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A não incidência do Imposto sobre Serviços nas atividades de factoring

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            A recepcionalidade do Decreto nº 406 de 1968 pela CF/88, sob a forma de Lei Complementar, conferiu uma harmonização sistemática ao sistema Jurídico Tributário Nacional, porquanto em perfeita consonância com o disposto no Artigo 146, inciso III da Constituição Federal (1), que exige a presença de Lei Complementar para dispor sobre matérias de natureza tributária especialmente sobre as hipóteses de incidência.

            Com a edição da Lei Complementar nº 116, de 2003, que revogou quase a totalidade das disposições do Decreto 406 e alterações posteriores, este passou a ser o dispositivo legal regulamentador da incidência do Imposto sobre Serviços (ISS) no país, sendo necessário que as legislações municipais se adaptassem ao novo dispositivo legal.

            Nesse contexto, valendo-se da lição de EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI, o doutrinador já afirmava que o revogado Decreto 406, de 1965 era concebido como verdadeira "norma nacional" pois responsável pela regulamentação do modo de produção legislativa dos Municípios (2), não sendo admitido à possibilidade do Poder Legislativo municipal ultrapassar os limites estabelecidos na "norma nacional". (3) O mesmo raciocínio deve ser aplicado com a vigência da Lei Complementar 116/2003, pois é esta a vigente norma nacional regulamentadora do ISS.

            Adentrando no objeto deste breve trabalho, observamos na análise da lista de serviços anexa ao Decreto-Lei 406/68, onde estão elencadas as atividades tributáveis pelo ISS, nos itens número 46 e 48, as seguintes hipóteses de incidência: ‘’Agenciamento, corretagem ou intermediação de títulos quaisquer’’ e "Agenciamento, corretagem ou intermediação de contratos de franquia (franchise) e de faturação (factoring)".

            Nos termos da Lista de Serviço anexa a LC 116/03, encontramos nos itens 10.02 e 10.04 respectivamente: "Agenciamento, corretagem ou intermediação de títulos em geral, valores mobiliários e contratos quaisquer", "Agenciamento, corretagem ou intermediação de contratos de arrendamento mercantil (leasing), de franquia (franchising) e de faturização (factoring)".

            Estas são as hipóteses de incidência em que alguns municípios fundamentam a tributação via ISS, das atividades de factoring ou faturização mercantil, segundo alguns doutrinadores. No entanto as expressões utilizadas neste texto legal (LC 116/03) devem ser melhor analisadas.

            O conceito de factoring, segundo o mestre ARNALDO RIZZARDO (4) não oferece maiores dificuldades: "Pode-se afirmar que se está diante de uma relação jurídica entre duas empresas, em que uma delas entrega à outra um título de crédito, recebendo, como contraprestação, o valor constante do título, do qual se desconta certa quantia, considerada a remuneração pela transação".

            Adentrando na análise dos itens supra mencionados, constantes na lista anexa ao Decreto-Lei 406 e Lei Complementar 116, agenciamento, nos dizeres de FRAN MARTINS (5), é: ‘’A relação contratual onde uma parte se obriga, mediante remuneração, a realizar negócios mercantis, em caráter não-eventual, em favor de uma outra. A parte que se obriga a agenciar propostas ou pedidos em favor da outra tem o nome de representante comercial; aquela em favor de quem os negócios são agenciados é o representado.’’

            Assim, o agente contrata com o agenciado, obrigando-se a realizar certos negócios e a buscar certos resultados. Os terceiros que contratam com o agente não fazem parte da primeira relação jurídica, e aqui reside a diferença do agenciamento e da corretagem. Na corretagem o corretor busca uma aproximação das partes para que estas iniciem uma relação jurídica. No agenciamento o agente tem uma relação jurídica com o agenciado, e terá outras relações jurídicas distintas com os interessados em realizar os negócios, que foram objeto do contrato de agenciamento anterior.

