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O SERASA e a ilicitude de seus atos

01/08/2000 às 00:00
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Neste estudo buscamos caracterizar que o SERASA – Centralização de Serviços de Bancos S/A., pelos seus fins sociais, pelos serviços que vende, não encontra parâmetros de legalidade para suas atividades.

Na prática, este banco de dados é meio pelo qual as instituições financeiras coagem seus correntista para inibi-los de instalar discussões judiciais de seus direitos em face de contratos de mútuo realizados com instituições financeiras, pois, a só suposta inadimplência, sempre caracterizada em pactos com cláusulas leoninas, é suficiente para a inserção de informações restritivas naquele banco e imediatamente comunicada e disponibilizada a todas instituições financeiras, fechando as portas do mercado afins ao pactuante.


Mostra-se de vital importância trazer alguns conceitos sobre esta empresa que é constituída pelas instituições financeiras e voltada, em primeira instância, para prestar serviços a estas e, ao depois aberta parcialmente para o segmento empresarial. Assim, o banco de dados do Serasa é divido em dois segmentos: a) O Refin acessível só as instituições financeiras e no qual se estabelece até critérios de avaliação sobre o registro restritivo, impondo em face da pessoa ali cadastrada determinado grau de risco; b) O outro destinado ao meio empresarial.

A só divisão do banco de dados com o acesso ao Refin restrito às instituições financeiras, demonstra que se tratam de informações e dados protegidos pelo art. 38 da Lei n.º 4.595/64 que assim determina, ou seja informações econômicas e financeiras sobre correntista/mutuários, "verbis":

"Art.38 - As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados.

§ 1º - As informações e esclarecimentos ordenados pelo Poder Judiciário, prestados pelo Banco Central do Brasil ou pelas instituições financeiras, e a exibição de livros e documentos em juízo, se revestirão sempre do mesmo caráter sigiloso, só podendo a eles ter acesso as partes legítimas na causa, que deles não poderão servir-se para fins estranhos à mesma.

....

§ 7º - A quebra do sigilo de que trata este artigo constitui crime e sujeita os responsáveis à pena de reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, aplicando-se, no que couber, o Código Penal e o Código de Processo Penal, sem prejuízo de outras sanções cabíveis".(destaques nossos)

A partir daí, considerando que a próprio razão social desta empresa "SERASA – CENTRALIZAÇÃO DE SERVIÇOS DE BANCOS S/A..", revela tratar-se de uma empresa de propriedade das instituições financeiras e destinada a prestar serviços, a princípio de responsabilidade destas às mesmas, é certo que estamos diante de serviços que integram aqueles normatizados dentro Sistema Financeiro Ncional, conforme sistematização da Constituição Federal.

A realização de informações econômicas financeiras de bancos para bancos é declarada pela própria empresa em seu site.

Porém, cabe indagar se as instituições financeiras podem terceirizar serviços que lhes são autorizados e que estão disciplinados pelo art. 38 da Lei n.º 4.595/64? Mais, se o só fato de as instituições financeiras serem sócias do Serasa torna esta empresa uma instituição financeira ao ponto de poder manipular informações regidas pela normatização que disciplina o Sistema Financeiro Nacional? Daí decorrem situações importantes.

A princípio é nosso entendimento que não se trata de uma instituição financeira já que não sujeita a fiscalização do Banco Central e nem de existência prevista na norma legal que institui o Sistema Financeiro Nacional.

Daí surge a indagação se esta empresa pode, simplesmente com base no art. 43 do CDC pode criar banco de dados para armazenar e informações tidas como de sigilo bancário?

Não é demais lembrar que as instituições financeiras relutam em submeterem-se aos ditames do CDC. No entanto para agirem em ilícita conduta, remetem-se a ele para manterem uma empresa que processa informações tidas como de sigilo bancário pelo art. 38 da Lei n.º 4.595/64 e que, diga-se, foi recepcionada pela Constituição Federal como lei complementar.

