionado membro da delegação alemã, Hans-Jörg Behrens, ativo participante da Conferência, acerca da seriedade com que se desenvolveram os trabalhos na elaboração do Estatuto:

"[ ...] pode ser aventado que a parte procedimental do estatuto seja, talvez, a sua parte mais ambiciosa. Porém, pode não ser a mais elegante das redações encontradas no cenário internacional, mas, certamente, é um indicativo da compreensão global do que seja um processo justo diante de uma Corte Internacional. Poucas pessoas acreditavam que tal construção seria possível há dez ou mesmo cinco anos." [27]

Feita a transcrição dos artigos relativos à responsabilidade penal individual e os comentários acerca dos aspectos que formam o Estatuto, todos contribuidores para o assentamento daquela responsabilidade no direito internacional penal, importa agora tecer outros argumentos não menos relevantes, a título de reforço e respaldo ao que aqui se ,defende.

Conforme já superficialmente indicado, registrou-se no curso dos julgamentos que tiveram lugar no Tribunal de Nuremberg a consciência de que os crimes contra o direito internacional são cometidos por homens, não por entidades abstratas, e apenas punindo os indivíduos que viessem a perpetrar tais delitos, garantiria-se respeito às leis internacionais. Nesse contexto, o Tribunal Penal Internacional foi concebido como uma Corte permanente, com jurisdição para todos os países membros da Organização das Nações Unidas e para investigar, processar, julgar e punir pessoas, não Estados, isto é, aprecia a responsabilidade penal de pessoas naturais conforme disposição trazida pelos parágrafos 1, 2 e 3 do artigo 25 do Estatuto de Roma, indivíduos estes que tenham cometido crimes graves como o de genocídio, de guerra, contra a humanidade e de agressão, consoante elenco e definição previstos nos artigos 5 a 8 daquele novel instrumento legal internacional.

A certeza da real necessidade de criação de uma Corte Penal Internacional permanente nos moldes já referidos, isto é, para conhecer, processar e julgar os autores de crimes internacionais, consolidando a responsabilidade penal internacional do indivíduo que a comunidade das nações de há muito exigia, foi produto, registre-se, da experiência catastrófica vivida no decorrer das duas guerras mundiais, das infrutíferas Convenções Internacionais que foram feitas na tentativa de exterminar ou reduzir o cometimento dos delitos aqui em estudo e também da constatação de que violações às mais elementares regras de Direito Internacional continuaram a ser praticadas, fazendo reinar crescente impunidade.

Lembra Tarciso Dal Maso Jardim, observador internacional da Conferência de Roma que "desde o fim da Primeira Guerra Mundial pretende-se consagrar a responsabilidade penal internacional, quando o Tratado de Versalhes clamou, sem sucesso, pelo julgamento do Kaiser Wilhelm, por ofensa à moralidade e à inviolabilidade dos tratados, e o Tratado de Sèvres, jamais ratificado, previa a responsabilidade do Governo Otomano pelo massacre dos armênios." [28]

Contribuíram também para a formação dessa opinião – necessidade de criação de um TPI Permanente - as experiências da persecução e punição de crimes internacionais nos Tribunais Especiais criados em Nuremberg, Tóquio, Ex-Iugoslávia e Ruanda. Embora mereçam elogios e tenha trazido avanço, notadamente quanto à necessidade de responsabilização penal da pessoa criminosa, as imperfeições verificadas conduziram à alternativa mais acertada de formação de um Tribunal Internacional Permanente para julgamento de crimes de guerra ou contra a humanidade, formada por juízes togados e experientes no trato com o Direito Internacional e principalmente com o Direito das Guerras.

O processo de consolidação da responsabilidade penal internacional do indivíduo se deu de forma árdua e lenta, sendo que houve e ainda há muitos óbices para o reconhecimento de sua existência, principalmente pelos Estados geridos por aqueles que muito devem perante o direito internacional penal. Entretanto, a corroborar aquela consolidação, as nações que atuaram em desfavor do TPI, representam a minoria. E de fato, conforme aponta Lyal S. Sunga:

"[ ...] .Uma minoria de Delegações pareceu determinada a estreitar o espectro de crimes no Estatuto tanto quanto possível, já que elas não desejam o estabelecimento da Corte em si e, uma vez percebendo que tal objetivo não seria alcançado, buscaram reduzir o quanto possível a operacionalização do Tribunal Penal internacional. Sem embargo, ao final, a vasta maioria das Delegações participantes na Conferência de Roma conseguiu obter a aprovação do tratado em conformidade com propostas mais construtivas. Muitas Delegações desejavam ver os crimes definidos com maior especificidade, coerência e clareza, inserindo-se-lhes os princípios encontrados no direito penal internacional e nos princípios fundamentais do direito penal, tais como nullum crimen sine lege e nulla poena sine lege." [29] (grifo nosso).

