A solução da responsabilidade civil, sob a óptica do Direito do Consumidor.

Ponderações sobre o enunciado da Súmula nº 595 do Superior Tribunal de Justiça e da interação entre os personagens jurisdicionados

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12/06/2018 às 13:13

Resumo:


  • O Superior Tribunal de Justiça (STJ) emitiu a Súmula 595, que estabelece a responsabilidade civil das Instituições de Ensino Superior (IES) por eventuais danos aos alunos, mesmo sem comprovação de culpa dos estudantes.

  • O Ministério da Educação (MEC) desempenha papel importante na autorização e reconhecimento dos cursos superiores, dividindo-se em atos administrativos como credenciamento, autorização e reconhecimento.

  • A relação entre aluno e instituição de ensino superior é considerada uma relação de consumo, regida pelo Código de Defesa do Consumidor, com ênfase na proteção dos direitos básicos do consumidor e na responsabilidade civil das instituições.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O STJ definiu que instituições de ensino superior respondem objetivamente por danos causados por cursos não reconhecidos pelo MEC. Como garantir os direitos do aluno?

Resumo: Este artigo visa destacar o posicionamento enunciado em súmula pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no que tange à responsabilidade civil por eventuais danos decorrentes da relação de consumo entre aluno e instituição de ensino superior. Destaca-se, de forma periférica, a discricionariedade do Ministério da Educação, enquanto agente da Administração Pública direta, no reconhecimento dos cursos de educação superior, tanto presenciais quanto a distância. Em virtude da uniformização da jurisprudência, a Súmula 595 do Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento da Segunda Seção desta Corte de que, nas ações ajuizadas em razão de prejuízos suportados pelo aluno, haverá a responsabilização civil da Instituição de Ensino Superior (IES), independentemente da demonstração de culpa do estudante. A reparação civil é devida sempre que o aluno prejudicado não tenha conhecimento prévio ou não tenha sido informado, no momento da matrícula, de que o curso não possuía reconhecimento expedido pelo MEC. Nesse contexto, basta a existência do dano e do nexo entre o consumidor e o fornecedor para ensejar a reparação civil. Ressalta-se que é indispensável à IES obter o reconhecimento para o funcionamento dos cursos oferecidos. A atuação do MEC se divide em três atos administrativos autorizativos, independentes entre si, quais sejam: credenciamento e recredenciamento, autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento. Cabe mencionar que o reconhecimento pode ser superveniente à matrícula; entretanto, a ausência desse ato pode prejudicar o educando e gerar o dever de reparação civil, como será detalhadamente analisado ao longo do estudo.

Palavras-chave: Responsabilidade. Consumidor. Reparação. Educação. Credenciamento.

Sumário: Introdução. 1. O posicionamento da Administração Pública. 2. O emprego do Código de Defesa do Consumidor na relação entre aluno e Instituição de Ensino Superior. 2.1. Dos Direitos básicos do consumidor. 2.2. A expectativa dos consumidores. 2.3. A responsabilidade civil do fornecedor. 2.4. Prazo prescricional da responsabilidade civil. 2.5. Decisões que influenciaram o enunciado da súmula. 3. A minúcia do enunciado da súmula, aprovada pela Câmara de Direito Privado. 4. Considerações finais.


INTRODUÇÃO

É imprescindível que a Administração Pública exerça sua tutela no âmbito da educação, sobretudo no que se refere à qualidade educacional oferecida. No ensino superior, o Ministério da Educação (MEC) desempenha um papel fundamental ao reconhecer e autorizar o funcionamento dos cursos de graduação e pós-graduação. Dessa forma, é possível interpretar que a educação configura-se como um serviço, no qual a instituição de ensino superior atua como fornecedora. Assim, entende-se que o controle de qualidade deve ser exercido pela própria Administração, por meio de órgãos como o Conselho Nacional de Educação (CNE), o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), entre outros mecanismos de avaliação educacional.

