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A globalização dos Estados soberanos

01/07/2000 às 00:00
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          "Diante da atual situação de domínio do Mercado sobre as soberanias estatais, é traçado uma alternativa, inspirada na crescente ideologia da ‘Terceira Via’, sobre que políticas estatais poderiam vir a frear, com algum êxito, a força, por vezes abusiva, que as empresas multinacionais exercem sobre os países onde se instalam."


I - O panorama atual

          Desde meados da década de 70, com o surgimento da vasta ideologia neoliberal, vivemos em um também vasto processo de unificação de mercados, ao qual damos o nome de Globalização. Atualmente, tal processo é o responsável direto pelo panorama mundial, no que se inclui as mega-empresas, a interdependência das bolsas de valores a nível mundial, bem como, indiretamente, as economias de cada Estado.

Não raro, acompanhamos notícias sobre mega-fusões de empresas, que, não custa lembrar, ocorrem em média de uma por semana! Cada vez mais, são formadas mega-corporações globais, responsáveis da mesma forma por uma maior zona de abrangência em nosso mundo. Lembremos por exemplo a Microsoft, multi-milionária em seu patrimônio, que até pouco tempo mantinha em seu poder todo o funcionamento dos microcomputadores do mundo. Caso quisesse, faria parar toda uma rede informatizada que durante anos se formou, devido ao fato de que era a possuidora de mais de 70% do mercado de sua área.

Muitos outros exemplos sobre este assunto podem ser levantados, como os das grandes multinacionais farmacêuticas, ou indústrias de calçados, porém iríamos nos estender demais neste aspecto. Partindo para a situação global dos dias atuais, que como já dito é formado em seu plano econômico por mega-indústrias, torna-se necessário notar que a cada dia, da mesma forma como estas indústrias crescem, cresce também o seu poder financeiro, bem como de influência sobre os governos dos Estados soberanos.

Para ilustrar tamanho poderio, utilizamos o exemplo da própria Microsoft, cujo valor total de lucro anual, supera em proporções geométricas o lucro obtido pelo Brasil, em termos de arrecadação de impostos, bem como no PIB. Tal situação financeira, põe em questão a velha questão, levantada em outros planos pelo biólogo Charles Darwin, que atribui tão somente ao mais forte, o poder de sobreviver: por que não à empresa, forte, sobre o Estado, fraco?

Partindo para a questão específica, podemos estabelecer claramente a situação que gere o Brasil, bem como outros diversos países mundiais, onde existe uma superação do Poder nacional pelo Poder de Mercado. Na teoria da globalização, está posto a necessidade de que todos os países busquem atrair empresas. Caso estas empresas sejam internacionais, então que lhes atraia, para que possam gerar empregos e renda para o local onde se instalaram. Esta atração de empresas, porém, está se tornado por demais difícil, para o Estado, e fácil para as empresas globais

Tal dificuldade pelo lado dos Estados, é gerada pela crescente necessidade que todos os Estados (com preponderância os subdesenvolvidos) tem com a geração de empregos. Num mundo onde cerca de 10% dos habitantes são desempregados, torna-se imprescindível a geração de empregos a qualquer custo. Com isso, os Estados passam a fazer uma verdadeira corrida ao ouro, onde o ouro são as empresas de grande porte e de atuação internacional.

Diante desta situação, estabelece-se uma espécie de leilão pelas fábricas, que irão se instalar onde existirem mais subsídios. Tais subsídios são constituídos da mais diversa gama de itens imagináveis, que vão desde acordos tributários reduzidos, até isenções fiscais totais. Pode-se dizer que atualmente as mega-corporações são capazes de corroer o sistema Judiciário do país em que se instala. Não pagam impostos, respeitam somente se quiserem os direitos trabalhistas, bem como usam e abusam na mão-de-obra barata do local onde se instalam. Ora, que dizer da integridade de um sistema Tributário, onde são dadas isenções fiscais.

Precisamos admitir, que na situação em que estamos, com os governos fazendo de tudo para atrair as empresas, realmente não podemos bancar os "soberanos" e fechar as portas para as mega-empresas subsidiadas, pois ficaremos, desta forma, estagnados economicamente e manteremos níveis de desemprego alarmantes.

Porém, será que não há uma forma de rever a situação de dominação mercantil pela qual passamos atualmente? Será que os estados estão prestes a sucumbirem em detrimento do mercado global? Sim e não. Na extensão do artigo, estaremos fazendo uma análise sobre um fator que pode preservar a conjuntura dos Estados soberanos, para que estes não sejam dominados pelo tão mais forte Plano Mercantil (ou Lex Mercatoria) . É necessário notar a atual dualidade existente entre o plano estatal e o plano mercantil, onde o segundo procura dominar o primeiro, cada vez em mais aspectos.

Será que para frear a atual influência do mercado sobre o ordenamento dos países, não seria interessante fazer com os Estados a mesma coisa que está sendo feita com os mercados?


