Filiação no ordenamento jurídico brasileiro

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27/04/2018 às 10:32
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2 AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE

No Direito Brasileiro, a investigação de paternidade só surgiu no projeto Bevilácqua, presente no artigo 363 do Código Civil de 1916.

Antes de 1916, a investigação de paternidade era terminantemente proibida. Por volta do século XVII, os juristas começaram a admitir a prova da paternidade ilegítima por diversos meios, inclusive pelo juramento da mãe, perante autoridades e pela confissão expressa e espontânea do pai. Nessa época, tal procedimento era chamado “reconhecimento forçado da filiação”. Na atualidade, esse processo visa à declaração judicial de vínculo paternal, no qual figuram, no pólo ativo da demanda, o nascituro, o filho ou o Ministério Público e no pólo passivo, os pais ou herdeiros consoante os dizeres do Estatuto da Criança e do Adolescente

Constitui-se uma Ação de Estado por excelência, visto que se encontra o filho numa situação juridicamente indeterminada, no aguardo da pronúncia estatal, a qual declarará o seu efetivo status no seio familiar. Como decorrente do estado de família, é uma ação intransmissível, imprescritível, irrenunciável e personalíssima. Trata-se de ação de estado, como já explícito anteriormente, porquanto o indivíduo encontra-se numa situação jurídica indeterminada, sem status familiae.

Enfatiza-se que a investigação de paternidade sempre mereceu especial atenção da Justiça. Vários métodos foram empregados para obtenção de dados que sugerissem a hipótese da paternidade, mas somente no século passado foi possível o estudo científico dessa matéria, o que foi feito através dos primeiros marcadores genéticos.

A descoberta do sistema ABO (1901) foi o marco inicial no sentido de prova na investigação de paternidade. Esse sistema, juntamente com outros (Rh, Mn, Ss Duuffy, Kidd), compõem os marcadores eritrocitários e recebem tal denominação por serem estudados nos glóbulos vermelhos do sangue. Depois, outro marco importante foi o sistema HLA (1952), por meio de estudos dos glóbulos brancos do corpo humano. Na atualidade, o mais completo de todos os sistemas é o estudo de regiões específicas do DNA (1985). Com ele, completou-se o conjunto de todas as provas destinadas a determinar o vínculo genético. O ácido desoxirribonucléico constitui-se na sede de todas as informações genéticas que herdamos de nossos pais e transmitimos aos nossos filhos.

O exame de HLA, muito utilizado no passado e ainda hoje, quando não se dispõe da moderna tecnologia do DNA, vem sendo rapidamente substituído pelo de DNA, nos últimos anos.

O próprio custo do exame de DNA já é igual ao do exame de HLA, em vários laboratórios. O uso do sistema HLA em testes de paternidade possui em duas limitações: a primeira refere-se ao seu baixo poder de exclusão quando comparado ao DNA; a segunda limitação é que o HLA, nos casos em que este exame não demonstra exclusão de paternidade, não consegue atribuir a paternidade, ou seja, afirmar que aquele individuo é o pai biológico, e mais nenhum outro da população.

Não há limite de idade para a análise de DNA. Pode ser efetuado em bebês, recém-nascidos ou ainda durante a gravidez. O exame em DNA pode ser feito com sangue tirado há semanas, meses, ou até mesmo anos. Isto porque o DNA é uma molécula estável que pode ser extraída e congelada por períodos prolongados, dando maior flexibilidade ao exame. Permite, também, fazer o teste na ausência de pessoas-chave como, por exemplo, a mãe e o próprio suposto pai.

 Com o avanço da biologia genética, a análise em DNA evidencia-se o teste de paternidade mais preciso, completo e eficaz, possível, atualmente. A chance do teste em DNA por P. C. R detectar um homem que esteja falsamente acusado de ser o pai biológico é superior a 99, 999%.

A esse avanço científico-tecnológico convencionou-se chamar de Medicina Genética e o cerne de todas essas mudanças está assentado na molécula de DNA, uma proteína que confere traços hereditários a cada indivíduo. Descoberto na segunda metade do século XX, dez anos depois, em 1953, o biólogo norte-americano Jonas Watson e o físico inglês Francis Crick, revelaram a estrutura do DNA

 No entanto, é imprescindível que se tenha uma série de controles da qualidade do exame, desde a etapa de identificação dos indivíduos, até a elaboração e entrega do laudo.

Esse procedimento cauteloso é realizado como mais um controle para evitar trocas de amostras, seja na coleta, ou na remessa do material ao laboratório que fará a parte analítica.