A partir dessa interpretação extensiva, o estudante de ensino superior assume a posição de consumidor propriamente dito e, nessa perspectiva, deve ser amparado pela legislação consumerista, em especial pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC). Desde logo, estabelece-se a relação de consumo, pois, de um lado, tem-se o estudante como consumidor e, de outro, a instituição de ensino superior como fornecedora, sendo o curso educacional o serviço oferecido.

Considerando que essa temática tornou-se recorrente na Justiça Estadual brasileira, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) unificou o entendimento sobre a questão, conforme a súmula abordada nesta minuta. Os precedentes dessa súmula originam-se de ações de natureza civil, nas quais se verifica que a instituição de ensino violou os deveres de informação e de prevenção de danos aos consumidores, devendo, portanto, repará-los.

Convém ressaltar que a incidência da súmula somente ocorrerá mediante o preenchimento de duas condições indispensáveis:

  1. Desconhecimento por parte do aluno no momento da contratação do curso de graduação junto à instituição de ensino superior, que não possui autorização ou reconhecimento pelo Ministério da Educação, tampouco informa o contratante sobre essa situação;

  2. Ocorrência de prejuízo ao aluno, ensejando o dever de reparação civil, seja por danos morais ou patrimoniais, configurando, assim, a responsabilidade objetiva da instituição.

Mais uma vez, destaca-se que, nesse caso, incidem normas cogentes, de ordem pública, previstas no Código de Defesa do Consumidor, além das disposições da Constituição Federal de 1988 e do Código Civil. No que tange à função do MEC, incluem-se as normas administrativas que regulam os atos de gestão para o reconhecimento e a autorização das instituições de ensino superior no oferecimento de cursos de graduação.

Com efeito, a instituição de ensino superior deveria fornecer informações adequadas e transparentes ao aluno de forma prévia, a fim de evitar eventuais prejuízos para ambas as partes. Neste documento, são abordadas a jurisprudência dos tribunais, os precedentes e o teor da súmula em questão, além da atribuição do Ministério da Educação.


1. O POSICIONAMENTO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

A educação possui escopo constitucional e deve ser respeitada como um direito garantido a todos os brasileiros, sem exceção. A Carta Magna brasileira de 1988 elenca os direitos sociais, entre os quais a educação se destaca como um componente fundamental. Como direito social, a educação é uma matéria ratificada pelo Protocolo de San Salvador, tratado internacional referendado no Brasil por meio de decreto com força de lei infraconstitucional.

Dessa forma, extrai-se do texto constitucional que a União possui competência privativa2 para estabelecer as diretrizes e bases da educação nacional. No entanto, a competência para proporcionar acesso à educação é comum3 à União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Nesse contexto, é relevante destacar que este estudo se concentrará na competência privativa da União, exercida, primordialmente, pela Administração Pública federal direta, por meio do Ministério da Educação, criado em 19304.

Recentemente, o Presidente da República em exercício, Michel Temer, aprovou o Decreto nº 9.005/20175, cujo objetivo é estruturar o regimento do Ministério da Educação e seu quadro de funcionários. Anexo a esse decreto, a estrutura regimental do Ministério da Educação define, em seu primeiro capítulo e artigo, a área de competência desse ministério:

Art. 1. O Ministério da Educação, órgão da administração federal direta, tem como área de competência os seguintes assuntos:

I - política nacional de educação;

II - educação infantil;

III - educação em geral, compreendendo ensino fundamental, ensino médio, ensino superior, educação de jovens e adultos, educação profissional, educação especial e educação à distância, exceto ensino militar;

IV - avaliação, informação e pesquisa educacional;

V - pesquisa e extensão universitária;

VI - magistério; e

VII - assistência financeira a famílias carentes para a escolarização de seus filhos ou dependentes.

Feita a referência a esse órgão, é importante destacar a ramificação do Ministério da Educação em todo o país. Em especial, o Conselho Nacional de Educação (CNE), como órgão colegiado, é responsável pelas resoluções e instruções que regulam as demais estruturas do ministério. Ademais, autarquias como o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), a fundação pública Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e a empresa pública Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), além dos órgãos específicos e singulares que auxiliam o Ministro da Educação, atualmente Mendonça Filho, são vinculados ao Ministério da Educação.

