Breves comentários acerca a malsinada Decisão do c. STF sobre a incorporação de “quintos” – RE nº 638.115 – Flagrante e incompreensível troca de alhos por bugalhos

17/06/2018 às 09:58

Resumo:


  • O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu sobre a incorporação de parcelas remuneratórias conhecidas como "quintos" no Recurso Extraordinário (RE) nº 638.115, gerando controvérsias em relação à compreensão de "relações jurídicas de trato sucessivo" e "efeitos patrimoniais contínuos".

  • O julgamento do RE nº 638.115 foi considerado teratológico, pois contrariou a lógica e o bom senso ao entender que a cessação do pagamento dos quintos incorporados não configuraria uma subtração indevida de efeito patrimonial contínuo.

  • A decisão do STF foi vista como uma violação ao princípio da legalidade e ao art. 54, § 1º, da Lei nº 9.784/99, que estabelece o prazo decadencial de cinco anos para a Administração anular atos que gerem efeitos favoráveis aos destinatários, contados a partir do primeiro pagamento.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Discorre-se sobre diversos absurdos contidos no Acórdão do e. STF que julgou o RE n º 638.115, mormente sobre a incompreensível confusão entre "relações jurídicas de tratos sucessivo" com efeitos patrimoniais contínuos.

Breves comentários acerca a malsinada Decisão do c. STF sobre a incorporação de parcelas remuneratórias denominadas “quintos” – RE nº 638.115 – Flagrante e incompreensível troca de alhos por bugalhos, consistente na compreensão de “relações jurídicas de trato sucessivo” “com efeitos patrimoniais contínuos”.

 

 

            A princípio, para os fins desta breve análise, salienta-se que será empregada a expressão "RELAÇÕES JURÍDICAS DE TRATO CONTINUADO", assim entendidas como sendo aquelas que nascem, ou podem nascer, de fatos geradores que se repetem no FUTURO de maneira uniforme, homogênea e continuada, nascendo todas as vezes em que ocorre, no mundo dos fatos, a hipótese de incidência prevista na lei, como sinônima de:

a) relações jurídicas de trato sucessivo;

b) relações jurídicas de direito material sucessivas;

c) relações jurídicas sucessivas;

d) relações jurídicas continuativas.

                   Feitas essas ponderações iniciais, impende relembrar que o Acórdão de 30/06/2017, por meio do qual o c. STF apreciou os Embargos de Declaração opostos ao Acórdão de 19/03/2015, exarado no Recurso Extraordinário nº 638.115, será tratado doravante como ATO REPUGNANTE.

                   Tal ato é simplesmente TERATOLÓGICO, inclusive aos olhos do próprio Supremo Tribunal Federal, e bem assim de todos os demais Tribunais da Nação, donde emana fecunda orientação no sentido de se ter por TERATOLÓGICA qualquer decisão que, entre outras hipóteses, consista em ato absurdo, que contrarie a lógica, o bom senso.

                   É que, cessar o pagamento decorrente da incorporação de quintos (VPNIs), bem diversamente de consistir em "efeitos futuros da sentença proferida em caso concreto sobre relações jurídicas de trato continuado", consiste, sim, em subtração indevida de efeito patrimonial contínuo!

                   Ademais, considera-se teratológica a decisão judicial porque é violadora de literais dispositivos de lei. Fez-se uma tenebrosa confusão entre os "EFEITOS PATRIMONIAIS CONTÍNUOS" (hipótese prevista no § 1º do art. 54 da Lei nº 9.784/99) com "RELAÇÕES JURÍDICAS DE TRATO CONTINUADO".

                   Relações jurídicas de trato continuado é um tema que foi muito bem apreciado pelo e. STF no Tema 733 da Repercussão Geral, apreciada no julgamento do Recurso Extraordinário nº 730.462, como EXCEÇÃO à imprescindibilidade da propositura de AÇÃO RESCISÓRIA.

                   Convém trazermos à colação a ementa daquele Acórdão:

"EMENTA: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE PRECEITO NORMATIVO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. EFICÁCIA NORMATIVA E EFICÁCIA EXECUTIVA DA DECISÃO: DISTINÇÕES. INEXISTÊNCIA DE EFEITOS AUTOMÁTICOS SOBRE AS SENTENÇAS JUDICIAIS ANTERIORMENTE PROFERIDAS EM SENTIDO CONTRÁRIO. INDISPENSABILIDADE DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO OU PROPOSITURA DE AÇÃO RESCISÓRIA PARA SUA REFORMA OU DESFAZIMENTO.

1. A sentença do Supremo Tribunal Federal que afirma a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de preceito normativo gera, no plano do ordenamento jurídico, a consequência (= eficácia normativa) de manter ou excluir a referida norma do sistema de direito.

2. Dessa sentença decorre também o efeito vinculante, consistente em atribuir ao julgado uma qualificada força impositiva e obrigatória em relação a supervenientes atos administrativos ou judiciais (= eficácia executiva ou instrumental), que, para viabilizar-se, tem como instrumento próprio, embora não único, o da reclamação prevista no art. 102, I, “l”, da Carta Constitucional.

