Notas
1 MELO, Angelo Braga Netto Rodrigues de. "Modificações na Parte Geral do Novo Código Civil. Das pessoas e dos bens", in Jus Navigandi nº 144, p. 3.
2Ética e Retórica – para uma teoria da dogmática jurídica, pp. 17 e s.
3Perfis do Direito Civil – Introdução ao Direito Civil Constitucional, p. 26.
4Teoria da Incidência da Norma Jurídica, pp. 2 e ss.
5 O texto legal, por sua vez, é produto do processo legislativo, onde outras normas (de sobredireito) dizem quem e através de qual procedimento é possível produzir cada lei, tomada a expressão em sentido amplo, passível de abarcar não só as leis em sentido estrito, como até mesmo o costume, desde que autorizado por alguma norma como passível de ter caráter jurídico (ex: em caso de lacuna).
6 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, Tomo I, pp. 6 e s.
7 PONTES DE MIRANDA, Ibidem, p. 10.
8 Idem, Ibidem, pp. 22 e ss.
9 Cf. COSTA, Adriano Soares da. Ibidem, pp. 24 e s.
10 Idem., Ibidem, pp. 25 e s.
11 Importante observar que em outro trabalho o próprio Pontes de Miranda rechaça a idéia de caber ao juiz a construção da norma jurídica, donde se conclui ser a norma algo exterior ao aplicador, mas passível de apreensão, objetivável, Cf. Sistema de Ciência Positiva do Direito, Tomo 2, p. 135:"Leis que nunca foram lembradas em juízo podem ser de profunda e constante aplicação pacífica, e a falta de causas, que nelas se fundem, apenas mostra a perfeita adequação da realidade à forma legislativa, da matéria expressa à expressão.
Para conhecer o valor normativo, a eficiência e a significação social da lei, não basta percorrer as coletâneas de leis e os repertórios de jurisprudência; é mister o conhecimento mais exato da realidade social..". grifamos.
12 Poder-se-ia objetar a esse aspecto que todo texto legal possibilita variadas interpretações, a depender do sujeito cognoscente, não sendo raros os casos de diferentes julgados aplicando a um mesmo dispositivo legal sentidos diametralmente opostos. Todavia, tal característica é insuficiente para refutar o caráter objetivável da norma enquanto vivência socialmente aceita. Para tanto, basta observar que o próprio sistema dispõe de meios tendentes à unificação do sentido dos diversos textos legais, inclusive sendo a função precípua dos Tribunais superiores a uniformidade da interpretação dos dispositivos constitucionais e da legislação federal. Some-se a isso os diferentes meios visando dar efetividade a esse objetivo, tais como o controle concentrado de constitucionalidade, a recente Súmula vinculante, a impossibilidade de se conhecer recurso contrário aos precedentes jurisprudenciais, etc. Com efeito, todo novo diploma legal levanta variadas e contrárias interpretações, suscitando no mais das vezes decisões judiciais em sentido contrário, até que haja a pacificação da matéria em torno da linha interpretativa tida como escorreita pelos Tribunais. Tal univocidade do sentido não significa um direito estático e imutável, posto ser característica indissociável a possibilidade de mudança interpretativa com o passar do tempo, visando acompanhar o evoluir social. O que nunca pode ser unificado é a riqueza da diversidade do caso concreto, da valoração dos fatos pelo julgador para averiguá-los ocorridos ou não segundo os meios de prova legais, ou ainda a possibilidade de mudança interpretativa consoante o lugar (veja-se o art. 113 do Novo Código Civil), enfim, a possibilidade do mesmo dispositivo merecer interpretação adaptável ao caso concreto, mas sem ferir a diretriz captável e objetivável.
13Teoria Geral da Isenção Tributária, pp. 376 e ss.
14Teoria do Fato Jurídico – Plano da Existência, pp. 30 e ss.
15 KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado, p. 86.
16 Ibidem, p. 05.
17 Cf. BORGES, José Souto Maior. Ib., p. 182, que seguindo as pegadas de Pontes de Miranda e Alfredo Augusto Becker, afirma: "o conteúdo da hipótese de incidência e o da regra (preceito) diferenciam uma regra jurídica de outra, conferindo especificidade a cada uma".
18 Ib., pp. 25 e s.
19 Ib., pp. 40 be ss.
20Teoria do Fato Jurídico – Plano da Eficácia, 1ª parte, p. 11.
21O critério Identificador da Norma Jurídica. A necessidade de um Enfoque Sistemático,in Jus Navigandi nº 51, pp. 6 e ss.
22Teoria do Ordenamento Jurídico, pp. 22 e ss.
23 Ib., p. 77.
24 MELLO, Marcos Bernardes de. Ibidem, p. 71.
25Causalidade e Relação no Direito, pp. 132 e ss.
26Tratado de Direito Privado, Tomo V, pp. 10 e s.
27A incidência da Norma Jurídica – o Cerco da Linguagem, pp. 189 e s. Ressalte-se que o autor discorda das noções aqui estabelecidas, e no próprio artigo em comento apresenta posições em sentido diverso.
28Causalidade e Relação no Direito, p. 16.
