Sumário geral: Parte I - Norma Jurídica, Fato Jurídico e os Planos do Mundo Jurídico. Parte II - Substituição Tributária Progressiva na Esfera do ICMS: a busca de um modelo dogmático à luz da jurisprudência dos Tribunais Superiores
PARTE I: NORMA JURÍDICA, FATO JURÍDICO E OS PLANOS DO MUNDO JURÍDICO
Sumário: 1 – Introdução; 2 – Norma Jurídica; 2.1 – texto e norma; 2.2 – estrutura da norma jurídica; 2.2.1 – composição do suporte fáctico; 2.3 – caráter distintivo das demais normas de conduta; 2.4 – conceito de norma jurídica; 3 – Fato Jurídico; 3.1 – complexidade do suporta fáctico x unicidade do fato jurídico; 4 – Os Planos do Mundo Jurídico; 4.1 – relacionamento entre os planos do mundo jurídico; 5 – Conclusão; 6 - Referências Bibliográficas.
1 – Introdução
Pretende-se pôr em foco a análise dogmática do instituto da substituição tributária progressiva, especialmente do art. 150, § 7º da CF, procurando descrevê-lo num modelo analítico compatível com as demais normas do sistema jurídico e com a sua finalidade.
Entretanto, para que se possa descrever o citado dispositivo faz-se mister, primeiramente, fixar-se uma noção sobre o conteúdo de norma jurídica e de fato jurídico, premissas indispensáveis à compreensão metodológica do estudo, além de se ofertar, ao menos, um visão dos planos do mundo jurídico.
Com efeito, o resultado dessa descrição dogmática pode modificar vertiginosamente caso se altere o método de pesquisa, passando-se a cotejar essa ou aquela teoria descritiva do próprio conceito de norma e fato jurídico.
Dessa necessidade decorre a divisão desse trabalho em dois artigos, este primeiro ofertando uma noção sobre o conteúdo de norma jurídica e de fato jurídico (além de uma visão sobre os planos do mundo jurídico), reservando-se ao segundo artigo a descrição dogmática do instituto em tela, com base nas premissas metodológicas aqui fixadas.
Então, ainda que este não seja um estudo espistemológico, começar-se-á oferecendo-se uma visão desses dois conceitos fundamentais, para só depois passar-se a análise do enunciado lingüístico supra citado (art. 150, § 7º da CF); até porque, consoante tivemos oportunidade de dizer em outro estudo [1]:
"Certamente, boa parte dos equívocos interpretativos oriundos do debate acerca de novas disposições normativas, origina-se da pouca importância e atenção dedicados aos contornos jurídicos desses respectivos institutos por parte dos operadores do direito, ávidos em encontrar direitos (portanto, efeitos do fato jurídico), independentemente da análise e compreensão do suporte fáctico abstrato da norma em foco, e do seu conseqüente fato jurídico."
Para tanto, importante ter-se na retentiva, na linha dos ensinamentos de João Maurício Adeodato [2], que conceito é um esquema de natureza ideal dentro do qual fixam-se as características básicas de um determinado objeto.
O conceito tem compreensão (precisão dos elementos, seu rigor em confronto com o objeto) e extensão (agrupamento possível de objetos sobre aquele mesmo conceito), e quanto maior a compreensão, mais restrita a extensão (inversamente proporcionais).
Ademais, o conceito deve ser buscado na universalidade (e não em aspectos contingentes do objeto, mas sim naqueles aspectos essenciais), nos aspectos que não mudam com o tempo (núcleo imutável).
Então, passa-se a análise dos objetos norma jurídica e fato jurídico (além dos planos do mundo jurídico), buscando-se conceituá-los à luz dos seus aspectos essenciais e imutáveis.
2 – Norma Jurídica
2.1 – texto e norma
O direito é um processo de adaptação social que tenta moldar o comportamento dos homens através de normas jurídicas.
Referida expressão - norma jurídica, muita vez é confundida com o texto dos diplomas legais, ou até mesmo com um artigo em específico. Na realidade, um único artigo pode conter várias normas, ou uma norma pode resultar da conjugação de vários artigos, como esclarece Pietro Perlingieri [3]:
"O artigo é noção somente técnica, um modo de expor uma complexa narrativa, por vezes em forma extremamente concisa, outras, mais diferenciada. A noção de artigo não coincide com a de norma jurídica. Cada artigo apenas raramente encerra uma completa previsão normativa. Todavia, um mesmo artigo pode também conter mais de uma norma."