3. A eficácia executiva, por decorrer da sentença (e não da vigência da norma examinada), tem como termo inicial a data da publicação do acórdão do Supremo no Diário Oficial (art. 28 da Lei 9.868/1999). É, consequentemente, eficácia que atinge atos administrativos e decisões judiciais supervenientes a essa publicação, não os pretéritos, ainda que formados com suporte em norma posteriormente declarada inconstitucional.

4. Afirma-se, portanto, como tese de repercussão geral que a decisão do Supremo Tribunal Federal declarando a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de preceito normativo não produz a automática reforma ou rescisão das sentenças anteriores que tenham adotado entendimento diferente; para que tal ocorra, será indispensável a interposição do recurso próprio ou, se for o caso, a propositura da ação rescisória própria, nos termos do art. 485, V, do CPC, observado o respectivo prazo decadencial (CPC, art. 495). Ressalva-se desse entendimento, quanto à indispensabilidade da ação rescisória, a questão relacionada à execução de efeitos futuros da sentença proferida em caso concreto sobre relações jurídicas de trato continuado.

5. No caso, mais de dois anos se passaram entre o trânsito em julgado da sentença no caso concreto reconhecendo, incidentalmente, a constitucionalidade do artigo 9º da Medida Provisória 2.164-41 (que acrescentou o artigo 29-C na Lei 8.036/90) e a superveniente decisão do STF que, em controle concentrado, declarou a inconstitucionalidade daquele preceito normativo, a significar, portanto, que aquela sentença é insuscetível de rescisão.

6. Recurso extraordinário a que se nega provimento."

               Os servidores que preencheram as condições concernentes à aquisição do direito, ou seja, que exerceram funções de confiança ou cargos em comissão até 04/09/2001, pelo período de 1 (um) ano, foram contemplados pela derradeira vez quando da decisão administrativa ou da decisão judicial que concedeu a incorporação.

                      Enfim, não houve outras incorporações em razão daquelas decisões, nem haveria, ainda que o c. STF não tivesse firmado entendimento sobre a sua inconstitucionalidade (RE nº 638.115), pois o próprio normativo em que se ampararam os servidores garantia o referido direito apenas até 2001.

                   Relação jurídica de trato continuado ocorreria se, após e em razão de decisão judicial transitada em julgado, ou de decisão administrativa, houvesse novas incorporações de quintos (VPNIs), o que ocorreria se, por exemplo, tais decisões tivessem reconhecido que esse direito à incorporação fosse permanente, de modo que, por isso, novas incorporações tivessem ocorrido em relação a períodos aquisitivos subseqüentes (2001/2002, 2002/2003, 2003/2004 etc).

                   Novas incorporações de quintos (VPNIs) é que ficaram proibidas pela decisão do c. STF no RE nº 638.115, jamais os pagamentos decorrentes da incorporações que se efetivaram no passado, aliás, passado bem remoto, porquanto já decorridos, em muitos casos, mais de 12 (doze) longos anos.

                   Convém insistir: ainda que decorridos os 5 (cinco) anos necessários à ocorrência da decadência do direito de anular a decisão administrativa, ou mesmo decorrido o prazo para a propositura de ação rescisória, se tivesse a decisão administrativa ou judicial reconhecido que o direito à incorporação deveria se manter incólume, como se a legislação ainda a permitisse, a posterior decisão do c. STF, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, de fato teria a eficácia de impedir novas aquisições de quintos (VPNIs), pois as decisões do e. STF têm o condão de alterar o sistema jurídico vigente.

                   Observe-se bem: essas novas aquisições, posteriores ao pronunciamento do c. STF, é que seriam indevidas; as anteriores, não!

                   É que, fundadas em decisão administrativa imutável, porque não mais passível de anulação (efeito da decadência), ou fundadas em decisão judicial soberanamente julgada, pois decorrido o prazo da ação rescisória, o pagamento dos valores de natureza remuneratória dela decorrente consiste em EFEITO PATRIMONIAL CONTÍNUO, isto é, a ser percebido de forma continuada, mês a mês.

                   Para ilustrar, é imprescindível um excelente de caso hipotético de “relação jurídica de trato sucessivo”, muito comum na seara tributária.

“Certa empresa obtém uma Sentença, transitada em julgado, que lhe assegura a incidência da alíquota de 10% sobre a venda de determinado produto; nesse caso, sempre que esse produto for vendido, incidente será a alíquota 10%, porquanto essa Sentença ‘cria uma relação jurídica de trato sucessivo’.

Entretanto, o ente da federação prejudicado por esse entendimento chega ao c. STF, que julga o julga inconstitucional, e determina a aplicação da alíquota 20%.

