Considerações sobre o valor da causa no litisconsórcio facultativo comum

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28/05/2018 às 10:55
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Competência do juizado especial da Fazenda Pública: considerações sobre o valor da causa no litisconsórcio facultativo comum (não unitário).

1. O VALOR DA CAUSA COMO CRITÉRIO OBJETIVO DE COMPETÊNCIA.

Em 1984, quando publicava a tradução da famosa obra “Manual de Direito Processual Civil”, de Enrico Tullio Liebman, prenunciava Cândido Rangel Dinamarco que o Direito brasileiro deixaria de dar importância ao valor da causa como critério de competência.1 O tempo demostrou que o ilustre processualista brasileiro enganara-se, porque, ao longo do tempo e em várias Leis, esse foi o critério adotado, caso, por exemplo, da Lei federal de número 12.153/2009, que, instituindo o juizado especial da fazenda pública, erigiu exatamente o valor da causa como critério principal de competência. De resto, tal previsão desconsiderava que a competência pelo valor da causa, que a doutrina mais antiga denominava de “alçada”,2 possui longa tradição em nosso Direito, adotada desde o nosso primeiro Código de Processo Civil nacional de 1939.

Ora, dentro de um sistema como o nosso, que obriga o autor de um processo civil a atribuir valor certo à demanda, ainda que esta possa não ter um conteúdo econômico imediato ou aferível,3 mostra-se razoável que o Legislador, para certas situações, utilize-se do valor da causa como critério de competência. Assim, quando a Constituição de 1988 (artigo 98, inciso I) determinou a criação do juizado cível de menor complexidade, pareceu ao Legislador conveniente levar em consideração sobretudo o aspecto econômico da demanda, a ser aferido pelo valor do pedido, para poder definir se uma causa deve ou não ser qualificada como de menor complexidade, estabelecendo, pois, que a competência desses juizados é fixada com base no valor atribuído à causa. O mesmo sucedeu com o juizado especial da fazenda pública, criado pela Lei federal de número 12.153/2009.

Vem a propósito recordar o que disse Carnelutti, quando enfatizou a existência de relação entre a importância de um litígio e o esforço necessário para obter sua composição, e que as leis de processo civil devem levar em conta critérios de natureza econômica 4 – o que significa dizer que, conforme a importância econômica de um processo, a aferir-se pelo valor do pedido, pode-se adotar um determinado tipo de processo e de procedimento, e mesmo de sistema de Justiça.

Carnelutti também destacava a distinção que se deve fazer entre o valor do litígio e o valor da relação jurídico-material, porque para efeitos processuais esses valores podem não ser coincidentes, dado que o valor a atribuir-se a uma causa não é o que corresponde ao que a Lei possa ter garantido ao autor, considerada a relação jurídico-material, mas sim o valor a que efetivamente corresponde a expressão econômica do bem da vida objeto do processo.5

Assim, para efeitos processuais, deve-se considerar o valor do pedido, que, como observa Liebman, constitui a base para a determinação do valor de uma causa.6 Esse aspecto econômico da demanda pode ser utilizado pelo legislador para diversos fins no campo do processo civil, como para determinar que procedimento se deva adotar, que tipo de recurso a parte possa interpor,7 e mesmo como base de cálculo de honorários de advogado.8

Mas o aspecto econômico é sobremodo importante quando se trata da definição de competência para aquelas causas que, a critério do legislador, devam contar com um procedimento mais abreviado, com uma campo cognitivo mais limitado, ou ainda com um sistema recursal mais enxuto, tudo de molde que se prestigie a celeridade, porque é de se presumir que uma causa menos complexa exija um menor tempo de processamento. A criação, em nosso ordenamento jurídico, dos juizados especiais (cíveis e de fazenda pública), colocando-se esse sistema como uma forma de tutela jurisdicional diferenciada, buscou atender à regra constitucional que propicia a todos os litigantes a “razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”,9 porque a razoável duração de um processo é de ser medida principalmente em função do grau de complexidade da demanda.

Em geral, pode-se reconhecer que a complexidade de uma causa está em razão direta do valor a ela atribuído: quanto maior esse valor, mais uma causa tenderá a ser complexa. Daí constituir o valor da causa um parâmetro bastante apropriado à definição do grau de complexidade de uma demanda, podendo assim ser utilizado como um critério objetivo de competência, do qual o legislador se utilizará quando estiver a criar um específico sistema processual, cujo campo cognitivo deva ser mais limitado, ou cujo procedimento conte com um abreviado número de atos processuais, tudo para que o provimento jurisdicional seja proferido em menor tempo.