A defesa acerca da consolidação da responsabilidade penal internacional do indivíduo, embora tenha sido, como se pôde ver, propositadamente insistente neste trabalho, não se circunscreve ao que já fora dito até aqui, pois é preciso que fique sedimentada a consciência de tal fato já que se apresenta clarividente no cenário jurídico da comunidade das nações. O Estatuto conduz a este processo, configurando, conforme já dito por André de Carvalho Ramo, um novo estágio da responsabilização penal internacional do indivíduo. Refletindo o pensamento que se coaduna com o desenvolvimento desta defesa, aduz o mencionado autor que:

"Esta responsabilidade individual internacional consiste na fixação, pelo direito internacional, dos fatos considerados como típicos, tendo em vista o consenso da comunidade internacional de que tais condutas violam valores essenciais da mesma, que devem ser protegidos através do direito penal.[ ...] Entretanto, a partir da 2ª Guerra Mundial, adicionou-se um novo elemento a esta responsabilidade internacional penal do indivíduo: a persecução criminal de indivíduos agindo em nome de Estados (agentes públicos) e em conformidade com as leis locais" [30]

De fato, até o momento, com a exceção da já mencionada tentativa dos vencedores da 1ª Guerra Mundial de julgar o kaiser Guilherme II e que restou frustrada, as práticas ilícitas dos agentes públicos davam ensejo somente à responsabilização do Estado. O Estatuto do Tribunal Militar de Nuremberg inovou significativamente o tema, introduzindo um conceito revolucionário da responsabilidade individual: os sujeitos ativos da infração podem ser pessoas representando o Estado e agindo em seu nome. Esse novo conceito foi assaz relevante e mesmo essencial para a punição de atos de atrocidade perpetrados com o apoio do aparelho estatal que servia de cobertura para sua larga consecução. Finaliza o autor suso citado que "o Direito Internacional, a partir deste momento, nunca mais seria o mesmo em face da responsabilidade internacional penal dos indivíduos." [31]

Razão assiste ao autor no tocante a inequívoca revolução que fez eclodir no mundo jurídico internacional penal o propalado Tribunal de Nuremberg, notadamente, conforme já dito, no que diz respeito à responsabilização penal internacional da pessoa natural. Cabe, porém, ressalvar que pesam contra este Tribunal Militar as críticas já mencionadas, que não são poucas, superficiais, tampouco infundadas, a exemplo da quebra do princípio da legalidade, imparcialidade, caráter altamente político, julgamento realizado por vencedores contra derrotados etc. Todas elas, entretanto, fazendo-se justiça, não tiram o mérito do Tribunal do pós-guerra de fazer nascer o verdadeiro embrião da responsabilidade penal internacional. Esta que inevitavelmente deve incidir sobre o indivíduo psiquicamente normal, portanto imputável, tomou corpo e verdadeiramente se consolida com o advento do Estatuto de Roma. Novamente suscita Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros oportuna reflexão, aduzindo que:

"Uma das principais qualidades do Estatuto reside na afirmação do princípio da responsabilidade penal de indivíduos pela prática de delitos contra o Direito Internacional[ ...] O Estatuto de Roma agrega, porém, um contexto surpreendente. Pela primeira vez às definições dos crimes, um tratado internacional acrescenta princípios gerais de Direito Penal e claras regras de Processo Criminal. Esse acréscimo supre lacuna das Convenções de Genebra de 1949, sempre criticadas por terem dado muito pouca atenção às normas substantivas e adjetivas da Ciência Jurídica Penal." [32]

Indubitavelmente, o Estatuto de Roma é um instrumento internacional que, embora contenha imperfeições, está a salvo da avalanche de críticas que solaparam os tribunais militares e ad hoc que o precederam vez que construído de forma árdua, séria e com observância dos princípios basilares do direito penal material e instrumental presentes em todos os sistemas de direito.

Nas acertadas palavras do especialista em direito internacional, Tarciso Dal Maso Jardim: "(...) a personalidade jurídica internacional do indivíduo já é realidade. Contudo, o projeto da Corte Criminal Internacional Permanente pode significar a consagração dessa personalidade, já que, ao contrário dos demais tribunais criminais internacionais, esse será uma instituição permanente com pretensões de universalizar a responsabilidade penal." [33]

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Sobre o autor
Tony Gean Barbosa de Castro

Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília-Unb. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Brasília - UniCeub. Delegado de Polícia Federal e Professor de Direitos Humanos na Academia Nacional de Polícia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO, Tony Gean Barbosa. Consolidação da responsabilidade penal internacional do indivíduo com o advento do Tribunal Penal Internacional permanente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 639, 8 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6565. Acesso em: 22 dez. 2024.

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