Aí, sim, como se trata de relação jurídica de trato continuado, da decisão do c. STF pra frente é que o Fisco poderá aplicar essa nova alíquota, e eventualmente cobrar os valores ainda não alcançados pela prescrição, pois esse novo entendimento inaugura uma nova situação jurídica, (assim como criara a Sentença agora reformada), não lhe sendo oponível a exceção de coisa julgada, pois tal novel decisão tem natureza prospectiva, jamais retroativa, sob pena de violação do princípio da segurança jurídica.”

 

                   Convém insistir nessa distinção crucial: o que se enquadra como "relação jurídica de trato continuado" é a aquisição em si do direito, ou seja, o "reconhecimento do direito à incorporação", caracterizando-se cada incorporação "como relação jurídica de trato continuado", uma vez preenchidos os pressupostos de aquisição (exercício de cargo ou função por um ano).

                   O pagamento decorrente desse reconhecimento, por sua vez, é apenas o "EFEITO PATRIMONIAL" que, por se pago continuamente (periodicamente, mensalmente), é classificado como CONTÍNUO, daí o nomem juris que lhe foi atribuído pela Lei nº 9.784/99, art. 54:

"EFEITO PATRIMONIAL CONTÍNUO".

                   Outros bons exemplos há em questões tributárias, sempre citados pela melhor Doutrina; aliás, a expressão jurídica "relação jurídica de trato continuado" é específica do ramo Tributário, como um verdadeiro instituto do Direito Tributário.

                   Para o Mestre Hugo de Brito Machado:

"A relação jurídica continuativa é peculiar aos tributos relativos a ocorrências que se repetem, formando uma atividade mais ou menos duradoura. É o que ocorre no ICMS, no IPI, no ISS, no Imposto de renda e Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido das Empresas. Há, em todos esses tributos, relação tributária continuativa por que os fatos geradores dos mesmos se repetem indefinidamente (...) (Coisa Julgada, constitucionalidade e legalidade em matéria tributária. Co-edição Dialética e ICET, São Paulo e Fortaleza, 2006, p. 164)

                              

Outro não é o escólio do saudoso Ministro Teori Zavascky:

"(...) Considerada a sua relação com as circunstâncias temporais do fato gerador, podem-se classificar as relações jurídicas em três espécies: as instantâneas, as permanentes e as sucessivas. [...] Finalmente, há uma terceira espécie de relação jurídica, a sucessiva, nascida de fatos geradores instantâneos que, todavia, se repetem no tempo de maneira uniforme e continuada. Os exemplos mais comuns vêm do campo tributário: a obrigação do comerciante de pagar imposto sobre a circulação de mercadorias, ou do empresário de recolher a contribuição para a seguridade social sobre a folha de salário ou o sobre o seu faturamento (...)

(Teori Albino Zavascki. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. P. 99-100)

 

                   Assim, de acordo com a melhor Doutrina, capitaneada pelo Ministro Teori Zavascky", "relação jurídica de trato continuado" é, por seu caráter duradouro, aquela que está apta a perdurar no tempo, podendo persistir quando, no futuro, houver repetição de outros fatos geradores ...", considerando-se como "outros fatos" as incorporações dos quintos (VPNIs), jamais os pagamentos decorrentes.

                   Imprescindível é a observação da teoria num caso prático:

I - uma sentença soberanamente transitada em julgado que assegura a não incidência de ICMS sobre a venda de determinado produto em razão de inconstitucionalidade da lei que o instituiu, terá a eficácia de impedir que o Fisco exigisse esse tributo sempre que ocorresse o fato gerador, isto é, a venda desse produto;

II - entretanto, se, posteriormente àquela decisão, o c. STF, em ADIn, declara a constitucionalidade dessa lei, dado o efeito vinculante erga omnes da declaração, terá o Fisco o direito-dever de tornar a exigir o tributo sempre que NOVOS fatos geradores ocorressem;

III - nesse caso, cada operação de venda daquele produto seria um fato gerador do tributo, de modo que, após a decisão do c. STF, cada uma consistiria numa "relação jurídica de trato continuado".

                   Em verdade, as decisões do c. STF em sede de CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE, sobretudo quando declaram constitucional lei ou interpretação até então tidas por inconstitucionais, ou quando declaram inconstitucionais aquelas tidas por constitucionais, promovem profundas alterações em circunstâncias de fato ou de direito, de modo que, alteradas as circunstâncias fáticas ou jurídicas existentes à época da prolação da decisão anterior, ainda que transitada em julgado, o que pode de fato ocorrer em virtude da natureza dinâmica dos fatos e do direito, essa decisão naturalmente deixa de produzir efeitos vinculantes, dali para frente, pois passa a viger a situação jurídica inaugurada pela decisão do c. STF.

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                   Trata-se da cláusula rebus sic stantibus, presente nas sentenças em geral, máxime naquelas que se aplicam à disciplina de "relações jurídicas de trato continuado".

