Considerações sobre o valor da causa no litisconsórcio facultativo comum

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28/05/2018 às 10:55
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4. O VETO.

Há ainda por considerar a importância do veto governamental ao parágrafo 3o. do artigo 2o. da Lei federal de número 12.153/2009, cujas razões não poderiam ser mais explícitas:

Ao estabelecer que o valor da causa será considerado individualmente, por autor, o dispositivo insere nas competências dos Juizados Especiais ações de maior complexidade e, consequentemente, incompatíveis com os princípios da oralidade e da simplicidade, entre outros previstos na Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995.”

Diante de um veto a texto de lei, nomeadamente quando a razão que o fundamenta é categórica como no caso, não cabe ao Poder Judiciário senão o considerar a sua força obrigatória, aplicando-o como se se tratasse de uma regra legal. Com efeito, o veto a texto de lei é de ser equiparado a uma interpretação autêntica, de modo que na hipótese em que o Legislador, impondo um veto, explicita que conteúdo e alcance se devem extrair do texto de uma determinada norma legal, não cabe ao Poder Judiciário senão que observar tal interpretação autêntica.

Poder-se-ia argumentar que o veto constitui um ato político, e de fato parte da jurisprudência vem argumentando nesse sentido, para defender a tese de que o Poder Judiciário poderia examinar tal ato governamental, para o desconsiderar. Primeiro: todo veto a uma lei é sempre um ato político. Segundo: o tratar-se de um ato político em nada interfere no que cabe de fato ao Poder Judiciário examinar, porque a partir do reconhecimento da aplicação do princípio da proporcionalidade, qualquer ato governamental (assim também um veto a texto de lei) pode ser sindicado pelo Poder Judiciário, mas desde que se revele uma desproporção entre meios, fins e resultados – o que não sucede no caso do veto em questão.

Aplicando-se, pois, o princípio da proporcionalidade na análise do veto governamental ao dispositivo da Lei Federal de número 12.153/2009, há que se reconhecer a validez substancial do veto, pois que ele quadra perfeitamente com os princípios da simplicidade e da celeridade. Basta que consideremos o que se deve extrair desses princípios, no sentido de que as ações de competência do Juizado Especial de Fazenda Pública devem ser processadas com a celeridade que as caracteriza como sendo procedimentos de tutela jurisdicional diferenciada. Daí a necessidade imperiosa de que não exista na ação nenhum aspecto que possa arrostar a celeridade e a simplicidade. De resto, é exatamente para esse fim que o Legislador estabeleceu um limite ao valor da causa, por supor que, dentro desse limite, aqueles princípios possam ser atendidos.

Digno de registro, outrossim, que ao tempo em que se elaborava o anteprojeto que acabaria por resultar na Lei federal de número 10.259/2001 (Lei que que instituiu o juizado especial federal), surgiu discussão quanto ao valor da causa no litisconsórcio comum facultativo. O relator do projeto, diante da controvérsia acerca do tema, optou por não inserir regra a respeito, e o texto acabou aprovado sem qualquer regra acerca de se apurar o valor da causa pela soma dos pedidos ou pelo valor de cada autor. Diversamente, pois, do que sucedeu com a Lei federal de número 12.153/2009, em cujo texto inseriu-se regra expressa tratando da matéria, regra, contudo, que foi objeto de veto governamental. Assim, se podia surgir alguma dúvida quanto à intenção do Legislador na Lei 10.259/2001, essa dúvida restou totalmente eliminada no veto que se impôs ao texto da Lei 12.153/2009.

“Last but not least”: é sempre necessário considerar o bom senso na interpretação que se aplica a qualquer norma legal que integra o nosso Ordenamento Jurídico em vigor, pois que assim o determina o artigo 5o. da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro ("Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum"). E o bom senso não estará certamente presente quando se considera como pequena causa uma demanda cuja soma dos pedidos alcance um montante superior a um milhão de reais, como poderia ocorrer se reconhecêssemos a competência do juizado especial de fazenda com base no valor do pedido de cada autor, o que autorizaria que, por exemplo, trinta autores, utilizando-se do litisconsórcio facultativo, cumulassem suas pretensões em um só processo, e se cada autor estivesse a formular o pedido correspondente ao máximo permitido (de sessenta salários mínimos), o montante envolvido em uma demanda como essa alcançaria uma cifra considerável, superior a um milhão de reais.

Conclui-se que, para efeito de competência do juizado especial de fazenda pública, o valor da causa, na cumulação de demandas derivada do litisconsórcio facultativo comum (não unitário), deve ser aferido com base na soma dos pedidos cumulados, e não por autor, seja porque há norma legal (CPC, artigo 292, inciso VI) que assim o estabelece, seja por razões que dizem respeito diretamente à finalidade para a qual o sistema do juizado especial de fazenda pública foi ideado e instituído por lei.


Notas

1 Manual de Direito Processual Civil, v. I, trad. Cândido Rangel Dinamarco, p. 60, nota 36, Forense, 1984.

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2 Cf. Alfredo de Araujo Lopes da Costa, Direito Processual Civil Brasileiro (Código de 1939), p. 164, José Konfino editor, 1947, Rio de Janeiro.

3 CPC/1973, art. 258; CPC/2015, art. 291.

4 Sistema de Derecho Procesal Civil, v. II, trad. Niceto Alcalá-Zamora y Castillo e Santiago Sentís Melendo, p. 306, Uteha Argentina.

5 Obra mencionada, p. 307.

6 Manual de Direito Processual Civil, v. I, p. 60.

7 Art. 34. da Lei federal 6.830/1980, lei que regula a ação de execução fiscal.

8 Art. 75, par. 2º, CPC/2015.

9 CF/1988, art. 5º., inc. LXXVIII.

10 É com essa mesma finalidade que a Lei federal 12.153/2009 expressamente excluiu da competência do juizado especial de fazenda pública determinados tipos de ação, casos, por exemplo, do mandado de segurança, da ação de desapropriação, das ações populares e de improbidade administrativo, presumindo que nessas ações ou exista um grau de complexidade incompatível com os princípios da simplicidade e da celeridade, ou que o procedimento específico de algumas dessas ações não possa se harmonizar com o procedimento das ações do juizado especial da fazenda pública.

11 Cf. James Goldschmidt, Derecho Procesal Civil, trad. Leonardo Prieto Castro, p. 163, editorial Labor, Madri, 1936.

12 Instituciones de Derecho Procesal Civil, tomo II, p. 176, editorial Revista de Derecho Privado, Madrid.

13 “Quando i capi di domanda siano piú, si somano tutti per determinarei l valore dela causa, si dipendano dallo stesso titolo; se dipendano de titoli distinti, si há riguardo al valore di ciascuno preso separatamente”.

14 Instituciones de Derecho Procesal Civil, tomo II, p. 190-191, trad. do italiano por E. Gomes Orbaneja, Editorial Revista de Derecho Privado, Madrid.

15 Manual de Direito Processual Civil, 2º. vol, p. 55-56, 10ª. edição, Saraiva, 1989.

16 Litisconsórcio, p. 75.

17 Do Valor da Causa, p. 128, 3ª. Edição, RT.

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