O padrão de DNA de um individuo não é alterado por drogas, álcool, medicamentos, alimentos, idade ou modo de vida. Também não há necessidade de jejum, nem mudanças na rotina.

De uma maneira geral, os operadores do direito deparam-se com esses procedimentos na busca de soluções de crimes ou casos de investigação de paternidade.

Antes, os outros métodos somente podiam concluir quem não era o pai verdadeiro (exclusão de paternidade); hoje com DNA, por exemplo, pode-se afirmar a possibilidade que o indivíduo é o pai de uma criança (inclusão de paternidade).

Fonseca (1958, p.168) prenunciava uma inclinação em defesa dos filhos, os quais, dizia, não tinham nenhuma culpa pelo envolvimento espúrio de seus pais, entendendo devesse lhes ser assegurada a investigação da sua paternidade, desde que condicionada a uma prova robusta.

Os meios de prova na ação de investigação de paternidade

Conforme preceitua Simas Filho (1996, p.54) “prova é a demonstração da verdade dos fatos, pertinentes e controvertidos, em que se fundamenta a ação ou a resposta. Prova não é meio; é resultado”.

Art 332: “Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados nesse código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que funda a ação da defesa”.

A Constituição Federal de 1988 também não relegou o tema, dizendo no artigo 5°, LVI, o seguinte: “São admissíveis no processo as provas obtidas por meios lícitos”.

Desse modo, há de se concluir que todos os meios legais, como ainda os moralmente legítimos, ainda que não especificados na lei, são instrumentos capazes de provar a verdade dos fatos, em que funda a ação da defesa.

Transcrevem-se alguns aspectos e passagens do voto do Min. Francisco Rezek.

Provas documental e testemunhal são quase sempre impossíveis. No campo pericial o desenvolvimento científico facilita a busca da verdade, mas obstáculos como a recusa à submissão ao exame podem ocorrer. Deve o julgador saber valorar com os demais elementos de prova, a insubordinação. A recusa mesma induz à presunção de paternidade, facilitando o desfecho da demanda, mas resolvendo de modo insatisfatório o tema da identidade do investigante.

Prova documental

Propositalmente, iniciar-se-á pela prova através de documentos. Isso porque passar-se-á a analisar o meio de prova de maior valor, antes, é claro, da evolução da prova através do exame de DNA. A relevância da descoberta da prova genética, no entanto, não significa dizer que a prova documental tenha perdido a sua nobreza, porque continua sendo a própria declaração de vontade, expressa de forma escrita, porquanto há manifestação de vontade inequívoca, comprovadamente produzida pelo suposto pai, que assume a paternidade do autor. Mostra-se incabível, em princípio, deferimento de prova pericial pela parte contrária.

Segundo Lopes (1999, p. 102), “documento é toda representação de um fato ou de um ato”. Theodoro Júnior (1999, p. 444), por sua vez, conceitua documento como “o resultado de uma obra humana que tenha por objetivo fixação ou retratação material de algum acontecimento”.

São vários os documentos passíveis de utilização em juízo, entre eles: declarações, cartas, cartões de aniversário, bilhetes, emails ou telegramas enviados pelo suposto pai à mãe do investigante que evidenciem ter havido relacionamento íntimo entre ambos, coincidir a época da concepção. Esses constituem instrumentos valiosos na instrução da causa.

Prova testemunhal

Esse meio surge quando se faz necessária a presença de pessoas, que não as partes conhecedoras dos fatos. Nesse momento do processo, as testemunhas vêm à juízo e relatam tudo aquilo que lembram; por isso, muitos estudiosos dizem que a prova testemunhal é a mais falível entre todas as outras.

Consiste na acolhida pelo juiz, com reserva, pelo fato de se deixarem as testemunhas influenciar pela amizade. Como qualquer situação fática, a paternidade pode ser provada por testemunhas. O valor da prova testemunhal também é relativo. As testemunhas, nesse caso, pela natureza do fato a ser provado, fazem parte do círculo de convivência e amizade das partes, podendo ser suas declarações influenciadas por essas relações. Além disso, a paternidade é fato biológico, devendo ser comprovada por meios capazes de verificar essa vinculação.

Na definição de Lopes (1999, p. 131), “é a que é produzida mediante inquirição de pessoas estranhas ao processo, que têm conhecimento dos fatos ou atos já demonstração interessa à solução da causa”.

As testemunhas têm como função reproduzir os acontecimentos que ficaram presentes em suas memórias, sempre através de depoimento oral, na presença do juiz e das partes.