À bem da verdade, a norma jurídica não só não se confunde com certo dispositivo legal, como ela também consiste no sentido que se retira do texto, sentido este capaz de direcionar o comportamento humano, enquanto significação objetivada e socialmente aceita.
Nesse sentido, o escólio de Adriano Soares da Costa [4]:
"Constituição, leis, decretos, resoluções, portarias são fontes do direito, no sentido de que são instrumentos formais de criação de normas jurídicas; as normas jurídicas, ao revés, não se confundem com as fontes de direito, sendo seu conteúdo. A lei, como suporte físico, como instrumento introdutor de normas jurídicas, é fonte de direito, vale dizer, é o texto que contém (note-se bem: contém) a norma jurídica posta pelos produtores legitimados pelo ordenamento jurídico...
As fontes de direito põem normas jurídicas. A norma jurídica é, pois, conteúdo da fonte de direito por ela enunciada, a fim de determinar seja obrigatória, proibida ou permitida alguma conduta, ou serem especificados certos âmbitos de competência, em dada conjuntura histórica. Tomo o signo modelo jurídico como sinônimo de norma jurídica para expressar uma linguagem expressiva do conteúdo das fontes do direito; nesse sentido, modelo jurídico é a significação prescritiva do texto positivo, formando um todo significativo, com todas as notas necessárias para consumar o processo de juridicização. Assim, há a fonte de direito e o modelo jurídico: a fonte de direito, entendida como totalidade de textos jurídicos que forma uma estrutura expressional; e o modelo jurídico (ou norma jurídica), compreendido como uma totalidade significativa que forma uma unidade completa de sentido conativo ou prescritivo."
Portanto, a norma jurídica é uma proposição prescritiva dotada de sentido completo, assim entendido aquele sentido capaz de direcionar à conduta humana; e extraída dos textos legais [5] (veículos introdutores de normas: Constituição, leis ordinárias, etc).
De outra banda, a norma jurídica não é sinônimo do sentido obtido por cada intérprete individualmente considerado.
Tal assertiva poderia ser retirada do pensamento Ponteano, quando este afirma que a incidência da norma se dá no mundo dos pensamentos:
"A incidência da regra jurídica ocorre como fato que cria ou continua de criar o mundo jurídico; é fato dentro do mundo dos nossos pensamentos, - perceptível, porém, em conseqüências que acontecem dentro do mundo total.
...
As relações jurídicas, os direitos subjetivos, os deveres, as qualidades jurídicas das pessoas e das coisas não se passam no mundo das percepções visuais e auditivas, gustativas e tácteis; passam-se, são, no mundo do pensamento, que é parte do mundo total, razão por que se colam a fatos do mundo perceptível e podemos provar, depois, terem-se colado: tôda prova de direito é prova de fatos que antecederam a ela, fatos sôbre os quais a regra jurídica incidiu, e da regra jurídica, escrita ou não-escrita, como fato" [6] (sic).
Mas esse mundo não é o mundo do pensamento individual: "se bem meditarmos, teremos de admitir que a incidência é no mundo social, mundo feito de pensamentos e outros fatos psíquicos, porém nada tem com o que se passa dentro de cada um" [7].
Adriano Soares da Costa bem fundamenta o que seria esse mundo social, ao dizer que a norma é essa significação construída com base no texto legal, na medida que essa significação seja socialmente aceita, vivida, compartilhada, pois o mundo social a que se refere Pontes, contém um subconjunto dito mundo dos pensamentos, que se refere não aos pensamentos individuais, mas sim aos pensamentos em seu sentido objetivo [8].
Tal expressão (pensamento em sentido objetivo) advêm da concepção de Karl Popper, na esteira do pensamento de Frege, para quem existe o mundo material, o mundo dos pensamentos subjetivos (plano da psique, estado de espírito de uma pessoa), e um terceiro mundo: dos pensamentos em sentido objetivo, independentes do sujeito cognoscente, ou seja, as idéias exteriorizadas têm densidade semântica e existência próprias, objetiváveis. [9]
Daí resultando que [10]:
"A linguagem faz parte do mundo do pensamento (terceiro mundo ou mundo 3), que é autônomo em relação ao sujeito pensante. O mundo do pensamento interage com o mundo mental e com o mundo objetivo, mas com eles não se confunde. Embora seja produto da atividade humana, a ela não se reduz, sendo autônomo. Afirma Popper: "Sugiro que é possível aceitar a realidade ou (como se pode chamar) a autonomia do terceiro mundo e ao mesmo tempo admitir que o terceiro mundo tem origem como produto da atividade humana."
