Mediação de conflitos tributários não exequíveis: Limites e possibilidades

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22/05/2018 às 11:10
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O presente artigo tem como escopo estudar a possibilidade e os limites da utilização da mediação como forma de extinguir os conflitos tributários não executáveis em razão de o valor ser igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

  Resumo:O presente artigo tem como escopo estudar a possibilidade e os limites da utilização da mediação como forma de extinguir os conflitos tributários não executáveis em razão de o valor ser igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), conforme estabelece a Portaria do Ministério da Fazenda nº 75, de 22.3.2012, utilizando-se da revisão de literatura como metodologia de pesquisa. A proposta surge diante de um contexto de crise no Poder Judiciário. Tal crise pode ser comprovada com a elevada média de tempo para resolução de conflitos levados ao judiciário, sendo as execuções fiscais responsáveis por mais de 1/3 dos processos sem resolução. Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015 os meios autocompositivos de resolução de controvérsia ganharam destaque. Assim buscou-se demonstrar as possibilidades e os limites da instituição da mediação, trazendo seus benefícios e limites na obtenção de soluções do conflito tributário, principalmente daqueles que não podem ser executados em razão do valor ser igual ou inferior ao estipulado pela Portaria do Ministério da Fazenda nº 75/2012.

Palavras-chave: Conflito tributário; Transação; Meios alternativos e Mediação.

Abstract:This article aims to study possibility and limits of using mediation to extinguish tributary conflicts not executables due to the amount being R$ 20,000.00 (twenty thousand Reais) or less, as established by ordinance of Ministry of Finance n° 75, from 3.22.2012. Literature review is used as research methodology. A proposal rises in midst of a context of crisis in the Judicial Branch. Such crisis can be assured by high average of time used to resolve conflicts brought to judiciary, being that tax execution are 1/3 of non resolved processes. With the beginning of a new Civil Procedure Code, self help means of dispute resolution have gained prominence. Thus, the aim was to demonstrate the possibilities and limits of the institution of mediation, bringing its benefits and limits in obtaining solutions to the tax conflict, especially those that cannot be executed because the value is same or inferior to the stipulated by ordinance of Ministry of Finance n° 75, of 2012.

Keywords: Tributary conflict; Transaction; Alternative Means and Mediation.


1  INTRODUÇÃO

O tema a ser estudado neste artigo é o uso da mediação como método eficaz para resolução de conflitos tributários não exequíveis em razão do valor do crédito tributário ser igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

Analisando que os conflitos tributários tem uma amplitude de conflitos, faz-se necessário demarcar o objeto deste artigo, aos conflitos tributários de natureza fiscal, ou seja que tenham o crédito tributário como objeto do conflito, desde que essa divergência não ultrapasse o valor consolidado pela Portaria 75/2012 do Ministério da Fazenda como requisito necessário para o ajuizamento de execuções fiscais e, que figure de um lado o particular e de outro a União.

Este artigo tem por objetivo comum estudar a adoção da mediação como um instrumento de solução veloz, eficaz e menos onerosas em conflitos tributários. Por objetivos específicos busca-se: I- avaliar os componentes do conflito tributário e do alto nível de congestionamento do poder judiciário; II – identificar os múltiplos tipos de solução de controvérsias, em especiais os autocompositivos; III considerar as possibilidades e limites do emprego de métodos autocompositivoss na resolução de conflitos tributários; e IV propor a adoção da mediação como forma de resolução de controvérsias de natureza tributária.

 Perante dos problemas correlacionados ao tema, os quais serão abordados no decorrer deste artigo, busca-se responder as seguintes indagações: I – O principio da legalidade tributária evita a adoção da mediação na solução de litígios tributários quando uma das partes é o Estado?; II – há incompatibilidade entre o uso da mediação nas divergências tributárias e o principio da indisponibilidade do interesse publico?; III - qual será o impacto da utilização da mediação na resolução de controvérsias de natureza tributária?

Ao final do presente artigo, busca-se compreender a seguinte possibilidade: a adoção do método autocompositivo da mediação na solução de polêmicas de natureza tributária trará benfeitorias a ambas às partes, tanto ao Estado quanto ao contribuinte, considerando: que haverá uma redução no congestionamento judicial, à melhoria da ideia tida em relação à Administração Pública, a eficiência na cobrança do crédito tributário, através da agilidade e diminuição de custos.

Para tanto, o presente artigo utilizou-se da revisão literária como metodologia de pesquisa, principalmente, de artigos científicos que versam sobre a transação tributária como modalidade de solução do conflito tributário, e a adoção da mediação como procedimento para resolução de conflitos.


2 DIFICULDADE DOS MEIOS ALTERNATIVOS PARA RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS TRIBUTÁRIOS

Um estudo mais aprofundado a respeito do conflito tributário, com suas possiblidades e limites, demandaria uma apuração mais entranhada da vasta dogmática relativa aos meios extrajudiciais de resolução de disputas tributárias. A literatura referente ao tema da mediação tributária ainda é moderada, exposta basicamente em artigos acadêmicos e comentários à legislação. Portanto, no presente capítulo trataremos das principais dificuldades para utilização dos meios extrajudiciais para resolução das divergências tributárias.

