A análise do instituto do ato infracional e a redução da maioridade penal como suposta solução para o problema da impunidade

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Este trabalho visa analisar a doutrina da proteção integral do Estatuto da Criança e do Adolescente refletindo acerca do crime e do ato infracional, observando a diferenciação destes como principal objeto da discussão da redução da maioridade penal.

INTRODUÇÃO

Muito se discute acerca da impunidade no sistema penal brasileiro, principalmente quando se fala do menor infrator, que tem mais benefícios trazidos pela legislação, diferenciando-se daqueles que tem acima de dezoito anos de idade, estes considerados criminosos.

Neste caso, o menor de idade comete ato infracional, enquanto o considerado maior de idade comete crime, sendo diferentes no tocante ao processo de recuperação destes na sociedade, já que, enquanto para aquele é adotado medidas como a internação, para este, por exemplo, é realizado a prisão em regime fechado. Porque medidas tão diferentes para atos cometidos de forma igual? Porque para o menor que comete homicídio há políticas mais brandas do que para os maiores de idade, praticantes do mesmo crime?

A resposta desse questionamento é complexa. Os estudos apontam para a diretriz de que o menor de dezoito anos não tem estrutura, nem tão pouco o psicológico adequado e sólido para a realização dos atos em sociedade, motivo este que são considerados inimputáveis, não tendo o fragmento da culpabilidade, um dos elementos necessários formadores do crime. Para outros autores, o indivíduo, mesmo que seja menor de idade, deve responder criminalmente de forma igual ao de maior de dezoito anos.

Com isso, surge diversas discussões na doutrina acerca da necessidade da diminuição da maioridade penal, fazendo com que haja uma evolução nas políticas públicas na tentativa de diminuir a criminalidade em nosso país, já que as medidas socioeducativas presentes atualmente no Estatuto da Criança e do Adolescente não surgem efeito algum nestes jovens, pois a reincidência da prática desses crimes continua cada vez maiores após a conclusão destas medidas.

Ocorre que o grande questionamento acerca do tema é se com a diminuição da maioridade penal irá acabar com a impunidade ou será somente um meio para que haja uma satisfação social que clama por alguma atitude imediata do Estado.

Levando em consideração que a criança ou o adolescente preso irá trazer um sentimento de vingança por parte destes, não havendo qualquer reflexão acerca do crime cometido, é notório que os crimes realizados pelos menores infratores não irão acabar.

Isso se dá pelo fato destes jovens estarem amparados pela Doutrina da Proteção Integral, advinda com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que atribui ao Estado, a família e a sociedade a responsabilidade pelos atos cometidos pelos menores de idade, devendo os envolvidos darem um suporte na educação, lazer e saúde desses.

Com isso, é necessário que não haja o espírito punitivo a estes jovens, mas sim de forma educativa, de forma de que estes retornem a sociedade como pessoas melhores. A prisão destes poderá fazer com que tenham um sentimento de revolta, e, consequentemente, saiam das medidas sócio educativas de maneira pior do que entraram.

É necessário, portanto, que hajam políticas públicas eficientes, adequadas para os menores de idade, de forma que os façam entender da gravidade da situação envolvida, numa atividade de reflexão e aprendizagem. 

O objetivo deste trabalho é trazer o conceito da criança e do adolescente à luz do ECA e da Doutrina da Proteção Integral, bem como refletir acerca da efetividade da proposta de redução da maioridade penal.

CONCEITO DE CRIANÇA E ADOLESCENTE SEGUNDO O ECA E A APLICAÇÃO DA DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL

Inicialmente, é importante salientar o conceito de criança e adolescente segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o qual define objetivamente criança como sendo o indivíduo com idade de até 12 anos incompletos e adolescente aqueles que tenham entre 12 e 18 anos, senão vejamos:

Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. (BRASIL, 1990)

O parágrafo único do dispositivo supracitado faz menção, ainda, à possibilidade do estatuto regular os comportamentos daqueles que tenham obtido a maioridade, desde que obedeçam aos seguintes requisitos: ter entre 18 e 21 anos de idade e o caso concreto estar regulado expressamente pela lei.