Cabe ressaltar que as relações sexuais ocorrem, em, geral de forma secreta, reservada; não comportam, pois, prova direta. Beccaria ensinava que “a testemunha diz a verdade, quando não tem interesse de mentir”.

Apesar de ser o meio de prova mais antigo e mais utilizado pela justiça, a grande maioria dos litígios não pode ser solucionado exclusivamente através do testemunho. O maior exemplo dessa situação é exatamente nos casos de investigação de paternidade, nos quais não se pode admitir que a declaração de estado de filho seja baseada unicamente em testemunhos, ante à existência de provas mais confiáveis, como a pericial.

No entanto, as testemunhas, muitas vezes, são peças fundamentais para solucionar inúmeros litígios deduzidos em juízo.

EXAME DE SANGUE: adequado para excluir a paternidade, se o filho e o pretenso pai pertencerem a diversos grupos sanguíneos. É prova negativa; portanto, só serve para excluir a paternidade.

EXAME PROSOPOGRÁFICO: consiste na ampliação de fotografias do investigante e do investigado, justapondo-se uma a outra, inserindo alguma das partes de uma na outra (nariz, olhos, orelha, raiz do cabelo). Verifica-se a semelhança física entre o investigante e o investigado, realizada pela justaposição de fotografias por corte longitudinais e transversais. Esse meio de prova também é fraco, não autorizando à certeza quanto à paternidade, pois pessoas que não possuem relação de parentesco alguma podem ser fisicamente semelhantes.

Lembra-se que Posse de estado de filho é a situação de fato estabelecida entre o pretenso pai e o investigante, capaz de revelar tal parentesco, desde que o filho use o nome do investigado, receba tratamento como filho e goze do conceito do suposto pai (fama).

Perda do caráter investigatório da Ação de Conhecimento de Paternidade

Em épocas passadas, o Judiciário não dispunha de métodos científicos capazes de identificar, com certeza, a paternidade. Assim, restava ao julgador a análise minuciosa das provas contidas nos autos, tais como, documental e, principalmente, testemunhal.

Com a criação e desenvolvimento do exame de DNA, a Investigação de Paternidade perdeu a natureza investigatória. Note-se nos casos em que os juízes deferem a produção probatória, através do exame de DNA.

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Utilizando-se dos artifícios tecnológicos, como o exame de DNA para verificação correta e exata de vínculo paternal, o Judiciário economiza muito tempo e dinheiro para os cofres públicos. Da produção de provas pelo exame de DNA, na investigação de paternidade, utilizando-se, caso necessário, da coação estatal, restará desembaraçado o judiciário, pois verificar-se-á que as decisões de mérito na Ação de Investigação e Paternidade serão oriundas da mera recepção do Exame de DNA. Então, ficam as ações judiciais, restritas a uma declaração judicial, sem necessidade de grandes dilações probatórias.

O fato é que no Direito Processual Civil Brasileiro inexiste hierarquia entre as provas; portanto, se a parte apresentar somente a referida prova pericial, corre o risco do magistrado rechaçá-la e considerar as outras provas constantes dos autos para alicerçar sua decisão.

Faz-se correta a asserção segundo a qual só deve haver o julgamento do mérito nas aludidas ações, quando esgotados todos os meios probatórios na fase de instrução processual, eis que a sentença de mérito nessas ações é extremamente séria, já que envolve o direito natural, constitucional e indisponível da personalidade. Isso se constitui um verdadeiro óbice ao reconhecimento da paternidade, alicerçado somente na verdade formal. Diante disso, o juiz deve determinar todas as provas necessárias a sua própria convicção para calçar sua sentença sempre na verdade material. Evitará, dessa maneira, decisões que frustrem outros direitos.

A coisa julgada nas Ações de Investigação de Paternidade

Um dos principais escopos do Estado consiste na solução de conflitos de interesses existentes na sociedade.

Tal tema versa, principalmente, sobre a desconcórdia que pode ocorrer entre princípios da necessidade social da definitividade das decisões judiciais e os princípios da dignidade e da personalidade, quando do julgamento de uma ação de investigatória de paternidade. Isto é, tratar-se-á mais especificamente da possibilidade de relativização do instituto jurídico da res judicata.

Conforme ensina Theodoro Junior (2000, p. 463):

A diferença entre a coisa julgada material e formal é apenas de grau de um mesmo fenômeno. Ambas decorrem da impossibilidade de interposição de recurso contra sentença.

Na investigação de paternidade, os magistrados devem valer-se dos avanços científicos da perícia genética, para tentarem atingir a verdade material, posto que esta ação envolve questões de cunho psicológico, além de vários direitos tutelados constitucionalmente.