II - Alternativa ao crescente "poder normativo" dos mercados multinacionais

Diante desta situação, nos surge incontinenti a definição política da "Terceira Via", como alternativa à crise das soberanias dos dias atuais. Tal metodologia política, defendida por grandes nomes políticos, como Tony Blair, atual primeiro ministro britânico, e definida pelo senador e jurista italiano Norberto Bobbio como sendo um método político que "mistura socialismo e capitalismo, indo além de ambos em sua extensão", é sem dúvida uma forma de igualar esta "guerra fria" entre Estados e Mercados, onde o segundo atualmente leva ampla vantagem (basta ver que chega a derrubar o órgão mais soberano de um Estado, o Direito).

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Para equiparar a situação entre Estados e Mercados, a priori, é necessário ceder à grande tendência atual, que embora repelida, se encaminha dia a dia: a abolição dos estados soberanos como órgãos independentes e concorrentes entre si. Desta forma, acaba-se com a eterna concorrência econômica entre os Estados, que atualmente, como fruto desta concorrência, acaba gerando verdadeiros paraísos fiscais às multinacionais, que sempre buscam pelo modo mais barato de produzir suas commoditties (produtos manufaturados).

Acabando com a concorrência fiscal entre os Estados, torna-se possível seguir uma cronologia paralela à que seguiram as multinacionais globais, dentre outras menores, ao estabelecerem a OMC (Organização Mundial do Comércio). Destarte, uma OME (hipotética Organização Mundial dos Estados), poderia ser uma forma para que os países, como um todo, formassem uma espécie de sindicalização de suas soberanias. Deveras utópico, sim, mas não utópico. Ao organizarem-se em blocos estatais, o que os blocos de países hoje já são um embrião, os estados poderão oferecer alguma resistência à atual "festa" que fazem as empresas multinacionais frente aos países em seu sentido estrito, desorganizados e sedentos por algum emprego ao seu povo, o que determina que concorram uns com os outros para atrair mais e mais empresas ao seu recinto.

Há, obviamente, o fator povo, visto que só é praticada esta concorrência estatal, com o fim de promover o bem estar da população local. O custo dos países às empresas, da mesma forma, dá-se por fatores puramente regionais, nos quais se incluem o preço do custo de vida (países tropicais mais baratos que os localizados em zonas frias), bem como por uma imensa gama de valores culturais e sociais, que acabam fazendo com que alguns países sejam mais baratos às empresas que outros. Destes fatores inerentes a cada Estado, surge a necessidade de abolição de fronteiras, de forma a unificar os Estados, globalizando-os da mesma forma que as grandes empresas o fizeram. até hoje. Desta forma, unificando cotas tarifárias, direitos trabalhistas e também, por conseqüência, os preços das manufaturas, pode-se igualar , igualmente, o custo do trabalho, de forma a não mais haver Estados "baratos" ou "caros" às empresas multinacionais, obrigando-as a exercer atividades sempre sob as mesmas condições.

Resta ainda, o fator econômico de tal conjuntura. Como fazer com que o povo localizado no "Brasil", seja beneficiado por uma empresa que atua no "Japão" (entre aspas para ilustrar o território do ex-Estado)? Para tanto, um processo econômico revolucionário deveria ser instituído, de forma que, abolidas as fronteiras, os impostos arrecadados por empresas do "Japão", ou do "Brasil", fossem repassados igualmente para os outros territórios. Em suma, seria como estatizar todos os países do mundo em um só, delegando a uma organização mundial (aos moldes do FMI), o repasse igualitário de verbas aos diversos locais do mundo, o que poderia ser feito através da democracia direta, um "orçamento participativo" globalizado, apurado em grupos semi-soberanos de comunidades, que apurassem as principais necessidades em nosso planeta.

Obviamente, para contrariar esta idéia, sempre existem os Estados que atualmente são beneficiados pelo processo de globalização, dos quais os Estados Unidos são um baluarte, dado que é a origem da ordem mundial atual, e maior beneficiado por seus resultados. Isso, porém, é um obstáculo, mas nunca um entrave a uma nova ordem mundial, onde pudesse ser estabelecido um limite entre a globalização econômica em seu sentido benéfico, da globalização econômica em seu sentido abusivo, destruidor de soberanias. Tal aspecto abusivo atualmente é sério ameaçador da ordem trabalhista (direitos trabalhistas) adquirida com tanta luta desde a Revolução Industrial, que, se derrubada, marcaria um retrocesso humanitário enorme e da mesma forma prejudicial ao seres humanos.

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Sobre o autor
Arthur Becker Mombach

acadêmico de Direito pela Unisinos, no Rio Grande do Sul, pesquisador nos ramos de Direito Internacional Público e Privado

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOMBACH, Arthur Becker. A globalização dos Estados soberanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 43, 1 jul. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/67. Acesso em: 28 mar. 2024.

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