I – A MEDIDA PROVISÓRIA
No âmbito do direito constitucional brasileiro, medida provisória (MP) é um ato unipessoal do presidente da República, com força imediata de lei, sem a participação do Poder Legislativo, que somente será chamado a discuti-la e aprová-la em momento posterior. O pressuposto da MP, de acordo com o artigo 62 da Constituição Federal é urgência e relevância, cumulativamente. Nem sempre o Executivo respeita esse critério de relevância e urgência quando edita uma MP.
Segundo Bandeira de Mello(Curso de direito administrativo), de acordo com a nova redação do artigo 62 dada pela Emenda Constitucional 32/2001, medidas provisórias são "providências (como o próprio nome diz, provisórias) que o Presidente da República poderá expedir, com ressalva de certas matérias nas quais não são admitidas, em caso de relevância e urgência, e que terão força de lei, cuja eficácia, entretanto, será eliminada desde o início se o Congresso Nacional, a quem serão imediatamente submetidas não as converter em lei dentro do prazo - que não correrá durante o recesso parlamentar - de 60 dias contados a partir de sua publicação prorrogável por igual período nos termos do Art.62 §7º CRFB.
A medida provisória é espécie normativa de normas primárias, que são elencadas no artigo 59 da Constituição. Todas as espécies ali elencadas são lei. Na ADin 293-7/600, o Ministro Celso de Mello afirmou que "as medidas provisórias perfazem, no Direito pátrio, uma categoria especial de atos normativos primários emanados do Executivo, com força, eficácia e poder de lei."
A medida provisória não se confunde com a lei temporária.
A Lei excepcional ou lei temporária em sentido amplo, por sua vez, consiste em norma que tem por escopo atender necessidades estatais transitórias, tais como guerra ou calamidade, perdurando por todo o período considerado excepcional. Daí dizer-se serem ultra-ativas, ou em outras palavras, irradiarem efeitos mesmo depois da sua vigência, ou de outra forma ter-se-ia uma ineficácia preventiva.
Leis temporárias são as que possuem vigência previamente fixada pelo legislador e leis excepcionais as que vigem durante situações de emergência.
É certo que Carlo Esposito(Decreto-legge, in Enciclopedia del Diritto, 1962, pág. 833) sustentou, perante a Carta da Itália de 1947, que a medida provisória é um fato; uma excepcional eventualidade disciplinada pelo direito em face da recepção dos decretos de urgência e necessidade. Como tal , teria caráter excepcional e grave.
Para Marco Aurélio Greco(Medidas Provisórias, 1991, pág. 9) é a medida provisória um ato administrativo com força de lei.
A medida provisória é norma jurídica que pode ser objeto de controle de constitucionalidade.
II – A QUESTÃO DA CONVERSÃO EM LEI DA MEDIDA PROVISÓRIA
A doutrina e a jurisprudência tem enfrentado, no âmbito a Constituição de 1988, a questão da conversão em lei da medida provisória.
No Brasil, logo após a promulgação da Constituição Federal de 1988, o então Consultor-Geral da República, no Parecer SR/92, publicado no DOU de 23 de junho de 1989, sustentou que o procedimento de conversão tem, no projeto de lei, o instrumento de sua realização. Daí porque é por ele que se concretiza a determinação constitucional de transformação da medida provisória em lei. Não obstante, entendeu que, em razão da urgência, poderá o Congresso decidir pela ratificação direta da medida provisória.
No Brasil, a promulgação de medidas provisórias como lei pelo Presidente do Senado, conquanto aprovadas sem emendas, parece ofender a Constituição.
As medidas provisórias não admitiriam emendas. As emendas são apresentadas ao projeto de lei de conversão que deverá ser votado pelo Parlamento. Mas, não se pode considerar as leis de conversão como decorrentes de um procedimento normal de atuação legislativa, como já observava, no direito italiano, A. Manzella(Il Parlamento, 1977, pág. 306 e seguintes).
O Parlamento pode modificar a medida provisória, ampliando ou restringindo o seu conteúdo. Nesse caso, porém, as partes da lei de conversão não reprodutivas da medida provisória, ao entrarem em vigor, apenas operam eficácia ex nunc, não conseguindo, por consequência, produzir efeitos retroativos.