Na medida em que a mesma se intitula como centralizadora de serviços de bancos e processa informações econômicas financeiras sobre clientes das instituições afins, é certo que o faz sobre dados protegidos pelo sigilo bancário. Que dados outros que não sobre clientes inadimplentes poderia repassar para garantir segurança nos negócios, conforme aquela divulga?

A troca de informações direta entre as instituições financeiras sobre questões creditícias é aceita, pois, quando feitas de banco a banco, é realizada por pessoas tidas como bancárias e, por conseguinte, obrigadas ao sigilo bancário. Já os funcionários do Serasa não o são e, ao receberem tais informações ocorre a quebra de sigilo bancário, posto que são terceiros nesta relação de informações.

Ai está uma situação de ilegalidade.

Ainda, tratando-se de informações econômicas financeiras sobre clientes e que integram os serviços dos bancos e considerando que estes integram o Sistema Financeiro Nacional, por força do art. 192 da Constituição Federal, estes serviços só podem ser disciplinados por lei complementar.

Não se pode dizer que o CDC foi criado por lei complementar, e a partir daí que o seu art. 43 possa autorizar a criação de banco de dados para centralizar informações econômicas financeiras sobre clientes dos bancos em uma empresa que não seja instituição financeira.

Ademais, o art. 43 do CDC (LEI N° 8.078, DE 11 DE SETEMBRO DE 1990) autoriza a criação de bancos de dados públicos e, como já informado e é de público e notório conhecimento, o Serasa possui o Refin que é um banco de dados só para as próprias instituições financeiras, portanto, vedado o acesso público na forma disciplinada pelo dispositivo mencionado, descaracterizando sua condição de banco de dados públicos.

Daí decorre o questionamento: Qual o permissivo legal, com caráter de lei complementar, que autoriza a quebra do sigilo bancário sobre informações econômicas e financeiras sobre clientes para centraliza-las em um banco de dados administrado por uma empresa que não se enquadra no conceito de instituição financeira?

Entendemos que esta atividade é totalmente ilícita e no exercício de quebra do sigilo bancário, portanto de irregular funcionamento já que, a livre iniciativa está vinculada ao princípio constitucional de que as pessoas podem fazer o que a lei permite ou o que ela não proíbe. No caso em questão há expressa vedação da prestação de informações revestidas de sigilo bancário senão na forma autorizada pelo art. 38 da Lei n.º 4.595/64.

Agindo sob a ilegalidade, as instituições financeiras criaram um banco de dados que não é público, e hoje se mostra um tribunal onde as informações são veiculadas sem qualquer controle e ao livre arbítrio daquelas.

O próprio Serasa, em seu site (http://www.serasa.com.br), informa algumas fontes de suas informações:

          "6. Como é assegurada a Garantia da Qualidade dos dados coletados pela SERASA?

Pela política de somente captar dados de fontes oficiais, tais como cartórios, distribuidores, fóruns, juntas comerciais, áreas autorizadas nos bancos etc". (destaque nosso)

Ora, surge claro que processam informações econômicas e financeiras de clientes, com reconhecido na informação supra. O que se pode entender como áreas autorizadas nos bancos se todas informações sobre clientes são passadas por estes às instituições financeiras sob a condição de sigilo? Quais informações econômicas financeiras, que são confiadas às instituições financeiras e que estas, por expressa autorização legal possam passar a terceiros? Qual a lei complementar que assim autoriza?

Ademais, considerando, como pela empresa afirmado, que se baseia em informações prestadas por cartórios, fóruns, etc., e que o Poder Judiciário do Estado de São Paulo, que possui convênio com tal banco de dados para transmissão destas informações e, certamente de forma onerosa, como pode-se entender esteja o mesmo Poder Judiciário isento para apreciar questões relativas a informações que de forma conveniada ele repassa a tal empresa?

Da mesma forma é de público e notório conhecimento que esta empresa vendendo tais informações ganhou um "status" de centro de excelência de informações restritivas e que, basta constar um conceito negativo no Serasa que tal informação é tida como verdadeira como fosse uma sentença transitada em julgado e prevalente sobre qualquer outro conceito creditício no mercado financeiro. Assim, na prática, realiza a condição de um tribunal de exceção, o que é vedado pela Constituição Federal.