                   Nesse sentido, o c. STJ:

"PROCESSUAL CIVIL - MANDADO DE SEGURANÇA - COISA JULGADA SOBRE QUESTÃO SABIDAMENTE INCONSTITUCIONAL - CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE REMUNERAÇÃO DE ADMINISTRADORES, AVULSOS E AUTÔNOMOS - RELAÇÃO TRIBUTÁRIA DE TRATO SUCESSIVO - INOPONIBILIDADE.

1. O Mandado de Segurança destina-se a defender direito líquido e certo. Ele se traduz em Ordem auto-executável do Estado-Juiz para que cesse a violência praticada pelo próprio Estado. Se essa Ordem passa em julgado, veta-se o novo exame da lide sob as mesmas circunstâncias.

2. Em questões de trato sucessivo, a coisa julgada traz consigo a cláusula "rebus sic stantibus". Mudanças em circunstâncias fáticas ou jurídicas autorizam novo pedido de Segurança, sem oponibilidade da coisa julgada.

3. A coisa julgada, em Mandado de Segurança, não justifica a cobrança de obrigação tributária inconstitucional."

(STJ. RESP nº 381.911. Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros. DJU de 19/12/2003)

                   A declaração de inconstitucionalidade estabelece uma nova situação jurídica, submetida ao superveniente estado de direito, que faz cessar, prospectivamente, os efeitos da constitucionalidade emitidos na sentença proferida em sentido contrário.

                   Assim, ainda que superada a questão concernente à inaplicabilidade do ATO REPUGNANTE por ter sido exarado em sede de controle difuso de constitucionalidade (RE nº 638.115), mesmo assim ela seria aplicável apenas a incorporações futuras, que seriam as "relações jurídicas de trato continuado", jamais aos pagamentos futuros de direito reconhecido no PASSADO (bem remoto), que são os efeitos patrimoniais contínuos.

                   O ATO REPUGNANTE viola o princípio da legalidade, pois afronta o literal comando legal contido no art. 54, caput e § 1º, da Lei nº 9.784/99, negando-lhe vigência, embora sem nem mesmo o citar (o parágrafo).

                   O referido art. 54 fixa o prazo decadencial de 5 (cinco) anos para que a Administração proceda à anulação dos atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis aos destinatários.

                  Seu § 1º põe uma pá de cal na questão, pois, ao tempo em que explica, na hipótese de que trata, que o prazo decadencial começa a se contar da percepção do primeiro pagamento, declara, de forma tão clara quanto a luz solar - que, por isso, não dá cabimento a aventuras interpretativas - quando, expressa e contundentemente, RECONHECE a ocorrência da DECADÊNCIA para os atos administrativos que impliquem "EFEITOS PATRIMONIAIS CONTÍNUOS".

                   Diz a Lei:

"Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários DECAI em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.

§ 1º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento." (grifo nosso)

 

                   Houve uma vexatória mixórdia, consubstanciada na aplicação dos efeitos de decisão judicial transitada em julgado, ou decisão administrativa, concessivas de incorporações de parcelas remuneratórias, como caracterizadoras de "RELAÇÃO JURÍDICA DE TRATO CONTINUADO" - que não é.

                   Os efeitos da decisão administrativa concessiva das incorporações dos "quintos" (VPNIs) se classificam como EFEITOS PATRIMONIAIS CONTÍNUOS por expressa disposição legal, cuja anulação é condicionada ao prazo decadencial de 5 (cinco) anos pela Lei que regula o processo administrativo federal (Lei nº 9.784/99, art. 54, § 1º).

                  No âmbito doutrinário, a questão é resolvida com absoluta sublimidade justamente pelo Relator do Acórdão invocado como razão de decidir do ato repugnante, Ministro Teori Zavascki:

"(...) Considerada a sua relação com as circunstâncias temporais do fato gerador, podem-se classificar as relações jurídicas em três espécies: as instantâneas, as permanentes e as sucessivas. [...] Finalmente, há uma terceira espécie de relação jurídica, a sucessiva, nascida de fatos geradores instantâneos que, todavia, se repetem no tempo de maneira uniforme e continuada. Os exemplos mais comuns vêm do campo tributário: a obrigação do comerciante de pagar imposto sobre a circulação de mercadorias, ou do empresário de recolher a contribuição para a seguridade social sobre a folha de salário ou o sobre o seu faturamento (...)

(Teori Albino Zavascki. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. P. 99-100)

        

                  Ao confundir-se o significado da expressão "RELAÇÕES JURÍDICAS DE TRATO CONTINUADO", a que se referiu o Ministro Teori Zavascki no RE 730.462, com "efeitos patrimoniais contínuos", violou-se LITERAL DISPOSIÇÃO LEGAL, pois sua interpretação implicou negativa de vigência não apenas ao caput do art. 54 da Lei nº 9.784/99, mas também ao seu claríssimo § 1º. Convém conferir, verbis:

"Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.

§ 1º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento."

                              

                   Observe-se que, por força do caput do transcrito art. 54, é direito da Administração anular os atos que vier a considerar ilegais.