Como exemplo, temos o caso de um infrator de 17 anos de idade cometer um homicídio, tendo cometido um ato infracional, sendo a este imposto a pena cominada no art. 121, parágrafo segundo, do ECA, que prevê a pena de internação de forma indeterminada. Caso não houvesse a previsão do maior de idade ser regulado pelo estatuto, o indivíduo que recém atingisse a maior idade, estaria “livre” da sanção do estado, sendo esta a sua principal finalidade, qual seja, evitar a inércia do Estado e, consequentemente, a sua impunidade. Com isso:

Assim é que, o objetivo visado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, ao prever a possibilidade de sua aplicação às pessoas entre 18 e 21 anos, nas hipóteses expressamente previstas pela lei (art.2º, § único da Lei nº 8.069/90), foi impedir que os menores de 18 anos, autores de atos infracionais antes de completada tal idade (art.104, § único, do ECA), ficassem sem nenhuma providência do Estado, pelo só fato de virem a adquirir a maioridade durante o curso da Sindicância, ou durante o curso de cumprimento da medida já anteriormente imposta. O fim objetivado pelo ECA foi, assim, evitar a ausência do Estado, do Direito e da Justiça, àqueles que cometeram atos infracionais antes de completar os 18 anos de idade. Imagine-se, exemplificativamente, a hipótese de um adolescente vir a praticar um homicídio, um seqüestro, um latrocínio, um estupro, ou qualquer outro ato infracional, com 16 ou 17 anos de idade, vindo a lhe ser imposta a medida da internação, por prazo indeterminado, conforme estabelece o art.121, § 2º, do ECA. Este menor, caso não houvesse a norma do art.2º, § único, do ECA, determinando a sua aplicação às pessoas entre 18 e 21 anos de idade, poderia ficar sem nenhuma providência do Estado, caso tivesse cometido o ato infracional às vésperas da aquisição dos 18 anos de idade, ou mesmo ter a medida interrompida antes de atingida a sua finalidade pedagógica e educacional. Tal hipótese levaria a um verdadeiro absurdo social e jurídico, posto que não se pode, em um Estado de Direito, admitir-se que alguém possa cometer atos tão reprováveis, e permanecer parcial ou totalmente imune a qualquer providência do Poder Público. Contraria o bom senso de qualquer cidadão comum, e o que é pior, se constituiria em forte estímulo à prática de atrocidades às vésperas de se completar 18 anos de idade, em flagrante desrespeito aos direitos maiores garantidos em nossa Constituição Federal, relativos à inviolabilidade do direito à vida e à segurança (art.5º, "caput", da CF). Assim, para se afastar a possibilidade da existência de um período dentro do qual o Estado não pudesse agir, é que o ECA estabeleceu a sua aplicação às pessoas entre 18 e 21 anos, nas hipóteses expressamente previstas pela lei (art.2º, § único do ECA). Assim, em consonância com este limite máximo de 21 anos, é que se fixou o limite máximo de internação em 3 anos (art. 121, § 3º, do ECA), de forma a que aquele que comete ato infracional com 17 anos de idade, ainda possa responder pelo seu ato, permanecendo internado até os 21 anos de idade. (CASTELO; PINESCHI; HERSCHANDER; MARCHI; BAZ, 2003, [s.l.]).

Ligado a isto, temos a doutrina da proteção integral, que foi levada à tona com o advento da Constituição Federal de 1988, que em seu artigo 227 revela:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988)

Tal dispositivo trata de entendimento diverso daquele compreendido antes da promulgação da carta magna, qual seja, a da situação irregular, que só colocava a criança e ao adolescente em pauta quando estes não estavam dentro de uma família, de uma base sólida, diferentemente do que o dispositivo em epígrafe revela, isto é, o novo entendimento trouxe a ideia de que o Estado, junto à família e à sociedade, deve trazer subsídios básicos a estes jovens, oriundos da dignidade da pessoa humana, como alimentação, saúde, respeito, dentre outros. Ratificando tal entendimento, VILAS BOAS (2011, [s.l.]) ensina:

Quando se trata das crianças e dos adolescentes o nosso sistema jurídico pode ser analisado em duas fases distintas: a primeira que denominamos de situação irregular, no qual a criança e adolescente só eram percebidos quando estavam em situação irregular, ou seja, não estavam inseridos dentro de uma família, ou teriam atentado contra o ordenamento jurídico; já a segunda fase denominada de Doutrina da proteção integral, teve como marco definitivo a Constituição Federal de 1988, onde encontramos no art. 227, o entendimento da absoluta peioridade. (VILAS BOAS, 2011).

