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Prerrogativas e poderes sindicais. Relação jurídica interna.

Proteção do trabalhador sindicalizado na empresa e controle contra discriminação anti-sindicais

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02/05/2005 às 00:00
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3. RELAÇÃO JURÍDICA INTERNA.

O tópico trata da relação mantida entre o sindicato e os membros da categoria a ele associados (sindicalizados). Muito há que abordar a respeito das relações internas, como, por exemplo, a forma pela qual se institui, no âmbito da autonomia privada coletiva, as convocações para assembléias; a forma pela qual os não sindicalizados integrantes da categoria econômica ou profissional poderiam se fazer ouvir para bem embasar a atuação representativa categorial do sindicato; ou, ainda, a forma pela qual o sindicato se estrutura, internamente, para participar da vida comunitária da sociedade ou para agir politicamente em determinado momento histórico com vistas a negociar com órgãos estatais ou organizações internacionais ou mesmo com a sociedade civil.

A Convenção nº 87 da OIT assegura às entidades sindicais o direito de elaborarem os seus estatutos e regulamentos administrativos. No Brasil, o disposto no art. 518 da CLT descreve os critérios formais para a constituição de entidade sindical: denominação, sede, categoria, afirmação de que a associação agirá como órgão de colaboração com os poderes públicos e as demais associações no sentido da solidariedade social e da subordinação dos interesses econômicos ou profissionais ao interesse nacional, atribuições, processo eleitoral, votações, perda de mandato, substituição de administradores, modo de constituição e administração do patrimônio social e destino que lhe será dado em caso de dissolução da entidade, e condições para dissolução.

Conforme já abordado no tópico de Prerrogativas Sindicais, as determinações legais que tratem da forma de constituição do sindicato, número de dirigentes, processos eleitorais e etc. ferem o princípio da não-interferência estatal na organização sindical. A administração dos sindicatos deveria ser matéria interna corporis, facultando às entidades estabelecerem livremente os seus estatutos. Evidente que o Estado, ao outorgar e liberalizar à criação das entidades sindicais demonstrou clara insegurança, tentando manter ranços de controle e limites ao exercício pleno da atividade de representação classista. Segundo a lei brasileira, são órgãos do sindicato: a diretoria, a assembléia e o conselho fiscal; o número de diretores será no mínimo de três e no máximo de sete. essas exigências não são cumpridas. Na prática os sindicatos têm outros órgãos e maior número de dirigentes. Estes são normalmente, o Presidente, o Vice-Presidente, o Secretário-Geral, o Tesoureiro e os membros do Conselho Fiscal. Das assembléias participam os associados. Os membros da categoria não associados não têm o direito de votar e de ser votados.

As entidades sindicais devem ter os seus próprios estatutos e este documento deve ser democrático. O art. 521 da CLT determina que os mandatos sejam gratuitos e o art. 515. "b", impõe a duração máxima de três anos para o mandato da diretoria. O estatuto deve especificar, ademais, os seus órgãos internos, o patrimônio, dispor sobre a fonte de recursos, casos de dissolução do sindicato e destino do patrimônio nesta hipótese.

3.1. Liberdade Associativa.

O princípio da liberdade de associação abrange o princípio da liberdade de sindicalização. No entendimento de Maurício Godinho Delgado, "o princípio da liberdade de associação assegura conseqüência jurídico-institucional a qualquer iniciativa de agregação estável e pacífica entre pessoas, independentemente de seu segmento social ou dos temas causadores da aproximação. Não se restringe, portanto, à área e temáticas econômico-profissionais (onde se situa a idéia de liberdade sindical). [28]"

O princípio associativista tem uma dimensão positiva, traduzida pela prerrogativa de livre criação e vinculação a uma entidade associativa, bem como uma dimensão negativa, decorrente da liberdade também de desfiliação de qualquer entidade (inc. "XX", art. 5º/CF/88 [29]).

É relevante mencionar que a liberdade de associação é amplamente exercida, tendo livre estruturação interna, livre atuação externa, auto-sustentação, direito à auto-extinção (ou garantia de extinção por causas ou agentes externos somente após regular processo judicial).

O princípio da liberdade sindical engloba as mesmas dimensões positivas e negativas, transferidas para o universo da realidade do sindicalismo. Abrange, desse modo, a garantia de livre vinculação ou desfiliação dos quadros do sindicato (inc. "V", do art. 8º/CF/88 [30]).

Portanto, da mesma maneira que o Estado não pode interferir ou impedir a criação e organização das entidades sindicais, como decorrência lógica dos princípios de liberdade sindical e de associação, tampouco o empregador ou a entidade pode impor óbice para que membro da categoria profissional torne-se sócio e exerça os direitos estabelecidos em seus estatutos ou peça desligamento do sindicato.

