UNIFICAÇÃO DE PENAS

30/05/2018 às 13:51
Leia nesta página:

Discute-se o instituto da execução penal acerca da unificação das penas e algumas de suas nuances.

Proferidas várias sentenças condenatórias contra a mesma pessoa em casos de continência, sem que tenha havido a unificação dos processos em uma única ação penal pela avocação do juízo prevalente, serão expedidas várias guias de recolhimento, cabendo ao juiz encarregado da execução a unificação das penas aplicadas.

Já se entendeu que não se procedendo à unidade de processo e julgamento, quando possível, ocorre nulidade (RT 595/421).

Surge então a unificação das penas quando são proferidas várias sentenças e a execução delas importaria violar às penas dos crimes praticados em concurso. Havendo, desta forma, duas ou mais condenações em que tenha ocorrido concurso formal, crime continuado, erro na execução ou resultado diverso do pretendido, será efetuada a unificação das penas impostas em processos diversos. No caso do concurso formal próprio será unificada a pena com base na sanção de uma delas, a mais grave se diversas as penas, aumentada de um sexto a um terço(artigo 70, primeira parte, do CP). No concurso formal impróprio, as penas serão somadas(artigo 70, 2ª parte do CP). Ocorrendo um crime continuado, também será tomada por base a pena mais severa, aumentada de um sexto a um terço(artigo 71, caput, do CP) ou na hipótese de mais de três crimes praticados com grave ameaça ou violência, até o triplo(artigo 71, parágrafo único do CP). No concurso material, as penas são somadas(artigo 69 do CP).

A unificação das penas é um incidente na execução penal, uma vez que por ela se reduz a duração das penas aplicadas às várias sentenças. Como tal, a competência é do juízo da execução, sendo o recurso adequado o agravo em execução (RT 610/308, 330).

Discute-se sobre o limite das penas.

Numa primeira orientação, afirmou-se que o artigo 75,§ 1º, do CP, se refere apenas para se atender ao "limite máximo" fixado no caput, pois, caso contrário, derrogaria ele o próprio dispositivo de lei, reduzindo o limite para dez anos (caso em que possibilitaria o livramento condicional para o condenado não reincidente) ou quinze anos(para o condenado reincidente). Nesse entendimento, a lei equipararia os condenados a penas de 30 anos aos que sofreram condenações muito superiores. Ora, tal tratamento confronta o princípio da igualdade e cria um privilégio odioso entre os apenados. 

O artigo 75, § 1º, do CP, prevê a unificação para o limite de 30 anos, inclusive, para se possibilitar a concessão de benefícios previstos no diploma penal e na Lei de Execução Penal, como entendem Miguel Reale Jr e outros (Penas e medidas de segurança no novo Código, 1987, pág. 244 – 245).

A Lei nº 7.209/84 criou, no artigo 75, criou novo caso de unificação de penas ao lado do crime continuado. Essa unificação deve ser efetuada assim que o juiz da execução receber as guias de recolhimento das várias condenações proferidas contra uma mesma pessoa. Não há qualquer limite para essa unificação, podendo a pretensão ser formulada a qualquer tempo.

Unificadas as penas em 30 anos, esse é o prazo a ser considerado para o cálculo do livramento condicional, da transferência de regimes, remição, da comutação etc.

Proferidas várias sentenças condenatórias contra a mesma pessoa em casos de continência, sem que tenha havido a unificação dos processos em uma única ação penal pela avocação do juízo prevalente, serão expedidas várias guias de recolhimento, cabendo ao juiz encarregado da execução a unificação das penas aplicadas.

Não se aplica o artigo 75 se existir um hiato entre a satisfação das penas anteriores cumpridas pelo sentenciado e o começo de novas penas, impostas após o cumprimento daquelas (RT 488/414). O Estado somente abdica de seu direito de continuar a punir após o cumprimento de forma contínua de 30 anos de prisão. Se, após o cumprimento de trinta anos de prisão, o condenado vier a cometer novo crime, terá que cumprir uma nova pena que lhe for imposta. Veda-se que se some o tempo de duração das penas cumpridas àquele da pena imposta por crime praticado após a extinção das anteriores.