E ainda:

Assim rompemos com a doutrina da situação irregular existente até então para abarcarmos a doutrina da proteção integral consubstanciada em nossa Carta Magna. Em termos de estrutura jurídica trata-se de uma reviravolta no sistema menorista, uma inovação que até os dias de hoje não foi completamente implementada. Porém, em âmbito internacional não era uma novidade, ao contrário já estávamos atrasados várias décadas. A Declaração dos Direitos das Crianças foi publicada em 20 de novembro de 1959 pela ONU. E no cenário internacional, essa Declaração acabou originando a doutrina da Proteção Integral, que somente entrou em nosso ordenamento jurídico com o advento da Constituição Federal de 1988. (VILAS BOAS, 2011, [s.l])

CRIME x ATO INFRACIONAL

O termo “crime” é considerado como elemento que a sociedade cria para que sejam punidas as condutas graves dos indivíduos, sendo obrigatória para que estes sejam punidos de acordo com a proporção e a consequência dos seus atos.

Neste diapasão, o crime é definido por Ricardo Andreucci como:

a violação de um bem penalmente protegido, conduta proibida por lei, com ameaça de pena criminal. O crime pode ser definido como fato típico, antijurídico e culpável, ou simplesmente fato típico ou antijurídico. (ANDREUCCI, 2009. p.35).

O renomado autor Guilherme Nucci (2014), revela em sua obra que há três tipos de conceito de crime, quais sejam, o material, formal e o analítico, sendo este último considerado o mais importante.

O conceito analítico abrange os chamados “fragmentos” do crime, o estudando em sua mínima especificidade. Com isso, a corrente majoritária divide o crime como sendo um fato típico, antijurídico e culpável, sendo todos estes elementos necessários para que o configure.

O fato típico consiste na adaptação do ato praticado ao tipo penal cominado na lei. Nucci (2014, p. 155) assim o define:

Para cuidarmos do fato típico, devemos voltar os olhos aos conceitos de tipo penal, tipicidade, conduta, resultado e nexo causal, pois o fato típico é a síntese da conduta ligada ao resultado pelo nexo causal, amoldando-se ao modelo legal incriminador. Em outras palavras, quando ocorre uma ação ou omissão, torna-se viável a produção de resultado juridicamente relevante; constatada a tipicidade (adequação do fato da vida real ao modelo descrito abstratamente em lei), encontramos o primeiro elemento do crime.

A antijuridicidade ou ilicitude é a relação entre a conduta do agente e a proibição desta, expressa na legislação. Quando um indivíduo pratica o homicídio, por exemplo, este ato é típico, pois o código penal comina a pena para tal crime, e antijurídico, pois o ato de matar alguém está em desacordo com o que preceitua a legislação.

E por último, temos a culpabilidade, elemento diferenciador entre crime e ato infracional, sendo o elemento subjetivo para que observemos a inimputabilidade do agente. GRECO(2008, p. 383) define em sua obra:

[...] a culpabilidade, ou seja, o juízo de censura que recai sobre a conduta típica e ilícita, é individual, pois o homem é um ser que possui sua própria identidade, razão pela qual não existe um ser igual ao outro. Temos nossas peculiaridades, que nos distinguem dos demais. Por isso, em tema de culpabilidade, todos os fatos, internos e externos, devem ser considerados a fim de se apurar se o agente, nas condições em que se encontrava, podia agir de outro modo.

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A culpabilidade é o elemento ideal para enxergarmos a diferença entre o crime e o ato infracional, já que o menor de idade, quando pratica conduta em desacordo com a lei penal, não comete crime, pelo motivo do mesmo não ter as condições psicológicas suficientes para tal. Desta forma:

Já a culpabilidade, é considerada como principal fator diferencial entre o ato infracional e o crime: o menor não possui culpabilidade. Sob o entendimento de Muñoz Conde (1988, p. 132), a capacidade da culpabilidade inclui "requisitos que se referem à maturidade psíquica e à capacidade do sujeito para se motivar (idade, doença, mental, etc.). É evidente que, se não têm as faculdades psíquicas suficientes para poder ser motivado racionalmente, não pode haver culpabilidade." É o que acontece com os inimputáveis, descritos no Código Penal, desprovidos da capacidade e culpabilidade não lhe sendo impostas as penas descritas no Código Penal. (MARINHO, 2011, [s.l.])             