Considerando essa estrutura organizacional, cabe reforçar que o Ministério da Educação possui competência para a autorização e o reconhecimento do ensino superior no país. Sendo assim, exige-se um ato administrativo que estabeleça essa condição para o reconhecimento dos cursos de graduação e pós-graduação. Esse ato autorizativo6 se divide em duas categorias:

1.1. Credenciamento e recredenciamento

O credenciamento das instituições de ensino superior ocorre da seguinte forma: antes do início das atividades educacionais, a instituição deve solicitar o credenciamento de seus cursos junto ao Ministério da Educação. De acordo com sua organização acadêmica, a instituição poderá ser credenciada como faculdade, centro universitário ou universidade.

Inicialmente, a instituição é credenciada como faculdade. Caso deseje a transformação para centro universitário ou universidade, deverá realizar o cadastro específico para tal, garantindo o funcionamento regular e a qualidade satisfatória, atestados pelo Ministério da Educação. O primeiro credenciamento de faculdades e centros universitários tem validade máxima de três anos. No caso das universidades, o primeiro credenciamento terá validade de até cinco anos.

Por outro lado, o recredenciamento deve ser solicitado pela instituição ao término de cada ciclo avaliativo do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), junto à secretaria competente do Ministério da Educação.

1.2. Autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento.

As instituições de ensino superior necessitam de autorização do Ministério da Educação para ofertar cursos de graduação. Trata-se de um ato administrativo do Ministério, permitindo o funcionamento regular dos cursos superiores.

É importante observar que apenas as faculdades precisam de autorização para funcionamento. Já os centros universitários e universidades possuem autonomia e, portanto, não necessitam de autorização prévia. No entanto, essas instituições devem informar à Secretaria competente do Ministério da Educação sobre os cursos em funcionamento, para fins de supervisão, avaliação e posterior reconhecimento7.

Cabe ressaltar que, no caso dos cursos de graduação em Direito, Medicina, Odontologia e Psicologia, a Secretaria de Educação Superior considera indispensável a manifestação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e do Conselho Nacional de Saúde.

Quando um curso de graduação alcançar metade de sua carga horária, a instituição de ensino superior deverá solicitar ao Ministério da Educação o reconhecimento do curso. Essa etapa é fundamental para garantir a validade nacional dos diplomas, sendo este o ponto central do presente estudo. Além disso, os conselhos supracitados possuem prerrogativa para se manifestar junto ao Ministério, ou seja, o reconhecimento do curso passa pela chancela dos órgãos de classe.

A renovação do reconhecimento ocorre da mesma forma que o recredenciamento. Ao final do ciclo avaliativo do SINAES, a instituição de ensino superior deverá solicitar a renovação do reconhecimento do curso junto à Secretaria competente do Ministério da Educação.

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É importante destacar que as instituições de ensino superior têm plena ciência de que o reconhecimento de seus cursos é um fator determinante para garantir a qualidade e a adequação da oferta educacional. Além disso, os mesmos critérios aplicados ao reconhecimento dos cursos de graduação também se estendem aos cursos de pós-graduação.

Em suma, independentemente da exigência legal expressa e da burocracia indispensável imposta pelo Ministério da Educação, as instituições de ensino superior que operam sem o devido reconhecimento de seus cursos assumem os riscos decorrentes dessa escolha.


2. O EMPREGO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR NA RELAÇÃO ENTRE ALUNO E INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR

No artigo 2º do CDC, encontra-se a definição de consumidor: toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Além disso, o mesmo código prevê a existência do consumidor por equiparação, abrangendo tanto a vítima de acidentes de consumo quanto o consumidor exposto às práticas comerciais.