                   Fácil ver, pelas razões até aqui suscitadas, que não é apenas teratológico o ato REPUGNANTE, pois, além de fazer confusão sobre expressões jurídicas, viola o princípio da legalidade que, por sua vez, é violado porque também é violado o § 1º do art. 54 da Lei nº 9.784/99.

                   Seria o caso de interposição de Mandado de Segurança, pois, em a vem da verdade, aplicou-se a julgamento de caso concreto, isto é, em via difusa de controle de constitucionalidade (incidenter tantum), efeitos próprios e incomunicáveis do CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE (principaliter tantum).

                   Aliás, invocou-se expressamente, como razão de decidir, o Acórdão exarado no RE nº 730.462 que, por sua vez, teve por razão de decidir o Acórdão exarado em sede de CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE, isto é, na ADIn nº 2736, em 08/09/2010 (DJE nº 173, de 16/09/2010), que concluiu pela inconstitucionalidade do artigo 9º da Medida Provisória 2.164-41, a qual havia acrescentado o artigo 29-C na Lei 8.036/90, o entendimento acerca do não cabimento dos honorários advocatícios em demandas sobre o FGTS deixou de subsistir, prevalecendo o Código de Processo Civil para a fixação dos honorários nas ações da espécie.

                   Em outras palavras: no RE nº 730.462 (CONTROLE DIFUSO), julgou-se com base em decisão do c. STF exarada em sede de CONTROLE CONCENTRADO, de modo que se lhe aplicou a "EFICÁCIA EXECUTIVA do Acórdão que julgou a ADIN nº 2736.

                   Quando, no julgamento do RE nº 730.462, o saudoso Ministro Teori Zavascki discorreu sobre a EFICÁCIA NORMATIVA (retirada da norma do sistema de direito), e sobre a EFICÁCIA EXECUTIVA ou INSTRUMENTAL (efeito vinculante), geradas pela declaração de inconstitucionalidade, pelo STF, fê-lo em relação ao CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE, mais precisamente referindo-se à ADIn nº 2736.

                   A referência à eficácia normativa é prova cabal de que o saudoso Ministro Teori estava a teorizar sobre CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE, pois, na via difusa, é certo que não há espaço para tal eficácia, para a qual se exige deliberação do Senado Federal, conforme competência privativa prevista no art. 52, inciso X, da Constituição Federal.

                   No mesmo sentido, a menção ao art. 28 da Lei nº 9.868/1999, descrita no item 3 da ementa supracitada (do Acórdão que julgou o RE nº 638.115), uma vez que tal diploma legal dispõe justamente sobre "o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal", isto é, regula o CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE.

                   Afora todas essas ponderações, em momento algum esses precedentes mencionam decisões administrativas, nem em obiter dictum ou por extremado apego ao debate.

                   É que elas tratam de efeitos de decisão judicial, jamais das administrativas.

                   Considerando-se, assim, que sequer podem ser automaticamente atingidas as deliberações administrativas ainda passíveis de anulação administrativa, que dirá aquelas que estão amparadas pelo manto da inderrogabilidade decorrente da extinção do direito-dever, atribuído à Administração, de anulação do ato administrativo, em virtude da força insuperável da DECADÊNCIA prevista no art. 54 da Lei nº 9.784/99, porque fulminado pelo decurso do tempo (mais de uma década!).

                   O princípio da SEGURANÇA JURÍDICA retrata uma regra da vida: o tempo não passa impunemente; como proclama a sabedoria popular, "é algo que temos grande dificuldade em administrar: estamos sempre a um passo atrás ou à frente!".

                   A Administração está um passo atrás, pois deixou transcorrer in albis o prazo de 5 (cinco) anos!

                   Em derradeiras linhas, como se a hipótese em deslinde não fosse uma decisão exarada no controle difuso, via que não admite a incidência das eficácias próprias do CONTROLE CONCENTRADO, temos que NÃO HOUVE declaração de inconstitucionalidade da Medida Provisória nº 2.225-45/2001; houve, sim, apenas e tão somente a declaração de que tal normativo não autorizaria a incorporação dos quintos (VPNIs) entre 1998 e 2001, de modo a afirmar que a interpretação adotada por todos os demais órgãos do Poder Judiciário da União, notadamente o Guardião da Legislação Infraconstitucional, c. Superior Tribunal de Justiça, e até mesmo pelo TCU, violaria o princípio da legalidade.

                   Cumpre insistir: não houve declaração de inconstitucionalidade da MP nº 2.225-45/2001, mas apenas da interpretação que vinha sendo aplicada.

