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Lei nº 11.106/05.

Primeiras impressões

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28/04/2005 às 00:00
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Notas

1 Vide, sobre o assunto, CASARA, Rubens et al. Miserabilidade e Ação Penal. Uma (Re)Leitura Constitucional. São Paulo: IBCCrim, Boletim nº 127, junho/2003.

2 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón: Teoria do Garantismo Penal. Madrid: Trotta, 1997.

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Equivocado, portanto, data maxima venia, um dos fundamentos invocados pelo Min. Joaquim Barbosa para abrir divergência com o relator, Min. Marco Aurélio, no julgamento do recurso extraordinário nº 418376/MS, ocorrido em 31.3.2005 e publicado no Informativo nº 381, verbis: "Extinção de Punibilidade: Estupro de Vítima Menor de 14 Anos e União Estável. O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute a possibilidade de se aplicar a regra prevista no inciso VII do art. 107 do CP em favor de condenado por estupro, que passou a viver em união estável com a vítima, menor de 14 anos, e o filho, fruto da relação. O Min. Marco Aurélio, relator, deu provimento ao recurso para declarar a extinção da punibilidade. Salientando a necessidade de se analisar o caso pautando-se pela prudência, e levando-se em conta o confronto dos valores relativos à preservação dos costumes e à integridade e sobrevivência de uma família, as mudanças verificadas entre o contexto social da época em que editada a referida norma penal — cujo objetivo seria o de proteger não o agente em si, mas a família surgida — e o atual, e ainda a repercussão negativa da condenação na vida do filho do casal, entendeu que deveria ser aplicada ao caso, por analogia, a referida causa extintiva de punibilidade, ante a regra do § 3º do art. 226 da CF, que confere proteção do Estado à união estável entre homem e mulher, reconhecendo-a como entidade familiar. Em divergência, o Min. Joaquim Barbosa, acompanhado pelos Ministros Eros Grau e Cezar Peluso, negou provimento ao recurso, sob o fundamento de que somente o casamento teria o condão de extinguir a punibilidade, ressaltando, ademais, as circunstâncias terríveis em que ocorrido o crime, bem como o advento da Lei 11.106/2005, que revogou os incisos VII e VIII do art. 107 do CP. Após, o julgamento foi suspenso com o pedido de vista do Min. Gilmar Mendes (CP: "Art. 107. Extingue-se a punibilidade:... VII – Pelo casamento do agente com a vítima, nos crimes contra os costumes...")". Os grifos são nossos. O equívoco apontado se prende ao fato de que absolutamente irrelevante ao deslinde da testilha posta em julgamento o fato da Lei nº 11.106/05 ter vindo a revogar os incisos VII e VIII do art. 107 do Código Penal, porquanto, como assentado, trata-se de lex gravior, por, neste ponto, ter suprimido uma causa extintiva da punibilidade, não podendo, à toda evidência, ter aplicação retroativa, como aqui se defende. Aliás, se fosse para invocar a Lei nº 11.106/05 como fundamento para decidir a questão posta, ter-se-ia que fazê-lo para conceder a ordem, posto que a Lei em comento igualou o companheiro a cônjuge em situações desfavoráveis ao réu, para fins de aumentar sua pena – vide nova redação dos arts. 148, § 1º, I, 226, II e 227, § 1º do Código Penal, dada pela Lei em comento – não fazendo o menor sentido admitir esta equiparação para prejudicar o réu e não admiti-la para beneficiá-lo!

4 Certo o Min. Marco Aurélio na linha de raciocínio externada quando do julgamento referido no inciso anterior. Nas situações que ainda se regerem pela lei antiga (no que concerne à extinção da punibilidade), não há mais motivo para negar equiparação entre cônjuges e companheiros. Aliás, qualquer que seja a situação em que a lei penal privilegiar o cônjuge, deverá também, doravante, privilegiar o companheiro, ainda que não esteja expressamente referido na norma, buscando-se a analogia in bonam partem, tendo por paradigma a equiparação pontual feita entre eles pela Lei em análise. Ora: se a lei penal, ainda que pontualmente, os equipara para prejudicar (agravar a sanção, qualificando o crime), deve também fazê-lo para beneficiar (privilegiando o delito ou mesmo extinguindo a punibilidade ou isentando de pena – vide, a propósito, à guisa de exemplos, os arts. 181, I, 182, I, e 348, § 2º, do Código Penal, que, por analogia, devem se aplicar também ao companheiro, isentando-o de pena no favorecimento pessoal, nas mesmas situações em que fica isento, por previsão expressa, o cônjuge, além de conferir ao companheiro os mesmos benefícios conferidos expressamente ao cônjuge nos crimes contra o patrimônio. A observação não se restringe apenas a estes crimes, mas a qualquer outro delito, previsto em qualquer outra lei penal, cometido na mesma situação, em que haja previsão benéfica para o cônjuge, qualquer que seja ela). Por óbvio, não se pode fazer analogia in malam partem, de sorte que, nas situações mais gravosas em que a lei penal ainda não equiparou cônjuge e companheiro (arts. 61, II, "e", 133, § 3º, II, e 244, caput, do Código Penal, por exemplo) não poderá o intérprete fazê-lo, restando, infelizmente, se conformar com o casuísmo que reformas pontuais sempre correm o risco de propiciar.

5 "Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado" (Código Penal, art. 148, com grifo nosso).

6 Sobre isto, vide BASTOS, Marcelo Lessa. Estatuto do Desarmamento – não incidência, por ora, de seu art. 12 – posse de arma de fogo de uso permitido. São Paulo: IBCCrim, Boletim nº 137, abril/2004.