Por sua vez, no artigo 3º do CDC, está definida a figura do fornecedor, compreendendo toda pessoa física ou jurídica que desenvolve atividade produtiva, comercializa produtos ou presta serviços. É legítimo que fornecedores, enquanto pessoas jurídicas, possuam natureza pública ou privada, nacional ou estrangeira, podendo, inclusive, ser entes sem personalidade jurídica.

É essencial ressaltar que fornecedor e consumidor estão vinculados pelo produto ou serviço8. Quando se trata de produto, este abrange qualquer bem material ou imaterial, móvel ou imóvel. No caso de serviço, a definição engloba toda atividade fornecida no mercado de consumo mediante pagamento, excetuando-se as relações de natureza trabalhista.

Após essa contextualização, destaca-se que as instituições de ensino superior se enquadram como fornecedoras, ao oferecerem a prestação de serviços educacionais. Essa prática comercial tem origem na iniciativa privada, pois envolve a cobrança de valores a título de contraprestação. No entanto, não é uma exclusividade desse setor, podendo também ser exercida pela iniciativa pública. Dessa forma, o aluno, ao adquirir o serviço educacional como destinatário final, assume a condição de consumidor, enquanto a instituição de ensino, responsável pela prestação do serviço, é caracterizada como fornecedora.

Nos termos da Constituição Federal9, cabe ao Estado a defesa do consumidor, conforme previsto em lei. Paralelamente, a adoção do CDC regulamenta a proteção dos consumidores e disciplina os procedimentos aplicáveis às relações de consumo. O CDC é uma norma de ordem pública, ou seja, uma norma cogente, que não pode ser afastada. Isso significa que o consumidor não pode renunciar ou ceder seus direitos, tendo em vista a inatacabilidade dessas normas.

Os Tribunais brasileiros têm entendimento consolidado quanto à existência da relação de consumo entre aluno e instituição de ensino superior, que é caracterizada como prestadora de serviço educacional. Diante desse reconhecimento, pode-se afirmar que essa relação gera a possibilidade de responsabilidade civil, especialmente quando houver violação dos direitos básicos do consumidor, conforme estabelecido na legislação aplicável.

A aplicação do CDC às relações entre alunos e instituições de ensino superior tem sido amplamente consolidada na jurisprudência. Essa evolução normativa reflete o fortalecimento das normas cogentes, garantindo a proteção do aluno enquanto consumidor. Tal entendimento pode ser observado no seguinte julgado10:

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS – CURSO UNIVERSITÁRIO NÃO RECONHECIDO PELO MEC – CONFIGURAÇÃO DE RELAÇÃO DE CONSUMO – RESPONSABILIDADE OBJETIVA PELOS PREJUÍZOS RESULTANTES DA INSUFICIÊNCIA DAS INFORMAÇÕES PRESTADAS ACERCA DA FRUIÇÃO DOS SERVIÇOS – INDENIZAÇÃO PELOS DANOS MATERIAIS CONSISTENTES NAS DESPESAS EFETIVAMENTE DEMONSTRADAS, SUPORTADAS EM RAZÃO DA TRANSFERÊNCIA DA ALUNA PARA OUTRA INSTITUIÇÃO DE ENSINO – FATO IMPUTÁVEL UNICAMENTE À EMPRESA RÉ – IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR LUCROS CESSANTES, MERAMENTE HIPOTÉTICOS NO CASO DOS AUTOS – SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA QUE IMPÕE O RATEIO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS – SENTENÇA REFORMADA EM PARTE.

TJ/SP – Apl 9151502-52.2008.8.26.0000 – Relator Desembargador Edgard Rosa.

Considerando o estudo realizado sobre o voto do Desembargador Relator nos autos em epígrafe11, verifica-se a existência de relação de consumo entre a instituição de ensino e a estudante, conforme a definição do artigo 2º do CDC. Isso se justifica pelo fato de a estudante ser a destinatária final dos serviços educacionais prestados, o que acarreta a incidência das disposições consumeristas ao caso.