29 "Fato jurídico é o fato qualificado por hipótese fática, de norma do costume, legislada, jurisprudencial: pelas fontes dogmáticas do sistema jurídico. Justamente as fontes intra-sistemáticas" (Lourival Vilanova, Causalidae..., cit., p. 34).
30Tratado das Ações, t. I, p. 21.
31Teoria do Fato Jurídico – Plano da Existência, p. 64.
32 Idem, ibidem, p. 65.
33 Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, t. I, p. 77; Enneccerus, Tratado de derecho civil, t. I, v. 2º, p. 6.
34 Cf. MELLO, Marcos Bernardes de. Idibem, p. 65.
35 Cf. SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de Processo Civil, Vol. I, pp. 81 e ss.
36 Cf. MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico – Plano da Eficácia – 1ª parte, p. 184.
37 Elemento do suporte fáctico relativo a eficácia, ex: ser dono para poder vender, onde o poder de legitimação é pressuposto de eficácia para que o negócio jurídico de compra e venda tenha efeito de transmissão da propriedade (o negócio jurídico feito por non domino existe e é válido, mas não transmite a propriedade, sendo então ineficaz).
PARTE II: SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PROGRESSIVA NA ESFERA DO ICMS: A BUSCA DE UM MODELO DOGMÁTICO À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES
Sumário: 1 – Introdução; 2 – análise crítica das teorias descritivas da substituição tributária progressiva na esfera do ICMS; 2.1 – a tese da inconstitucionalidade do instituto; 2.2 – a tese da presunção relativa; 2.2.1 - Crítica a essa corrente; 2.2.1.1 - presunção relativa (meio de prova) x presunção absoluta (elemento da regra-matriz tributária); 2.2.1.2 - existência x eficácia; 2.2.1.3 - a unicidade do fato jurídico; 2.2.1.4 - divergência entre base de cálculo e elemento material da hipótese de incidência; 2.2.1.5 - finalidade do instituto; 2.3 - A teoria de Marco Aurélio Greco; 2.3.1 - Crítica a essa corrente; 3 – Nossa Posição; 3.1 - autorização para estabelecer presunção; 3.1.1 - o uso das presunções absolutas em direito tributário; 3.1.2 - presunção absoluta x arbítrio; 3.1.3 - a fixação das presunções: possibilidade de controle; 3.1.4 - exemplos de antecipação por presunção no direito tributário; 3.2 - in fine do art. 150, § 7º da CF: uma "condicione juris"; 4 - a substituição tributária progressiva nos Tribunais; 5 – Conclusão; 6 – Referências Bibliográficas; 6.1 – Livros; 6.2 – Artigos e Capítulos de Livros.
1 – Introdução
Em recente estudo [1], fixamos as premissas metodológicas a serem agora utilizadas na análise do instituto da substituição tributária progressiva na esfera do ICMS, ou melhor, na busca pela construção de um modelo dogmático para o instituto, levando-se em conta uma observação sistemática, a partir, principalmente, do § 7º do art. 150 da CF.
Eis, em apertada síntese, o objeto de que aqui se ocupa, sendo de ressaltar que essa análise não é dissociada da posição dos Tribunais Superiores, muito pelo contrário, ela busca construir um modelo que leve em conta as decisões pretorianas, e, portanto, o direito tributário efetivo, praticado no dia a dia (é uma descrição das normas jurídicas existentes, de acordo com o sentido assentado pelo intérprete autorizado dos textos legais).
Outrossim, importante esclarecer que o presente trabalho, em suas linhas gerais, desenvolve estudo publicado em 2001 [2], e que tem suas diretrizes coincidentes com a posição pretoriana posteriormente consolidada, sendo aquela publicação fonte útil a um melhor entendimento desse estudo.
Agora, dada a extensão do objeto de análise, far-se-á aqui um corte epistemológico, cuidando-se, por ora, apenas da construção de um modelo dogmático, deixando-se para outro estudo a análise pormenorizada do confronto entre o instituto em análise e os diversos princípios constitucionais tributários.
Feitos os esclarecimentos metodológicos, passa-se a análise das teses explicativas do fenômeno, com a sua conseqüente crítica, para ao final expor-se a tese do autor.
2. - Análise crítica das teorias descritivas da substituição progressiva na esfera do ICMS
2.1 – a tese da inconstitucionalidade do instituto
Abalizada doutrina [3] defende a inconstitucionalidade da substituição progressiva, aos argumentos de que o instituto violaria diversos princípios constitucionais, especialmente legalidade e segurança jurídica (seria impossível tributar-se fato gerador futuro sem ofender a esses princípios).
Consoante exposto na introdução, foge ao escopo desse trabalho a análise do confronto sintático entre o instituto da substituição progressiva e os princípios constitucionais tributários, pelo que deixar-se-á para esse futuro momento o enfrentamento dessas teses contrárias à constitucionalidade do instituto em tela.
Contudo, importante ressaltar que tais posicionamentos decerto se encontram superados (inclusive a maioria desses autores o reconhece, apesar de manifestar a sua discordância quanto à posição jurisprudencial), posto já ter o Pretório Excelso pacificado o entendimento relativamente à constitucionalidade da substituição tributária "para frente", nos termos da posição firmada por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário nº 213.396/SP, relator Ministro Ilmar Galvão, julgado em sessão plenária dia 02.08.1999, e publicado no DJU de 01.12.2000, p. 00097.