            A partir desse conceito é possível inferir que o contrato de factoring não se enquadra no agenciamento, pois o primeiro tem caráter eventual e o faturizador não se obriga a nada com relação ao faturizado, apenas compra seus créditos.

            Já o contrato de corretagem ou intermediação é o contrato pelo qual uma pessoa, sem que haja contrato de mandato, compromete-se a uma obrigação de fazer: de obter um ou mais negócios, para outra pessoa, conforme as instruções passadas anteriormente, mediante o pagamento de uma remuneração.

             O citado corretor pode ser contratado tanto pelo vendedor do imóvel, o qual o incumbe na obrigação de achar no mercado o melhor comprador do bem objeto da venda, como também pelo futuro adquirente que busca auxílio do profissional para encontrar o imóvel que deseja comprar, dentro de suas condições.

            Atua como meio de aproximação das partes, e só será remunerado se conseguir fazer essa aproximação de maneira satisfatória, ou seja, de forma a culminar na realização do negócio jurídico desejado por seu cliente. Assim o corretor obriga-se a obter um resultado, sendo este a concretização do negócio jurídico.

            Também não se enquadra na corretagem ou na intermediação o contrato de factoring, pelo mesmo motivo anteriormente citado. O faturizador não guarda nenhuma obrigação em relação ao faturizado, apenas adquire o seu direito de cobrar determinado devedor. O faturizador não tentará aproximar o faturizado e o devedor do título com o intuito de concretizar uma relação jurídica, pois esta já existe e, a partir da compra do crédito, é referente ao faturizador e ao devedor do título comprado.

            As operações ou os contratos de factoring, ou faturização, como definido no Direito brasileiro, não envolvem uma prestação de serviços, porque são justamente um misto de desconto mercantil, cessão de crédito, sub-rogação convencional de obrigação, seguro de crédito e mandato mercantil, não vislumbrando nenhuma atividade que se possa incluir no conceito de prestação de serviços como aceito no Direito Pátrio.

            Ainda, sobre esse contrato de faturização não incide ISS, pois a atividade de factoring possui LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA QUE O REGE, qual sejam: Circular 1359/88, da Diretoria do BC, Ato Declaratório 51/94, da Secretaria da Receita Federal, Artigo 28, § 1º, alínea ´´c´´ - 4 da Lei 8981/95 Revogado pelos Artigo 15 da Lei 9249/95, Art. 58 da Lei   9430/96 e da Lei 9532/97 e Art. 14, VI, da Lei   9718/98, Resolução 2144/95, do Conselho Monetário Nacional, Circular 2715/96, do Banco Central do Brasil, dentre outras normas de regência fiscais.

            Confirmando a tese acima suscitada, tramita no Senado Federal o Projeto de Lei 203 de 1995 e os Projetos 3.615 e 3.896 na Câmara dos Deputados, onde é evidenciado a necessidade de legislação específica para reger a atividade de factoring, como forma de sua regulamentação não restar de forma esparsa.

            O STJ já assentou entendimento de que não incide o ISS em contratos de franquia, visto não se tratarem de simples prestação de serviço, sendo na realidade um contrato de natureza complexa, que não consta no rol das atividades especificadas pela Lei 8.955/94. DA MESMA FORMA, O CONTRATO DE FACTORING É IDÊNTICO AO CONTRATO DE FRANQUIA, TENDO NATUREZA COMPLEXA E LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA COMO SUPRA DEMONSTRADO. Neste sentido decisão referente aos contratos de franquia, com natureza jurídica similar aos de factoring: "ISS – FRANCHISING – 1. Franquia empresarial está conceituada no art. 2º, da Lei nº 8.955/94. 2. O referido contrato é formado pelos seguintes elementos: distribuição, colaboração recíproca, preço, concessão de autorizações e licenças, independência, métodos e assistência técnica permanente, exclusividade e contrato mercantil. (Adalberto Simão Filho, Franchising, SP, 3ª ed. Atlas, 1988, pp. 33/55) 3. Compreende-se dos elementos supra que o referido contrato é formado por três tipos de relações jurídicas: licença para uso da marca do franqueador pelo franqueado; assistência técnica a ser prestada pelo franqueador ao franqueado; a promessa e as condições de fornecimento dos bens que serão comercializados, assim como, se feitas pelo franqueador ou por terceiros indicados ou credenciados por este. (Glória Cardoso de Almeida Cruz, em Franchising, Forense, 2ª ed.) 4. É, portanto, contrato de natureza complexa, afastando-se da caracterização de prestação de serviço. 5. ISS não devido em contrato de franquia. Ausência de previsão legal. 6. Recurso da empresa provido por maioria. (STJ – REsp 221.577 – MG – (1999.0058967-0) – 1ª T. – Rel. Min. Garcia Vieira – DJU 03.04.2000 – p. 117) (RET 13/101)." (grifo nosso)