Dessa forma, tendo em vista a relação jurídica entre consumidor e fornecedor, é fundamental destacar a aplicação do instituto da responsabilidade civil, bem como a necessidade de se comprovar o nexo causal entre a prestação do serviço e a ocorrência de eventuais danos ao consumidor.

2.1. DOS DIREITOS BÁSICOS DO CONSUMIDOR

Em conformidade com as disposições do CDC, os direitos básicos do consumidor, previstos no Capítulo III da Lei nº 8.078/90, encontram respaldo nos preceitos constitucionais. Este estudo apresentará um rol exemplificativo desses direitos, tendo em vista que a preocupação central da súmula enunciada pelo STJ, mencionada neste artigo, está relacionada à responsabilidade civil.

Os direitos básicos do consumidor são indisponíveis e devem obedecer às normas de ordem pública, conforme exposto no tópico anterior. Esses direitos podem ser elencados da seguinte forma:

Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:

i. a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;

ii. a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;

iii. a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

iv. a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;

v. a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;

vi. a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

vii. o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;

viii. a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segunda as regras ordinárias de experiências;

ix. (vetado);

x. a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.

Art. 7º. Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade [...].

A análise se concentrará no inciso VI do artigo 6º da Lei nº 8.078/90, que trata tanto da reparação dos danos sofridos pelo consumidor quanto da prevenção desses danos. A prevenção de prejuízos é um princípio já previsto no Código Civil e foi incorporado ao CDC, assim como a reparação dos danos.

Considerando que a Constituição Federal de 1988 (CF/88) foi pioneira ao estabelecer a promoção da defesa do consumidor como um dever do Estado, as leis infraconstitucionais dessa área seguiram a mesma linha, mantendo a tônica protetiva. Prova disso é que diversas outras leis foram editadas posteriormente, abordando o mesmo tema: a proteção do consumidor. A título de exemplo, destacam-se:

  • Decreto nº 2.181, de 20 de março de 1997, que dispõe sobre a organização do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC).

  • Decreto nº 6.523, de 31 de julho de 2008, que regulamenta o Código de Defesa do Consumidor, para fixar normas gerais sobre o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC).

  • Lei nº 12.291, de 20 de julho de 2010, que torna obrigatória a manutenção de exemplar do CDC nos estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços.

  • Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, dispondo sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica.

Os exemplos mencionados evidenciam a importância da configuração do consumo na sociedade brasileira. As relações de consumo devem sempre observar os princípios da Constituição Federal, bem como as leis infraconstitucionais, a fim de evitar a ocorrência de danos ou prejuízos a terceiros.

2.2. A EXPECTATIVA DOS CONSUMIDORES

Hodiernamente, os estudantes buscam não apenas a formação intelectual, mas também a prática profissional, que lhes proporcionará melhores oportunidades de emprego. Essa perspectiva está atrelada a uma boa qualificação técnica e pessoal, refletida no currículo. Para isso, as instituições de ensino superior, sejam públicas ou privadas, são procuradas para fornecer essa qualificação.

No caso das instituições públicas de ensino superior, o ingresso ocorre por meio de processo seletivo, inclusive para transferências. Uma vez aprovado, o estudante não precisará arcar com valores de matrícula ou mensalidade para cursar a graduação.

Por outro lado, nas instituições privadas de ensino superior, o ingresso também se dá por processo seletivo. No entanto, é necessário o custeio do ensino, por meio da cobrança de mensalidade ou anuidade, a título de contraprestação pelos serviços educacionais.

O financiamento estudantil tornou-se uma prática comum, possibilitando que estudantes sem condições financeiras para arcar integralmente com os custos da graduação possam pagar os valores de forma diluída ao longo dos estudos. Contudo, essa modalidade configura-se como um contrato de empréstimo.

O financiamento estudantil pode ser subsidiado pelo governo federal, oferecendo condições diferenciadas de pagamento, como juros reduzidos e períodos de carência mais acessíveis. Um exemplo é o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), programa fomentado pelo Ministério da Educação12. As instituições bancárias têm expandido significativamente essa forma de financiamento estudantil.