Como explicou Júlio Fabbrini Mirabete (Execução Penal, 4ª edição, pág. 206) “a continuidade da permanência do sentenciado na prisão há de ser aferida em função dos anos de recolhimento efetivamente ocorridos no cumprimento das penas, não se computando a solução de continuidade na prisão, pela fuga ou livramento condicional (quando o tempo de liberdade não é computado na pena). Nessa hipótese, porém, não cabe considerar esse período de solução de continuidade como meio interruptivo do cumprimento da pena privativa de liberdade, com a consequência de acarretar novo cômputo do período de prisão, como se houvesse perda do tempo anteriormente cumprido.(RT 610/350). O tempo de partida para a unificação é, nessa hipótese, não a data em que o sentenciado é recapturado ou volta à prisão em decorrência da revogação do livramento condicional, mas a data em que ele iniciou efetivamente o cumprimento das penas”.

O Superior Tribunal de Justiça enfrentou a matéria:

Súmula 715

A pena unificada para atender ao limite de trinta anos de cumprimento, determinado pelo art. 75 do Código Penal, não é considerada para a concessão de outros benefícios, como o livramento condicional ou regime mais favorável de execução.

Aponta-se corrente doutrinária no STJ contrária ao teror da Sùmula 715

"O artigo 75 do Código Penal é claro ao dispor que 'o tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a trinta anos', nada mais. Exsurge daí o entedimento sedimentado na Súmula 715 do Supremo Tribunal Federal, de que os benefícios da execução penal não podem ser calculados com base na pena unificada, de 30 anos. Esse limite máximo visa impedir, obviamente, a imposição de uma pena perpétua, ou seja, a pena que, embora sem essa designação, deve ser assim considerada em razão da expectativa de vida do ser humano. Exemplificando, a pena de 106 anos, aplicada no caso sub examine, jamais seria cumprida, sabido que raramente alguém alcança essa idade. Não se desconhece a divisão doutrinária entre os que entendem que o cumprimento de 30 anos de pena em regime fechado não é ressocializador - não satisfazendo, portanto, uma das finalidades da execução penal - e os que argumentam com a defesa da sociedade, defendendo que a concessão de benefícios antes dos trinta anos de cumprimento da pena constitui um incentivo a criminosos perigosos e contumazes. (...) Filio-me à corrente que não considera a unificação das penas em 30 anos para a concessão de benefícios, mantendo o entendimento consolidado na Súmula 715 desta Corte. Outra interpretação conduziria a um tratamento igual para situações desiguais, colocando no mesmo patamar pessoas condenadas a 30 anos e a cem ou mais anos de reclusão, por exemplo. Não haveria aí distribuição de justiça, expressada em dar a cada um o que merece." (RHC 103551, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgamento em 21.6.2011, DJe de 25.8.2011).

De outra parte, o STF já entendeu pela vedação de sanções penais de caráter perpétuo, envolvendo o tempo máximo de efetivo cumprimento da pena e requisitos necessários à obtenção de outros benefícios prisionais.

"Evidencio, inicialmente, que o § 1º do art. 75 do CP é um consectário lógico da expressa vedação constitucional concernente às penas de caráter perpétuo (CF, art. 5º, XLVII). Levando-se em conta a necessidade de ressocialização do apenado, não seria coerente, de fato, permitir-se a subsistência, no ordenamento jurídico brasileiro, de penas de caráter perpétuo. Por isso a expressa disposição legal no sentido de que o tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 anos. Todavia, procedendo-se a uma análise sistemática da causa posta, entendo que não assiste razão à impetração. É que, em casos análogos ao em apreço, esta Suprema Corte já teve a oportunidade de assentar que os cálculos para a concessão de outros benefícios a serem realizados durante a execução da pena deverão recair sobre o total da pena aplicada ao condenado e não sobre a pena unificada prevista no art. 75, § 1º do CP. Em outras palavras, o limite de 30 anos previsto no CP apenas se reporta ao tempo máximo de efetivo cumprimento da pena, não podendo servir de cotejo para a aferição de requisitos temporais necessários à obtenção de outros benefícios legais." (HC 98450, Relator Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgamento em 14.6.2010, DJ de 20.8.2010)

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

A decisão que enfrenta a unificação das penas faz coisa julgada. Sendo indeferido o pedido não pode o juiz apreciar novo pedido com os mesmos fundamentos fáticos.

Discute-se se as penas devem ser unificadas se o cumprimento das penas restritivas de direito não é compatível com a prisão em curso.

A matéria foi objeto de apreciação no REsp 1.728.864.