Na matéria, leia-se a lição de Raul Machado Horta (Medidas Provisórias, Senado Federal, Revista de Informação Legislativa, n. 107, julho-setembro de 1990): “Mortati sustenta que a emenda supressiva contém efeito ex tunc, apagando a eficácia da norma desde o início e a aditiva, efeito ex nunc, a partir de sua adoção, para o futuro. Biscaretti, sem assumir posição prévia preferindo acompanhar o juízo de Pizzorusso, para quem o assunto não comporta resposta em caráter geral, admite dupla colocação: a eliminação da regra, por emenda supressiva, pode ser interpretada como denegação da conversão; com efeito ex tunc, ou como ab-rogação, contemporânea à lei de conversão, dotada de eficácia ex nunc”.
Nesse diapasão, agiu bem o Supremo Tribunal Federal em proibir que o Congresso Nacional inclua, na conversão de medidas provisórias em leis, artigos que nada têm a ver com a norma editada pelo Poder Executivo. Esse tipo de “contrabando legislativo” ocorre por meio de emendas de parlamentares e servem para que assuntos espinhosos sejam transformados em lei sem a devida discussão no Parlamento. O tribunal declarou a prática ilegal daqui para frente, mas manteve a validade de leis aprovadas a partir de medidas provisórias nesses moldes pelo Congresso.
Realmente a prática de parlamentares incluírem no texto de medidas provisórias assuntos totalmente diversos é prática censurável. A uma, driblam a questão da urgência e da urgência, de forma abusiva, burlando a Constituição; a duas, é uma ofensa direta ao texto constitucional.
A introdução de matérias estranhas às medidas provisórias não tem sido aceita de maneira pacífica pela sociedade. Ao contrário, tem sido vista com perplexidade. Trata-se de um verdadeiro abuso legislativo, que destrói a ação precípua da medida provisória, que em sua essência é nobre. Há uma inconstitucionalidade escancarada nas medidas provisórias que incluam, por parte do Legislativo, matéria privativa do Poder Executivo — disse Lewandowski.
A polêmica chegou à Corte em uma ação direta de inconstitucionalidade proposta ao STF pela Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL). A entidade questionou a validade da Lei 12.249, de 2010, resultante da conversão da Medida Provisória 472, de 2009. A Medida provisória tratava de vários assuntos – entre eles, a prorrogação de benefícios fiscais e alteração de regras do programa “Minha Casa Minha Vida”. No Congresso, foi incluído na mesma medida um artigo que extinguiu a profissão de técnico em contabilidade.
Os ministros do STF decidiram manter a regra questionada, para evitar um caos nos tribunais. Isso porque, se a lei fosse derrubada, haveria uma enxurrada de ações pedindo o fim de centenas de leis aprovadas da mesma forma – ou seja, a partir de emendas parlamentares sobre temas diferentes incluídas em medidas provisórias. Portanto, a regra só valerá de agora em diante. O Ministro Lewandowski determinou que o Congresso seja notificado da proibição.
Ana Cláudia Manso Rodrigues, em tese em que foi orientador o ministro Gilmar Mendes, na Universidade de Brasília, observou:
“A lei de conversão, como já ressaltado, apresenta dupla função conservativa dos efeitos e prospectiva das disposições, no todo ou em parte, da medida provisória. Não substitui o ato governamental desde o início: não tem força retroativa. A medida provisória, ato normativo com força de lei, submetido a uma disciplina própria, não pode ter os seus limites constitucionais desconsiderados por uma lei que lhe é posterior. Há que se observar que o art. 62 da Constituição Federal, além de estabelecer uma relação entre poderes do Estado, é norma voltada para resguardar a liberdade dos cidadãos”(nesse sentido, na Itália, observou Frederico Sorrentino, Il decreto legge non convertito, in Corte Costituzionale, pág. 91).
A lei de conversão não pode confirmar os efeitos derivados de uma medida provisória eivada de ilegitimidade constitucional. Até porque eventuais lesões ou ameaças a direitos, porventura provocadas pela medida provisória convertida em lei pelo Congresso Nacional, restariam imunes à apreciação judicial, numa afronta ao direito fundamental de amplo acesso ao Judiciário.
Conferido à medida provisória convertida em lei o mesmo tratamento jurídico constitucional dado ao projeto de lei e à lei de conversão, a distinção entre as duas figuras desapareceria, em virtude de se emprestar à medida provisória a qualificação de uma lei autônoma, capaz de ser seccionada no tempo e em sua eficácia. Não há duas leis suscetíveis de seccionamento, de tal modo que o vício verificado durante a vigência da primeira lei possa deixar incólume a outra lei, pelo fato de ela ser independente da primeira.