É importante destacar que, com o aumento do número de estudantes no ensino superior, também houve um crescimento no número de instituições de ensino superior. No entanto, esse crescimento nem sempre foi acompanhado pela melhoria da qualidade do ensino.

Como reflexo dessa realidade, observa-se um aumento no número de ações judiciais movidas contra instituições de ensino superior, tendo como principal pleito o reconhecimento e a validade dos diplomas. Nesse sentido, destaca-se o seguinte julgamento do Superior Tribunal de Justiça13:

MANDADO DE SEGURANÇA. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. PORTARIA. AUMENTO NO NÚMERO DE VAGAS DOS CURSOS JURÍDICOS SEM PRÉVIA MANIFESTAÇÃO DA OAB. IMPOSSIBILIDADE. DESCUMPRIMENTO DE REQUISITO FORMAL PARA A PRÁTICA DO ATO ADMINISTRATIVO. RELEVÂNCIA CONSTITUCIONAL DA PROFISSÃO DE ADVOGADO E DEMAIS CARREIRAS JURÍDICAS.

MS: 8219 DF 2002/0023319-6, STJ. Relator: Ministro Franciulli Netto, Data de julgamento: 23/10/2002, S1 – Primeira Seção, Data de Publicação: DJ 12.05.2003 p. 205.

Diante do julgamento exposto, é possível destacar que compete ao Estado garantir a prestação de uma educação de qualidade, observando as normas gerais educacionais pré-estabelecidas. Assim, fica evidente que o Estado não pode estabelecer normas de forma arbitrária, especialmente quando isso resultar em desrespeito aos direitos dos particulares envolvidos no ensino ou comprometer a qualidade da educação, conforme assegurado pela Constituição Federal.

É fundamental, no entanto, que as políticas públicas de controle da qualidade do ensino sejam sempre observadas, garantindo a manutenção de um sistema educacional qualificado e evitando prejuízos irreparáveis aos estudantes.

2.3. A RESPONSABILIDADE CIVIL DO FORNECEDOR

No que se refere à relação de consumo entre a instituição de ensino superior e o aluno, na qual a prestação de serviço educacional configura-se como o produto fornecido, deve-se salientar que, em caso de prejuízo ao consumidor, o fornecedor será responsável pelo ressarcimento. Essa disposição está expressamente prevista no caput do artigo 14 do CDC:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

O fornecedor de serviços defeituosos será civilmente responsável pela reparação dos prejuízos causados ao consumidor, seja pela inutilidade da prestação do serviço ou, especialmente para este estudo, pela omissão ou falha na informação ao consumidor sobre os aspectos do produto ou serviço oferecido. No entanto, o fornecedor poderá ser eximido da responsabilidade caso comprove que não houve defeito na prestação do serviço; o dano decorreu de culpa exclusiva do consumidor; ou o dano foi causado por terceiro14.

Considerando o tema proposto neste estudo, é fundamental adequar a situação concreta às disposições do CDC. O aluno, enquanto consumidor do serviço educacional, terá direito à indenização caso sofra prejuízos decorrentes da prestação inadequada do serviço pela instituição de ensino superior.

Entretanto, essa reparação civil somente será devida quando a instituição de ensino superior não informar adequadamente o aluno, no momento da adesão, sobre o reconhecimento e autorização dos cursos oferecidos.

Na contramão do que prevê o Código Civil15 quanto à responsabilidade extracontratual ou aquiliana, o CDC estabelece que, uma vez configurada a relação de consumo, basta a comprovação do prejuízo e do vínculo entre o consumidor e o fornecedor para que seja aplicada a responsabilidade objetiva. Diferentemente do CDC, o Código Civil exige a comprovação de dolo ou culpa para que seja reconhecido o direito à reparação.

