Um caso de falha na gestão de liquidez

24/05/2018 às 11:20

Resumo:


  • A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) acusou o BNY Mellon de falhas na gestão de liquidez, resultando no bloqueio de resgates em 11 fundos e potenciais prejuízos a investidores, incluindo fundos de pensão.

  • A Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) identificou que diretores e conselheiros do Postalis, fundo de pensão dos Correios, contribuíram para um déficit de R$ 5,6 bilhões, investindo em ativos de alto risco e com baixa liquidez.

  • Investigações apontam para a necessidade de avaliar a gestão temerária em entidades de previdência social, considerando a responsabilidade das instituições em garantir a segurança dos investimentos e o cumprimento das obrigações com os participantes.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O Globo, em 24 de maio de 2018, noticiou que a CVM acusa o banco BNY Mellon, e seu diretor, de falharem na “gestão de liquidez” dos fundos que administram. Mas, afinal, o que é gestão de liquidez e qual seria a solução para um caso assim?

I - O FATO 

O jornal O Globo, em sua edição de 24 de maio de 2018, noticiou que a  Comissão de Valores Mobiliários (CVM) acusa o banco BNY Mellon e seu diretor, Carlos Augusto Salamonde, de falharem na chamada “gestão de liquidez” dos fundos que administram, promovendo uma “verdadeira armadilha” para seus investidores — muitos deles fundos de pensão municipais e estaduais.

Segundo a acusação da autarquia, à qual O GLOBO teve acesso, a “inadequação das políticas, procedimentos e controles internos” do Mellon levaram ao fechamento para resgate de pelo menos 11 fundos, entre 2015 e 2016, impedindo que seus cotistas resgatassem seus investimentos quando desejassem.

A CVM considera o número de fechamentos “absolutamente injustificado” e um “destaque negativo gritante” para os controles internos da administradora. E afirma que os problemas continuaram mesmo após diversos alertas da autarquia, cuja área técnica concluiu que o Mellon não tem processos e controles adequados.

Subsidiária de um gigante americano que administra US$ 33,3 trilhões em ativos globalmente, a unidade brasileira tem sido alvo de denúncias. Em janeiro, o Ministério Público Federal entrou com ação exigindo que o banco devolva mais de R$ 8 bilhões ao Postalis, fundo de pensão dos funcionários dos Correios. Segundo os procuradores, o banco seria um dos principais responsáveis pelo rombo que levou a Previc, órgão regulador do segmento, a intervir no Postalis. Um dos investimentos causou prejuízo de R$ 250 milhões. Era um fundo que havia aplicado em títulos podres dos governos de Argentina e Venezuela.

Este ano, a Agência de Fomento do Estado do Amazonas (Afeam) protocolou queixa à CVM acusando o Mellon de ser responsável por um prejuízo de R$ 26,3 milhões. A Afeam era cotista única de um fundo administrado pelo banco. Esse fundo investia na transportadora de valores Trans-Expert, considerada pela Lava-Jato o “banco paralelo” do esquema de corrupção de Sérgio Cabral.


II - INFRAÇÃO A UMA OBRIGAÇÃO DE GARANTIA

Noticia-se que, após seis meses de investigação, a Superintendência Nacional de Previdência Complementar(Previc) chegou à conclusão de que os diretores e conselheiros do Postalis, o fundo de pensão dos funcionários dos Correios, foram responsáveis por parte do rombo de R$5,6 bilhões no plano de benefício definido dos participantes do fundo. Afirma-se que a constatação está em dois relatórios confidenciais.

Nesses relatórios da Superintendência Nacional de Previdência Complementar aponta-se que dirigentes e conselheiros do fundo de pensão dos Correios não agiram “com zelo e ética” nos investimentos.

Afirma-se, outrossim, que entre os investimentos que levaram o fundo a apresentar esse déficit bilionário estão aplicações em títulos de bancos liquidados, como Cruzeiro do Sul e BVA e investimentos atrelados à dívida de países com problemas como a Argentina e a Venezuela.