Assim, esclarecida a inconsistência da tese, e ressaltado que uma análise exauriente do seu conteúdo fica para momento futuro, passa-se a outras linhas argumentativas.
2.2 - a tese da presunção relativa
Um outro modelo, pugnando pela constitucionalidade do instituto, toma por esteio a tese de que a lei cria uma presunção relativa, a ser confirmada quando da ocorrência do fato no mundo real, daí a necessidade de eventual devolução/complementação caso o valor presumido seja diferente do valor da venda real. Por todos, e pela profundidade da pesquisa, veja-se a posição de Manoel Cavalcante de Lima Neto [4], in litteris:
"Para a substituição progressiva propomos a seguinte estruturação:
a)suporte fáctico
"efetuar o fornecedor, industrial ou distribuidor remetente, saídas de seus estabelecimentos de mercadorias relacionadas na lei, com presunção de saídas de etapa(s) posterior(es) do processo de circulação.
b)preceito
"ficará na responsabilidade de apurar e pagar o ICMS incidente na(s) operação(ões) subseqüente(s) à saída de seu estabelecimento".
Compõe-se esse fato de um fato físico e um ou mais presumidos. Como ensina Marcos Bernardes de Melo, "o fato jurídico há de ser considerado conceptualmente como uma unidade, embora possa ser constituído por vários fatos. Já o suporte fáctico, ao contrário, mantém a sua estrutura complexa de conjunto de fatos, sem que se tenha necessidade de considera-lo, mesmo conceptualmente como unidade." [5]
Omissis
Na tese que adotamos, a lei pode prescrever mais de um fato (no sentido físico ou presumido) para compor o suporte fáctico da norma de tributação. O fato jurídico tributário (da substituição) estará configurado com a concretização deles, mediante o acionamento do fenômeno da jurisdicização". (grifamos).
Nesse modelo dogmático a presunção seria relativa, posto haver possibilidade de prova em contrário (o futuro fato material presumido teria o condão de desconfirmar a presunção):
"Assim, somos do entendimento de que a instituição do fato gerador presumido, autorizada pela via constitucional e anteriormente assentada em diplomas infraconstitucionais (lei complementar e ordinária), reflete uma presunção relativa. Para ser absoluta teria que não permitir prova em contrário.
Contudo, tanto a norma escrita na Constituição quanto as de patamar inferior concebem em letras claras a demonstração de prova em contrário, ou seja, provado que o fato presumido (ex. saída do estabelecimento do adquirente –distribuidor) não ocorreu, por causa de um sinistro ou outro motivo justificador, o imposto pago antecipadamente deve ser restituído visto que a presunção legal não se confirmou. De igual forma há de ser o entendimento no tocante à base de cálculo que deve ser apreciada, contornando-se eventuais diferenças, seja para maior ou para menor, com restituição ou complemento de pagamento." [6]
Por essa linha, caso surjam diferenças entre a base de cálculo presumida e o preço final de venda, a solução seria a recomposição da conta corrente do ICMS:
"a alternativa que entendemos viável, em tais episódios, reproduz-se pela recomposição da conta corrente do ICMS, o que implica reformulação do sistema de apuração originário que se faz por confronto entre débito e crédito por mercadoria em cada operação, para fazê-lo por período. Porém, nessa circunstância analisada, para saber quais os débitos das operações realizadas pelos varejistas, torna-se imperioso o fracionamento do valor agregado, em partes iguais, quando não houver outra forma no caso concreto." [7]
Entretanto, ao analisar a posição do substituto tributária, o autor entende que este não é responsável tributário, mas sim que possui relação direta com o fato presuntivo de riqueza:
"Considerando o direito positivo brasileiro, a postura mais difundida em nossa doutrina é a do substituto perfazendo a qualificação de responsável, fruto da distinção elaborada por Rubens Gomes de Souza.
...
Parece-nos que razão assiste aos que enquadram o substituto no campo da sujeição passiva direta. A norma jurídica já o coloca na posição de sujeito passivo sem que outra pessoa tenha assumido tal posição anteriormente. Não se dá uma transferência no pólo passivo como ocorre na sujeição indireta. Entretanto, o tributo que se paga diz respeito a fato gerador que, na sua composição, abrange fato praticado por terceiro, concretamente ou por presunção, acrescentado de fato promovido pelo substituto. A transferência de pessoas no lado passivo se opera em momento pré-legislativo, sendo a dívida que se paga de natureza própria." [8]
2.2.1 - Crítica a essa corrente
Apesar da solidez e profundidade científica da tese, pode-se verificar a sua inconsistência por cinco razões fundamentais: confunde presunção meio de prova, com presunção elemento material da regra matriz de incidência; ofende diretamente a finalidade do instituto; confunde os planos da existência e eficácia; prevê o tratamento fracionado do fato jurídico; e prevê base de cálculo contrária ao elemento material da hipótese de incidência.