Com isso, o ato infracional é toda conduta praticada por criança ou adolescente tipificada na legislação penal, tendo finalidade educativa e não punitiva, como o crime, já que é levado em consideração a estrutura do sujeito ativo da prática criminosa. Vejamos o que revela Johannes Petrus:

O Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 103 considera como ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal. Dessa forma, qualquer conduta praticada por criança ou adolescente, e que haja previsão legal como crime ou contravenção penal, pelo Código Penal, Lei das Contravenções Penais ou qualquer outra lei, tem sua denominação alterada para ato infracional. (PETRUS, Johannes, 2010, p. 36)

O autor faz ainda uma diferenciação entre crime e ato infracional:

Crime é toda ação ou omissão proibida pela lei, sob ameaça de pena, ou seja, crime é fato típico e antijurídico. Assim, a criança e o adolescente podem vir a cometer crimes, mas não preenche o requisito da culpabilidade, pressuposto de aplicação da pena. Visto que, a imputabilidade penal inicia-se somente aos 18 (dezoito) anos, ficando a criança e o adolescente que comete ato infracional sujeito à aplicação de medidas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente. Verifica-se dessa forma que o Estatuto da Criança e do Adolescente não faz diferença entre crime e contravenção penal, uma vez que ambos constituem condutas que contradizem o direito positivo, já que se situam na categoria do ilícito penal. Como o processo judicial demanda muito tempo, e a medida a ser aplicada à criança ou ao adolescente poderia ser prejudicada, o ECA para seus efeitos, considera a idade do infrator ao tempo do fato, e não quando a sentença for proferida. Ao definir o ato infracional, o ECA considera o adolescente infrator como uma categoria jurídica, passando a ser sujeito dos direitos estabelecidos na doutrina de Proteção Integral, inclusive no que diz respeito ao devido processo legal. (PETRUS, Johannes, 2010, p. 36).

REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL À LUZ DO ECA E DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Conforme disposto no artigo segundo do Estatuto da Criança e do Adolescente, considera-se adolescente aquele que encontra-se entre doze e dezoito anos de idade.

Vislumbrando o fato de estar em período de desenvolvimento cognitivo, com a assimilação de novas realidades e obrigações, em razão inclusive da modificação hormonal inerente ao ser humano em fase de crescimento, ao adolescente não se pode atribuir a mesma balança que é imposta ao adulto. Aquele, a partir dos 12 anos, no máximo poderá ter atribuídas medidas socioeducativas, em caso de cometimento de atos infracionais.

De acordo com o que aduz o Código Penal (BRASIL, 1940) em seu art. 27, são inimputáveis os menores de 18 (dezoito) anos, ficando estes sujeitos a legislação especial, qual seja, o Estatuto da Criança e do Adolescente. A Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), ao tratar sobre a penalização, igualmente previu a proteção do indivíduo considerado adolescente em seu art. 228.

Uma questão bastante em voga nos tempos atuais diz respeito à redução da maioridade penal, sob a justificativa de que adolescentes, que se encontram abaixo da faixa de 18 (dezoito) anos, aproveitam-se de sua condição de inimputável e realizam condutas ilícitas, bem como recebem atribuições para agirem como executores de crimes nos quais o autor intelectual, maior de idade, se mantém oculto.

Fala-se principalmente em uma situação de impunidade em decorrência da ausência de políticas eficazes em repressão à conduta ilícita da criança ou adolescente, que, por vezes comete o ato infracional, é responsabilizado por tal, mas acaba sendo reincidente em sua conduta.

O que se estabelece, sob o ponto de vista do Estatuto da Criança e do Adolescente, é que as medidas socioeducativas propiciem a ressocialização do adolescente infrator, o que será conferido através de medidas pedagógicas. (FERREIRA, 2013).