                   Assim, seja porque: i) houve uma inusitada e bizarra confusão entre alhos e bugalhos, dando-se por sinônimas as expressões “relação jurídica de trato continuado” e “efeitos patrimoniais contínuos”, ii) a decisão é manifestamente teratológica; iii) está evidenciada a violação de literal dispositivo legal (art. 54, § 1º, da Lei nº 9.784/99); iv) determinou-se a aplicação, por força de decisão tomada em sede controle difuso de constitucionalidade, da eficácia específica das decisões adotadas em CONTROLE CONCENTRADO, impõe-se concluir que o ATO REPUGANTE resta caracterizado como TERATOLÓGICO, ABUSIVO e MANIFESTAMENTE ILEGAL.

                   O eminente Relator desejou incluir no raio de incidência da eficácia executiva do ATO REPUGNANTE pessoas que não integraram, como partes ativas ou passivas - e nem mesmo como terceiros - o processo que implicou a interposição do RE nº 638.115.

                   Não podemos olvidar, portanto, que restou plenamente configurada a incompreensível violação do princípio da demanda (art. 2º do CPC) e dos limites subjetivos da lide (art. 506 do CPC), e da própria Constituição Federal, que assegura a todos o direito ao devido processo legal e acesso à ampla defesa e ao contraditório.

                   Quem não figurou no processo, não teve oportunidade de se defender, de contraditar, e, por isso, não teve assegurado o devido processo legal, pois nem mesmo ao processo teve acesso.

                   Vale dizer: uma infinidade de cidadãos brasileiros foram frontalmente abalroados por uma decisão tomada num processo no qual, por não figurarem como parte, não puderam exercer o sagrado direito ao CONTRADITÓRIO, tampouco DEFESA (que dirá ampla), em clara e manifesta violação do metaprincípio de envergadura constitucional do DEVIDO PROCESSO LEGAL.

                   Sobre as violações de princípios, o eminente Ministro Ricardo Lewandowski, no Agravo Regimental na Medida Cautelar na Reclamação nº 6.702-5, foi bastante feliz ao citar os sempre atuais ensinamentos do Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello:

 

"(...) Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra."

 

                   A questão é bem mais molesta do que parece ser, pois não se trata apenas de não se assegurar o exercício da mais ampla defesa, como determina a Lei Maior, mas de absoluta AUSÊNCIA de defesa, porquanto a esmagadora maioria dos afligidos pelos efeitos daquela malsinada decisão, como salientado acima, não figurou como parte no processo subjetivo em que exarada a tenebrosa.

                   Ademais, essa esmagadora maioria de atingidos ver-se-á privada do bem da vida denominado "quintos incorporados", nomenclatura posteriormente alterada para "Vantagens Pessoais Nominalmente Identificadas" (VPNIs).

                   Todos sofrerão vultosa subtração de significativa parte de seus vencimentos, isto é, de fração considerável de seus bens, sem o devido processo legal, sem contraditório e sem ampla defesa, e em circunstâncias dantescas, sobretudo porque sequer eram litigantes.

                   Não há, portanto, como negarmos a flagrante violação dos incisos LIV e LV e do caput do art. 5º da Constituição Federal, que assim dispõem:

"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;"

 

                   O ato REPUGNANTE também viola a jurisprudência do próprio STF:

 

 

"O recorrente pretendeu ver reconhecida a legalidade de seu agir, com respaldo no verbete da Súmula nº 473 desta Suprema Corte, editada ainda no ano de 1969, sob a égide, portanto, da Constituição anterior. (...) A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, foi erigido à condição de garantia constitucional do cidadão, quer se encontre na posição de litigante, num processo judicial, quer seja um mero interessado, em um processo administrativo, o direito ao contraditório e à ampla defesa, com os meios e recursos a eles inerentes. Ou seja, a partir de então, qualquer ato da Administração Pública que tiver o condão de repercutir sobre a esfera de interesses do cidadão deverá ser precedido de prévio procedimento em que se assegure ao interessado o efetivo exercício do direito ao contraditório e à ampla defesa. Mostra-se, então, necessário, proceder-se à compatibilização entre o comando exarado pela aludida súmula e o direito ao exercício pleno do contraditório e da ampla defesa, garantidos ao cidadão pela norma do art. 5º, inciso LV, de nossa vigente Constituição Federal." (RE 594296, Relator Ministro Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgamento em 21.9.2011, DJe de 13.2.2012, com repercussão geral - Tema 138)"

                  

                   Induziram-se a erro os demais eminentes Ministros do c. Pretório Excelso, pois seguiram voto que teria se fundado em precedente relatado pelo saudoso Ministro Teori Zavascki que, por sua vez, defendia justamente o oposto do que decidido pelo ATO REPUGNANTE, evidenciando estranha confusão entre princípios e conceitos jurídicos, de forma inusitada e sem precedentes, uma desvairada barafunda.

                   O saudoso Teori Zavascki, no precedente invocado, o RE nº 730.462, brindou-nos com uma magnífica e irretocável aula acerca de direito constitucional e processual.

                   Não parece excessivo afirmar que será um imperdoável desrespeito a sua memória consentir em que seus ensinamentos permaneçam assim, mal-empregados para que se alcancem fins não só distintos, mas inegavelmente contrários, diametralmente opostos aos por ele almejados.

