A ratificação de recurso após o julgamento do embargo de declaração

16/06/2018 às 17:47
Leia nesta página:

Uma análise crítica à jurisprudência defensiva do Superior Tribunal de Justiça, positivados com a edição das sumulas 418 e 579.

 1. Sumula 418 do STJ

Contra qualquer decisão é possível oposição de embargos de declaração, não raro ocorrer então interposição de dois tipos diferentes de recursos contra a mesma decisão, embargos por um lado e apelação, recurso especial ou recurso extraordinário de outro.

Nesses casos, o Superior Tribunal de Justiça utilizando de sua competência para dinamizar questões controversas reiteradas naquela corte, em 2010, incorporou a polêmica súmula 418, que dispõe: “É inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação”.

Deste modo, a corte considera extemporânea, não passível de conhecimento, um recurso interposto antes da publicação do acordão de embargos, se este não for ratificado, ou seja, é nada mais que uma necessidade de reafirmar que ainda deseja manter o recurso já protocolizado, com o mesmo conteúdo.

Essa redundância é o maior motivo de crítica frente à regra sumulada, apresentando apenas um formalismo excessivo por um lado e jurisprudência defensiva de outro, haja vista não encontrar justificativa jurídica, nem mesmo com imenso esforço hermenêutico, que possam dar subsídio a tal entendimento do tribunal.

1.1 Jurisprudência em sentido contrário ao STJ

Frente a crítica não apenas de maior parte da doutrina, mas também do corpo daquele tribunal, iniciou-se movimento de nova interpretação, onde o ministro Luis Felipe Salomão apontou a necessidade de afastar o excesso de formalismo em prol da justiça:

REsp 1.129.215 “É que a admissibilidade recursal não pode ser objeto de insegurança e surpresa às partes, não se podendo exigir comportamento que não seja razoável e, pior, sem previsão legal específica, com objetivo de trazer obstáculo à efetividade da prestação jurisdicional. (...) É sabido que o excesso de formalismo com o fito de reduzir o número de recursos muitas vezes acaba por traduzir, em verdade, num efeito contrário ao desejado: o Judiciário pode ter uma duplicação de seu serviço, já que além de brecar determinado recurso em sua admissibilidade, terá de julgar, posteriormente, as respectivas rescisórias.”

O ministro entendeu que não havendo alteração na decisão embargada, não há necessidade de ratificar o recurso já interposto, havendo assim processamento normal do recurso, por outro lado, incidindo nele a preclusão consumativa, impedindo sua modificação.

Por fim, o ministro entendeu que a única interpretação cabível à súmula seria de que a ratificação de recurso apenas encontraria fundamento quando houvesse pendência de embargo e houvesse alteração na conclusão do julgamento anterior.

O Supremo Tribunal Federal também possuía jurisprudência semelhante, que prezava por esse formalismo, obrigando ratificação do extraordinário, porém saiu na frente modificando:

Tempestividade: RE interposto antes de ED 

A 1ª Turma, por maioria, proveu agravo regimental interposto de decisão que não conheceu de recurso extraordinário por intempestividade. No caso, a decisão agravada afirmara que a jurisprudência desta Corte seria pacífica no sentido de ser extemporâneo o recurso extraordinário interposto antes do julgamento proferido nos embargos de declaração, mesmo que os embargos tivessem sido opostos pela parte contrária. Reputou-se que a parte poderia, no primeiro dia do prazo para a interposição do extraordinário, protocolizar este recurso, independentemente da interposição dos embargos declaratórios pela parte contrária. Afirmou-se ser desnecessária a ratificação do apelo extremo. Concluiu-se pela tempestividade do extraordinário. Vencido o Min. Dias Toffoli, relator, que mantinha a decisão agravada. RE 680371 AgR/SP, rel. orig. Min. Dias Toffoli, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio. (RE-680371 – grifou-se).

Esse julgado foi amplamente divulgado no informativo 710 do STF, desmontrando ainda mais a necessidade revisão do STJ em face à súmula 418.

1.3 Princípios Conflitantes à Súmula 418 do STJ

Observando os princípios que norteiam o ordenamento jurídico, podemos ainda no aspecto constitucional encontrar um descompasso entre o princípio do acesso à justiça e a súmula 418 do STJ, que obstaculiza o acesso à justiça, impondo um ônus a mais ao recorrente, que para ter seu recurso reconhecido precisa ratificar o mesmo.

Assim como a Constituição garante que não há legalidade em norma que retire do judiciário sua função típica, tampouco haverá ato infralegal que onere o acesso deste. Assim, também entende o doutrinador Cassio Scarpinnella Bueno:

“Se a CF impõe que a lei não retire do Poder Judiciário a apreciação de qualquer ameaça ou lesão a direito, não há como negar que qualquer lei – e, com maior vigor ainda, qualquer ato infralegal – que pretenda subtrair da apreciação do Poder Judiciário ameaça ou lesão a direito é irremediavelmente inconstitucional.” (grifo nosso)

Quando a parte procura a justiça ela espera, que dentro de um prazo razoavel, haja uma solução do mérito. Nesse sentido o novo código de processo civil tem como base a celeridade processual, duração razoável do processo e principalmente a primazia da solução do mérito.