Ocorre que, não se pode confundir ineficácia na execução das medidas socioeducativas em conjunto à ausência de políticas públicas com impunidade. O que falta não é punição, mas medidas punitivas e repressivas que efetivamente tenham cunho ressocializador e educativo. Mais que isso, é dever do poder público fornecer à criança e ao adolescente condições suficientes para que este tenha opções de se desenvolver distante do ócio, da ignorância, da fome, da miséria e da enfermidade, situações diretamente interligadas com o desvio de conduta durante o desenvolvimento.

Essa condição peculiar de pessoa em desenvolvimento trata sobre crianças e adolescentes como sujeitos carecedores de proteção especial, tratamento diferenciado. São indivíduos presumidamente ainda sem personalidade formada. (MATTOS, 2015).

A respeito deste aspecto subjetivo, no que diz respeito à personalidade do indivíduo em fase de adolescência:

Tal condição ostentada por essas pessoas especiais significa que os atributos de sua personalidade infanto-juvenil têm conteúdo distinto dos da personalidade adulta. Portanto, são mais vulneráveis, necessitando de um sistema especial que os protejam, visto que ainda não desenvolveram completamente sua personalidade, suas potencialidades humanas não amadureceram, estão em condição menos favorável para defender seus direitos, é a parte mais sensível nas relações jurídicas. (MATTOS, 2015, p. 35)

Ao atribuir ao menor de 18 (dezoito) anos a imputabilidade que apenas é devida ao adulto, além de se promover situação contrária aos direitos e garantias individuais, o que encontra-se devidamente resguardado como cláusula pétrea da Constituição Federal de 1988, estaria o poder público indo contra seu dever legal de garantidor ao melhor interesse da criança e do adolescente.

Em sentido oposto, estaria colocando o adolescente em situação de risco iminente, ao permitir que lhe seja aplicada a mesma penalidade aplicada ao adulto, não respeitando a especialidade com a qual se deve tratar o adolescente, não obstante, coloca-lo no mesmo patamar de um adulto, seria expor este à possibilidade de conviver dentro do ambiente prisional, o que, no Brasil, como bem é sabido, sequer respeita a dignidade humana, avalie respeitar a peculiaridade do adolescente ou ter âmbito ressocializador.

Ao dissertar sobre a retribuição do ilícito Cesare Beccaria (2003, p. 69 apud PETRUS, 2010, p. 24) defende a proporcionalidade entre o crime e a pena. Afirma ainda:

Se for estabelecido o mesmo castigo, a pena de morte, por exemplo, para aquele que mata um faisão e para quem mata um homem ou falsifica um documento importante, em pouco tempo não se procederá a mais nenhuma diferença entre esses crimes; serão destruídos no coração do homem os sentimentos de moral, obra de muitos séculos, cimentada em ondas de sangue, firmada muito lentamente através de mil obstáculos, edifício que apenas se pôde erguer com o auxílio das mais excelsas razões e o aparato das mais solenes formalidades.

Assim como se pode destacar a proporcionalidade em seu teor objetivo, qual seja, em análise ao ilícito cometido, se faz imprescindível promover a mesma análise de proporcionalidade sob um aspecto subjetivo, analisando o autor da ilegalidade e realizando o mesmo procedimento avaliador da proporcionalidade quando da atribuição de reprimenda à conduta ilegítima.

Abraçar a redução da maioridade penal seria como uma confissão de falência do sistema penal brasileiro, bem como das políticas de segurança e educação, haja vista que o direito penal apenas deve ser aplicado em última instância, como a solução final. Aplicando de imediato tal medida, seria como reconhecer que as políticas públicas são completamente falidas, que já não há mais meios intermediários de modificar o quadro que se instalou com a predominância de adolescentes junto à criminalidade.

No que diz respeito ao assunto, tratando sobre fundamentos jurídicos do Direito Penal Moderno mínimo, Siqueira (2002, p. 1 apud PETRUS, 2010, p. 19) afirma que:

O Direito Penal moderno tem com fundamento basilar a intervenção mínima deste ramo nas condutas humanas. A área penal deve ser vista sob a ultima ratio, ou seja, a última solução para o problema jurídico apresentado para apreciação e enquadramento, e isso se dá pela aspereza da resposta apresentada pelo sistema penal a condutas que violem seus preceitos típicos, com a cominação da pena que passa da restrição ou limitação da liberdade humana até a multa penal.

