Capa da publicação Estatuto da pessoa com deficiência e suas implicações no sistema de incapacidades

Estatuto da Pessoa com Deficiência e suas implicações no sistema de incapacidades

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3 METODOLOGIA

Conforme Marconi e Lakatos (1992, p. 31), método é o conjunto das atividades sistemáticas e racionais que, com maior segurança e economia, permite alcançar o objetivo - conhecimentos válidos e verdadeiros -, traçando o caminho a ser seguido, detectando erros e auxiliando as decisões do cientista.

Para constituição deste artigo optamos pelas pesquisas descritiva e bibliográfica.

De acordo com Vergara (1998, p. 45), a pesquisa descritiva expõe características de determinada população. Este tipo de pesquisa tem a possibilidade de estabelecer correlações entre variáveis e definir sua natureza. “Não tem compromisso de explicar os fenômenos que descreve, embora sirva de base para tal explicação. Pesquisa de opinião insere-se nessa classificação”.

Segundo Marconi e Lakatos (1992, p. 43-44), a pesquisa bibliográfica é o levantamento de toda a bibliografia já publicada, em forma de livros, revistas, publicações avulsas e imprensa escrita. Sua finalidade é fazer com que o pesquisador entre em contato direto com todo o material escrito sobre um determinado tema, auxiliando na análise de suas pesquisas ou na manipulação de suas informações. Ela pode ser considerada como o primeiro passo de toda a pesquisa científica.


4 DISCUSSÃO

De acordo com a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, “A deficiência não é o resultado da lesão de determinada pessoa, mas a interação entre o indivíduo que possui lesão no corpo com as formas constituídas socialmente de representá-lo e agir para e com ele”. (MENDONÇA NETO; CHAVEIRO, 2010, p. 2).

Neste sentido, trazemos para o debate, o arts. 6º e 84 da Lei no 13.146/2015. O art. 6º afirma que os deficientes são plenamente capazes, capacidade esta, reforçada no art. 84, §§ 2º, 3º, mas determina, por exemplo, em menor tempo possível, a curatela. Se o deficiente necessita de ser apoiado por pessoas idôneas de sua confiança para gerir a tomada de decisão dos atos civis, como este grupo pode ser considerado de plena capacidade civil?


5 CONCLUSÃO

Nos dias anteriores ao século XXI, a deficiência do indivíduo era marcada pela exclusão, extermínio e abandono e essa atitude não representava um problema de natureza ética ou moral. Ser deficiente significava um estereótipo do desvio e enquadramento no grupo das marginalidades produzidas pela ideologia dominante que enxergava no ser humano desfavorecido, um modo de produção em escala, lucro e nesse universo o deficiente não agregava nenhum valor.

No Brasil, em 1988, com a promulgação da Constituição Federal, as pessoas com deficiência passaram a ser percebidas com outro olhar, passando a serem sujeitos de direito, dignidade e igualdade. O deficiente que não era percebido pelo Estado e a sociedade como um ser humano digno de respeito, passou a ter direito constitucional assegurado como forma de ter resguardado o seu valor humano.

Em 2002, com a promulgação do Código Civil, foram elencadas em sua redação que todos os cidadãos brasileiros são capazes de direitos e deveres na ordem civil, exceções feitas aos relativamente e absolutamente incapazes.

Em janeiro 2016, entrou em vigor a Lei nº 13.146/2015, Estatuto da Pessoa com Deficiência, que modificou o rol das incapacidades previsto nos artigos 3º e 4º do Código Civil de 2002, definindo os deficientes mentais como capazes.

Trazemos à luz a indagação feita na introdução deste artigo, “será que esta alteração na Lei no 13.146/2015 realmente trouxe benefícios para as pessoas com transtorno mental?”.

Diante do notável avanço legislativo para a proteção do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, os deficientes conseguiram conquistar a sua igualdade de direitos e deveres em relação àqueles não deficientes.

Todavia, ao reformular os artigos 3º e 4º do Código Civil, o Estatuto da Pessoa com Deficiência acabou desprotegendo exatamente as pessoas que deveria resguardar, ao praticamente extinguir o sistema de proteção dos incapazes.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência reconhece a validade de negócios jurídicos celebrados pela pessoa com deficiência, desde os mais simples, como uma compra e venda de bem móvel, até os mais complexos, como a aquisição de um automóvel por contrato de leasing mediante alienação fiduciária em garantia.

Para fins penais, destaca-se que a lei reconhece a inimputabilidade do sujeito que, por doença mental ou desenvolvimento incompleto ou retardado, seja inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento; portanto, qualquer que seja o delito praticado por esse sujeito, a lei o isentará de pena.

A pessoa com deficiência mental, segundo a Lei Brasileira de Inclusão, passa a ser plenamente capaz de praticar todos os atos da vida civil, contudo, essa mesma pessoa com deficiência mental, para fins penais, permanece inimputável por não entender o caráter ilícito da conduta penal. Essa antinomia interfere na harmonia que existia entre os dois institutos. Dessa forma os Códigos Civil e Penal não comungam a mesma leitura de capacidade ou incapacidade do que seja uma pessoa deficiente intelectual.

Em síntese, o objetivo principal da Lei nº 13.146/2015 é a proteção das pessoas com deficiência, que tentou homenagear os deficientes com mais liberdade de escolha e igualdade formal com as demais pessoas. Entretanto, retirou uma proteção das pessoas com deficiência mental, que não possuem aptidão para se autodeterminarem, quando as removeu do sistema de incapacidades, tornando improvável a igualdade material.

Por ser um tema dotado de vasta amplitude, este artigo não esgota em si mesmo. Propõe-se que em futuras pesquisas, sobre este assunto, novamente seja explorado para investigar na jurisprudência se os resultados trazidos pela Lei no 13.146/2015 criaram realmente a garantia do bem estar, tanto para os deficientes, quanto pela conscientização do Estado e da sociedade que conferirá essa a população a dignidade, a igualdade e o respeito, sem a força da Lei obrigando o que deveria ser natural.


REFERÊNCIAS

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Sobre os autores
René Vial

Possui graduação em Direito (2003), mestrado em Direito Internacional e Comunitário (2006) e especialização em Gestão de Instituições de Ensino Superior (2016). Atualmente é doutorando em Direito Privado, professor de graduação da Faculdade Kennedy de Minas Gerais e de pós-graduação do Instituto de Educação Continuada da PUC Minas. Tem experiência na área jurídica, atuando principalmente nos seguintes temas: direito civil, direito constitucional, direitos humanos e direito internacional.

Fillipe Eduardo de Barros Roela

Fillipe Eduardo de Barros Roela, principal autor dessa obra, é bacharel em Direito pela Faculdade Kennedy de Minas Gerais.

Informações sobre o texto

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