As garantias legal e contratual para produtos no Código de Defesa do Consumidor e o seu caráter complementar

15/06/2018 às 15:37
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O artigo aborda, brevemente, as garantias legal e contratual no Código de Defesa do Consumidor, destacando o seu caráter complementar

Introdução

Quando o consumidor adquire um produto, especialmente um produto durável, a exemplo de um veículo, de um eletrodoméstico ou de um smartphone, tem consigo uma forte expectativa de que esse produto apresente uma durabilidade minimamente razoável, aferida em face de produtos iguais ou similares.

O fabricante, a quem interessa gerar confiança para alavancar suas vendas e obter lucro, costuma justamente exaltar os atributos da qualidade e durabilidade dos seus produtos, o que, todavia, nem sempre não corresponde à realidade.

Vale lembrar que a conduta dos fabricantes é temperada por uma tendência coletiva de mercado: a obsolescência programada. Como se costuma dizer, “um produto que não se desgasta é uma tragédia para os negócios”.

Enfim, é evidente que os produtos oferecidos no mercado de consumo não são eternos e, ainda, concorrendo com eventuais falhas de produção, existe um certo esforço por parte dos fabricantes para que seus produtos não durem demasiadamente.

Diante dessa realidade, muitos produtos podem apresentar defeitos antes mesmo do decurso de um prazo curto, o que, no mais das vezes, gera grandes dissabores consumidor e que poderá encontrar guarida no Código de Defesa do Consumidor e nas chamadas garantias legal e contratual.

As garantias legal e contratual no Código de Defesa do Consumidor e o seu caráter complementar

A legislação brasileira busca equilibrar as tensões no mercado de consumo, regulando uma série de situações entre as quais se situa a matéria em debate: garantia de produtos.

Por obra e sabedoria do constituinte originário, a Constituição Federal previu, no seu art. 5º, inciso XXXII, que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. E, mais adiante, no seu art. 170, inciso V, que a ordem econômica observará o princípio da defesa do consumidor.

A defesa do consumidor, contemplada no aludido art. 5º, inciso XXXII, no Título II (“Dos Direitos e Garantias Fundamentais”), no Capítulo I (“Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”), é cláusula pétrea, de acordo com o que está assentado no art. 60, § 4º, IV, da Constituição. Não pode, por isso, ser reduzida ou abolida.

Em atendimento ao comando dado pelo art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), o legislador infraconstitucional, com um certo atraso, editou a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, também conhecida como Código de Defesa do Consumidor (CDC). Esse código, destaque-se, representou um enorme avanço e colocou o Brasil na vanguarda da proteção legislativa conferida ao consumidor.

No tocante, especificamente, à garantia conferida aos produtos, ponto de constante tensão entre consumidores e fornecedores, o CDC previu, de início, uma garantia obrigatória, chamada de garantia legal (art. 24). Essa garantia, diz o CDC, independe de termo expresso e não está sujeita à disposição ou exoneração contratual. Quanto a isso, aliás, é oportuno conferir o teor do art. 51 do CDC, donde se extrai que são nulas as eventuais cláusulas contratuais que exonerem o fornecedor do cumprimento da garantia legal, in verbis:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. [...]; II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código; III - transfiram responsabilidades a terceiros; IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade; [...] XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor; [...]

No mesmo sentido, afastando a liberdade contratual para derrogar a norma pública consubstanciada na garantia legal assegurada pelo CDC, confiram-se as seguintes ementas colhidas do acervo jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), in verbis:

[...] CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. NORMA DE ORDEM PÚBLICA. [...] DERROGAÇÃO DA LIBERDADE CONTRATUAL. [...]. II – O caráter de norma pública atribuído ao Código de Defesa do Consumidor derroga a liberdade contratual para ajustá–la aos parâmetros da lei [...]. (REsp 292.942/MG, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 03/04/2001, DJ 07/05/2001, p. 151)

DIREITO DO CONSUMIDOR. [...]. NORMAS DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR. ORDEM PÚBLICA E INTERESSE SOCIAL. [...]. 3. As normas de proteção e defesa do consumidor têm índole de “ordem pública e interesse social”. São, portanto, indisponíveis e inafastáveis, pois resguardam valores básicos e fundamentais da ordem jurídica do Estado Social, daí a impossibilidade de o consumidor delas abrir mão ex ante e no atacado. [...] (REsp 586.316/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/04/2007, DJe 19/03/2009)

Vale destacar que o prazo da garantia contratual, absolutamente “imexível” está regulado no art. 26, incisos I e II, do CDC: 30 (trinta) dias, tratando-se de fornecimento de duráveis; 90 (noventa) dias, tratando-se de fornecimento de duráveis.