Neste mesmo sentido, Prado(2001, p. 84 apud PETRUS, 2010, p. 19-20) explana acerca do princípio da intervenção mínima:

O princípio da intervenção mínima ou da subsidiariedade estabelece que o Direito Penal só deve atuar na defesa dos bens jurídicos imprescindíveis à coexistência pacífica dos homens e que não podem ser eficazmente protegidos de forma menos gravosa. Desse modo, a lei penal só deverá intervir quando for absolutamente necessário para a sobrevivência da comunidade, como ultima ratio.

Não há dúvidas de que a medida de redução da maioridade penal, além de ir contra disposição constitucional imutável, traz, de ricochete, riscos iminentes à segurança pública, pois, como se vê no sistema prisional brasileiro, além da superlotação dos presídios, os indivíduos que lá adentram em razão do cometimento de um crime de menor potencial acabam envolvendo-se com traficantes e homicidas por questão de sobrevivência, deixando ainda mais nítido o risco que se impõe ao adolescente caso seja punido como o adulto.

A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL RESOLVE O PROBLEMA DA SUPOSTA IMPUNIDADE OU APENAS DÁ SATISFAÇÃO A UMA SOCIEDADE QUE CLAMA POR ADOÇÃO DE ALGUMA MEDIDA?

Como já explanado no capítulo anterior, a redução da maioridade penal envolve muito mais do que se é dito sob o argumento de que se deve punir e reprimir a conduta criminosa a qualquer custo.

O discurso da impunidade vem como maior justificativa para pugnar pela redução da maioridade penal, visando atingir aqueles que, de alguma forma, se veem como inatingíveis pelo sistema penal brasileiro.

A questão da redução da maioridade penal encontra-se num patamar de complexidade muito além do discurso do senso comum, que o vislumbra muito mais como um caráter punitivista de vingança do que propriamente ressocializador, o que é (ou deveria ser) o principal intuito da pena no sistema jurídico brasileiro.

Já em tempos remotos era possível observar que, para o indivíduo espectador dos crimes e contravenções, o poder público agia muito mais para “mostrar” que era eficiente na reprimenda dos crimes, tornando a punibilidade um espetáculo público, do que propriamente sendo eficaz para a redução das taxas de criminalidade:

Entre o século XIII e o século XVIII, a principal arma punitiva do poder soberano foi o suplício e a execução pública. O espetáculo de supliciamento do corpo do condenado não era, para Foucault (1983), o extremo da raiva sem lei. Era técnica, com propósito revelador da verdade e agente de poder. No Século das Luzes, porém, a flagelação pública já não cumpria com eficiência sua função de reafirmação da soberania. As multidões começavam a se identificar com os condenados e passavam a ver o suplício como tirania, exagero e sede de vingança (FOUCAULT, 1983).

Sob um aspecto estritamente punitivista se deixa de lado a observância necessária da criança e do adolescente como indivíduos que necessitam de uma atenção especial, não podendo serem considerados e avaliados num mesmo grau em que se avalia o adulto.

Tratando sobre o assunto, Maite Nora Blancquaert Mendes Dias (2017, p.92-93) trata sobre outro fato deveras influente na assimilação entre impunidade e necessidade da redução da maioridade penal, a mídia:

Segundo Batista (2002), a pena é vista, inclusive pela mídia, como ―rito sagrado de solução de conflitos‖. ―A equação penal – se houve delito, tem que haver pena - é a lente ideológica que se interpõe entre o olhar da mídia e a vida, privada ou pública‖ (p.4). Nesse contexto, as garantias do Estado democrático de direito – devido processo legal, plenitude de defesa, presunção de inocência, entre outros – aparecem na mídia como um estorvo, burocracias que impedem o ―correto funcionamento‖ do sistema penal e da pena. Como os adolescentes em conflito com a lei não se enquadram nessa equação penal – embora sofram medidas socioeducativas -, o enquadramento da imprensa sobre a criminalidade juvenil e a maioridade penal, em 2015, ainda reiterava o discurso da impunidade. Seja pela suposta permissividade do ECA, seja pela falta de eficiência da polícia ou mesmo pelas más condições dos locais de internação dos adolescentes em conflito com a lei.