Decerto, poder-se-ia argumentar que o legislador, quando estabelece um determinado valor da causa para fim de competência, está a operar com uma presunção que, por ser relativa, eventualmente não corresponderá à verdade; ou seja, nalguns casos poderá suceder que o diminuto valor atribuído à causa esconda um grau de complexidade que tornará incompatível a utilização de um processo com um campo cognitivo mais limitado, daí surgindo o risco de que o “direito a um processo justo” – entendido como o direito dos litigantes a um processo cujo campo cognitivo lhes conceda a possibilidade de nele produzirem todas as provas necessárias ao desimplicar da demanda – reste violado.

Tratando-se de uma presunção relativa, sabe o legislador que o critério econômico poderá, em algum caso, ocultar a real complexidade de uma demanda. Mas ainda assim deve se utilizar desse importante critério de competência, confiando à sabedoria do juiz o poder de apurar, com maior precisão, o grau de complexidade de uma causa, para decidir se a ela se deverá aplicar ou não um sistema processual caracterizado por possuir um campo cognitivo mais limitado. Aliás, é precisamente por isso que a Lei federal de número 9.099/1999 (a lei que criou o sistema processual dos juizados cíveis, e que também se aplica ao sistema processual dos juizados da fazenda pública), enfatiza em seu artigo 2º. os valores – tornados princípios –, que o juiz deve sempre levar em consideração, nomeadamente para decidir se uma causa deve ou não ser processada dentro daquele específico sistema processual.10


2. O VALOR DA CAUSA EM NOSSA HISTÓRIA PROCESSUAL. A REGRA DA CUMULAÇÃO DE PEDIDOS NOS CÓDIGOS DE 1939, 1973 e 2015.

Desde o momento em que o processualista alemão, Adolf Wach, distinguiu a competência entre objetiva e funcional,11 a doutrina passou a identificar e agrupar os critérios de competência, separando-os, como fez Chiovenda, em três critérios (objetivo, funcional e territorial),12 iniciando-se a partir dali o estudo sistematizado do valor da causa como critério de competência, com uma análise que buscava compreender que elementos de uma demanda poderiam ser levados em consideração pelo legislador e, principalmente, como esses elementos poderiam ser valorados, surgindo desse estudo critérios que passaram a ser incorporados como texto legal em diversos códigos europeus, cuja influência foi projetada sobre nossa legislação processual.

Assim sucedeu, pois, com o nosso primeiro Código de Processo Civil nacional (1939), no qual se previu que, “para a estimação do valor da causa atender-se-á ao principal da dívida, à pena convencional, quando pedida, e aos juros vencidos até a data da propositura da ação” (art. 42), e que se o objeto da ação fosse um benefício patrimonial, o valor da causa deveria corresponder à quantia em dinheiro equivalente a esse benefício (art. 43). À semelhança do que ocorria com os códigos austríaco, alemão e italiano, utilizava-se o Legislador, naquele nosso primeiro código de processo civil nacional, de critérios ideados pela doutrina, erigindo-os a presunções legais (“jure et de jure”).

A influência da legislação processual alemã e italiana mostrou-se ainda mais intensa no Código de Processo Civil de 1973, que acerca do valor da causa fez adotar várias regras do Código de Processo Civil italiano de 1865 e do Código de Processo Civil alemão de 1877 (este com o texto em vigor a partir de janeiro 1934, estabelecido por meio do Decreto 8, de 1933), fixando como regra geral a de que a toda causa se deveria atribuir um valor, mesmo quando não houvesse um conteúdo econômico imediato (art. 258), além de reproduzir alguns critérios que vinham do Código de 1939 (como, por exemplo, o que dizia respeito à ação de cobrança de dívida), sem deixar de regular hipóteses que, embora comuns, não tiveram previsão naquele Código (caso das ações de alimentos e de divisão, demarcação e reivindicação).

Mas dentre as regras que o Código de 1973 manteve, está aquela que é sobremodo importante ao objeto deste nosso estudo. Trata-se, com efeito, da regra do artigo 259, inciso II, que, para a hipótese de cumulação de pedidos, estatuía que o valor da causa deveria corresponder à soma dos valores de todos os pedidos – regra idêntica à do artigo 44 do Código de 1939, assim expressa: “Havendo cumulação de pedidos, o valor da ação será a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles”.

Essa regra do Código de 1939 teve como fonte direta o Código de Processo Civil alemão de 1877, que em seu parágrafo 5º., previa:

Quando se exercitem várias ações em uma mesma contenda, se somará a importância de todas. Não se somará o valor da demanda com a reconvenção”.