Para a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), nos casos em que houver nova condenação no curso da execução e não for compatível o cumprimento concomitante da pena restritiva de direitos com a privativa de liberdade anteriormente imposta, será necessário promover a unificação das penas (site de 30 de maio de 2018).

Com base nesse entendimento, o colegiado deu provimento a recurso interposto pelo Ministério Público de Minas Gerais para restabelecer decisão do juízo das execuções e converter pena restritiva de direitos em pena privativa de liberdade.

Segundo o processo, um homem que cumpria pena privativa de liberdade, em regime fechado, foi novamente condenado a dois anos e seis meses de reclusão, por tráfico de drogas. A condenação foi substituída por duas penas restritivas de direitos.

Como o réu já estava preso, o juízo da execução converteu a pena restritiva de direitos em privativa de liberdade, em face da incompatibilidade do cumprimento simultâneo das penas privativa de liberdade e restritiva de direitos impostas na condenação superveniente.

Após recurso da defesa, decisão foi reformada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), que restabeleceu a pena restritiva de direitos, determinando a suspensão da sua execução e do prazo prescricional até que o condenado se encontrasse em regime penal que fosse compatível com ela.

No recurso apresentado ao STJ, o Ministério Público sustentou a possibilidade de conversão da pena restritiva de direitos, superveniente à pena privativa de liberdade em regime fechado, já em curso, uma vez que só seria possível o cumprimento simultâneo das penas se o regime da sanção em cumprimento fosse o aberto.

O relator do caso, ministro Jorge Mussi, disse que o TJMG – ao afastar a possibilidade de unificação das penas privativa de liberdade e restritiva de direitos, sob o fundamento de que a privativa de liberdade deve ser cumprida primeiro – divergiu da jurisprudência do STJ.

“Ao assim decidir, a corte de origem divergiu de entendimento já pacificado no âmbito deste Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual, havendo nova condenação no curso da execução e não sendo compatível o cumprimento concomitante das reprimendas privativas de liberdade com as restritivas de direitos, posteriormente impostas, faz-se necessária a unificação das penas”, afirmou.

A matéria já havia sido objeto de outros acórdãos:

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. DESCABIMENTO. EXECUÇÃO PENAL. UNIFICAÇÃO DE PENAS. IMPOSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO SIMULTÂNEO. RESTRITIVA DE DIREITOS (PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE). PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE EM REGIME FECHADO. RECONVERSÃO. POSSIBILIDADE. WRIT NÃO CONHECIDO.

1. Em consonância com a orientação jurisprudencial da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, esta Corte não admite habeas corpus substitutivo de recurso próprio, sem prejuízo da concessão da ordem, de ofício, se existir flagrante ilegalidade na liberdade de locomoção do paciente.

2. Na unificação de penas (art. 111 da Lei n. 7.210/84), a impossibilidade de cumprimento simultâneo de reprimenda privativa de liberdade e restritiva de direito autoriza a reconversão desta última pelo Juízo da Execução, como ocorreu no caso em análise - o paciente se encontrava em regime fechado quando sobreveio outra condenação a pena de prestação de serviços à comunidade.

Habeas corpus não conhecido. (HC 397780 / RS, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, Julgado em 01/06/2017, DJe 12/06/2017)

EXECUÇÃO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. REEDUCANDO EM CUMPRIMENTO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. CONDENAÇÃO SUPERVENIENTE. PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. CUMPRIMENTO SIMULTÂNEO.IMPOSSIBILIDADE. CONVERSÃO DA PENA SUBSTITUTIVA EM REPRIMENDA RECLUSIVA.

1. "A superveniência de nova condenação que impossibilite o cumprimento simultâneo das reprimendas justifica a conversão da sanção restritiva de direitos em privativa de liberdade e a consequente unificação das penas, nos termos do art. 111 da Lei n. 7.210/84 (LEP)" (HC 360.379/RS, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 13/9/2016, DJe 22/9/2016).

2. No caso dos autos, o agravante cumpria pena privativa de liberdade em regime fechado quando sobreveio nova condenação que foi substituída por pena restritiva de direitos.

3. Desse modo, forçosa a conversão da pena substitutiva em privativa de liberdade e a posterior unificação das reprimendas.

4. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp 1634175 / MG, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, Julgado em 18/04/2017, DJe 26/04/2017).

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos