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Escolas penais

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25/10/2019 às 13:44
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8. DIREITO PENAL BRASILEIRO

Para uma melhor compreensão, se faz necessária uma regressão ao passado para delimitarmos o contexto histórico, por meio dos acontecimentos mais relevantes em relação à matéria em questão.

8.1. Brasil no início do século XX

As primeiras décadas do século XX foram de turbulência no Brasil. As consequências geradas foram similares àquelas que ocorreram na Europa, o que ocasionaram a utilização de vários fundamentos do positivismo antropológico de Lombroso, assim como de outras características da Escola Positiva.

O Brasil passaria ainda por mudanças no regime político, quando passou de uma monarquia para uma república presidencialista. Tivemos também o fim do trabalho escravo e a chegada de vários grupos de imigrantes europeus27.

A disparidade entre a vida nas áreas rurais e nos centros urbanos era enorme. O contraste era imenso entre o Brasil rural e o Brasil urbano, fato que se evidenciou com o Golpe de Estado de 1930, quando se nota a predominância de presidentes paulistas e mineiros. Nessa época, o Brasil se encontrava em grande dificuldade financeira devido aos gastos públicos e o declínio da exportação de café.

Com o fim da escravatura e as relações desiguais de consumo e produção, surgiu um grande número de indivíduos socialmente rejeitados. Muitas manifestações e revoltas populares surgiram para demonstrar sua insatisfação quanto à proteção que a recém República dava às elites em detrimento das porções desfavorecidas.

8.2. Influência de Cesare Lombroso

A obra de Lombroso, intitulada “O Homem Delinquente”, teve grande papel na influência dos doutrinadores brasileiros.

Inúmeros médicos e cultores do direito criminal analisaram a obra supracitada de Lombroso que coloca o criminoso no centro da discussão penal.

Diversos autores brasileiros aceitaram as teses de Lombroso e tal movimento culminou com a criação da Sociedade de Antropologia Criminal, Psiquiatria e Medicina Legal, em 1985; Sociedade da Sociedade de Medicina Legal e Criminologia, em 1914; e do Instituto Brasileiro de Criminologia, em 1931.

Apesar de os fundamentos de Lombroso terem sido desacreditados posteriormente, é inegável o fato de que seu pensamento gerou debates o que acabou culminando em diversos Institutos de Criminologia no Brasil.

Em suma, no Brasil, o positivismo antropológico teve o papel precípuo de estimular o avanço da Criminologia.

8.3. Código Penal Brasileiro de 1940

O apogeu da influência do Positivismo Antropológico no Brasil se deu com a promulgação do Código Penal Brasileiro de 1940.

Nessa época, diversos foram os motivos para utilizar os postulados de Lombroso. Havia uma crise política, econômica e social; a criminalidade estava aumentando etc.

Como já observando anteriormente, a passagem do Brasil de um modelo de produção escravagista para capitalista, trouxe vários problemas. O principal deles diz respeito à população negra que ainda não estava adaptada à nova fase. Como essa época tornou o país instável, era imprescindível a criação de institutos para manter a ordem e disciplina dos antigos escravos28.

Pedimos data venia para transcrever o que Eugênio Zaffaroni e José Henrique Pierangeli aduzem sobre o Código Penal de 1940:

O código de 1940 possui uma parte especial ordenada da mesma maneira que apresentava o projeto Galdino Siqueira, ou seja, encabeçada com os delitos contra a pessoa, mas com uma estrutura decididamente neoidealista, própria do código italiano de 1930. É um código rigoroso, rígido, autoritário no seu cunho ideológico, impregnado de “medidas de segurança” pós-delituosas, que operavam através do sistema “duplo-binário” ou da “dupla via”. Através deste sistema de “medidas” e da supressão de toda norma reguladora da pena no concurso real, chegava-se a burlar, dessa forma, a proibição constitucional da pena perpétua. Seu texto corresponde a um “tecnismo jurídico” autoritário que, com a combinação de penas retributivas e medidas de segurança indeterminadas (própria do Código Rocco), desemboca numa clara deterioração da segurança jurídica e converte-se num instrumento de neutralização de “indesejáveis”, pelas simples deterioração provocada pela institucionalização demasiadamente prolongada29.