Passa-se à análise desses pontos:
2.2.1.1 - presunção relativa (meio de prova) x presunção absoluta (elemento da regra-matriz tributária)
Quando diante de um fato certo, conhecido, por meio de raciocínio lógico, pode-se deduzir o acontecimento provável de um outro fato, e a norma toma esse fato provável como fato certo (como uma verdade jurídica), está-se diante de uma presunção; se diante de um fato conhecido, em raciocínio lógico, tem-se por improvável ou impossível o acontecimento de um outro fato, e assim mesmo a norma toma por certo esse fato futuro e improvável, está-se diante de uma ficção.
As presunções podem ser legais (postas em lei) ou hominis (fruto do raciocínio do aplicador da norma, especialmente do julgador, no momento de avaliação da prova); subdividindo-se aquelas em absolutas ou iuris et de iure (quando não admitem prova em contrário), relativas ou iuris tantum (quando admitem prova em contrário), ou mistas (quando só admitem certo tipo de meio de prova em contrário).
Partindo-se desses conceitos, utilizados sobretudo em direito processual, é que se chega a conclusão do art. 150, § 7º da CF referir-se a uma presunção relativa, já que no in fine do dispositivo existe referência a "assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga caso não se realize o fato gerador presumido".
Todavia, uma observação mais atenta das presunções legais leva à observação de que estas podem ser utilizadas como meio de prova (para suprir dificuldades probatórias), ou como elemento do suporte fáctico de normas substantivas, de direito material.
Nessa última hipótese, o legislador substitui o fato real por um fato presumido, visando com isso dar maior efetividade às finalidades almejadas por certa norma.
É dizer, o legislador faz verdadeira uma probabilidade, e a partir daí o acontecimento ou não dessa realidade é algo indiferente ao direito, posto já ter havido a incidência.
Portanto, as presunções legais podem servir como meio de prova ou como elemento de regras materiais, a depender de uma opção legislativa.
E quando o legislador faz a opção de transformar um fato provável em fato certo, independentemente do posterior acontecimento presumido (sem admitir prova em contrário), tal presunção tem sempre caráter de norma substantiva.
Ou seja, só são verdadeiras presunções legais as presunções relativas, posto que as absolutas são necessariamente de direito material..
Essa ponderação não passou despercebida à Pontes de Miranda [9], para quem "Presunção iuris et de iure não existe como "prova". Nem é "prova" a ficção. Ambas são expedientes de técnica legislativa, que, feita a lei, não mais se vêem."
No mesmo sentido, Maria Rita Ferragut [10], in litteris:
"As denominada "absolutas", ao invés de presunções, são disposições legais de ordem substantiva...
O raciocínio presuntivo e a probabilidade encontram-se presentes na fase pré-jurídica, em que os membros do Poder Legislativo, observando o que ordinariamente acontece, constatam que, a partir da ocorrência de determinado fato diretamente conhecido, é possível, com razoável grau de certeza, concluir que um outro fato também teria existido, ainda que os meios de prova direta não o comprovem. Criam, então, por razões de interesse público, veículos introdutores gerais e abstratos, determinando ao aplicador da lei que reconheça, sempre que provada a existência de certo fato, e independentemente da produção de provas em contrário à existência do fato que se quer provar, um outro fato.
Aí reside o problema, que desqualifica a regra como espécie de presunção: o fato jurídico que deveria ser meramente processual transforma-se em fato jurídico material, deixando a "presunção", com isso, de contemplar uma probabilidade para veicular uma verdade jurídica necessária." (grifamos).
E como tais presunções fazem real o fato presumido, independentemente do futuro acontecimento ou não deste, elas em muito se assemelham as ficções (que têm o mesmo modus operandi); diferenciando-se apenas em momento pré-jurídico, quando o legislador faz a opção valorativa, com base na existência ou não da probabilidade.
Repita-se, entre ficção e presunção absoluta, e sempre com base na utilização de raciocínio lógico, empírico-dedutivo (daquilo que normalmente ocorre), a diferença reside na probabilidade ou não do acontecimento real do fato presumido, mas tal diferença serve apenas para a valoração pelo legislador, pois uma vez posta em lei, em ambos os casos elas se dissociam da realidade fática, tornando juridicamente verdadeiro o fato futuro.
Expostas as premissas, e voltando-se para o caso sub oculo, percebe-se que a presunção estabelecida no art. 150, § 7º da CF tem nítida natureza de regra de direito material, presunção posta pelo legislador como verdade jurídica, alterando os contornos da própria regra-matriz de incidência tributária.
Com efeito, é patente que a presunção em comento não tem natureza processual, não visa suprir dificuldade probatória particular, mas sim alterar a descrição da hipótese de incidência tributária, fazendo verdadeiro fato apenas provável.
Quer dizer, o art. 150, § 7º da CF estabelece uma presunção com nítida natureza material e não processual, e presunção regra de direito material é presunção absoluta.
Reportando-nos ao raciocínio desenvolvido pelo próprio Manoel Cavalcante de Lima Neto, percebe-se, nas entrelinhas do seu pensamento, a presença de contradição científica na afirmação de ser presunção relativa àquela estabelecida na norma ora em tela.