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            Neste mesmo sentido decisão da VIGÉSIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL do TJRS, agora já em relação especificamente aos contratos de Factoring: "Apelação Cível. Tributário. Embargos à execução. Responsabilização do sócio-gerente. Impossibilidade. Factoring. Issqn. Base de cálculo. I – È da pessoa jurídica e não dos sócios a obrigação de recolher os tributos devidos pela empresa, não constituindo infração à lei o seu não pagamento. II – Não sendo o contrato de factoring uma simples prestação de serviço, mas de natureza complexa, não há incidência de ISS. Ademais, a base de cálculo do tributo, se incidente, seria apenas o valor do agenciamento, não o valor da operação. Apelo provido, por maioria". (grifo nosso).

            Baseando-se no entendimento de que a lista de serviços, constante do Decreto-Lei 406/68 e Lei Complementar 116 é taxativa, não admitindo a incidência de tributos em tipos de serviços nela não especificados de forma clara e expressa, é possível inferir que o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza não pode ser imputado às empresas de Factoring.

            Assim, a cobrança de ISS às empresas de Factoring é inconstitucional. Afronta o princípio constitucional tributário da estrita legalidade, art 150, I da Constituição Federal, que prescreve a necessidade de que a lei instituidora de tributos traga, de forma exaustiva, os fatos geradores dos tributos, sendo que os fatos não incluídos dentre estes não poderão gerar a incidência da norma tributária.

            Neste viés, com a entrada em vigor da LC 116/03, esta não fez nenhuma alteração quanto a tributação das atividades de factoring, cuja incidência não pode ocorrer na forma prescrita no Decreto-Lei 406/68.

            Como visto, não houve alteração no texto legal em relação a possibilidade de tributação das atividades de factoring ou faturização mercantil com a edição da LC 116/03, sendo desta forma impossível a incidência do ISS sobre estas atividades, nas mesmas razões já colocadas quando da vigência do Decreto-Lei 406/68.


Notas

            1

Art. 146. Cabe à lei complementar:

            III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

            (...)

            2

DE SANTI. Eurico Marcos Diniz. Lançamento Tributário. Ed. Max Limonad, 1999.

            3

. Nesse sentido:

            "Impossibilidade de lei municipal sobrepor-se a lei complementar, que define base de cálculo previsto na Constituição. Incompetência do Município para legislar sobre tais normas, mesmo que seja competente para sua cobrança. Negado provimento". (FJB) (TJRJ – EI-AC 650/1999 – (07062000) – II C.G.Cív. – Rel. Des. Reinaldo P. Alberto Filho – J. 26.04.2000)

            4

Factoring, 3 ed. rev. atual. e ampl., São Paulo: RT, 2004.

            5

Contratos e Obrigações Comerciais. Rio de Janeiro, Editora Forense, 2001.
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Sobre o autor
Eduardo Augusto Cordeiro Bolzan

integrante da Bochi Brum & Zampieri Advogados Associados, em Santa Maria (RS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BOLZAN, Eduardo Augusto Cordeiro. A não incidência do Imposto sobre Serviços nas atividades de factoring. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 674, 10 mai. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6699. Acesso em: 4 mai. 2024.

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