Note-se, porque de acentuado relevo, que, tal como no Código de Processo Civil alemão, as regras de nossa legislação processual civil – a do artigo 44 do Código de 1939, e a do artigo 259, inciso II, do Código de 1973 –, não adotaram a ressalva que o Código de Processo Civil italiano de 1865 havia fixado em seu artigo 73, ao estabelecer que, na hipótese de cumulação de demandas, deveria se observar se o título (ou causa) que constituía o objeto da cumulação era o mesmo em face de todas as demandas cumuladas, situação que na legislação italiana recebia uma solução diversa daquela adotada no Código de Processo Civil alemão. Eis o texto do artigo 73 do Código italiano de 1865:

Quando os capítulos de uma demanda sejam em maior número, se somarão todos para determinar o valor da causa, se dependem do mesmo título; se dependem de título distinto, se observará o valor de cada um tomado separadamente”.13

Comentando esse artigo, escreveu Chiovenda:

Duas ou mais ações podem cumular-se de diferentes maneiras: alternativamente (peço a coisa A ou a coisa B), ou eventualmente (peço a coisa A, e subsidiariamente, isto é, para o caso que não se me conceda a coisa A, peço a coisa B), ou condicionalmente (peço a rescisão de uma venda e, em caso de que se a declare, peço a devolução da coisa). Nestes casos, é evidente que a quantia da causa será o valor maior entre os de A e B. Porém, podem estar várias demandas cumuladas simplesmente (peço a coisa A e peço também a coisa B). Neste caso nossa lei distingue: se as demandas procedem do mesmo título, somam-se uma a outra para determinar a quantia da causa; se procedem de títulos diferentes, ter-se-á em conta o valor de cada um, por separado.”.

E comentando os sistemas italiano e alemão, observou Chiovenda:

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O princípio adotado por nossa lei conduz ao resultado de que, por exemplo, o ‘pretor’ é competente para conhecer de várias demandas, digamos de dez demandas, pelo valor de mil liras cada uma, mesmo que, quando somadas, todas excedem de cinco mil liras; e ao contrário, para conhecer dessas demandas será incompetente o Tribunal de primeira instância. Duas demandas fundadas em títulos diferentes, por exemplo, uma de um valor de mil liras e a outra de oito mil não poderão propor-se ante o Tribunal de primeira instância, senão que a primeira o deverá ser ante o pretor; a segunda, ante o Tribunal, dando lugar assim a dois juízos separados. Nosso sistema, ademais, motiva frequentes questões quando se trata de saber se várias demandas dependem ou não de um só título.

“Por todas essas razões, é talvez preferível o sistema do legislador alemão, que prescreve que as demandas somem-se em todo caso para determinar a quantia”. 14

Foi esse o princípio, haurido diretamente do Código de Processo Civil alemão, que o nosso Legislador adotou nos Códigos de 1939, 1973 e também no Código de 2015, ora em vigor, pois que este prevê, em seu artigo 292, inciso VI, que, na ação em que há cumulação de pedidos, o valor da causa será, em todos os casos, “a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles”.

É da tradição do direito brasileiro, portanto, que, em havendo cumulação de pedidos, o valor da causa deva corresponder à soma de todos os pedidos, não tendo havido jamais em nossa legislação qualquer ressalva quanto a se considerar se os pedidos derivam ou não de um mesmo título em face das demandas cumuladas.


3. A CUMULAÇÃO DE DEMANDAS NO LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO COMUM (NÃO UNITÁRIO). O VALOR DA CAUSA NO JUIZADO ESPECIAL DE FAZENDA PÚBLICA.

A cumulação de demandas ocorre quando, em um só processo, duas ou mais pretensões são formuladas (cumulação objetiva), ou ainda quando os litígios, reunidos num só processo, têm sujeitos diversos (cumulação subjetiva). Como observa Frederico Marques, a cumulação objetiva pode combinar-se com a subjetiva, desde que vários sejam os autores, ou os réus, ou ambas as partes, figurando todos como sujeitos de diversas lides, objetivamente cumuladas.15

Em nosso sistema processual civil, conforme se fez assinalar, manteve-se sempre uniforme a regra segundo a qual, em havendo cumulação de pedidos, o valor da causa deverá corresponder à soma de todos os pedidos, quando cumulados em um só processo. Assim foi estatuído no Código de 1939 (art. 44), no Código de 1973 (art. 259, inciso II), e naquele que se encontra em vigor (Código de Processo Civil de 2015, artigo 292, inciso VI).

Portanto, em face da regra do artigo 292, inciso VI, do Código de Processo Civil em vigor, em havendo cumulação de pedidos, o valor da causa deve corresponder à soma de todos os pedidos cumulados. Mas a que espécie de cumulação de pedidos aplica-se tal regra: à cumulação objetiva, à cumulação subjetiva (litisconsórcio), ou a ambas?