Destarte, a influência do positivismo antropológico teve como papel precípuo direcionar a criação dos institutos penais em favorecimento dos interesses da elite.


CONCLUSÃO

A Escola Clássica não se ocupa de analisar os fatos que podem interferir na ação do criminoso, pois para ela o que importa mesmo é tão somente o fato e o resultado gerado. O criminoso é entendido como um homem normal, ou seja, que entende seus próprios atos, porém possui a liberdade de escolha (livre-arbítrio) entre uma ação correta ou errada. Quanto à função da pena, essa escola atribui dois poderes: um retributivo, quando a pena serve para dar uma resposta à sociedade mediante um ato que infringe a lei; e preventivo, para sinalizar e intimidar os demais cidadãos quanto ao prejuízo que cada um pode receber quando pratica um ato ilícito.

A Escola Positiva surge em resposta a algumas falhas que a Escola Clássica não conseguiu dirimir, como, por exemplo, os métodos utilizados e que não surtiram efeito com relação à diminuição da criminalidade. Com a Escola Positiva, o Direito Penal passou a ser tratado como ciência empírica (baseado no sistema filosófico de Comte), com base na realidade social e não em critérios religiosos utilizados pela Escola Clássica. Para essa escola, a responsabilidade social deriva da vida em sociedade (determinismo), diferentemente da Escola anterior em que a responsabilidade penal é lastreada no livre-arbítrio e na imputabilidade moral. Para a Positivista, o delito é um fenômeno natural e social e a pena exerce uma função preventiva de modo a mitigar as chances de o criminoso voltar a infringir a lei.

A Terza Scuola Italiana nasce para tentar intermediar as escolas antecessoras. Para essa escola a responsabilidade é baseada na imputabilidade moral e negação ao livre-arbítrio. Dos traços das escolas anteriores, a Terza Scuola não aceita o livre arbítrio, assim como a Positiva, que também possui a concepção de que o delito é um fato individual e social. Consoante à Escola Clássica, a escola italiana admite a responsabilidade moral, entretanto não a fundamenta no livre-arbítrio. Ainda há também a distinção entre imputável e inimputável.

A Escola Moderna Alemã busca a neutralidade entre o livre-arbítrio e o determinismo. Uma diferenciação também é feita pela Escola Alemã do Direito Penal e as outras ciências criminais. Indubitavelmente essa escola aproximou o Direito Penal com a realidade. Através de Liszt, um dos grandes responsáveis pela Escola Moderna Alemã, o Direito Penal ganhou uma estrutura mais sistemática.

Com relação ao Tecnicismo Jurídico, sua principal função foi a de resolver os problemas da falta de método da Escola Positiva. A Escola Técnico Jurídica apontou com maestria que o crime é o verdadeiro objeto do Direito Penal.

Quanto à Escola Correcionalista, o livre-arbítrio não recebe nenhuma importância. Essa escola entende que os criminosos são perigosos para o convívio social, sendo considerados anormais. O grande destaque dado por essa escola diz respeito a pena.

No Movimento de Defesa Social adota-se um sistema pelo qual a sociedade deveria buscar todos os meios possíveis de combate ao crime.

Todas essas escolas, cada uma em seu tempo e lugar contribuíram de uma forma ou de outra para a construção do Direito Penal.

No Brasil, por exemplo, a Escola Positiva, por meio dos postulados de Lombroso influenciou o Direito Penal Brasileiro, principalmente no sentido de “provocar” os doutrinadores brasileiros. Os debates gerados pela obra de Lombroso, “O Homem Delinquente”, geraram vários Institutos de Criminologia no Brasil.

É fácil observar que a maioria das escolas surgiu em função de outra. Os fundamentos de uma escola incitavam aqueles que discordavam, fazendo assim surgir outra escola com outros fundamentos entendidos como mais corretos. Houve casos em que uma escola se utilizou de pressupostos de outras escolas, como foi o caso da Terza Scuola Italiana.