Ao afirmar ser de natureza própria a relação entre substituto tributário e Estado, ainda quando pertinente a fato presumido, o autor acaba por dizer que a referida presunção provoca modificação na hipótese de incidência, dando-se a mutação subjetiva no pólo passivo da relação jurídica.
Ora, mudança no sujeito passivo da relação jurídica material tem de ser veiculada em regra de direito material e não em regra de direito processual, por óbvio. E presunção provocando mudanças em normas materiais é de ser presunção absoluta, pois a presunção relativa é adstrita ao direito processual.
Assim, constitui verdade hialina a afirmação de não ser presunção relativa àquela prevista no art. 150, § 7º da CF.
2.2.1.2 - existência x eficácia
No item "3" do nosso artigo "Norma Jurídica, Fato Jurídico e os Planos do Mundo Jurídico" ficou assente ser o fato jurídico a única fonte da eficácia jurídica.
Do mesmo modo, afirmou-se que a expressão eficácia jurídica se refere aos efeitos produzidos pelo fato jurídico, consistentes em direito » pretensão » ação...; assim como ser impossível passar-se ao plano da eficácia sem antes se ter passado pelo plano da existência (o que não existe não pode produzir efeito algum).
Observando-se uma presunção relativa, tem-se por realizado um fato de existência provável (desde que realizado o fato conhecido, paradigma do fato presumido), haja vista a dificuldade de sua prova direta.
Caso fosse possível ter-se uma presunção relativa no núcleo da hipótese de incidência tributária, ter-se-ia de reconhecer a possibilidade da produção de efeitos de algo inexistente. Explica-se:
O crédito tributário consiste no direito subjetivo de crédito do Estado em face do sujeito passivo, direito este já perfeitamente constituído e, portanto, exigível.
Na substituição tributária progressiva o crédito, todo ele (inclusive o correspondente aos fatos presumidos), é constituído na operação de venda efetuada pelo substituto, que fica inclusive obrigado a pagá-lo (e o pagamento é o meio ordinário de extinção do crédito tributário).
Se a não realização do fato presumido fosse uma prova suficiente à desconfirmação da presunção (prova contrária), necessário seria admitir-se a inexistência do fato presumido nos casos de sua não realização no futuro.
E se o fato presumido não existisse, em nome de que teria havido a constituição do crédito e até mesmo o seu pagamento no passado, quando da venda feita pelo substituto ?
Em suma, se o fato presumido depende de prova futura (ou pode ser desconstituído por prova em contrário), a incidência e conseqüente existência do fato jurídico também seriam condicionais, e pior, potencialmente provisórios.
Existência jurídica condicional e fato jurídico provisório são conceitos incorretos do ponto de vista da dogmática jurídica, são contradições internas, sendo importante a ciência do direito expeli-las.
Ademais, o que explicaria a constituição do crédito e até a sua extinção pelo pagamento, se posteriormente fosse necessário verificar-se a similitude entre aquele fato anterior presumido e sua eventual ocorrência no mundo real ? Em caso de inocorrência do fato presumido no mundo real, o pagamento, as obrigações acessórias e todos os demais efeitos gerados por aquela presunção posteriormente desconfirmada, seriam fruto de quê (diante da inexistência de fato jurídico) ?
As perguntas não são passíveis de resposta sem ofensa à ciência jurídica, pois admitir-se uma presunção relativa na hipótese de incidência tributária é aceitar-se, para o caso de sua futura inocorrência no mundo real, a anterior produção de efeitos por algo que não existe.
Só uma presunção absoluta ou ficção (que tornam verdades jurídicas o fato presumido, independentemente da sua futura ocorrência ou não no mundo real), podem explicar o fenômeno, até porque só ficções e presunções absolutas podem constar de normas de direito material (consoante exposto supra).
2.2.1.3 - a unicidade do fato jurídico
No item "3.1" do nosso artigo "Norma Jurídica, Fato Jurídico e os Planos do Mundo Jurídico", ficou assentada a unicidade do fato jurídico, a impossibilidade de se lhe dá tratamento fracionado.
A tese da presunção relativa como elemento material do suporte fáctico da substituição progressiva contraria diretamente essa assertiva, ao possibilitar incidência em dois momentos, fato jurídico em dois momentos, divisibilidade do fato jurídico.
Sim, afirmar ser a ocorrência do elemento presumido uma meia verdade, é dizer que a incidência ocorrida e o fato jurídico gerado nesse momento merecem tratamento provisório, a ser confirmado quando da eventual ocorrência do fato futuro.
E se o fato futuro (fato que foi presumido) ocorrer no mundo real diferentemente daquela presunção, esse fato real sofre a incidência normal e dá nascimento a fato jurídico normal (toma-se "normal" por sinônimo de "sem substituição"), de modo que o fato jurídico da substituição progressiva seria fracionado, existiria um pouco no momento da realização do elemento presumido, e existiria outro tanto futuramente, quando da realização do fato no mundo real.
Sendo vedada a divisibilidade do fato jurídico, patente ser essa mais um mácula a ferir a tese em comento.