Enquanto o ECA prevê e aplica o disciplinamento compatível à idade de cada indivíduo, determinando a adoção de medidas socioeducativas e não de penas propriamente ditas, muito do discurso sensacionalista se pauta na mera adoção de medidas que deveriam ser usadas em último caso até mesmo aos adultos, atribuindo à pouca efetividade do sistema penal a falta de punição.

Neste discurso do senso comum pouco se observa de concreto e muito se vê de entusiasta, fantasioso e sonhador. O sistema penal brasileiro já possui um caráter de retirada do indivíduo do convívio com os demais, promovendo apenas a tentativa de isolamento deste do convívio social, no intuito de não lhe permitir voltar a cometer um crime.

Acontece que se deixa de observar que o indivíduo, em algum momento, irá retornar à sociedade, e que irá retornar com um sentimento recíproco de vingança àqueles que simplesmente o trancafiaram num local indigno e fétido. Ao adolescente, menor de 18 (dezoito) anos, a adoção de medida de internação, em último caso, lhe permite ainda a alternativa de reflexão sobre o sistema carcerário. Longe do que vem a ser o encarceramento no presídio, o internamento do adolescente, ainda sim, é medida que lhe tolhe a liberdade, e que, mais do que a penalidade imposta ao adulto, esta deve ter primordialmente um caráter educativo, ressocializador.

Sobre o assunto, Johannes Petrus dispõe de forma contundente sobre o assunto:

Desse modo, a medida da semiliberdade contempla os aspectos coercitivos já que afasta o adolescente do convívio social e da comunidade de origem, contudo, ao restringir sua liberdade, não o priva totalmente do seu direito de ir e vir. Assim como na internação, os aspectos educativos baseiam-se na oportunidade de acesso a serviços, e organização da vida cotidiana, estimulando, dessa forma, a ressocialização e a reintegração do menor infrator à sociedade. (PETRUS, 2010, p.49)

A respeito da internação e do período em que ela se reverbera, é necessário enfatizar que, assim como o regime fechado, se aplica aos atos infracionais de maior periculosidade, porém, deve guardar estreita relação com a circunstância peculiar do adolescente, que encontra-se em desenvolvimento e guarnece de especial observância, para que a ele seja oportunizada a ressocialização que, como bem se sabe, é praticamente impossível no sistema penal brasileiro:

A internação em estabelecimento educacional, prevista no artigo 121, do Estatuto da Criança e do Adolescente, somente deve ser destinada aos adolescentes que cometeram atos infracionais graves, ou seja, essa medida é aplicada em caso excepcional. Embora o Estatuto tenha enfatizado os aspectos pedagógicos e não os punitivos ou repressivos, a medida de internação guarda em si conotações coercitivas e educativas.[...] A medida de internação, não comporta prazo determinado uma vez que a reprimenda adquire o caráter de tratamento regenerador do adolescente. Devendo a mesma ser reavaliada a cada 6 (seis) meses. É medida excepcional, e somente será aplicada nas hipóteses indicadas nos incisos I, II e III, do artigo 122 do ECA, qual seja, em caso de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou, então, por reiteração de outras infrações graves, ou por descumprimento reiterado e injustificável da medida anterior. Desse modo, o período máximo de internação não poderá exceder a 3 (três) anos, e atingido esse limite, o menor se for o caso, poderá ser colocado em regime de liberdade assistida ou semiliberdade. Ademais, deverá ser liberado aos 21 (vinte e um) anos, momento em que ocorrerá a liberdade compulsória do adolescente infrator, como expressa o parágrafo 5º, do artigo 122, do ECA.(PETRUS, 2010, p.50)

Novamente se faz necessário enfatizar, o que se requer com a redução da maioridade penal é tão somente a promoção da vingança pelo ilícito cometido, em razão da suposta noção de impunidade do adolescente infrator, medida que não se sustenta principalmente em razão da individualidade que se deve perseguir quando analisado o ato infracional cometido pelo menor de 18 (dezoito) anos.