Por isso, Popper coloca a interpretação no terceiro mundo, porque mesmo o ato subjetivo ou estado disposicional de compreensão só pode compreendido, por sua vez, por intermédio de suas conexões com o terceiro mundo. É dizer, o produto da interpretação se desvincula do sujeito cognoscente, passando a ser algo pensado, comunicável e, por isso mesmo, objetivável. Essa significação intersubjetiva, para além do sujeito que pensa, é (existe) no mundo do pensamento." [11]
Portanto, a norma jurídica é uma proposição prescritiva (prescreve comportamentos, que "devem ser" seguidos) dotada de sentido conotativo completo e objetivável [12], extraída dos textos legais (veículos introdutores de normas ou fontes do direito), capaz de direcionar o comportamento humano.
Ressalte-se apenas que a afirmação das normas se destinarem a reger o comportamento humano não é incompatível com as chamadas normas de estrutura (ou de organização, ou de competência).
Com efeito, existe uma classificação doutrinária que divide as normas jurídicas em normas de conduta (quando têm por objeto imediato uma conduta humana), e normas de estrutura (que instituem competências).
Outrossim, mesmo essas ditas normas de estrutura se dirigem ao comportamento humano, diferindo apenas no aspecto que as normas de comportamento dirigem-se imediatamente a uma conduta, enquanto as normas de estrutura mediatamente (ou indiretamente).
Assim, as normas de estrutura, ainda que se dirijam aos órgãos estatais e estabeleçam competências, estas não podem atuar senão através dos agentes dos órgãos, portanto, ainda estas normas se dirigem ao comportamento humano: dos agentes públicos, que ficam autorizados, proibidos ou obrigados a um determinado comportamento, consoante a lição de José Souto Maior Borges [13]; pelo que mesmo as chamadas normas de estrutura se dirigem ao comportamento humano.
2.2 – estrutura da norma jurídica
Apreendida essa primeira noção epistemológica do conteúdo da norma, cabe indagar qual o critério diferenciador de uma norma de outra, ou, dito por outras palavras, qual a estrutura de uma norma jurídica ?
A esse respeito precisas as lições de Marcos Bernardes de Mello [14], que divide em dois grupos: sancionistas e não-sancionistas, as correntes doutrinárias explicativas da matéria.
Entre os sancionistas destaque-se Hans Kelsen, que apresenta uma estrutura bimembre, onde a sanção sempre estaria presente, e inclusive seria a norma primária, mais importante (por ser a coação); enquanto "a norma secundária estipula a conduta que a ordem jurídica procura ocasionar ao estipular a sanção". [15]
Nessa linha de pensamento, a norma teria a seguinte estrutura: Se F então deve ser P (norma secundária), se não P então deve ser S (norma primária), onde F = suporte fáctico; P = conduta humana que a norma ordena como devida caso ocorra F (preceito); Não-P = ocorreu F, mas a pessoa ao invés de agir como determina a norma, age de forma contrária (suporte fáctico); S = sanção (preceito).
Essa estrutura pode sofrer variações, como em Carlos Cossio (se F então deve ser P, ou se Não-P deve ser S; onde se percebe a troca do juízo hipotético pelo juízo disjuntivo, caracterizado pela conjunção "ou") ou em Lourival Vilanova (que chama de primária a norma que prevê a conduta devida caso ocorra o fato previsto, e de secundária a norma que prevê a sanção); mas sempre mantendo-se a estrutura bimembre e a indispensabilidade da sanção para que se esteja diante de uma norma jurídica.
Tal posição sofre a crítica de que: coloca em segundo plano as normas mais importantes do sistema, e que não prevêem sanção, à exemplo dos direitos fundamentais (trata essas normas como secundárias, ou sempre ligadas a uma sanção, coisa que nem sempre acontece); ao afirmar a sanção como algo essencial à norma, confunde coação com obrigatoriedade, essa sim essencial (como se verá infra); além de negar a função educativa ao direito (o cumprimento espontâneo da norma não seria direito).