2.2.1.4 - divergência entre base de cálculo e elemento material da hipótese de incidência
Paulo de Barros Carvalho [11] assim conceitua base de cálculo, in verbis:
"é a grandeza, instituída na conseqüência da regra-matriz tributária, e que se destina, primordialmente, a dimensionar a intensidade do comportamento inserto no núcleo do fato jurídico, para que, combinando-se à alíquota, seja determinado o valor da prestação pecuniária. Paralelamente, tem a virtude de confirmar, infirmar ou afirmar o critério material expresso na composição do suposto normativo."
A base de cálculo é o elemento da hipótese de incidência que serve para caracterizar as diferentes espécies tributárias.
Realmente, caso a lei diga ser imposto um determinado tributo, e sua base de cálculo se relacione (dimensione) à prestação de um serviço público específico e divisível, estar-se-á diante de uma taxa, independentemente do apelido jurídico dado.
No caso em tela, a tese que prevê a presunção como elemento material da hipótese de incidência, peca por dimensionar esse elemento através de uma base de cálculo real (a base de cálculo é o valor da venda real e não àquele que fora presumido, tanto assim que caso o valor da venda real seja menor do que o valor presumido, caberá restituição).
À esse respeito, veja-se a crítica proferida em outro estudo:
"Por esta tese, para o elemento material presumido, teríamos uma base de cálculo real, já que haveria necessidade de se saber o preço final em cada operação, para que fosse possível saber se seria necessária complementação ou restituição. Ou seja, haveria um descompasso entre o núcleo do fato jurídico (presumido) e o valor a servir de base de cálculo, que seria real, havendo necessidade de posterior apuração, quebrando assim a lógica sistemática do instituto, e até mesmo a sua finalidade; pelo que esta base de cálculo infirmaria o suporte fáctico abstrato.
Nesse sentido, a tese ventilada sofre do insuperável pecado da total falta de previsão legal, já que não há, no ordenamento jurídico pátrio, nenhuma norma que diga ser possível restituir-se imposto caso haja diferença entre preço presumido e preço real; e, ofende a ciência jurídica, já que a base de cálculo tem de confirmar o elemento material no momento da incidência, e para um preço presumido, só uma base de cálculo presumida pode cumprir esse papel, sob pena de se anular a finalidade do instituto.
Em suma, o elemento material presumido, e conseqüentemente toda a hipótese de incidência, só podem ser quantificados por meio da base de cálculo presumida, pois caso fosse fixada uma base de cálculo real, haveria descompasso entre o momento da incidência (e que a lei elege como momento para o recolhimento do crédito tributário) e o momento da fixação do quantum devido (realização das operações presumidas), ou seja, haveria uma norma de difícil aplicabilidade, seja do ponto de vista técnico-jurídico, seja do ponto de vista prático." [12]
2.2.1.5 - finalidade do instituto
Não restam dúvidas de ser o combate a sonegação, mediante a concentração da fiscalização em poucos e grandes contribuintes (substitutos tributários), a finalidade precípua do instituto.
A necessidade de comparação entre o fato presumido e sua posterior ocorrência ou não no mundo real levaria, impostergavelmente, à necessidade de se fiscalizar em todas as etapas do ciclo produtivo e não só nos substitutos, o que acabaria com as vantagens objetivadas com esse instituto.
Veja-se a posição defendida em outro estudo [13]:
"Na verdade, a possibilidade de restituição/complementação do ICMS conforme diferenças entre preço presumido e preço real, anularia inúmeras vantagens objetivadas com a criação desse sistema, e ainda acrescentar-lhes-ia algumas desvantagens.
O número de contribuintes a ser fiscalizado seria o mesmo, sendo que a fiscalização teria a adicional preocupação referente à variação de preços. A fiscalização seria ainda mais complicada. Cada contribuinte, de forma unilateral, diria ter praticado certo preço (não é difícil prever: sempre menor do que o preço presumido), utilizaria o índice que acharia correto, e só depois o Fisco poderia contestar, pelo que seria necessária uma fiscalização extremamente rigorosa, em todos os contribuintes, para se checar a correção das informações futuras; a contabilidade fiscal seria extremamente complexa, com contínua necessidade de revisão dos valores de tributo já recolhido, além da permanente insegurança jurídica. O aparelho judicial ver-se-ia inundado de demandas, pois cada contribuinte, periodicamente, entraria com ações relativas a certo período. Acabar-se-ia com a certeza de tributação uniforme etc."
Indubitável o fato da tese em foco contrariar a finalidade do instituto, donde se retira mais uma crítica a sua aceitação.