 

2.1 CONFLITO TRIBUTÁRIO

Ao se tratar de conflito tributário, Oliveira (2016), acompanha posição doutrinária que é possível identificar, dimensionar e estudar conflitos jurídicos tributários, de modo a afirmar que o conflito tributário existe. Para Valente (2016), o conflito tributário decorre do fato de que a administração Tributária visa arrecadar cada vez mais e o contribuinte em busca de pagar o mínimo possível.

Segundo Oliveira (2016), a principal razão do conflito tributário é a dinâmica da legislação tributária, que a todo tempo sofre alterações e ajustes, o que acarreta o incremento da pressão sobre os administrados. Tal pressão muitas vezes ocorre devido a tentativa de aumentar a arrecadação e diminuir a evasão de tributos.

Buscando compreender o objeto do conflito tributário, o autor explica que esse choque de interesses tributário ultrapassa a relação jurídica baseada apenas na obrigação tributária, ou seja, vai além do crédito tributário. Nesse mesmo sentido, o autor assevera que todas as relações que decorrem de normas jurídicas baseadas no fenômeno da tributação, são capazes de gerar divergências de interesses, sendo elas jurídicas ou não.

Referida litigiosidade é visível em nosso ordenamento jurídico, muito por causa da cultura que se adotou no Brasil, de fomentar a litigância em qualquer conflito, independente, de sua natureza, por mais ínfima que seja a divergência (NEPONUCENO, 2015). Tal mentalidade se deve principalmente ao meio acadêmico, que não estimula e capacita os graduandos na busca por métodos de resolução dos conflitos que sejam mais eficientes que os métodos contenciosos.

Para Volpi (2011), a cultura brasileira prefere que o Estado substitua a vontade das partes, utilizando a “ameaça” de se ingressar no judiciário como meio de negociação, visando uma resolução consensual dos conflitos. Vale ressaltar, que a Constituição Federal de 1988, segue vetor contrário à cultura da litigiosidade, estabelecendo em seu preâmbulo, o privilégio aos métodos de solução de conflitos mais pacíficos possível, vejamos:

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.” (BRASIL, 1988 grifo do autor)

Porém, os números mostram que a busca por soluções pacíficas ainda é mais uma expectativa legislativa do que o produto de ações concretas, principalmente quando se trata de matéria tributária. Segundo dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) as execuções fiscais, cobranças compulsórias realizadas pelos meios judiciais, representam 39% do total de casos judiciais pendentes em 2015.

Para Conceição (2016) os dados apresentados pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ demonstram que o processo executivo no Brasil não tem efetividade, ou seja, não alcança seu objetivo, a recuperação do crédito tributário, de modo satisfatório. Consoante dados do CNJ nas três esferas do governo os processos tributários são morosos, essencialmente pelo excessivo número de ações em tramitação na Justiça.

De acordo com a autora, é necessário uma análise sobre a efetividade dos  meios oferecidos pelo Estado para resolução das controvérsias tributárias no judiciário, investigando como as atuais normas processuais podem ajudar nas soluções das divergências.

Nesse sentido, Nepomuceno (2015), reconhece que o atual sistema jurisdicional, é incapaz de atender a todos os pleitos judiciais em um tempo apropriado, o que impulsiona o litígio, além de incentivar a inadimplência por parte de seus jurisdicionados. Para o autor se não existir outros meios para a resolução do conflito de maneira efetiva, corre-se o risco das demandas judiciais fracassarem no seu objetivo que é a arrecadação dos créditos fiscais.

Seguindo esse entendimento e diante da “falência” do meio litigioso, questiona-se o porquê de não se eleger uma possibilidade de solução do conflito tributário que, ao mesmo tempo, seja incontestável e realize seu principal objetivo que é o recolhimento do crédito tributário e consequentemente aproximação entre Estado e Sociedade.

2.2 LIMITAÇÕES AO PODER DE TRIBUTAR E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Além da cultura brasileira da litigância, outro fator preponderante para pouca utilização dos meios extrajudiciais de resolução dos conflitos se deve ao sistema tributário brasileiro ser vigorosamente constitucionalizado. Devido a esta constitucionalização do direito tributário, o mesmo, é tutelado por princípios e garantias.

Para Valente (2016), além das questões culturais, a utilização dos meios alternativos para solução das controvérsias tributárias, utilizando-se da transação tributária, muitos são os obstáculos teóricos a serem superados. Dentre esses obstáculos estão os princípios constitucionais: indisponibilidade do interesse público, princípio da legalidade e o da segurança jurídica.

Segundo Conceição (2016), a separação entre o direito público e privado perdeu a importância, tendo em vista que cada dia mais, os elementos normativos de um tem se aplicado ao outro.

Por outro lado, para Valente (2016), os direitos individuais dos administrados não podem servir como fundamento para que a Administração Tributária não utilize sua competência de arrecadar os tributos para satisfação dos interesses públicos primários, ou seja, deve haver a supremacia do interesse público em face dos interesses particulares.