Enquanto para os não-sancionistas, entre os quais se destacam Pontes de Miranda e o próprio Marcos Bernardes de Mello (corrente com a qual concordamos, pela até agora irrefutabilidade dos seus argumentos), a sanção não é da essência da norma, mas sim a sua obrigatoriedade, que em última análise se refere a incidência (havendo a concreção do suporte fáctico, ou seja, o acontecimento no mundo, dos fatos previstos em abstrato na norma, há a incidência automática, e a norma deve ser cumprida).
De modo que bastam o suporte fáctico e o preceito para que a norma esteja completa, e serão tantas normas distintas quantos distintos forem os respectivos suportes fácticos e preceitos.
Dessa forma, a norma é uma proposição prescritiva que atribui conseqüências aos fatos nela previstos.
Nesse ponto, importante explicar os termos suporte fáctico e preceito.
Tome-se por fato tudo aquilo que aconteceu, está acontecendo e acontecerá no futuro (mudança de estado), ou, como afirma Pontes de Miranda [16] " todo fato é, pois, mudança no mundo".
Desse mundo total o legislador (em regra) retira alguns fatos, considerados relevantes para a vida humana em sua interferência intersubjetiva, e os colocam em normas jurídicas, procurando regulá-los num determinado sentido, de modo a imputar-lhes conseqüências todas as vezes que acontecerem no mundo real.
Fica patente que só estes fatos (previstos em normas) vinculam a conduta humana, implicando na produção de efeitos jurídicos (direito » dever; pretensão » obrigação, etc.).
E o suporte fáctico corresponde a essa previsão dos fatos relevantes pela norma jurídica, correspondendo ao fato ou conjunto de fatos previstos abstratamente pela norma (por terem sido considerados relevantes), e de cuja ocorrência, no mundo dos fatos, decorre a incidência; sendo um conceito do mundo dos fatos e não do mundo jurídico, pois só depois que ocorram os elementos abstratamente previstos pela norma é que se dá a incidência.
O preceito, por sua vez, corresponde as conseqüências atribuídas àquele fato pela norma jurídica.
Enfim, a norma é completa [17] sempre que tiver um suporte fáctico e um preceito, vinculando efeitos aos fatos previstos, sendo a sanção (coação), o uso da força, algo desnecessário, e até mesmo acidental, se se observa que as pessoas muito mais cumprem do que descumprem as normas jurídicas.
Assim, a norma jurídica é uma proposição prescritiva dotada de sentido conotativo completo e objetivável, capaz de direcionar o comportamento humano, e que atribui conseqüências para os fatos nela previstos.
2.2.1 – composição do suporte fáctico
Fixada a premissa de que a norma jurídica seleciona alguns fatos, considerados relevantes para a vida humana em sua interferência intersubjetiva, e os normatiza (faz com que estes sejam suporte fáctico), atribuindo conseqüências para as relações interpessoais toda vez que estes aconteçam no mundo real; importante analisar que (ais) fato (s) podem fazer parte do suporte fáctico.
Primeiramente, é ponto de supina importância a observação quanto a possibilidade de suportes fácticos complexos, é dizer, formados por vários fatos.
Ou seja, o suporte fáctico de uma norma pode prever apenas um fato qualquer (suporte fáctico simples), ou vários fatos (complexo), hipótese esta onde só haverá concreção ao se realizarem todos esses fatos previstos.
Pontes de Miranda [18] denomina suporte fáctico suficiente aquele onde todos os elementos previstos já ocorreram, e insuficiente àquele onde isso não se deu (falta (m) algum (ns) elemento (s) acontecer (em)). Só o suporte fáctico suficiente sofre a incidência da norma.
E quais elementos podem compor o suporte fáctico ?
Em simplificadora previsão, Marcos Bernardes de Mello [19] enumera: fatos da natureza (desde que relacionados a alguém); atos humanos (volitivos ou não); dados psíquicos; estimações valorativas; probabilidades; fatos jurídicos e efeitos jurídicos (a norma prevê no seu suporte fáctico fatos já juridicizados por outras normas); a causalidade física; o lapso temporal (o tempo é fato de outra dimensão: aquela onde os fatos ocorrem, mas o intervalo temporal é comumente usado como elemento da previsão normativa); elementos positivos ou negativos (omissões, silêncio,.. .).