Mesmo quando estiverem presentes todos os requisitos necessários, as sentenças prolatadas nas mencionadas ações devem ter a força de sua coisa julgada, relativizada.

Essa assertiva procede devido ao fato de que, apesar da coisa julgada existir para suprir a necessidade social da definitividade das decisões, há algumas eivadas de equívocos. Esse direito está em um plano mais elevado na escala normativa, qual seja, o direito do indivíduo saber sobre sua ascendência ou descendência biológica.

Sem dúvida, se for atribuída a determinada pessoa uma paternidade que não é a sua, esse indivíduo pode sofrer danos morais e materiais irreversíveis. Deve-se, pois, dar a ele a oportunidade de impugnação da sentença a qualquer tempo, visto que, além de tratar-se de direitos imprescritíveis, é matéria de ordem pública. Então, o formalismo do processo não deve ser obstáculo para se buscar a verdade real, devendo sim, ser flexibilizada a força da coisa julgada, em nome dos valores mais altos, isto é, aqueles que dão direito do indivíduo saber quem são os seus ancestrais e descendentes biológicos.

A segurança jurídica não pode ser óbice à verdade, sob pena de se criarem ficções jurídicas absurdas, prejudicando as partes, bem como toda a sociedade, posto que uma sentença equivocada ou alicerçada em fatos inverídicos poderia gerar direitos e obrigações sucessórias, negociais e familiares para duas pessoas que não têm, na realidade, nenhum laço familiar.

Configurada a colisão entre o direito à segurança jurídica, decorrente da coisa julgada e os direitos fundamentais da personalidade e dignidade, devem prevalecer os dois últimos, eis que se a coisa julgada for considerada um direito fundamental absoluto, estar-se-á destruindo por completo o direito ao respeito e à convivência familiar.

Nas ações em que a paternidade não foi declarada por ausência de provas, antes da possibilidade da realização do teste do DNA e que a ação rescisória já não possa mais ser proposta, é que surgem divergências sobre a possibilidade da propositura de uma nova demanda.

Os que negam essa possibilidade defendem, principalmente, a segurança jurídica trazida pela coisa julgada, fundamentando a impossibilidade de julgamento da nova ação pelo disposto no art. 5°, da Constituição Federal e no art. 471 do Código de Processo Civil. Para essa corrente, o valor preponderante é a estabilidade trazida pela coisa julgada, não interessando o surgimento de novo meio de prova. Essa corrente é majoritária.

Outra parte da doutrina entende ser possível a propositura de uma nova ação de investigação de paternidade, com base, agora, no exame de DNA. O fundamento principal dessa corrente está ligado à prevalência da verdade real sobre a verdade formal.

Nesse sentido Almeida (2001, p.98-99) aduz que:

[... ] há a possibilidade de revisar um julgado no qual não se tenha utilizado do critério cientifico na apuração da verdade para torná-lo cientificamente seguro, isto porque a sentença proferida pode, ou não, coincidir com a verdade real, dada a sua estabilidade jurídica como furto da persuasão íntima do julgador, e não uma convicção cientifica.

Salienta-se não ser o instituto da coisa julgada enfoque central desse trabalho, porém admitindo-se a relevância do exame de DNA em diversos ordenamentos do direito de família, e, conseqüentemente, do direito processual, justifica-se a breve explanação acima.

Confissão, presunção e indícios

A respeito dessa matéria, todas as ações de estado (filiação, estado civil, investigação de paternidade, etc. ), que objetivam a alteração, não admitem a confissão pela parte demandada, conforme proibição expressa no artigo 351 do Código de Processo Civil: “Não vale como confissão a admissão, em juízo, de fatos relativos a direitos indisponíveis”.

A presunção que interessa, nesse momento, é a legal, isto é, aquela estabelecida pela própria lei, a qual se subdivide em absoluta e condicional. A primeira é a conseqüência que a lei deduz, de forma expressa, de certos atos ou fatos, desinteressando a existência de prova em contrário (juris et jure). Quanto à presunção condicional, pode-se dizer que é aquela em que o ato ou fato são verdadeiros, até que se prove ao contrário (juris tantum).

Com relação à investigação de paternidade, a aplicabilidade desses conceitos aparece, principalmente, naqueles casos em que o pai não aceita se submeter à perícia através do exame de DNA.

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Sobre a autora
Verônica Bettin Scaglioni

Graduada em Bacharel em Direito pela Ucpel, Pós Graduada em Direito Público pela Uniderp. Advogada. Pós graduanda em Direito do Trabalho pelo Centro Universitário Uninter.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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