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS. CONFIGURAÇÃO DE RELAÇÃO DE CONSUMO. CURSO DE MESTRADO NÃO RECONHECIDO OFICIALMENTE PELO PODER PÚBLICO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA PELO VÍCIO DO SERVIÇO. ART. 20. DO CDC. INEXISTÊNCIA DE FATO DE TERCEIRO A EXIMIR A RÉ DA OBRIGAÇÃO DE RESTITUIR OS VALORES PAGOS A TÍTULO DE CONTRAPRESTAÇÃO. DANOS MORAIS RECONHECIDOS. EVENTUAL CIÊNCIA DA ALUNA A RESPEITO DO NÃO RECONHECIMENTO DO CURSO QUE NÃO ELIDE A RESPONSABILIDADE DA PRESTADORA DE SERVIÇOS DE REGULARIZAR A PENDÊNCIA VISANDO À OBTENÇÃO DO TÍTULO ACADÊMICO. REDUÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO [...]. SÚMULAS 326 E 362 DO STJ.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO TJ-SP. APELAÇÃO: APL 9147224-71.2009.8.26.0000. DJe: 09/11/2012. Relator: Desembargador Edgard Rosa. 25ª Câmara de Direito Privado.

Com efeito, é essencial observar as decisões sobre esse tema, primeiramente porque o entendimento está pacificado pelo STJ e serve como referência para as demais Câmaras. Em segundo lugar, essas decisões contribuem para dirimir eventuais dúvidas, garantindo a reparação da justiça e a aplicação de meios adequados de solução de conflitos.

Embora a súmula enunciada pelo STJ não vincule os julgamentos posteriores, ela reforça uma linha coesa de pensamento jurídico, promovendo a uniformização do entendimento sobre a matéria e contribuindo para a segurança jurídica. Esse entendimento enriquece a jurisprudência no que tange à reparação civil e ao direito do consumidor.

2.4. PRAZO PRESCRICIONAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Considerando a relação de consumo estabelecida entre o aluno e a instituição de ensino superior, aplicam-se os prazos prescricionais previstos no CDC em prevalência sobre os prazos do Código Civil.

No caso de danos provenientes de acidentes de consumo, seja por fato do produto ou do serviço, o prazo para ajuizamento da demanda de reparação será de 5 anos, contados a partir do conhecimento do prejuízo. Já em relação à reparação civil, conforme disposto no artigo 206, §3º, V do Código Civil, o prazo prescricional será de 3 anos, observadas as causas de interrupção ou suspensão da prescrição.

É importante destacar que a prescrição extinguirá a pretensão de responsabilização civil, caso o prazo decorra sem que seja adotada qualquer medida para requerer a reparação dos danos. Nesse contexto, a legitimidade ativa para propor a ação cabe ao consumidor lesado, enquanto a legitimidade passiva recai sobre o fornecedor do produto ou serviço.

Assim, o consumidor poderá usufruir da competência territorial favorável, do extenso prazo prescricional e da proteção conferida pela legislação consumerista, enquanto o fornecedor deverá demonstrar que o produto ou a prestação do serviço foram executados de forma adequada.

2.5. DECISÕES QUE INFLUENCIARAM O ENUNCIADO DA SÚMULA

Este ponto enfatiza, prioritariamente, as decisões proferidas pelo STJ relacionadas à temática abordada na súmula. O cerne da discussão reside na adequação da indenização civil ao consumidor prejudicado, seja pela falta de informação ou pela prestação inadequada do serviço, resultando em dano de ordem moral ou patrimonial.

Nesse sentido, é fundamental destacar que o pedido de indenização constitui o principal objeto da ação ajuizada e, portanto, deve ter precedência sobre os demais pedidos de caráter suplementar.

Diversas decisões recentes do STJ merecem menção, com especial atenção ao Recurso Especial16 proveniente do estado de Rondônia que discutiu aspectos relevantes para a uniformização da jurisprudência. Independentemente de sua repercussão ou notoriedade, a matéria julgada pelo Superior Tribunal de Justiça teve grande relevância jurídica e, pelo pioneirismo no tema, resultou na aprovação e publicação da Súmula 595.