A nossa legislação processual, adotando regra que vem da legislação alemã, optou sempre por considerar apenas o fenômeno da cumulação objetiva de pedidos, prescindindo, pois, de considerar se o título em que a cumulação funda-se é o mesmo entre todos os pedidos cumulados. Tal sistema, com afirmou Chiovenda, tem a vantagem de eliminar uma série de controvérsias, que surgem quando se cinde o valor da causa de acordo com o título a que a pretensão se refere, repartindo-se a competência entre juízos diferentes, o que acaba por descaracterizar o instituto do litisconsórcio facultativo.

Pois bem: quando se autoriza a formação do litisconsórcio facultativo, conforme as hipóteses previstas no artigo 113 do Código de Processo Civil de 2015, instala-se a compasso a cumulação objetiva de demandas, de modo que a competência, quando fixada com base no critério do valor da causa, deve necessariamente conduzir à aplicação da regra do artigo 292, inciso VI, do mesmo Código:

“O valor da causa constará da peça inicial ou da reconvenção e será: (...). VI – na ação em que há cumulação de pedidos, a quantia corresponde à soma dos valores de todos eles”.

Importante ressaltar que em nosso sistema processual civil não há qualquer ressalva quanto à natureza do título em face dos pedidos cumulados, de modo que, em existindo o litisconsórcio, e em se formando com ele a cumulação objetiva de demandas ( e se formará sempre, porque em todos os casos de litisconsórcio, mesmo no unitário, há cumulação objetiva de demandas), a competência deverá ser aferida com base na soma de todos os pedidos cumulados na demanda, por força do que estabelece a regra do artigo 292, inciso VI, do Código de Processo Civil de 2015.

Mas se poderia argumentar que, no caso do litisconsórcio facultativo comum (não unitário), cada autor está a formular um pedido (o seu pedido), e assim, para efeito de fixação da competência, o valor da causa deveria considerar o valor a que corresponde a pretensão de cada um dos autores. Afinal, no litisconsórcio facultativo comum (não unitário), não há uma só relação jurídica substancial, e o provimento jurisdicional a ser emitido, se procedente a pretensão dos litisconsortes ativos, não se constituirá em um único provimento jurisdicional, mas em tantos quantos forem os autores cuja pretensão tiver sido acolhida, pois que no litisconsórcio facultativo comum (não unitário) há, como observa Dinamarco, “uma pluralidade jurídica de demandas, também unidas só formalmente; cada um dos litisconsortes é parte legítima apenas com referência àquela porção do objeto do processo que lhe diz respeito e, consequentemente, entende-se que o seu petitum se reduz a essa parcela”. 16

Constitui-se esse, sem dúvida, o fundamento daqueles que defendem a posição, hoje prevalecente em nossa jurisprudência, no sentido de que, para efeito de competência do juizado especial da fazenda pública, o valor da causa deve ser considerado individualmente, porque embora as pretensões estejam cumuladas em um só processo, elas devem ser consideradas como individuais e específicas para cada um dos litisconsortes. Essa posição jurisprudencial tornou-se majoritária sobretudo depois que o Fórum Nacional dos Juizados Especiais da Fazenda Pública – FONAJE aprovou, por maioria, o enunciado de número 2, com o seguinte teor:

“É cabível, nos Juizados Especiais da Fazenda Pública, o litisconsórcio ativo, ficando definido, para fins de fixação da competência, o valor individualmente considerado de até 60 salários mínimos”.

Essa posição, contudo, não pode prevalecer, porque desconsidera dois importantes aspectos.

O primeiro, e mais curial, é o de que existe em nosso ordenamento jurídico em vigor uma regra que deve ser aplicada a todo tipo de cumulação de demandas, objetiva e subjetiva, o que significa deva ser aplicada ao litisconsórcio facultativo comum. Trata-se do artigo 292, inciso VI, do Código de Processo Civil de 2015, regra que por ser geral deve ser aplicada também ao juizado especial da fazenda pública, seja porque a Lei federal 12.153/2009 não tratou dessa matéria, abrindo espaço, pois, à aplicação subsidiária das normas do Código de Processo Civil, seja em especial porque a Lei federal 9.099/1995, ao cuidar, em seu artigo 15, da cumulação de pedidos, adotou o mesmo critério do Código de Processo Civil, prevendo que, em havendo pedidos cumulados, deve-se observar a soma dos pedidos.