CONCLUSÃO

Diante do exposto, é possível observar que a Lei 8.069 de Julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) acatou o que já vinha sendo direcionado pela Constituição Federal de 1988, promovendo a doutrina de proteção integral à criança e ao adolescente, figuras antes ignoradas ou pouco valorizadas, mas que agora passam a ser vistas sob o cunho de “futuro da nação”.

Ao observar tal peculiaridade, é possível compreender que o Estatuto em comento trata deste indivíduo de forma mais especializada e peculiar exatamente em razão de sua condição em desenvolvimento; analisa também o fato de que o direito não garante a impunidade do adolescente infrator, mas o pune na proporcionalidade de seus atos, à medida de sua condição intelectual, fisiológica e psicológica, que ainda não estão completamente formadas.

O trabalho em questão explana a base do que trata a diferenciação entre a penalização do adulto e do adolescente, qual seja: a inimputabilidade do menor de 18 anos, o que ocorre em função da proteção integral que se atribui àquele indivíduo que ainda não possui o completo discernimento de seus atos e que possui maior perspectiva de ressocialização, o que, inclusive, só será possível à medida que é tratado de forma diferente do apenado do sistema prisional, no que tange ao direito penal imposto aos adultos.

Ao tratar da questão da redução da maioridade penal, o trabalho em comento tece críticas ao discurso gratuito do senso comum, que cobra, com base na ideia de uma suposta impunidade, a adoção de medidas mais severas aos que se encontram com idade abaixo de 18 anos, justificando que estes assim agem por terem a percepção de serem inatingíveis pelo poder público.

Mais uma vez, de forma sucinta e concreta, o presente estudo vislumbra conferir se realmente a questão da redução da maioridade penal é possível, na ótica da adequação à constituição, haja vista tratar-se de cláusula pétrea a proteção aos direitos e garantias individuais, conforme disposto no art. 60 da Lei Maior; bem como observa questões palpáveis como a aplicação de sanção em contrapartida à conduta criminosa.

Sem que necessite de análise muito minuciosa, é possível observar que o sistema prisional que compreende o indivíduo adulto é muito mais um local que se utiliza para retirar o indivíduo do convívio da sociedade, do que uma medida que vise educa-lo ou ressocializá-lo, em verdade, o caráter da penalização brasileira se dá muito mais em busca de vingança que de justiça.

É possível também compreender que no estudo apresentado se faz uma reflexão sobre essa medida que uma determinada porcentagem da população brasileira compreende como a melhor saída, trata-se de situação que, se adotada, praticamente assina uma confissão de falência do direito penal e do trabalho socioeducacional brasileiro, que, não observando mais qualquer opção de ressocialização do indivíduo, apenas o trancafia numa cela, o separa do restante da população e não cuida de trabalha-lo, mesmo sabendo que, em algum momento, ele será “devolvido” ao convívio social.

Por fim, no último capítulo a análise se torna mais crítica ao abordar uma questão mais sensível, onde se debruça pela tentativa do entendimento entre a redução da maioridade penal como uma medida que busca a eficiência da segurança ou se é apenas uma tentativa instantânea buscada pela sociedade em adotar alguma medida, qualquer que seja ela, sem, no entanto, analisar os riscos que surgirão em virtude de uma medida paliativa insegura e incoerente.

Mais uma vez se aborda a questão da mera “vingança” que se requer por parte de uma sociedade calejada por tantos maltratos, uma sociedade que se abraça à ideia de prisão como conforto de ver algum tipo de punição, no entanto, ao pugnar por tais medidas, pautada num discurso do senso comum, pouco observa que permitir igual punição ao adolescente e ao adulto, ao mesmo tempo se estará retirando a perspectiva de ressocialização do indivíduo menor de 18 anos e o colocando em situação de risco, pois, como bem se sabe, o sistema penitenciário brasileiro é praticamente a certeza de que o ingresso do indivíduo naquelas dependências o tornará, no mínimo, aliado de algum criminoso dominante, por questão até de sobrevivência.

REFERÊNCIAS

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Sobre as autoras
Andrine Rodrigues Lopes

Aluna do 10° Semestre de Direito da Faculdade Luciano Feijão

Amanda de Araújo Magalhaes Sousa

Aluna do 10° Semestre de Direito da Faculdade Luciano Feijão

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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