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Como destaca Mello (2010) o interesse público deve ser conceituado:

“como o interesse resultante do conjunto dos interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de membros da sociedade e pelo simples fato de o serem [...] o interesse público é uma faceta dos interesses individuais, sua faceta coletiva, e, pois, que é, também, indiscutivelmente, um interesse dos vários membros do corpo social.” (MELLO, 2010, p. 61)

  Segundo Conceição (2016), em certas ocasiões o interesse da administração será divergente do interesse da coletividade que a mesma representa. Devido a este desentendimento de interesses, o Estado deve conceder uma análise adequada ao conflito.  Não podendo o interesse público ser considerado absolutamente indisponível, tendo em vista, que o mesmo deve ser contraposto ao interesse privado.

Neste sentido, Ávila (2001), não nega a importância do interesse público, entretanto, defende uma ponderação em referência ao interesse privado, mesmo em casos em que à administração deva atuar de forma específica e restrita.

Di Pietro (2013) assinala que a administração deve aplicar a lei, no exercício da função administrativa, da mesma forma que o principio do interesse público, inspira o legislador ao editar normas de direito público.

Em se tratando de direito tributário, o bem jurídico que interessa à administração é o crédito tributário, ou seja, o tributo consoante estabelece o artigo 3º{C}[1]{C} do Código Tributário Nacional – CTN.

Tendo conhecimento do bem jurídico que representa o interesse público nos conflitos tributários, e sabendo que a efetivação deste, influencia diretamente no patrimônio do administrado, é que se observa a necessidade da lei, agindo de forma garantista, para conter a intensidade fiscal do Estado.

Por esse ângulo, Conceição (2016) fundamenta que as receitas tributárias são destinadas à sociedade, através do custeio de necessidades primárias da coletividade, relacionada em promover à saúde, educação e assistência social. Afirmando que, o crédito tributário, não deixa de ser um interesse público, mas de natureza secundária, o que faz com que ele se torne um bem disponível do Estado.  Desde que haja lei que exponha os limites de disponibilidade e que autorize o administrador tributário a renunciar esta receita.

Diante do exposto, passaremos a fundamentar a atuação do princípio da legalidade no direito tributário e demonstrar sua importância para utilização dos meios extrajudiciais de resolução de conflitos.

Oliveira (2016) estabelece uma distinção entre o princípio da legalidade em geral, explicito no artigo 5º, inciso II{C}[2]{C} da Constituição Federal e o princípio da legalidade tributária, expresso no artigo 150, inciso I{C}[3]{C} da Constituição Federal. Enquanto essa é uma legalidade estrita, isto é, só será válida a obrigação que estiver expressamente autorizada em lei. Aquela tem como comando, que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei.  

A lei, produto do debate parlamentar urdido democraticamente, é a principal forma de limitação do poder Estatal. A administração tributária deve atuar, necessariamente, de acordo com a lei, somente agindo dentro dos limites estipulados por esta. Isso se deve ao fato que o princípio da legalidade tributária é estrito, isto é age conforme está estabelecido em lei. Devido a isto que o Estado está subordinado às normas jurídicas, portanto, a disponibilidade do interesse público, deverá ser autorizada por lei (CONCEIÇÃO 2016).

Segundo Oliveira (2016) a segurança jurídica esta relacionada a previsibilidade, e só ocorrerá com a legitimação da legislação Tributária. Tal segurança se deve ao fato que os contribuinte poderão vislumbrar as consequências das atitudes que vierem a praticar, estabelecendo as obrigações decorrente de seus comportamentos. A previsibilidade dos efeitos causados pelas atitudes tomadas pelo contribuinte advém da Lei, de onde poderão mensurar se a prática ou não de determinado ato causará efeitos negativos ou positivos. Nesse sentido, a doutrina é serena. Analisando esse tema, afirma Ávila (2012) que:

“A exigência de lei é, por si só, instrumento de segurança jurídica, porque, ao demandar normas gerais e abstratas, dirigidas a um número indeterminado de pessoas e de situações, contribui, de um lado, para afastar a surpresa decorrente tanto da inexistência de normas escritas e públicas quanto do decisionismo e das decisões circunstanciais ad hoc, de outro, favorece a estabilidade do Direito, porque somente graças a determinados procedimentos é que a legislação vigente pode ser modificada”. (ÁVILA, 2012, p. 240)

Desta maneira, sem a lei para estabelecer regras gerais para formar os deveres e limites dos contribuintes, não há como se falar em uma aplicação do Direito de maneira segura, ou seja, uma aplicação do direito onde não haja previsibilidade dos efeitos relativos às atitudes tomadas pelo contribuinte e os limites de desempenho do poder Estatal. 

Sobre o autor
Abraão de Santana Pires

Graduado em Direito pela Faculdade Ruy Barbosa - DeVry. Pós Graduando em Direito Processual Civil pela Faculdade Baiana de Direito. Pós Graduando em Direito da Seguridade Social pela Universidade Cândido Mendes (UCAM).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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