Diz o artigo 15 da Lei 9.099/1995, Lei que se aplica subsidiariamente ao juizado especial da fazenda pública, conforme prevê o artigo 27 da Lei 12.153/2009:

“Art. 15. Os pedidos mencionados no art. 3º desta Lei poderão ser alternativos ou cumulados; nesta última hipótese, desde que conexos e a soma não ultrapasse o limite fixado naquele dispositivo”.

A regra do artigo 292, inciso VI, do Código de Processo Civil, aplica-se também na cumulação subjetiva de demandas, porque o valor da causa não leva em consideração o número de autores, mas apenas o pedido. Com efeito, é o pedido que constitui o elemento pelo qual se afere o valor da causa, e não o número de autores. É o que, com razão, sustenta GELSON AMARO DE SOUZA:

Quando se reunirem vários pedidos, temos cumulação objetiva de pedidos, e quando se reunirem vários litigantes no mesmo polo, temos a cumulação subjetiva ou litisconsórcio. Como o pedido é sempre objetivo, errado é falar em cumulação subjetiva de pedidos. Esta não existe.

Todos os pedidos são objetivos e por isso não comporta a equivocada expressão ‘cumulação subjetiva de pedidos’. Quando os condôminos se reúnem para pedirem a anulação da assembleia do condomínio, temos um pedido objetivo (anulação da assembleia) e vários autores, formando um litisconsórcio ativo. Aqui não se pode falar em cumulação de pedidos, pois pedido, realmente, existe apenas um. Se os mesmos litisconsortes se reunirem e propuserem ação pedindo que lhes sejam devolvidas quantias cobradas em excesso, teremos vários pedidos objetivos, pois cada qual pede o que pagou a mais. São vários pedidos objetivos e não subjetivos. A subjetividade está somente na reunião dos autores e não nos pedidos que são objetivos. Temos um processo, uma ação, com vários pedidos (objetivos) e com vários autores em litisconsórcio (cumulação de pessoas). A cumulação de pedidos é sempre objetiva e a cumulação de partes é sempre subjetiva (litisconsórcio)”. 17

Daí afirmar esse autor, no que é de especial importância para o que estamos a tratar aqui:

(...) para o valor da causa, somente interessa a cumulação de pedidos e não a cumulação subjetiva (litisconsórcio). Havendo cumulação de pedidos, aplica-se o art. 259, II, do CPC. Não há de se indagar quanto são as pessoas envolvidas no mesmo polo. O que importa é o que se pede e quanto se pede, não o número de pessoas que pedem. Não há que se falar em multiplicar ou dividir o que se pede pelo número de litisconsortes”.

Assim, para efeito de se atribuir valor à causa na hipótese de cumulação de demandas, é indiferente exista o litisconsórcio, porque o valor da causa é de ser aferido sempre com base na soma dos pedidos cumulados, independentemente do número de autores.

Aliás, se devêssemos considerar o valor de cada pedido na cumulação de demandas pelo litisconsórcio, teríamos que, por identidade de razão, proceder da mesma forma com a cumulação objetiva de pedidos, porque se o valor da causa é de ser atribuído com base em cada pedido, havendo cumulação objetiva (sem existir o litisconsórcio), os pedidos formulados por um só autor também deveriam ser considerados de per si, e assim quantificados. Ninguém, ao que se saiba, terá propugnado tal interpretação.

Destarte, o não se poder individualizar o valor do pedido na cumulação objetiva de pedidos demonstra que é a soma dos pedidos cumulados que se leva em consideração quando se trata de fixar a competência, porque assim dispõe a norma do artigo 292, inciso VI, do Código de Processo Civil.

Além disso, quando o legislador erige o valor da causa como critério de competência, está a considerar obviamente a importância econômica de uma demanda, e esse dado econômico é de ser aferido pelo valor envolvido na tutela jurisdicional, conforme quantificado no valor do pedido, que como enfatiza Liebman, é o elemento que constitui a base para a quantificação de uma demanda. Assim, quando se argumenta que, no caso litisconsórcio facultativo comum, cada autor poderia promover a sua ação, e por isso o valor da causa deve ser considerado com base no valor do pedido de cada autor, está se olvidando que a competência é de ser analisada conforme a realidade que forma aquele específico processo, e não uma realidade hipotética (a dizer: aquela que existiria se o litisconsórcio não existisse).

Se o legislador levou em conta a importância econômica de uma causa, quantificando-a, significa dizer que o montante que será despendido, se a tutela jurisdicional for concedida, é o parâmetro que deve prevalecer. Assim, à força de considerarmos o valor da causa por cada autor, obliteramos a importância do aspecto econômico na qualificação jurídica do que se deve entender como “pequena causa”.

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