É de se acrescer que para domar e influir sobre a complexa realidade social, o direito precisa necessariamente estabelecer presunções e ficções como elementos dos mais variados suportes fácticos, sob pena de não conseguir atingir os ideais de certeza e praticabilidade.
2.3 – caráter distintivo das demais normas de conduta
Sendo a norma jurídica uma proposição prescritiva dotada de sentido conotativo objetivável, que atribui conseqüências aos fatos nela previstos, direcionando com isso a conduta humana; qual o traço distintivo para as normas morais, religiosas, de etiqueta, enfim, dos demais processos de adaptação social, onde também se percebe essa estrutura ?
Alguns tentam encontrar esse traço distintivo no conteúdo, tese claramente insubsistente haja vista que muitas normas jurídicas têm conteúdo igual a de normas morais, etc.
Mais uma vez nos socorremos do escólio de Marcos Bernardes de Mello [20], que identifica na obrigatoriedade a nota diferenciadora entre a norma jurídica e as demais normas de conduta.
Escuda-se esta – obrigatoriedade - na coercibilidade, entendida como a possibilidade de coerção, uso da força, para efetivar as normas jurídicas. Veja-se bem, obrigatoriedade não é sinônimo de uso da força, mas sim de possibilidade desta para efetivar os ditames da norma jurídica.
Enquanto a norma jurídica está em estado latente (previsão hipotética de fatos, abstrata) essa obrigatoriedade existe em caráter potencial, só se tornando real e efetiva após o acontecimento do fato no mundo real (concreção do suporte fáctico), onde por força da incidência se dá a juridicização e o nascimento do fato jurídico, sendo a aplicação da norma obrigatória.
Esta, aplicação, pela comunidade jurídica (ou mais precisamente por quem detenha o poder para aplicar a norma), deve corresponder à incidência (é objetivo do direito que incidência seja igual à aplicação), havendo infrigência da norma toda vez que se aplica norma que não incidiu, ou não se aplica norma que incidiu.
Outrossim, apesar de fugir aos estreitos limites dessa abordagem introdutória e simplesmente explicativa do método a ser utilizado na descrição dogmática da substituição tributária progressiva, por amor à ciência e ao debate acadêmico não se pode deixar de pôr em tela a arguta observação de Adrualdo Catão [21] sobre o caráter obrigatório da norma jurídica.
Expõe o citado autor, comentando a teoria que vê na obrigatoriedade o critério distintivo entre a norma jurídica e as demais normas de comportamento, que o critério identificador reside na obrigatoriedade, mas esta é devida à possibilidade de sua aplicação forçada por um órgão do sistema, é dizer, pela possibilidade de uso da força, da norma ser imposta pela comunidade jurídica, ou melhor, pelo órgão que detém o poder de aplicar a norma; mas esse agente da comunidade jurídica, que pode aplicar forçadamente a norma em caso de descumprimento, nada mais é do que um órgão previsto por alguma norma, ou conjunto de normas do sistema, portanto não reside na norma, mas sim no ordenamento, a sua nota distintiva.
Ao assim proceder, segue a tese as pegadas de Norberto Bobbio [22], para quem a nota distintiva entre a norma jurídica e as normas dos demais processos de adaptação social não reside em uma característica peculiar à norma jurídica, mas sim ao ordenamento.
Nesse ponto, ainda que se concorde com a observação concernente à obrigatoriedade não ser uma característica ontológica de cada norma, mas sim do conjunto das normas (ordenamento), não se pode negar que cada norma isoladamente considerada possui essa característica, ainda que sua origem venha do conjunto normativo como um todo.
Em suma, do ponto de vista ontológico a obrigatoriedade advêm do ordenamento, mas cada uma das partes componentes deste (cada norma jurídica) possui essa característica; de modo a ser a obrigatoriedade um critério diferenciador válido entre as normas jurídicas e as demais normas de comportamento, ficando à epistemologia o aprofundamento do estudo da matéria na sua perspectiva ontológica.
2.4 – conceito de norma jurídica
À vista dos argumentos supra expendidos, pode-se conceituar norma jurídica como: a proposição prescritiva obrigatória, dotada de sentido conotativo completo e objetivável, extraída dos textos legais lato sensu, capaz de direcionar o comportamento humano, e que atribui conseqüências caso ocorram os fatos nela previstos.
Com esse conceito pensamos abordar todos os aspectos essenciais à norma jurídica, bem como apresentar o conteúdo destes.