Ao lado da garantia legal, o CDC previu, no art. 50, a chamada garantia contratual. Essa garantia é oferecida pelo fornecedor ao consumidor apenas facultativamente e pelo prazo que entender cabível, sendo conferida mediante termo escrito. Essa garantia contratual, ademais, é complementar e, por isso mesmo, é somada à garantia legal.

Confira-se, por pertinente, o que está estipulado pelo CDC nos referidos arts. 24, 26 e 50, in verbis:

Art. 24. A garantia legal de adequação do produto ou serviço independe de termo expresso, vedada a exoneração contratual do fornecedor.

Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em: I - trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis; II - noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis. § 1° Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços. § 2° Obstam a decadência: I - a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca; II - (Vetado); III - a instauração de inquérito civil, até seu encerramento. § 3° Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito.

Art. 50. A garantia contratual é complementar à legal e será conferida mediante termo escrito. Parágrafo único. O termo de garantia ou equivalente deve ser padronizado e esclarecer, de maneira adequada em que consiste a mesma garantia, bem como a forma, o prazo e o lugar em que pode ser exercitada e os ônus a cargo do consumidor, devendo ser-lhe entregue, devidamente preenchido pelo fornecedor, no ato do fornecimento, acompanhado de manual de instrução, de instalação e uso do produto em linguagem didática, com ilustrações.

A compreensão do regramento estabelecido pelos dispositivos do CDC alhures mencionados e que tratam da garantia, como se evidencia, não demanda maiores dificuldades, mas pode ser facilitada com um exemplo, que retrata prática comum no mercado. Vejamos.

Pode-se imaginar que um fornecedor, que é uma montadora de veículos, orientado por determinada estratégia comercial, ofereça à venda os seus veículos com uma garantia de 24 meses, benefício esse devidamente registrado em termo escrito (“Manual do Veículo”) e onde não se menciona qualquer outra garantia.

No caso hipotético apresentado, a referida garantia de 24 meses, sem dúvidas, é a garantia contratual, que depois de escoada totalmente, dará lugar ao cômputo do prazo da garantia legal, que é de 90 dias, conforme previsto no art. 26, II, e 50 do CDC.  

Ainda explorando o exemplo, um consumidor que tenha adquirido um veículo, vindo a constatar algum defeito, poderá exigir que o fornecedor honre a garantia, podendo fazê-lo a qualquer momento desde a data em que recebeu o veículo e até o prazo final da soma das garantias contratual e legal (24 meses + 90 dias).

Advirta-se que, nas situações previstas nos §§ 2º e 3º do art. 26, que também abrange o vício oculto (aquele que existe desde a aquisição do produto mas não era perceptível), a contagem dos prazos previstos nos incisos I e II do caput será obstada ou terá seu início diferido em benefício do consumidor. Tratam-se, porém, de situações excepcionais e que aqui não serão exploradas.

Corroborando o explanado sobre a obrigatoriedade da garantia legal e sobre a complementariedade dos prazos da garantia legal e contratual, na forma disposta no CDC, seguem os seguintes excertos colhidos de julgados do STJ, in litteris:

[...]. DIREITO DO CONSUMIDOR. [...] - O início da contagem do prazo de decadência para a reclamação de vícios do produto (art. 26 do CDC) se dá após o encerramento da garantia contratual. Precedentes. [...]. (REsp 1021261/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/04/2010, DJe 06/05/2010)