7 Como fez o Estatuto do Desarmamento em relação à velha Lei das Armas (Lei nº 9.437/97).

8 Como ocorreu no caso aqui refletido, do rapto, que foi agregado ao seqüestro e cárcere privado.

9 Código Penal, art. 2º: "ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória" (grifos nossos).

10 Suponha-se que a lei anterior dissesse: "portar e transportar substância...", e a lei nova passe a dizer apenas "portar" a mesma substância. A abolitio será parcial, apenas no que concerne à elementar "transportar", fato que deixou de ser considerado como crime.

11 Que definia a doutrina como sendo aquela que não fazia o comércio promíscuo de seu corpo; aquela inocente nas coisas do sexo. Ou nas românticas palavras de Paulo José da Costa Júnior: "a mulher que, sem se abster da prática sexual, conserva uma certa dignidade e decência (...) Mulher desonesta é, afora a prostituta, a mulher fácil, que se entrega a uns e a outros, por mera depravação ou interesse. É a mulher promíscua, francamente desregrada, a mulher de vários leitos" (COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Comentários ao Código Penal. São Paulo: Saraiva, 1987, v.3, p. 111). Exemplo que se dá para este delito é o caso do falso marido que, enganando a cunhada, consegue manter com ela conjunção carnal, fingindo ser o irmão gêmeo.

12 Assim, em tese agora é possível, em parte, vislumbrar-se o exemplo oposto do item anterior: a falsa esposa, enganando o cunhado e dele obtendo a consumação de ato libidinoso diverso da conjunção carnal, fingindo ser a irmã gêmea. Como também, em tese, passou a ser possível visualizar a possibilidade deste delito, tendo por sujeito ativo o médico, não mais apenas o ginecologista que engana sua paciente e, a pretexto de submetê-la a um exame ginecológico de rotina, acaba por realizar os toques com vistas a satisfazer sua lascívia, mas o proctologista que eventualmente conduza o exame de próstata na mesma situação. Permaneceu, contudo, a mesma perplexidade que resulta do cotejo entre o estupro e o atentado violento ao pudor, ao passo em que aquela cunhada que, nas mesmas condições de engano, fingindo ser a esposa, de quem é irmã gêmea, obtém do cunhado a conjunção carnal, não haverá de incidir neste delito, já que "conjunção carnal" não é "ato libidinoso diverso da conjunção carnal", como quer o tipo em exame, não se vislumbrando facilmente nenhum outro que venha em socorro da hercúlea tarefa de tipificar a conduta, já que não se pode cogitar de constrangimento ilegal, posto não ter havido violência e nem grave ameaça. Poder-se-ia ter corrigido tamanha distorção e não se fez, o que se lamenta, tanto quanto já se lamentou no que concerne à distorção resultante do cotejo entre o estupro e o atentado violento ao pudor, já colacionados.

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13 Neste ponto se está partindo da premissa de que o marido comete estupro ou atentado violento ao pudor quando submete sua própria esposa a atos libidinosos contra a sua vontade, restando ultrapassadas as correntes que, no passado, defendiam que ele agia no exercício regular do direito, o que é inadmissível nos dias atuais! Aliás, o fato do legislador ter contemplado como causa de aumento de pena ser o agente casado com a própria vítima contribui para a certeza de que há estupro ou atentado violento ao pudor entre marido e mulher, não tendo o casamento o condão de despojar o cônjuge do direito de dispor de seu próprio corpo, malgrados os deveres recíprocos que o vínculo conjugal estabelece entre os cônjuges, mas cuja sanção para seu eventual inadimplemento (do dever de débito conjugal) deve ser buscada no próprio Direito de Família, com a separação judicial imputando culpa ao cônjuge recalcitrante; jamais, todavia, há de legitimar o exercício manu militari do direito a este débito, mesmo porque não se consegue imaginar, por jocoso que seria, eventual tutela jurisdicional de urgência que agasalhasse tal pretensão se deduzida em juízo. No sentido destas idéias, BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2004, v. 4, p. 2.

14 Se, por exemplo, antes da Lei, alguma pessoa casada foi condenada por estupro ou atentado violento ao pudor, cometido contra uma outra pessoa diversa de seu cônjuge, terá o juiz da execução que recalcular sua pena, suprimindo o aumento de 1/4 devido exclusivamente àquela outrora qualificadora abrangente.

15 Que, por exemplo, submeta seu enteado à prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal, inclusive com violência presumida em razão da idade da vítima.

16 Norma penal em branco, como já destacado aqui, remetendo-se à definição de união estável, como explicitado anteriormente.

17 Não há que se cogitar, neste ponto, de novatio legis in melius ou em decote de eventual pena pecuniária aplicada anteriormente.

18 Isto porque, neste ponto, na parte em que ampliou a incidência da pena pecuniária, independente do intuito de lucro do agente, foi novatio legis in pejus.

19 Deste modo, só se pode cogitar de qualificar a conduta, no tráfico internacional de pessoas, pelo fato do agente ser esposa ou companheiro da vítima, nos delitos cometidos após a vigência da Lei em exame. Quanto ao marido, a situação permanece inalterada – já era figura prevista na redação primitiva do art. 227, § 1º, a que se reporta o § 1º, do art. 231, ambos do Código Penal. E, logicamente, "marido" é "cônjuge".

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Sobre o autor
Marcelo Lessa Bastos

promotor de Justiça do Rio de Janeiro, mestre em Direito pela Faculdade de Direito de Campos, doutorando pela Universidade Gama Filho, professor de Processo Penal da Faculdade de Direito de Campos (Centro Universitário Fluminense)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BASTOS, Marcelo Lessa. Lei nº 11.106/05.: Primeiras impressões. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 661, 28 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6647. Acesso em: 23 abr. 2024.

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