Esse breve estudo acerca das escolas penais revela a grande essência, a nosso ver, do Direito como um sistema que se adapta às relações sociais em cada momento da história. Por isso, destaque-se a importância, que não é dada por muitos autores, de um estudo mais aprofundado da história das escolas penais, assim como do Direito como um todo.

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REFERÊNCIAS

ANITUA, Gabriel Inácio. História dos pensamentos criminológicos. Rio de Janeiro: Revan, 2008.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal: parte geral. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2000, v. 1.

BRUNO, Aníbal. Direito penal, parte geral, tomo I: introdução, norma penal, fato punível. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 73.

GOMES, Luiz Flávio (coord.); MOLINA, Antonio García-Pablos de; BIANCHINI, Alice. Direito penal: introdução e princípios fundamentais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, v. 2.

GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos de. Direito Penal: parte geral. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, v. 2.

NETTO OLIVEIRA, José. Dicionário Jurídico Universitário. 5. ed. Leme: Edijur, 2012

NEVES, Margarida de Souza. Os Cenários da República: O Brasil na virada do século XIX para o século XX. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves (orgs.). O Brasil Republicano: O tempo do liberalismo excludente: da Proclamação da República à Revolução de 1930. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

PIERANGELI, José Henrique; ZAFFARONI, Eugênio Raul. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 194.

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral. 8. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, v. 1.


Notas

1 BRUNO, Aníbal, 1967 apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal: parte geral. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2000, v. 1, p. 46.

2 Loc. cit.

3 Loc. cit.

4 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral. 8. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, v. 1, p. 49.

5 Ibidem, p. 80.

6 SAINZ CANTERO, 1975 apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal: parte geral. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2000, v. 1, p. 53.

7 NETTO OLIVEIRA, José. Dicionário Jurídico Universitário. 5. ed. Leme: Edijur, 2012, p. 67: Atavismo – reaparição em uma pessoa de certos caracteres físicos ou psíquicos de ascendentes remotos.

8 BITENCOURT, op. cit., p. 56.

9 Ibidem, p. 55.

10 Ibidem, p. 56.

11 BITENCOURT, op. cit., p. 58.

12 GOMES, Luiz Flávio (coord.); MOLINA, Antonio García-Pablos de; BIANCHINI, Alice. Direito penal: introdução e princípios fundamentais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, v. 1, p. 117.

13 BRUNO, Aníbal, op. cit., p. 70.

14 Ibidem, p. 59.

15 Ibidem, p. 60-61.

16 BRUNO, Aníbal. Direito penal, parte geral, tomo I: introdução, norma penal, fato punível. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 73.

17 Loc. cit. p. 73.

18 PRADO, Luiz Regis, op. cit., p. 84.

19 Loc. cit.

20 BITENCOURT, op. cit., p. 61.

21 Ibidem, p. 62.

22 RODER, Carlos David Augusto, 1876 apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal: parte geral. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2000, v. 1, p. 62.

23 PRADO, Luiz Regis, op. cit., p. 86.

24 PRADO, Luiz Regis, op. cit., p. 86.

25 Loc. cit.

26 Ibidem, p. 87.

27 NEVES, Margarida de Souza. Os Cenários da República: O Brasil na virada do século XIX para o século XX. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves (orgs.). O Brasil Republicano: O tempo do liberalismo excludente: da Proclamação da República à Revolução de 1930. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 15.

28 ANITUA, Gabriel Inácio. História dos pensamentos criminológicos. Rio de Janeiro: Revan, 2008, p. 353.

29 PIERANGELI, José Henrique; ZAFFARONI, Eugênio Raul. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 194.

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Sobre o autor
Luciano Knoepke

Advogado OAB/PR nº 91.580. Pós-graduando em Advocacia Cível pela Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP-RS). Especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KNOEPKE, Luciano. Escolas penais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5959, 25 out. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66902. Acesso em: 10 mai. 2024.

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