O conceito de centro de excelência e poder sobre a vida das pessoas é informado pelo próprio Serasa no mesmo site, "literis":

"A SERASA é uma empresa de análises e informações econômico-financeiras e cadastrais para apoiar decisões de crédito e de negócios. Criada em 1968 pelos Bancos para centralizar informações, com o objetivo de racionalizar custos administrativos e obter incrementos qualitativos de especialização, a SERASA, principalmente nesta última década, estendeu sua atuação para todos os setores da economia.

Hoje a SERASA participa ativamente no apoio à maioria das decisões de crédito e de negócios tomadas em todo o Brasil, fornecendo, on-line/real-time, mais de 1 milhão de consultas por dia para mais de 300 mil clientes diretos ou indiretos.

          Reconhecida como a maior empresa brasileira e uma das maiores do mundo no segmento de informações para crédito e negócios, a SERASA atua no mercado nacional e internacional, mantendo acordos operacionais com as principais congêneres de todos os continentes.

O Banco de Dados da SERASA é o maior da América Latina, dispondo de registros de todas as empresas legalmente constituídas no Brasil, cerca de 8,9 milhões, entre as quais 5,3 milhões em atividade, e sobre todos os consumidores do Brasil com alguma atividade econômica.

As soluções SERASA atendem às mais variadas necessidades dos mais diversos segmentos do mercado. As informações são transmitidas aos clientes por meio de uma extensa rede de teleprocessamento, disponível 24 horas todos os dias da semana. O acesso pode ser feito por telefone (voz automatizada), fax (com resposta na mesma ligação), microcomputador, terminal de vídeo, ligações computador a computador e também pela Internet.

Contando com um quadro de pessoal integrado por mais de 1.600 profissionais, a SERASA conquistou a condição de "Empresa de Classe Mundial" ao receber, em 1995, o Prêmio Nacional da Qualidade. Além desse prêmio, a empresa coleciona, em seu curriculum, quase três dezenas de premiações nacionais e internacionais, incluindo diversos prêmios para as atividades de marketing e recursos humanos e a prática da Qualidade Total.

A SERASA está presente em todas as capitais e principais cidades do País, em um total de 130 pontos estratégicos". (destaques nossos)

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Ao informar que na última década entendeu seus serviços a todos os segmentos da economia, na prática o fez pós Constituição Federal de 1988 e da edição do CDC, visando, desta forma adquirir a condição de banco de dados públicos autorizados pelo art. 43 deste último diploma legal, o que, na prática não ocorreu, conforme já demonstrado.

Mais, que a mesma realiza a centralização de serviços das próprias instituições financeiras é de expressa confissão pela mesma. Quem autorize as instituições financeiras repassarem serviços integrantes do Sistema Financeiro Nacional a terceiros.

O Poder Judiciário não pode mais admitir a manutenção de um serviço que realiza às vezes de julgar as pessoas utilizando-se de informações protegidas pelo sigilo bancário, sem autorização legal para tanto.

O Douto causídico Ralph Sapoznik (advogado, administrador financeiro e representante do Brasil no Latin America Financial Strategy Seminar) em matéria intitulada "Os juros e a interpretação que convém" , veiculada pela Gazeta Mercantil, Sexta Feira, 2, e fim de semana, 3 e 4 de junho de 2.000 - Página A-3, discorre sobre a necessidade do regramento de condutas dentro de um Estado democrático, concluindo que é ncessário impor a norma legal de forma igual a todos; estudo este aplicável a esta hipótese, "verbis":