Lembre-se em mente, na esteira do Código Civil alemão (§ 241), que o devido na obrigação civil é sempre uma ação ou comportamento do devedor. O que há de essencial no objeto da obrigação é “a atividade, o serviço, o esforço, a um tempo corporal e psíquico do devedor”, como aduziu doutrina liderada por Carbonnier. .

A noção de obrigação de garantia, que se soma às conhecidas obrigações de meio e de resultado, estudadas por Demogue, tem origem na opinião manifestada por André Tunc, em seu Traité Théorique et pratique de la responsabilité civile, délictuelle et contractuelle, 5ª edição, dos irmãos Mazaud, e consiste num espécie de terceiro gênero de obrigações.

A prestação devida nas obrigações de garantia, não se cinge ao pagamento de indenização, na hipótese de realização do risco. Ela compreende ainda dar ao credor uma situação de segurança ou tranquilidade, que pode apresentar um valor econômico relevante. É o caso da garantia da pensão em caso de morte que dá ao trabalhador a segurança de que seu desaparecimento não deixará a família ao desamparo.

Fábio Konder Comparato(Ensaios e pareceres de direito empresarial, 1978, pág. 537) via o conteúdo das obrigações de garantia na eliminação de um risco que pesa sobre o credor. Eliminar um risco significa, a fortiori, reparar as consequências de sua realização. Mas, mesmo que esta não se verifique a simples assunção do risco pelo devedor de garantia representa o adimplemento de sua prestação.

São exemplo de obrigações de garantia: a do segurador e do fiador, a obrigação do contratante com relação aos chamados vícios redibitórios nos contratos comutativos, a obrigação do alienante com relação à evicção nos contratos comutativos pelos quais se transmite o domínio, posse ou uso, a promessa de fato de terceiro.  


III - INVESTIGAÇÃO COM RELAÇÃO A CRIME DE GESTÃO TEMERÁRIA  

Necessário investigar se há gestão temerária em entidade fechada de previdência social.

O regime de previdência complementar é operado por entidades de previdência complementar que têm por objetivo principal instituir e executar planos de benefícios de caráter previdenciário(artigo 2º).

Mas vem a pergunta: Como ficam as obrigações para com os participantes, que teriam que pagar por esse ilícito noticiado?

 Sabe-se que alguns dos benefícios instituídos pelos planos de previdência privada, de natureza complementar, visam a cobrir as consequências de riscos que pesam sobre os participantes, assim considerados eventos danos que independem de sua vontade, como a invalidez(total ou parcial) e ainda a doença ou morte. Ora, nesses casos, como bem lecionou Fábio Konder Comparato(Direito Empresarial, 1990, pág. 254), a obrigação assumida pela entidade de previdência privada para com os participantes ou beneficiários constitui, uma obrigação de garantia. Diria mais: essa obrigação existe ainda com relação às aposentadorias por tempo de serviço concedidas.

 A noção de obrigação de garantia, que se soma às conhecidas obrigações de meio e de resultado, estudadas por Demogue, tem origem na opinião manifestada por André Tunc, em seu Traité Théorique et pratique de la responsabilité civile, délictuelle et contractuelle, 5ª edição, dos irmãos Mazaud, e consiste num espécie de terceiro gênero de obrigações.

 A prestação devida, nas obrigações de garantia, não se cinge ao pagamento de indenização, na hipótese de realização do risco. Ela compreende ainda dar ao credor uma situação de segurança ou tranquilidade, que pode apresentar um valor econômico relevante. É o caso da garantia da pensão em caso de morte que dá ao trabalhador a segurança de que seu desaparecimento não deixará a família ao desamparo.

 Haverá mudança no regime de prestação pecuniária por parte dos beneficiários por conta desses ilícitos havidos? Aplica-se o princípio geral da manutenção da condição mais benéfica ao trabalhador. Esse princípio geral determina que “nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim, desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade de cláusula infringente desta garantia”.

Assim, não é justo que o trabalhador arque com seus salários com um reforço de contribuição por fato que foi consequência de uma administração desastrosa da empresa que instituiu o fundo de pensão. Aliás, será ela que deve pagar essa conta devendo ser ressarcida pelos dirigentes responsáveis pelos danos. Vem a pergunta: é preferível quebrar a entidade de previdência social do que o trabalhador ter de se sacrificar perdendo parte do salário? Ora, há uma obrigação de garantia da entidade mantenedora para com os empregados da empresa. Essa obrigação de garantia não pode ser transferida para os próprios beneficiários dela, por óbvio.

