O Direito como ele é
O mundo jurídico tem sido cada vez mais voraz e cruel com os entrantes no mercado de trabalho, e seria isso de fato algo ruim? Em um país em que atuam mais de 1 milhão de advogados, só sobreviverá à selva quem melhor se adaptar ao cenário, como revelou Charles Darwin. Em meio à luta diária dos graduados e jovens advogados, estão os acadêmicos de direito que habitam em um universo alheio e paralelo à ‘realidade’, esses cercados de resumos, sínteses, esquematizados, compilados e a ‘praga do século’: a internet. Objetos que em tese deveriam ajudar os alunos, deslindam demasiadamente o direito de modo à deturpá-lo. Lênio Streck em artigo publicado, brilhantemente assevera que “o grosso da coisa (sala de aula) é mesmo internet e quejandos epistêmicos. Além, é claro, “daqueles livros”.”. Essa simplificação desmedida leva os acadêmicos a crerem que o dia-a-dia jurídico seja copiosamente ‘fácil’ da mesma forma que atingem a média com os macetes e dicas na academia. A facilidade tem gerado um certo incômodo, digno de preocupação, pois dela decorre a mediocridade, algo que parece estarmos adotando como normal em meio às Faculdades de Direito.
“Olha! um 7, acho que dá para passar nessa disciplina.” Eis a frase que mais ouço pelos corredores das Faculdades de Direito. Atingir a média na cadeira de Introdução à Ciência do Direito possivelmente seja o máximo para aquele acadêmico que contenta-se em ler apenas o resumo da Teoria Pura de Direito ou a resenha do resumo da consagrada obra de Hans Kelsen. Cabe relembrar o saudoso professor Clóvis de Barros Filho onde em sala de aula argumenta com seus alunos que “se você não fizer a experiência da leitura de um texto difícil, agora, acredite, você terá perdido, a chance, a chance… e você dirá: “Mas eu não me interesso por questões filosóficas.” Não! É só uma questão de brio!”. O conhecimento não deve ser nivelado por baixo, não pode! Outrossim o ensino jurídico esteja débil no contexto brasileiro, muito pelo fato de que uma gama considerável de ensinadores do direito aos poucos embasam-se no “grosso da coisa” para lecionarem, utilizam-se de metáforas, analogias e alegorias para transmitirem algo simples como explicar as características da Constituição Federal de 1988, promulgada, escrita, dogmática, rígida e analítica: PEDRA! Genial, no entanto cabe a reflexão, os professores precisam se valer desse método ou os discentes que necessitam dele, de todo modo é outro macete para facilitar a memorizar mais um conteúdo sem o compreender de fato (ok, dá pra passar) com isso é preciso sorte para que o oponente jogue tesoura invés de papel.
Verdade seja dita, estudantes de direito, em geral, encantam-se com o incrível poder de persuasão de Harvey Specter, personagem da série Suits, bem como a magnífica oratória de Annalise Keating em How To Get Away With Murder, e logo se imaginam como renomados juristas, expoentes do mundo jurídico com publicações de artigos, livros, etc.. No entanto, olvidam-se do caminho percorrido para que o sucesso chegue (isso se ele chegar), evidente é o empenho necessário que devemos empregar para fugir da mediocridade que assola os discentes, quem dirá o que será preciso para chegar ao topo. O direito não é algo fácil, nem deve ser, não há como tentar simplificar o complexo. Cabe a nós, acadêmicos de direito, termos gosto pelo difícil, pela leitura, ou seja, pelo Direito. Escolhemos essa bela profissão, não fomos obrigados, cabe a nós ama-lá, nos encantemos pelo Direito como ele é, Nietzsche chamaria isso de amor-fati “Minha fórmula para a grandeza no homem é amor fati: nada querer diferente, seja para trás, seja para frente, seja em toda a eternidade. Não apenas suportar o necessário, menos ainda ocultá-lo (...) mas amá-lo.” Logo, que adoremos a dificuldade imposta a nós no mundo jurídico, que encaremos a voracidade com alegria, que leiamos Kelsen ou Kant com satisfação, não podemos nos conformar com a visível simplificação do Direito, pois diferentemente de Chorão nosso escritório não será na praia.