CONSUMIDOR. [...] GARANTIA LEGAL E PRAZO DE RECLAMAÇÃO. DISTINÇÃO. GARANTIA CONTRATUAL. [...] - A garantia legal é obrigatória, dela não podendo se esquivar o fornecedor. Paralelamente a ela, porém, pode o fornecedor oferecer uma garantia contratual, alargando o prazo ou o alcance da garantia legal. - A lei não fixa expressamente um prazo de garantia legal. O que há é prazo para reclamar contra o descumprimento dessa garantia, o qual, em se tratando de vício de adequação, está previsto no art. 26 do CDC, sendo de 90 (noventa) ou 30 (trinta) dias, conforme seja produto ou serviço durável ou não. - Diferentemente do que ocorre com a garantia legal contra vícios de adequação, cujos prazos de reclamação estão contidos no art. 26 do CDC, a lei não estabelece prazo de reclamação para a garantia contratual. Nessas condições, uma interpretação teleológica e sistemática do CDC permite integrar analogicamente a regra relativa à garantia contratual, estendendo-lhe os prazos de reclamação atinentes à garantia legal, ou seja, a partir do término da garantia contratual, o consumidor terá 30 (bens não duráveis) ou 90 (bens duráveis) dias para reclamar por vícios de adequação surgidos no decorrer do período desta garantia. [...]. (REsp 967.623/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/04/2009, DJe 29/06/2009)

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É certo que, na prática cotidiana do mercado de consumo, a obediência às regras do CDC encontre uma boa resistência por parte dos fornecedores. No geral, relativamente aos bens duráveis, os fornecedores oferecem uma garantia contratual e, ao seu término, se negam a respeitar a garantia legal. Fazem isso argumentando que a garantia contratual oferecida, por ter prazo maior (normalmente é assim mesmo), já englobaria o prazo da garantia legal. Porém como visto, essa postura se choca frontalmente com o que está prescrito no art. 50 do CDC e com a jurisprudência pátria, desrespeitando o direito assegurado ao consumidor.

Acionada a garantia pelo consumidor, o fornecedor tem o prazo máximo de trinta dias para sanar os vícios. E não sendo o vício sanado no referido prazo, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua livre escolha: a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; ou o abatimento proporcional do preço. É isso o que está disciplinado no art. 18 do CDC.

Evidentemente, poderá o fornecedor, tentando se esquivar do cumprimento da lei, se recusar a honrar à garantia, negando-se, por exemplo, a reconhecer a garantia legal. Em tal cenário, que não é tão raro, pode o consumidor formalizar reclamações perante os órgãos de proteção do consumidor, onde também receberá instruções mais detalhadas, e/ou buscar a proteção perante o Poder Judiciário, ajuizando uma ação para obter a devida reparação.

Conclusão

O CDC, regulando a proteção e a defesa do consumidor, diante da possibilidade de que os produtos ofertados no mercado de consumo apresentem defeitos, prevê duas modalidades de garantia: legal e contratual.

Segundo o mencionado diploma, a garantia legal independe de termo escrito e tem seus seguintes prazos (art. 26): 30 (trinta dias), tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis; 90 (noventa) dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis. Já a garantia contratual é ofertada livremente pelo fornecedor, devendo ser registrada em termo escrito. As duas garantias, legal e contratual, fundamentalmente, são complementares (art. 50) ou seja, devem ser somadas.

Referências bibliográficas

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em <https://www.planalto.gov.br>. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 05/10/1988. Acesso em 15 de junho de 2018.

_______. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor). Disponível em <https://www.planalto.gov.br/>. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 12/09/1990. Acesso em 15 de junho de 2018.

_______. Superior Tribunal de Justiça. REsp 292.942/MG, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 03/04/2001, DJ 07/05/2001, p. 151. Disponível em <https://stj.jus.br>. Acesso em 15 de junho de 2018.

_______. Superior Tribunal de Justiça. REsp 586.316/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/04/2007, DJe 19/03/2009. Disponível em <https://stj.jus.br>. Acesso em 15 de junho de 2018.

_______. Superior Tribunal de Justiça. REsp 967.623/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/04/2009, DJe 29/06/2009Disponível em <https://stj.jus.br>. Acesso em 15 de junho de 2018.

_______. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1021261/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/04/2010, DJe 06/05/2010. Disponível em <https://stj.jus.br>. Acesso em 15 de junho de 2018.

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Sobre o autor
Luiz Ramos Rego Filho

Advogado da União. Ex-Advogado da Caixa Econômica Federal. Graduado pela UniDF. Especialista em Direito Público. Cursou a Fundação Escola do Ministério Público do Distrito Federal. Cursou a Escola da Magistratura do Distrito Federal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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