Inicialmente, o consumidor ajuizou uma ação de indenização por danos morais e materiais contra o fornecedor, na Comarca de Vilhena – RO. Segundo o autor da ação, ele se matriculou em um curso de mestrado oferecido pela instituição de ensino e realizou os pagamentos mensais conforme contratado. Após apresentar sua dissertação final, o consumidor prosseguiu para o recebimento do título de Mestre. No entanto, ele descobriu que o MEC, órgão da Administração Pública, não reconhecia o curso de mestrado oferecido pela fornecedora.

A partir dessa controvérsia, iniciou-se a batalha judicial, na qual o aluno pleiteava o ressarcimento dos valores pagos durante o curso, enquanto a instituição de ensino superior argumentava que o serviço contratado foi devidamente prestado, apresentando, posteriormente, o reconhecimento do MEC.

Nesse contexto, destaca-se o voto do Ministro Luís Felipe Salomão, proferido em sede de Recurso Especial (REsp), acerca da legitimidade do direito pleiteado:

"Em regra, não se faz uma graduação ou mestrado por diletantismo, por simples amor ao conhecimento, mas também, e principalmente, por razões pragmáticas, para efeito de profissionalização, titulação ou ascensão profissional. Diante do desemprego e dos baixos salários, não se pode presumir que a opção de se cursar um mestrado não tenha a finalidade, sobretudo, profissional, de se inserir ou se manter no mercado de trabalho, de ascensão profissional ou de plus salarial.

E é certo, por outro lado, que todos esses resultados somente se logram se o curso estiver devidamente reconhecido pelos órgãos competentes (MEC/CAPES). Em realidade, a tese da recorrida, segundo a qual "o curso era para lapidar a intelectualidade dos alunos e não para galgar reconhecimento pelo MEC", é uma afronta à boa-fé-objetiva, que deve nortear tanto a execução como a formação dos contratos (art. 422. do CC/02) [...].

5.2. É inconteste que a relação existente entre uma instituição de ensino particular e o aluno é de índole consumerista, uma vez que este é destinatário final dos serviços prestados por aquela, estando também presente o traço da vulnerabilidade jurídica (arts. 2º e 4º, inciso I, do CDC).

No particular, em contratos de prestação de serviços educacionais, a maior de todas as cláusulas, porque respeita a boa-fé objetiva - ainda que não seja expressa -, deve ser aquela que preveja, ao final, a titulação do aluno no grau a que se propôs o curso, devendo esta ter alguma utilidade, a qual somente se alcança com o reconhecimento pelo órgão competente [...].

A instituição de ensino, ao se enveredar na seara da educação superior, graduação ou pós-graduação, assume o ônus do reconhecimento do curso junto ao MEC/CAPES. A validade do curso, no entanto, depende unicamente da qualidade do serviço prestado e da adequação às regras técnicas. Por isso mesmo, não pode o risco do não-reconhecimento ser dividido com o aluno, que em nada contribui para o insucesso".

Em sequência, o acórdão proferido pelo STJ concedeu parcial provimento ao recurso especial, apenas no que se refere ao reconhecimento da indenização por lucros cessantes, correspondente à gratificação pretendida pelo consumidor, dada a especificidade do caso concreto. Nesse sentido, a decisão teve efeito retroativo, abrangendo o período desde o término do curso educacional até o reconhecimento da diplomação.

Foram analisados cerca de nove precedentes, já decididos em grau recursal pelo STJ, antes da formulação da Súmula 595, destacando-se a relevância das decisões para a construção do entendimento jurisprudencial. A título de conhecimento, mencionam-se o Recurso Especial nº 1.034.289 – SP17 e o Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 651.099 – PR18, ambos julgados pelo STJ e adotados como referência jurisprudencial para a edição da Súmula 595.

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Sobre o autor
Matheus Morais

Bacharel em Direito pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) – Campus Frutal – MG. Advogado. Civilista. E-mail: [email protected].

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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