Trata-se, portanto, da liberdade sindical positiva e negativa e que impede qualquer tipo de restrição à associação ou desfiliação sindical. A exceção encontra-se regulamentada pelo art. 540 da CLT que permite a recusa de membro da categoria à admissão sindical nos casos de "falta de idoneidade, devidamente comprovada, com recurso para o Ministério do Trabalho".

As Convenções da OIT nºs 98 e 135 determinam rigorosa proibição de cláusulas anti-sindicais, que traduzam eventuais artifícios para exclusão ou ingresso ao sindicato e que serão trabalhadas em tópico mais à frente.

3.2. Democracia Interna.

A entidade sindical, até por ser uma instituição criada na base da pirâmide social, como tradução dos anseios das classes categorizadas, devem obrigatoriamente seguir ritos de estrita índole democrática, elaborando os estatutos, dando publicidade a sua atuação, a fim de permitir a participação de todos os membros em sua gestão, implementando processos eleitorais idôneos e tratando com igualdade a todos os membros.

Os sindicatos devem permitir aos associados o direito de ser convocados e assistir as assembléias da organização, o direito de voz, voto e inscrição de "chapas", o direito de expressão das próprias idéias acerca do sindicato (inclusive crítica), nos congressos e fora deles, o direito de informação (publicidade dos atos sindicais), bem como divulgar os critérios para desligamento ou expulsão da organização.

Luis de Pinho Pedreira da Silva aduz que a democracia sindical interna "diz respeito às relações endógenas, ou, em outras palavras, àquelas que se estabelecem entre o sindicato e os seus associados, também denominadas relações endo-associativas. A democracia sindical interna se refere à estrutura, ao governo e ao funcionamento interno do sindicato [31]".

3.3. Da Perda da Qualidade de Associado.

O art. 540, parágrafo único, da CLT, dispõe acerca dos fatos que podem implicar na perda da qualidade de associado, tais como deixar o exercício de atividade ou de profissão, à exceção para os autônomos e profissionais liberais e nos casos de aposentadoria, desemprego, serviço militar, que não perderão os direitos sindicais e ficarão isentos da contribuição, não podendo, no entanto, exercerem cargos de administração sindical ou de representação econômica.

Justifica-se, igualmente, a perda da qualidade de associado a hipótese de renúncia ou demissão espontânea, como conseqüência do exercício da liberdade sindical negativa já mencionada neste trabalho.


4. PROTEÇÃO DO TRABALHADOR SINDICALIZADO NA EMPRESA E O CONTROLE CONTRA DISCRIMINAÇÃO ANTI-SINDICAL.

Sempre que esmiuçamos qualquer tema ligado ao Direito Sindical, principalmente em vista tratar-se de uma ciência relativamente moderna e que teve origem a partir da organização de pessoas aglutinadas em torno de um implemento produtivo, invariavelmente retornamos a questões já debatidas e trabalhadas no presente estudo.

Isto porque se percebe a todo o momento a preocupação legislativa em regulamentar a atuação de representação de classe, criando sistemas jurídicos de segurança de caráter muitas vezes supralegais, a fim de permitir o exercício pleno de liberdade sindical.

E como era de se esperar, criativo que é o homem em sua mais absoluta essência, é possível verificar os inovadores instrumentos de resistência ao livre exercício da atividade de classe, e quase sempre ilícitos, haja vista a implacabilidade do ordenamento legal e dos instrumentos processuais de defesa.

Surgem, então, as chamadas discriminações ou condutas anti-sindicais, situações surgidas no seio das relações de emprego, com prejuízos para todos os envolvidos (empregador, empregado, sindicatos representativos e Estado).

Não seria possível o pleno exercício de liderança no âmbito do local do trabalho, especialmente para a defesa dos interesses da coletividade obreira e que visassem garantir o exercício de eventuais reivindicações de aumentos salariais e demais benefícios indiretos, condição de trabalhos, aí envolvendo a imperiosa eliminação ou diminuição de riscos ambientais, redução da carga horária, defesa da dignidade do trabalho, entre tantos outros infinitos aspectos que envolvam as relações de trabalho, sem que existissem as garantias dispostas no ordenamento e que outorgassem a estabilidade de emprego e inamovibilidade funcional e territorial ao dirigente sindical e ao membro eleito das Comissões Internas de Prevenção de Acidentes.

Igualmente, por meio das fontes de direito consubstanciadas em instrumentos de negociação, a fim de outorgar as mesmas garantias às comissões de fábrica ou mesmo ao representante facultado pelo art. 11º da Constituição Federal, úteis a promover o entendimento e dirimir as controvérsias surgidas internamente, evitando-se substabelecer a solução ao Poder Judiciário.

Neste contexto, surgiram mecanismos de resistência, entretanto, facilmente detectáveis, com o intuito de imunizar a representação sindical dentro das empresas. As listas negras, open shop, yellow dog contracts, copany-unios, e tantos outros "métodos", e que serão objeto de estudo mais adiante.

4.1. Âmbito do Direito Internacional.