                   Primeiramente, impõe-se reiterar que o precedente daquele saudoso Ministro dispõe sobre efeitos de decisão do e. STF em CONTROLE CONCENTRADO, os quais estão inteiramente regulados pela Constituição Federal e pela Lei nº 9.868/99.

 

 

                   Embora desnecessário, salientamos as distinções dos efeitos das declarações de inconstitucionalidade em controle DIFUSO e CONCENTRADO, a começar pelo efeito normativo a que se referia o Ministro Teori, pois, no controle difuso, a lei tida por inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, para que se produza esse efeito, demanda deliberação de competência PRIVATIVA do Senado Federal, nos termos do art. 52, inciso X, da Constituição Federal, que assim dispõe:

"Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

(...)

X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;"

                              

 

                   Embora o precedente seja uma decisão exarada em Recurso Extraordinário (processo subjetivo - controle difuso), nele se discutiram justamente os efeitos de outra decisão, essa sim, em CONTROLE CONCENTRADO (processo objetivo): ADIn nº 2736.

                   Trata-se de direito da Administração (direito-dever, em verdade), diz a lei, que não fala em Poder Judiciário, nada obstante tal Poder de fato pudesse anular o ato considerado ilegal, mas apenas se provocado - princípio da demanda (art. 2º do CPC).

                  De toda forma, se, por desmesurado apego ao debate, fosse admitida como escorreita a pretensão, defendida por alguns poucos, consistente na "dessubjetivação" do controle difuso de constitucionalidade, ou, dizendo de outro modo, ainda que admitíssemos a eficácia vinculante erga omnes, própria do controle concentrado, como consectário do controle difuso de constitucionalidade, com a portentosa aptidão para anular genericamente atos judiciais e administrativos imutáveis, atingindo, num único e doloroso golpe, a tudo e a todos, ainda assim seria incontornável, tal qual a própria Administração no exercício da autotutela, a necessidade de observação do prazo decadencial previsto no § 1º do art. 54 da Lei nº 9.784/99, no caso de decisão da Administração, sob pena de violação não só da lei, mas de outro princípio de envergadura constitucional, o da SEGURANÇA JURÍDICA.

                   O excerto abaixo transcrito, extraído do voto que implicou o Acórdão concernente ao julgamento do RE nº 638.115 (03/08/2015), é bastante esclarecedor quanto ao que de fato foi decidido:

"Ante o exposto, dou provimento ao recurso extraordinário, fixando a tese de que ofende o princípio da legalidade a DECISÃO que concede a incorporação de quintos pelo exercício de função comissionada no período entre 8.4.1998 até 4.9.2001, ante a carência de fundamento legal." (página 12 do Acórdão)

 

                   Fácil ver que "a DECISÃO" que concedeu a incorporação de quintos é que, por força daquele Acórdão, foi considerada ofensiva ao princípio da legalidade, por isso inconstitucional, não o consequente pagamento!

                   O Acórdão que julgou os Embargos de Declaração esclareceu:

" (...) Daí depreende-se que a declaração de inconstitucionalidade ou constitucionalidade de determinado preceito normativo pelo STF não enseja a automática reforma ou rescisão das decisões anteriores já transitadas em julgado, sendo necessária, para tanto, a interposição da ação rescisória. Entretanto, ressalvou-se de tal necessidade a questão relacionada à execução de efeitos futuros da sentença proferida em caso concreto sobre relações jurídicas de trato continuado. (...)"

" (...) quintos incorporados no período entre 8.4.1998 até 4.9.2001 foi declarado inconstitucional e refere-se a relação jurídica de trato continuado, há que se reconhecer a necessidade de cessação imediata do PAGAMENTO da mencionada verba, sem que isso caracterize afronta à coisa julgada e sem que seja necessário o ajuizamento de ação rescisória. Da mesma forma, os efeitos das decisões administrativas, que reconheceram o referido direito aos servidores com base em hipótese considerada inconstitucional pelo STF, não devem subsistir, devendo o pagamento ser cessado imediatamente. (...)"

 

                   O pagamento dos quintos incorporados, como visto, não pode ser considerado como "relação jurídica de trato continuado", mas, sim, como EFEITO PATRIMONIAL CONTÍNUO, esse pagamento não pode ser obstado, pois isso consistiria em subtração do próprio direito incorporado ao patrimônio dos servidores.

                   Beira as raias do absurdo, afigurando-se como medonho PARADOXO, querer fazer valer, a um só tempo, entendimento segundo o qual o direito é mantido, porque a decisão do c. STF "não enseja a automática reforma ou rescisão das decisões", por serem inalteráveis em razão do soberano trânsito em julgado ou da decadência (caso do autor), e que cessar o pagamento dele decorrente é possível, por consistir em simples "efeito futuro" de sentença sobre hipótese que se enquadraria como "relação jurídica de trato continuado", que não é!

