4. A VARIÁVEL AMBIENTAL NO DIREITO CONTRATUAL
4.1 – BREVE HISTORICO SOBRE CONTRATOS E A SUA FUNÇÃO SOCIAL
Carlos Roberto Gonçalves (2008, p.1)[7] conceitua o contrato como a “mais comum e importante fonte de obrigação, devido às suas múltiplas formas e inúmeras repercussões no mundo jurídico”, sendo este fundamentado na vontade humana e em conformidade com a ordem jurídica. O contrato é o principal direcionador da economia, uma vez que é responsável pela circulação de bens e riquezas.
Ao longo da história, o homem usufruiu em sua plenitude das suas liberdades individuais sem atender a qualquer limitação, como a liberdade de contratar. No século XIX, Orlando Gomes (1983a:94) explanou que a disciplina do contrato se pautava na manifestação vontade das partes e exames de vícios de consentimento, se importando apenas em verificar se o consentimento era livre, entendimento este reflexo da expansão do capitalismo e a defesa do Estado Liberal, uma vez que para contratar bastava haver vontade autônoma do individuo, com a mínima intervenção estatal nas convenções particulares, cabendo este agir apenas para assegurar a vontade das partes ou em caso de vícios de consentimento.
Neste contexto jurídico-econômico, o sistema fundado na ampla liberdade de contratar não abria margens para discussões a respeito de questões intrínsecas de valores como a igualdade e da justiça social na ordem econômica, uma vez que as relações privadas e a atividade econômica fomentavam apenas a circulação de riquezas e o desenvolvimento econômico.
Assim, até a primeira metade do século XX, foi incontestável o entendimento de que para o contrato ser justo bastava que as partes o estabelecessem por suas vontades, no entanto, houve uma mudança fática, jurídica, política e econômica no cenário mundial época, ocasionado pelo fim da Segunda Guerra Mundial e o inicio das discussões sobre a tutela dos direitos difusos e coletivos, e elevou a um novo patamar a noção interpretativa do contrato e a sua função na sociedade.
Os direitos difusos e coletivos são direitos de terceira geração, direcionados em atenção ao destino da humanidade, inicialmente preocupando-se com o meio ambiente, sua preservação e conservação, com o desenvolvimento econômico e a defesa do consumidor; consideram a concepção individual em sua unidade, e redimensionam os direitos individuais, agrupando-os em seu caráter coletivo e transindividual, e observam os efeitos de ações e convenções estritamente individuais sobre a coletividade. No entanto, o direito difuso e coletivo que este estudo irá se ater é ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, CF) e como este promove a releitura do direito contratual.
A princípio, o contrato somente vincula aqueles que dele participam, em tese, seus efeitos não podem nem prejudicam, nem aproveitam a terceiros ou bens estranhos ao contrato, no entanto, é evidente a possibilidade do contrato repercutir sobre pessoas ou objetos alheios às partes contratantes, razão pela qual, o atual ordenamento jurídico brasileiro, influenciado pelos valores de solidariedade e fraternidade norteadores da terceira geração dos direitos fundamentais, trouxe restrições à liberdade de contratar, determinando que esta deverá ser exercida em razão e nos limites das função social do contrato (art. 421,CC/02).
A função social do contrato surge com o intuito de limitar a autonomia de vontade quando esta se encontrar em conflito com o interesse social, devendo este interesse prevalecer a liberdade individual, e assim, lança por terra a velha concepção de que os contratantes tudo podem fazer, mas os obriga a submeter e a alinhar a sua autonomia ao interesse comum da sociedade a que estão inseridos.
4.2 – A FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL DO CONTRATO.
Ante o exposto, alcança-se o tema objeto deste estudo: a variável ambiental como diretriz do direito contratual. O contrato é o instrumento mais expressivo da atividade econômica, razão pela qual é fundamental a submissão desta disciplina às necessidades da preservação do meio ambiente, e, por consequência, a garantia da sobrevivência humana.