O Direito Internacional, por meio da Organização Internacional do Trabalho, fixa regras de suma importância para garantir o livre exercício da atividade sindical, com o fim último e primordial bem jurídico a resguardar os princípios de livre sindicalização e associação, amparadas primordialmente pela Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, art. 2º, "XXI" 11,4, que dispõe que todo homem tem o direito a ingressar num sindicato.

Objetiva, portanto, a proteção plena diante das investidas das condutas ou atividades anti-sindicais, ou mesmo, da discriminação anti-sindical tendo como principal interessado o próprio Estado, figurando como agente que garanta a eficiência da previsão da liberdade sindical, consubstanciado pelo texto constitucional.

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A proteção ao trabalho e ao trabalhador, mormente em vista da evolução histórica das lutas operárias, recorrentes em todo o planeta, como mera característica do comportamento do gênero humano, resulta no interesse universal em dispor regras gerais e que visem a proteção aos comezinhos princípios de dignidade humana.

Tendo a representação sindical funções relevantes para a proteção dos trabalhadores no plano individual e coletivo, evidente que a normatização internacional não poderia deixar de fixar regras de proteção aos seus dirigentes.

A Convenção nº 98/OIT - promulgada pelo decreto nº 33.196/53, com vigência nacional a partir de 18 de novembro de 1953 assim dispõe a respeito da proteção ao exercício da atividade sindical:

"Art. 1º - 1. Os trabalhadores deverão gozar de proteção adequada contra quaisquer atos atentatórios à liberdade sindical em matéria de emprego. 2. Tal proteção deverá particularmente, aplicar-se a atos destinados a: a) subordinar o emprego de um trabalhador à condição de não se filiar a um sindicato ou deixar de fazer parte de um sindicato; b) dispensar um trabalhador ou prejudica-lo, por qualquer modo, em virtude de sua filiação a um sindicato ou de sua participação em atividades sindicais, fora das horas de trabalho ou com o consentimento do empregador, durante as mesmas horas."

"Art. 2º - 1. As organizações de trabalhadores e de empregadores deverão gozar de proteção adequada contra quaisquer atos de ingerência de umas e outras, quer diretamente, quer por meio de seus agentes ou membros, em sua formação, funcionamento e administração. 2. Serão particularmente identificados a atos de ingerência, nos termos do presente artigo, medidas destinadas a provocar a criação de organizações de trabalhadores dominadas por um empregador ou uma organização de empregadores, ou manter organizações de trabalhadores por outros meios financeiros, com o fim de colocar essas organizações sob o controle de um empregador ou de uma organização de empregadores. Art. 3º - Organismos apropriados às condições nacionais deverão, se necessário, ser estabelecidos para assegurar o respeito do direito de organização definido nos artigos precedentes."

4.2. Âmbito subjetivo da proteção.

Pode-se raciocinar a matéria da proteção pensando-se, basicamente, em duas vertentes: a proteção ao indivíduo, dirigente sindical ou de associação profissional, possuidor de prerrogativas que beneficiem o ser coletivo (subjetiva) e a proteção das próprias organizações sindicais (objetiva).

Já tratamos dos mecanismos legais de proteção tais como a garantia contra a dispensa injusta, proposta pelo art. 543, parágrafo 3º, da CLT e a estabilidade do empregado, a partir do momento do registro da candidatura a cargo de direção ou representação da entidade sindical ou de associação profissional, até um ano após o final do seu mandato. Da Inamovibilidade e Inalterabilidade Funcional, conforme o Art. 543/CLT "caput" e parágrafo 2º. Entretanto, o dirigente perderá o mandato se solicitar voluntariamente a transferência para base territorial diferente daquela que representa (parágrafo 1º, art. 543/CLT).

É relevante observar que as mencionadas garantias se estendem aos dirigentes de "associações profissionais", por recepcionada a integralidade do parágrafo 3º, do art. 543, da CLT. (a estabilidade dos dirigentes de associação profissional tem sede em dispositivo infraconstitucional, ao contrário dos dirigentes de sindicato).

4.3. Âmbito objetivo da proteção.

A proteção deve atacar os atos anti-sindicais, a começar pelas "condicionantes restritivas do emprego" (aquela mencionada no artigo 1º, da Convenção nº 98, da OIT, que reza que a proteção do trabalhador deverá ser exercida contra qualquer ato que tenha por objeto sujeitar o emprego de um trabalhador à condição de que não se filie a um sindicato ou a deixar de ser associado de um sindicato.)

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Sobre o autor
Marcelo Ricardo Grünwald

advogado em São Paulo, especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual Civil e mestrando em Direito do Trabalho pela PUC/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GRÜNWALD, Marcelo Ricardo. Prerrogativas e poderes sindicais. Relação jurídica interna.: Proteção do trabalhador sindicalizado na empresa e controle contra discriminação anti-sindicais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 665, 2 mai. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6664. Acesso em: 19 abr. 2024.

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