2.3 - A teoria de Marco Aurélio Greco [14]
Partindo da constatação do art. 150, § 7º da CF ser uma norma de competência, aplicável não somente ao ICMS, mas a impostos e contribuições (não especificados no citado artigo), elabora o autor uma teoria onde o cerne da norma não seria a substituição tributária em si (a troca do sujeito passivo "normal" por outro), mas sim a antecipação da exigência do tributo, senão vejamos:
"o § 7º do art. 150 da CF de 1988 está prevendo a figura da "antecipação", pois contempla hipótese de atribuição de responsabilidade tributária em função de um evento futuro; ou seja, figura em que o tributo é exigido de um contribuinte numa etapa do ciclo econômico, em contemplação de um fato gerador a ocorrer em etapa posterior, em geral tendo a mesma mercadoria por objeto." [15]
E referida antecipação pode ocorrer sem a substituição do contribuinte por um outro sujeito (antecipa-se a exigência do tributo relativo ao mesmo contribuinte, em contemplação de um fato gerador a ocorrer futuramente) – antecipação sem substituição -; ou antecipando-se a exigência de recolhimento do tributo em contemplação à fato gerador futuro, e ao mesmo tempo atribuindo-se a respondabilidade desse recolhimento a um terceiro – antecipação com substituição, sendo esta última a hipótese que importa ao presente estudo. [16]
Passando-se adiante, para se falar em substituição progressiva válida, esta deve atender a três cláusulas (sempre no pensamento do autor em análise): vinculação, atribuição e vedação de excesso (ou restituição).
A compreensão da chamada cláusula de vinculação depende da prévia diferenciação entre pressuposto de fato e fato gerador.
A Constituição capta determinado fato, econômico ou jurídico, e autoriza ao legislador ordinário instituir gravames tributários dentro dos limites do respectivo fato escolhido (ela traça os limites dentro dos quais poder-se-á tributar aquela parcela da realidade, econômica ou jurídica, nela (CF) indicada); assim, a Constituição não diz qual o fato gerador, mas sim indica o pressuposto de fato. Nas palavras do próprio Greco [17]:
"Neste ponto é fundamental a distinção entre pressuposto de fato e fato gerador. O primeiro consistente na parcela da realidade, econômica ou jurídica, que o tributo visa a alcançar; enquanto o segundo corresponde apenas ao evento concreto, denotador do pressuposto de fato, que a lei escolheu como deflagrador da exigência fiscal. A Constituição Federal, ao discriminar as competências tributárias, está, efetivamente, descrevendo a materialidade dos pressupostos de fato que podem ensejar a exigência fiscal...
no ICMS o pressuposto de fato é a existência de um ciclo econômico de produção e circulação de mercadorias, enquanto seu fato gerador será o negócio jurídico translativo de propriedade ou posse etc.
O pressuposto de fato tem características próprias, distintas do fato gerador, embora um deva ser compatível com o outro. Assim, por exemplo, o pressuposto de fato deve corresponder a certa manifestação de capacidade contributiva. Por outro lado, somente poderá ser escolhido como fato gerador um evento que indique a existência do pressuposto de fato."
E como a Carta Magna traçou os limites da tributação do ICMS (delimitou e concedeu competência ao legislador ordinário) dentro da realidade "ciclo econômico relativo à certa mercadoria" (pressuposto de fato), sendo o fato gerador o negócio translativo de propriedade, e sendo este o deflagrador da incidência e da obrigação tributária, com a inerente exigibilidade do tributo; caso se queira antecipar esse recolhimento atribuindo-se responsabilidade a um terceiro que não o contribuinte, e em contemplação a fato gerador futuro, essa antecipação deve ser numa fase anterior do ciclo econômico daquela específica mercadoria, ou seja, deve ser vinculada ao pressuposto de fato daquela mercadoria.
"ao invés da legislação atrelar a exigência de recolhimento do dinheiro aos cofres públicos ao momento em que estiver concluída a ocorrência do fenômeno (econômico ou jurídico) qualificado pelo ordenamento, ela conecta a exigência a uma fase preliminar, como que antecipando as conseqüências que, no modelo tradicional, só seriam deflagradas depois da ocorrência do próprio fenômeno. Sublinhe-se que o fato qualificado para fins de deflagrar o recolhimento deve ser fase preliminar do fenômeno, econômico ou jurídico, que compõe a materialidade da competência tributária constitucional prevista, e não necessariamente do fato gerador do tributo." [18](cláusula de vinculação).
Já por cláusula de atribuição deve-se entender a necessidade dessa terceira pessoa, a quem o legislador vier a atribuir a responsabilidade pelo recolhimento do tributo em contemplação a fato gerador futuro, ter vínculo, objetivo ou subjetivo, com o respectivo ciclo econômico da mercadoria (no caso do ICMS, obviamente):
"o dispositivo constitucional analisado exige que o dever de antecipar alcance apenas quem for qualificado como sujeito passivo do tributo. Vale dizer, alguém que se encontre vinculado por algum nexo objetivo ou subjetivo com seu pressuposto de fato." [19](cláusula de atribuição).
E quanto a cláusula de vedação de excesso:
"o sentido do dispositivo constitucional é claramente o de proteger o contribuinte contra exigências maiores do que as que resultam da aplicação do modelo clássico do fato gerador da obrigação tributária. Não há uma autorização constitucional para cobrar mais do que resultaria da aplicação direta da alíquota sobre a base de cálculo existente ao ensejo da ocorrência do fato legalmente previsto (fato gerador). Antecipa-se o imposto devido; não se antecipa para arrecadar mais do que o devido. Portanto, a devolução é de rigor sempre que o fato não ser realizar ou, realizando-se, não se der na dimensão originalmente prevista. O excesso tem a natureza de uma cobrança indevida, e a Constituição não está legitimando o indébito." [20](cláusula de restituição).