A absorção do direito ambiental nos preceitos e princípios norteadores do direito contratual não é plenamente suprida pela função social do contrato, é preciso descer os degraus da profundidade, pois um novo conteúdo é exigido, e assim, inicia-se as discussões a cerca da necessidade da existência da função socioambiental, a qual expande o direito contratual à uma nova dimensão.
É bem verdade que a legislação infraconstitucional é recheada de normas ambientais que impõe limitações e norteiam os contratos a cumprir sua função social e atender prioritariamente ao interesse publico, direcionando as relações privadas a desenvolver sua atividade e celebrar seus negócios em conformidade constitucionais de sustentabilidade econômica ambiental, no entanto, o direito contratual do ordenamento jurídico brasileiro ainda carece da incorporação dos valores e princípios ambientais na sua essência, e a adoção, na prática, não apenas do princípio sociedade, mas do principio ambiental. Reiterando o exposto anteriormente, o contrato é o principal instrumento da atividade econômica e o seu desenvolvimento, razão pela qual, para a obtenção da adequação dessa atividade ao desenvolvimento sustentável, é inevitável a instituição da função socioambiental aos contratos.
Neste sentido é relevante destacar o posicionamento de Alexandre Saldanha sobre o tema:
“a própria natureza difusa dos direitos relacionados ao meio ambiente dificulta a sua pré-compreensão, sua codificação em esquemas capazes de definir titularidades e criação suficiente de instrumentos jurídicos hábeis para a regulamentação e controle de todos os comportamentos de interação com os recursos naturais. Sendo assim, quanto mais agentes e mecanismos disponíveis para uso houver, mais facilmente tais direitos conseguirão obter êxito em suas finalidades, daí imprescindível a evocação da função socioambiental das relações jurídicas privadas e o uso desse valor como critério na solução de conflitos gerais e especificamente ambientais.”.[8]
A inserção da cláusula geral da função socioambiental dos contratos, a qual institui a satisfação do interesse dos contratantes em conformidade com os preceitos ambientais, traz consigo a efetiva aplicação dos princípios ambientais das relações privadas, como os princípios da prevenção e precaução, uma vez que a defesa da tutela ambiental não pode se restringir à não lesividade, mas pressupõe a ações preventivas para a proteção e conservação do meio ambiente.
Ao elucidar o tema, o presente estudo elencou algumas normas ambientais presentes no ordenamento jurídico brasileiro, bem como entendimentos jurisprudências de diferentes graus de jurisdição, os quais ratificam a prevalência do interesse social ambiental em detrimento do individual. Assim, ante a análise legislativa e jurisprudencial brasileira e a sua harmonia em busca da preservação do meio ambiente surge o questionamento: Por qual razão o direito contratual, instrumento base da ordem econômica, seguiria preceitos distintos?
A incorporação da variável ambiental aos contratos, através da inserção da função socioambiental contratual, é um importante instrumento jurídico de gestão de riscos do negócio, pois minimiza a possibilidade de passivos ambientais em decorrência de eventuais sanções administrativas, e possíveis responsabilizações civis e penais dos contratantes, e assim, assume caráter preventivo, uma vez que “é melhor prevenir do que remediar”, uma vez que, além de promover a proteção do meio ambiente, também reduz drasticamente os prejuízos causados pelas responsabilidades oriundas do impacto ambiental, garantindo a saúde e a prosperidade do negócio.
A atividade econômica que ingere a função socioambiental do contrato como principio, agrega em seu planejamento estratégico a preocupação ambiental, impacta positivamente o desenvolvimento dos seus negócios, e exerce influencia em toda a sociedade em que esta inserida e, além de se firmar no mercado, promove a mudança de mentalidade e comportamento de terceiros atingidos pelos efeitos de sua atuação, e assim viabiliza, ainda mais, o alcance do desenvolvimento sustentável.
CONCLUSÃO
A incorporação da variável ambiental aos contratos é benéfica tanto para o meio ambiente quanto para os contratantes, uma vez que, ao contratar tomando como base a precedentes e princípios ambientais, as partes assumem uma postura preventiva de um possível impacto danoso, que, se não for prevenido ou precavido pode causar sérios prejuízos às partes e ao seu negocio.