"Vivemos, pelo menos formalmente, em um Estado democrático de direito, cuja definição, ainda que resumida, é a de ser nossa sociedade regida por claras e estáveis regras jurídicas, igualmente aplicadas e amplamente discutidas quando de sua elaboração e promulgação. Ou seja, é a organização de um modo de convivência em que os agentes econômicos, sociais e políticos podem até discordar das formas como se regem as relações e condutas humanas, mas ainda assim sabem como são regidas. Um exemplo banal da importância dessas regras foi-nos oferecido pelo grande pensador austríaco Friederich Hayek: "Pouco importa se dirigimos nossos carros do lado direito ou do lado esquerdo; fundamental é que todos dirijamos do mesmo lado". (destaque nosso)

Resta claro, por força do item XXXII, do art. 5º da Constituição Federal, que o Poder Judiciário, integrando o Estado, promova a defesa do consumidor, inibindo tais atividades ilícitas, "literis":

"Art. 5º...

...

XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

..."

Não bastassem tais situações, é certo que, conforme expediente realizado pelo próprio Serasa em face de indagação sobre informações sobre determinada pessoa, informa que aquela empresa, na prática não controla qualquer tipo de informação que é inserida em seus bancos de dados pelas instituições financeiras, o que quer dizer que não tenha acesso às mesmas.

O documento em questão traz em sua parte final a forma de inclusão dos registros restritivos em seu banco de dados pelas instituições financeiras, "verbis":

"Pendência Financeira

- comando de exclusão, por meios magnéticos, da respectiva Empresa/Instituição Financeira, que é a responsável pelas inclusões e exclusões de referidas anotações.

Pendência Bancária

- comando de exclusão, por meios magnéticos, da respectiva Empresa/Instituição Financeira, que é a responsável pelas inclusões e exclusões de referidas anotações." (destaque nosso)

Como se verifica, tais registros são eletrônicos e são inseridos pelo próprio Banco, o que vale que não possui controle sobre seu próprio banco de dados e por ai, nem o Serasa e menos, a instituição financeira, cumprem com o disposto no art. 43, § 2º, da Lei n.º 8.078/90.

Mais, que o Serasa é mera empresa de fachada, posto que na realidade que opera as informações são as próprias instituições financeiras, não havendo, por parte da mesma, qualquer controle sobre a procedência e veracidade de tais registros.

Causa espécime, mas esta é a realidade dos fatos, o Serasa afirma que sequer realiza controle dos dados que são inseridos pelos seus usuários bancos, dando a exata dimensão da irresponsabilidade do sistema e do uso do mesmo como meio de pressão para inibir as atividades econômicas de empresas e pessoas que entendem aqueles devam pagar os valores abusivos impostos em contratos leoninos, pois, as instituições financeiras ao aderirem ao sistema Serasa se obrigam a não liberar crédito a quem tenha restrição em tal banco de dados.

Verifica-se, pois, que tais bancos de dados não realizam qualquer situação de proteção ao consumidor e sim, fins escusos, arbitrários e de pressão das instituições financeiras contra correntistas, inibindo-os na busca de seus direitos já que, a justa necessidade de suspender pagamentos indevidos e de encargos exorbitantes em face de uma demanda judicial, é situação que desencadeia todo o uso de um aparelho superdimensionado para restringir qualquer atividade financeira e econômica do mesmo em todo Brasil e por que não dizer, no exterior.

Conclui-se, pois, que esta empresa não se enquadra como banco de dados públicos, conforme autorizado pelo art. 43 do CDC, e que ao realizar informações econômicas e financeiras sobre operações ativas e passivas e serviços prestados pelos bancos, o que é vedado pelo art. 38 da Lei n.º 4.595/64, age em flagrante prática de ilícito e, sem qualquer previsão em Lei Completar que a autorize a existir e prestar tais informações, mesmo somente entre as instituições financeiras.

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Sobre o autor
Marco Antonio Pizzolato

advogado em Santa Bárbara d’Oeste (SP), sócio titular da M. A. Pizzolato S/C Advogados Associados, especialista em Direito Processual Civil

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PIZZOLATO, Marco Antonio. O SERASA e a ilicitude de seus atos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 44, 1 ago. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/668. Acesso em: 19 abr. 2024.

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