Um dos entusiastas e precursores da primazia do mérito já revelava em sua obra:

“Parece haver casos em que, não obstante caracterizada a carência, a extinção do processo com pronunciamento de mérito afigura-se possível, pois o que se pretendia evitar já ocorreu: a realização de atividades desnecessárias. “

Significa que sempre que possível o juiz deverá enfrentar o mérito, dar uma resposta aos litigantes, tentando sempre que possível superar meras formalidades. Porém, a súmula 418 do STJ, apresenta-se como uma clara formalidade dispensável, mostrando-se tudo que o princípio da primazia do mérito visa combater.

1.4 Cancelamento da Súmula 418 do STJ

Com a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil tornou-se totalmente incongruente a existência da súmula 418 do STJ, pois de incio colidia com dois dispositivos.

O primeiro deles é o art. 1024, § 5º do NCPC, “§ 5o Se os embargos de declaração forem rejeitados ou não alterarem a conclusão do julgamento anterior, o recurso interposto pela outra parte antes da publicação do julgamento dos embargos de declaração será processado e julgado independentemente de ratificação.”

O preceito é inequívoco no sentido da desnecessidade de ratificação de recurso nos casos da existência de embargos que não alterem ou que sejam rejeitados. O dispositivo expurga sem margem de dúvidas qualquer resquício de formalismo excessivo, quem camufla uma jurisprudência defensiva ainda existente sobre o tema.

Atingindo a regra sumular por outro lado vem o art. 218, §4º do NCPC, que reza “Será considerado tempestivo o ato praticado antes do termo inicial do prazo.”

Deste modo, não há que se falar em extemporaneidade do recurso quando este interposto antes do prazo, quando houverem de embargos de declaração, pois este último tem o condão de interromper o prazo recursal, não sendo relevante mais quando anterior o termo inicial. Logo, não há prejuízo a parte em interpor de imediato um recurso especial, sem antes tomar conhecimento da existência de embargos de declaração, muitos menos o duplo ônus de ratificar o recurso.

Ambos dispositivos são irradiados pelo princípios da primazia do mérito e repousam de garantia constitucional no acesso a justiça, art. 5º XXXV, além de atenderem ao anseios de todos que criticavam a indigitada súmula, que na prática restringia direitos.

Também no Fórum Permanente de Processualista Civis de 2015, em que foram debatidos pontos do Novo Código Civil, tornou-se ponto superado a Sumula 418 do STJ, conforme disposto no enunciado 23, restando apenas no dia 1º de Julho de 2016 o STJ cancelar a súmula, tendo por surpresa a edição de uma nova, a súmula 579.

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2. SÚmula 579 do STJ

No mesmo dia que cancelou a súmula 418 o STJ editou a súmula 579: “não é necessário ratificar o recurso especial interposto na pendência do julgamento dos embargos de declaração quando inalterado o julgamento anterior”.

Observando a redação desta súmula é possível afirmar sua desnecessidade, frente a aos art. 1024, paragrafos 4º e 5º do NCPC:

Art. 1.024.

(...)

§ 4o Caso o acolhimento dos embargos de declaração implique modificação da decisão embargada, o embargado que já tiver interposto outro recurso contra a decisão originária tem o direito de complementar ou alterar suas razões, nos exatos limites da modificação, no prazo de 15 (quinze) dias, contado da intimação da decisão dos embargos de declaração.

§ 5o Se os embargos de declaração forem rejeitados ou não alterarem a conclusão do julgamento anterior, o recurso interposto pela outra parte antes da publicação do julgamento dos embargos de declaração será processado e julgado independentemente de ratificação.

Com a redação dos disposítivos supra citados é clara superposição normativa entre lei processual e a referida súmula, levando apenas tumulto jurídico. Soma-se a isto a possibilidade de que não vemos presentes os pressupostos para edição desta súmula, a reiteração de precedentes do tribunal, ou seja, não há uma jurisprudência que lastreie o enunciado.

Ocorre também que a interpretação a stricto sensu do enunciado pode levar no sentido de que se os embargos de declaração forem julgados e resultarem em efeitos modificativos da sentença, deverá a parte contrária complementar seu recurso especial já interposto, sob pena de inadmissibilidade. Não seria algo difícil de ocorrer, considerando o histórico dos tribunais em sempre que possível aplicarem jurisprudência defensiva, sob qualquer pretexto possível.

A súmula 579 do STJ, pode até ter sido criada com as melhores das boas intenções, no entanto, na prática pode resultar em consequências ainda mais nefastas que sua antecessora.


3. Considerações Finais

Consideramos acertada, mesmo que atrasada, a ação do Superior Tribunal de Justiça em cancelar a nefasta súmula 418, que determinava um ônus sem lastro jurídico ao recorrente, quando obrigava a ratificar recurso já interposto, além de que a sua manutenção gerava incoerência legal e principiológica com o Novo Código de Processo Civil.

Por outro lado, é equivocada e apenas tumultua o ordenamento a edição da súmula 579, pelo mesmo tribunal, uma vez que primeiramente esta é desnecessária frente à legislação já posta pelo novo código processual, além de que sua interpretação ao pé da letra pode impor novo obstáculo ao recorrente, nos casos em que houver modificação em decisão embargada pela outra parte. Insta asseverar, que esta regra também não possui os precedentes que subsidiam seu enunciado, tornando precária sua validade.


REFERÊNCIAS

Novo Código de Processo Civil

BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. São Paulo: Malheiros, 2007.

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Sobre o autor
Romeu de Melo Ferreira

Servidor Público, Bacharel em Administração e Graduando do curso de Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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