Ademais, a atividade econômica privada que prioriza o meio ambiente em suas contratações se posiciona no mercado de maneira sólida e consistente, uma vez que a sua preocupação ambiental é saudável para a imagem do seu negócio.
Este estudo propõe não apenas a incorporação da variável ambiental como um instrumento jurídico contratual, mas como um valor a ser usado como norte nas negociações e celebração de contratos. Ainda há resistência nas relações privadas quanto a aplicação do valor ambiental em âmbito contratual, pois muitas atividades consideram o direito ambiental e contratual disciplinas divergentes, acreditando que a absorção dos preceitos ambientais como diretriz de seu negocio arcará em prejuízos, quando, na verdade, é o contrario.
A Constituição Federal de 1988 gerou profundo impacto no Código Civil atualmente vigente, uma vez que relativizou e limitou a visão estritamente individualista e capitalista da disciplina contratual, determinando a predominância do interesse social e ambiental sobre o particular.
Ora, Direito é vida, e ao contrario do que muitos imaginam, não é uma ciência estática, mas dinâmica, devendo acompanhar e se adaptar a cada momento histórico da sociedade, e se desprender de valores e convenções tradicionais hoje ultrapassados.
BIBLIOGRAFIA
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 5° Edição, Volume III, Editora Saraiva, 2008.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. 5° Edição. Volume II, Editora Saraiva, 2005.
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. Editora Saraiva, 2007.
SALDANHA, Alexandre Henrique Tavares. Função socioambiental dos contratos e a instrumentalidade pró-sustentabilidade: limites ao exercício de autonomias públicas e privadas. Revista Veredas do Direito, v.8, n. 16, Belo Horizonte, p. 99-114, julho/dezembro 2011.
PHILLIPI JR, Arlindo; FREITAS, Vladimir Passos; SPINOLA, Ana Luiza Silva. Direito Ambiental e Sustentabilidade. 1° Edição. Editora Manole, 2016.
MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente – Gestão Ambiental em foco: Doutrina, jurisprudência, glossário. 7° Edição re. Atual. E reformada – São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2011.
TARGUETA, Ana Carolina Moura. Direito Ambiental aplicado aos contratos. Disponível em: https://anacarolinatargueta.jusbrasil.com.br/artigos/307647643/direito-ambiental-aplicado-aos-contratos?ref=topic_feed
CAETANO, Eduardo Paixão. Da descartabilidade dos contratos que descumprem o direito ambiental de máxima responsabilidade. Disponível em: http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php/%3Fn_link%3Drevista_artigos_leitura%26artigo_id%3D12559%26revista_caderno%3D28?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=15024&revista_caderno=5
MAIA, Lis Pereira. Função socioambiental dos contratos: algumas considerações frente ao Estado socioambiental de Direito. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=b2645752b986ae26
Notas
[1] REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. Editora Saraiva, 2007. Pg. 2.
[2] Constituição Federal, artigo 225, Título VIII, Capítulo VI.
[3] Constituição Federal, art. 170, Título VII, Capítulo I.
[4] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, ADI 3.540, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 03/02/06.
[5] TJPR - 12ª C.Cível - AC - 1300202-1 - Curitiba - Rel.: Ivanise Maria Tratz Martins - Unânime - J. 28.09.2016
[6] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Voto da Ministra Relatora Cármen Lúcia Antunes Rocha na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 101, Distrito Federal, p. 103.
[7] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 5° Edição, Volume III, Editora Saraiva, 2008. Pg.1.
[8] SALDANHA, Alexandre Henrique Tavares. Função socioambiental dos contratos e a instrumentalidade pró-sustentabilidade: limites ao exercício de autonomias públicas e privadas. Revista Veredas do Direito, v.8, n. 16, Belo Horizonte, p. 99-114, julho/dezembro 2011, p. 107.