                   Cumpre insistir: o voto condutor do julgamento dos Embargos não dá margem a perplexões: realmente assegura que não é possível a reforma ou a "rescisão das decisões anteriores".

                   Contemple-se o absurdo: a rigor, os quintos foram preservados, isto é, foram mantidos devidamente incorporados, mas o consequente pagamento NÃO!, evidenciando-se uma incognoscibilidade sem precedentes! pois, consoante o que está expressamente consignado no voto condutor do ATO REPUGNANTE, "não devem subsistir, devendo o pagamento ser cessado imediatamente".

                   O problema que se vislumbra nesse cenário sombrio é que, como o direito incorporado não consiste em "relação jurídica de trato continuado", confunde-se com o próprio pagamento, pois nada mais é que EFEITO PATRIMONIAL CONTINUADO.

                   Enfim, cessar o pagamento equivale a subtrair o próprio direito incorporado, é "reformar ou rescindir" o que o próprio ATO REPUGNANTE assegura como medida impossível quando não mais possível a ação rescisória ou a anulação administrativa, isto é, quando o tempo já tiver decorrido em tal monta que o direito assegurado (a incorporação dos quintos) passe ao status de intocável, atributo decorrente da força insuperável do PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA.

                   A incorporação de quintos (VPNIs) não se enquadra no conceito de "relação jurídica de trato continuado"; constitui, sim, efeito patrimonial contínuo, coisa absolutamente distinta e inconfundível, e justamente por isso é imutável se decorrido o prazo decadencial, como expressamente consignado na lei (Lei nº 9.784/99, art. 54, § 1º), ou decorrido o prazo da ação rescisória!

                   "Relação jurídica de trato sucessivo" é aquela em que o devedor presta, periodicamente, ao credor, parcela do objeto da obrigação, sem que a mesma se extinga, isto é, renasce periodicamente.

                   Para CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA (in Instituições de Direito Civil, v. 3, p.70):

“ (...) de execução sucessiva ou de trato sucessivo, ou execução continuada, como denominado no art. 478, é o contrato que sobrevive, com a persistência da obrigação, muito embora ocorram soluções periódicas, até que, pelo implemento de uma condição, ou decurso de um prazo, cessa o próprio contrato. O que caracteriza é o fato de que os pagamentos não geram a extinção da obrigação, que renasce. A duração ou continuidade da obrigação não é simplesmente suportada pelo credor, mas é querida pelas partes contratantes. Caso típico é a locação, em que a prestação do aluguel não tem efeito liberatório, senão do débito correspondente a período determinado, decorrido ou por decorrer, porque o contrato continua até a ocorrência de uma causa extintiva.”

 

                   No caso em deslinde, por força de nova interpretação, agora tida por ofensiva ao princípio da legalidade em virtude de decisão exarada pelo c. STF em sede de controle difuso de constitucionalidade, o direito outrora assegurado por DECISÃO ADMINISTRATIVA, deu-se de uma única vez, até porque tal decisão reconhecia a existência do direito até a data da edição da MP nº 2.225-45/2001, a partir do que deixaria de existir pela revogação por ela (a MP) implementada.

                   Em síntese, há no ATO REPUGNANTE:

- profanação do art. 5º, inciso LIV, da CF/88, por privar os servidores de parte se seus patrimônios sem o devido processo legal;

- profanação do art. 5º, inciso LV, da CF/88, por não terem sido assegurados aos servidores o CONTRADITÓRIO e a AMPLA DEFESA;

- profanação do PRINCÍPIO DA LEGALIDADE, por negar vigência ao art. 54, caput c/c seu § 1º, da Lei nº 9.784/99;

- profanação do PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA;

- profanação do PRINCÍPIO DA CONFIANÇA;

- profanação do art. 2º do CPC, que implicou simultânea profanação dos PRINCÍPIOS da DEMANDA e da LEGALIDADE, por impor aos servidores condenação judicial sem iniciativa da parte interessada (a União), isto é, sem a propositura do imprescindível processo judicial subjetivo específico;

- profanação do art. 506 do CPC, e consequente profanação do PRINCÍPIO DA LEGALIDADE, por escancaradamente PREJUDICAR TERCEIROS;

- profanação do art. 54, caput e § 1º, da Lei nº 9.784/99, e consequente profanação do princípio da LEGALIDADE, por anular ato administrativo AMPARADO pelo manto sagrado da irreversibilidade, porque o direito de anular há muito já havia sido fulminado pelo decurso do tempo, que não passa sem provocar efeitos jurídicos (consumação da decadência administrativa);

- aplicação manifestamente equivocada da expressão jurídica "RELAÇÃO JURÍDICA DE TRATO CONTINUADO, considerando-se como tal "direito patrimonial contínuo"; e

- confusão entre os efeitos das declarações de inconstitucionalidade em sede de CONTROLE DIFUSO e CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE.

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Sobre o autor
David Magalhães de Azevedo

Bacharel em Direito e Especialista em Direito Eleitoral.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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