A gestão temerária é observada pela impetuosidade com que são conduzidos os negócios, o que leva ao aumento do risco de que todas as atividades empresariais terminem por causar prejuízos a terceiros, ou por malversar o dinheiro empregado na sociedade infratora. Tal é o que assevera Paschoal Mantecca, em Crimes contra a economia popular e sua repressão, 1985, pág. 41.

 O crime de gestão temerária, por sua vez, exigindo uma conduta dolosa, tem pena in abstrato prevista de 2(dois) anos a 8(oito) anos de reclusão e multa. Tal crime é de mera conduta.

 Esse delito deve ser enquadrado como crime de colarinho branco, inserido na Lei 7.492.

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O Postalis fundo de pensão, capta e administra recursos de seus associados, destinados a pagamento de benefícios previdenciários , equiparando-se, de forma induvidosa, às instituições financeiras para efeito de incidência da Lei 7.402/86, sendo irrelevante o fato de ser fechada e estar sob a fiscalização do Sistema Nacional de Seguros Privados.


IV - ESPÉCIES DE RISCO 

Há de se dizer que uma gestora no mercado de finanças enfrenta riscos.

Risco de Crédito é a possibilidade de ocorrência de perdas decorrentes do não cumprimento dos contratos ou obrigações por parte do tomador ou contraparte.

4.1 RISCO DE MERCADO

Risco de Mercado é a possibilidade de ocorrência de perdas decorrentes de flutuações que impactem o valor de mercado dos títulos e posições carregadas pela instituição.

A gestão de risco de mercado é efetuada pela área de Riscos através de monitoramento das posições detidas e daquelas aprovadas pela instituição. Os limites são acompanhados em nível granular e consolidado. De modo a minimizar perdas, adota-se stop móvel para as posições detidas pela Tesouraria.

Quaisquer excessos ou a execução de um stop são prontamente comunicados à Presidência.

O cálculo do Risco de Mercado referente à carteira banking, é realizado levando-se em consideração o VaR Padrão.

4.2 RISCO DE LIQUIDEZ

Risco de Liquidez é a possibilidade de ocorrência de uma situação em que a instituição não seja possível honrar seus compromissos, em virtude do descasamento entre ativos e passivos.

A gestão de risco de liquidez é efetuada pela área de Riscos através de monitoramento diário levando-se em consideração horizontes de curto, médio e longo prazo. Neste monitoramento são feitas previsões de saídas de recursos, sejam em virtude de novas operações, vencimento ou liquidação de operações passivas.

A Tesouraria e a Diretoria recebem diariamente estes relatórios, de modo que possam acompanhar e tomar as decisões pertinentes ao nível de liquidez da instituição.

4.3 RISCO OPERACIONAL

É a possibilidade de ocorrência de perdas resultantes de falha, deficiência ou inadequação de processos internos, pessoas e sistemas, ou de eventos externos.

Cada risco mapeado possui detalhamento em 3 níveis, sendo que os riscos abaixo foram determinados como primeiro nível:

• Fraude interna;

• Fraude externa;

• Falhas na execução, cumprimento de prazos e gerenciamento das atividades na instituição;

• Demandas trabalhistas e segurança deficiente do local de trabalho;

• Que acarretem a interrupção das atividades da instituição;

• Danos a ativos físicos próprios ou em uso pela instituição;

• Práticas inadequadas relativas a clientes, produtos e serviços;

• Falhas em sistema de tecnologia da informação.

A gestão do risco operacional inerente à determinada atividade é realizada pelo próprio gestor da área, sendo que cabe à área de Riscos a gestão consolidada do Risco Operacional.

Todas as áreas devem trabalhar em conjunto com a área de Riscos e Controles Internos de modo a construírem modelos de controles internos suficientes para mitigação do risco observado, de forma que tal risco passe a ser aceitável pela instituição.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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