2.3.1 - Crítica a essa corrente
Não há dúvida quanto a procedência da teoria no que pertine à descrição do art. 150, § 7º da CF como sendo norma de competência, que tem sua eficácia condicionada à edição de legislação ordinária (o dispositivo começa por "a lei poderá"), e que é aplicável não somente ao ICMS.
Outrossim, na sua descrição dogmática pode-se destacar pontos dignos de crítica.
Com efeito, a apreensão da descrição dada a norma em foco por Marco Aurélio Greco depende de esclarecimentos complementares às cláusulas de vinculação.
Na nota de rodapé nº "13" [21] encontra-se a seguinte transcrição, in verbis:
"Não utilizo o termo "pagamento", pois esta é figura típica de extinção de obrigação, e no caso da antecipação não chega a nascer a obrigação tributária, daí preferirmos tratar a hipótese como sendo de recolhimento, e não de pagamento."(grifamos).
Quer dizer, a Constituição descreve o pressuposto de fato, mas o modelo da norma tributária não é vinculado, pode ser o obrigacional ou outro, desde que não saia dos limites do pressuposto de fato:
"A premissa de que a obrigação tributária nasce da ocorrência do fato gerador é verdadeira, mas é uma premissa parcial, pois alcança apenas uma fração dos modelos impositivos admitidos pela norma de competência e criados pela legislação.
...
A Constituição autoriza que o legislador conecte àquela determinada realidade, a conduta de entregar dinheiro aos cofres públicos. Esta autorização é restrita àquela realidade, mas não está restrita a um único "modo". O modo pelo qual realidade e conduta irão se vincular está no campo da liberdade de escolha do legislador. Se através de um modelo obrigacional (o que denominei, em outra oportunidade, "tributos exigíveis") ou se de um modelo em que a entrega de dinheiro se posicione antes da ocorrência do fato previsto na Constituição (o que denominei "tributos não-exigíveis), isto será opção do legislador, sendo ambas, em princípio, igualmente válidas constitucionalmente se a realidade circunscrita pela norma de competência e o modo adotado forem compatíveis." [22]
Nesse modelo, o fato presumido passa a ser fato legitimador (e não fato gerador) do recolhimento antes efetuado.
Por outro giro, eventuais diferenças entre o fato desencadeador da antecipação e o fato legitimador, só devem ser devolvidas ao contribuinte (cláusula de restituição), não valendo para o Estado:
"Ao instituir a figura o Fisco definiu a carga tributária aplicável, por isso aquelas operações que tiverem um valor final maior do que o adotado para fins de antecipação não ensejam cobrança complementar (o cobrado foi o que o Fisco previu), e aquelas que tiverem um valor menor ensejam ressarcimento ao contribuinte, pois a carga terá sido superior à constitucionalmente admissível (direito oponível ao Estado)." [23]
Partindo-se da premissa, fixada no item "2.2" do nosso Norma Jurídica, Fato Jurídico e os Planos do Mundo Jurídico, de que à diferentes suportes fácticos correspondem diferentes normas, percebe-se haver, no modelo ora em tela, diferentes suportes fácticos para um mesmo fato, ou, por outras palavras, dois modelos tributários paralelos incidentes sobre a mesma realidade.
Transportando-se a tese para os contornos da norma jurídica (analisados no artigo Norma Jurídica, Fato Jurídico e os Planos do Mundo Jurídico, especialmente item "2.2"), ter-se-ia de reconhecer a existência de diferentes normas, dada a existência de diferentes suportes fácticos (e preceitos).
Uma dessas normas seria a norma de tributação "normal"; outra a norma de antecipação, que por sua vez traria conseqüências distintas para o contribuinte (onde a antecipação do recolhimento apenas adiantaria o valor a ser pago quando da ocorrência do fato legitimador) e para o Estado (onde a antecipação ganharia foros de definitiva, portanto sem correspondência com a realidade).
Ter-se-ia, para a mesma descrição fática, conseqüências distintas conforme o sujeito (Estado ou contribuinte), sendo o elemento presumido definitivo para um e provisório para o outro.
Aplica-se a esse modelo boa parte das críticas tecidas anteriormente a tese da presunção relativa, pois ele cristalinamente contraria a finalidade da substituição progressiva, bem como prevê o fracionamento do fato jurídico (especialmente quando houver divergência entre o valor recolhido a título de antecipação e o valor a ser recolhido por ocasião do chamado fato legitimador).
Ademais, na hipótese do fato legitimador se dá em dimensão pecuniária maior do que o fato desencadeador da antecipação, não sendo possível o Estado cobrar a diferença, devido a eficácia de norma constitucional, necessário seria reconhecer-se a criação de uma imunidade tributária inespecífica e condicionada à fixação da base de cálculo em descompasso com a realidade futura, ou seja, imunidade por via transversa, indireta, obtida através do esforça exegético; uma contradição em termos (norma imunizante retira do legislador a possibilidade de tributar uma parcela da competência tributária autorizada por outra norma constitucional, para os casos especificamente enumerados, não havendo como se deduzir imunidade por via transversa [24]).