CAPÍTULO 3: Ação afirmativa na Malásia
País do Sudeste asiático, independente da Inglaterra desde 1957, abarcava a ilha de Cingapura em sua parte central. Contava com população mista, composta por 50% de malaios, 24% de chineses e 7% de indianos. Classificava 61% da população (os malaios e povos indígenas) como “bumipuretas” (“filhos da terra”), e os elegeu como grupo beneficiário de programas de preferências governo (p. 81-82).
No princípio do século XIX, a Malásia recebeu muitos imigrantes chineses, pobres e analfabetos, porém muito determinados a ascender socialmente, os quais trabalharam, na época da Malaya colonial, junto aos hindus, nas plantações de seringueiras e extração de estanho. A população de imigrantes chineses cresceu exponencialmente, de 100 mil para 1 milhão, em sessenta anos (de 1881 a 1941).
Os malaios, por outro lado, eram proprietários de terra e se recusavam a trabalhos mais simples, também porque, sob o governo inglês, já desfrutavam de tratamento preferencial consistente em restrições quanto à propriedade de terra na Malaya, educação gratuita e prioridade nos cargos da burocracia colonial. Depois, a Constituição do país garantia supremacia política para os malaios nativos, ou seja, seu voto tinha maior peso (p. 85).
No caso, malaios e chineses mantinham tradições culturais (língua, religião e estilo de vida) totalmente diferente entre si e, semelhantemente ao que ocorreu na Índia, os “forasteiros” (aqui, chineses) superaram os nativos (os malaios) em seu desempenho, o que acarretou ressentimento intergrupos e motivou o surgimento de conflito de interesses – de uma parte, os chineses pleiteavam igualdade de tratamento; de outra, os malaios requeriam política de preferências (p. 83-85).
“A contenda inter-racial foi resolvida por uma das mais extraordinárias decisões políticas: Cingapura foi expelida da Malásia em 1965” (p. 86). Essa solução ponderou que a maior parte da população de Cingapura era de chineses. No que essa região foi desanexada do território da Malásia, o número de malaios do país voltou a ser maior que o de chineses (p. 86).
Em continuação, os partidos políticos malaios, que tem conotação de partidos étnicos, têm garantido a continuação e expansão das preferências para os malaios no governo. Com suporte em leis draconianas da época da Malaya colonial, os governantes costumam “reprimir qualquer questionamento público às políticas raciais do país” (p. 87) e lançou a Nova Política Econômica (NPE), para fins de “balanceamento racial”, cujas principais medidas foram: preferências para empregos no governo e no setor privado (inclusive empresas estrangeiras); transferência de 30% de todas as ações corporativas da Malásia para malaios; programas de empréstimos[8] governamentais para oferecer créditos privilegiados para os malaios; preferências educacionais; numerosas oportunidades para funcionários e aliados dos partidos da coalizão governante; e acesso preferencial a licenças para táxis e caminhões para os malaios (p. 88-89).
Em suma, “as políticas de preferências na Malásia, como em outros países, tenderam a beneficiar principalmente aqueles que já estavam bem ou tinham boas conexões” (p. 90). Visando repelir, pelos meios oficiais, o sentimento de ofusca dos malaios com relação aos “forasteiros”, a NPE foi projetada, com prazo de 20 anos, a fim de “remediar esse embaraçoso desequilíbrio étnico nas instituições educacionais e na economia” (p. 91). Findo o seu prazo, a NPE foi substituída pela Política de Desenvolvimento Nacional (PDN), que deu continuidade aos programas anteriores sob novo nome (p. 91).
Vale destacar os efeitos devastadores da NPE na educação, quais sejam, a imposição da língua malaia como meio de instrução nas escolas (até 1970, em inglês) e o fim do ingresso nas universidades do país com base no desempenho individual. Outras repercussões derivadas do NPE foram: a diminuição do número de estudantes chineses e de formandos de ascendência chinesa entre 1970 e 1980; e o êxodo de estudantes chineses, que preferiam estudar em países cujos cursos superiores eram ministrados em inglês (p. 92-94).
Adite-se ao mais que a crescente preferência pelos “filhos da terra” ocorreu durante uma fase de clima econômico inusitadamente favorável, quando o crescimento econômico da Malásia marcava 6,7% ao ano, tendo chegado até a 8,7% por cinco anos seguidos. Daí, percebeu-se grande incremento econômico para os malaios nativos e pouco declínio pelos chineses. Esse também era o motivo de esses malaios terem alçado mais oportunidades profissionais como engenheiros e médicos, por exemplo (p. 95, 99-100).
Thomas Sowell analisa também a realidade do país vizinho, Cingapura, por entender que ele se assemelha em seu contexto sociocultural ao ambiente vital da Malásia, até porque os seus principais grupos étnicos – chineses e malaios – são os mesmos de lá e em ambos os países há restrições severas à liberdade de expressão. Em Cingapura, dessemelhantemente, não há política de preferências – prefere-se desenvolver identidade cingapuriana genérica e o ensino formal acontece em inglês. Comparando os malaios de cada um dos países, entretanto, constatou o autor que os malaios de Cingapura foram mais bem-sucedidos que aqueles residentes da Malásia (p. 101-103).
Nada obstante essa comparação ser desvantajosa para os “filhos da terra” da Malásia, considera-se que este país tem um dos mais bem-sucedidos programas de ação afirmativa do mundo, cujo “êxito é apenas definido em termos de progresso relativo do grupo beneficiário e da prevenção da violência generalizada presente na Índia e em outras regiões” (p. 105). Seus padrões educacionais, apesar disso, declinaram, sacrificados pela “unidade nacional” (p. 106). Dado isso, Thomas Sowell retira da história da ação afirmativa na Malásia a seguinte lição: que “os extraordinários crescimento e prosperidade, combinados à abominável repressão ao direito de expressão, podem tornar programas de preferências viáveis politicamente e suprimir violência maciça intergrupo (p. 107)
Ocorre que nem se pode afirmar se ao menos os mais afortunados beneficiários malaios chegaram ao ponto de poderem competir em igualdade condições com membros das minorias chinesas e indiana (p. 106). Além disso, “nenhuma das duas experiências”, nem a da Malásia nem a de Cingapura, “serve como guia para a paz racial em países onde prevalecem a liberdade de expressão e outros direitos democráticos” (p. 107).
CAPÍTULO 4: Ação afirmativa no Sri Lanka
Quanto ao Sri Lanka, país situado a cerca de 30 quilômetros ao sul da Índia, ex-colônia britânica do Ceilão, independente desde 1948, sua população conta 3/4 de cingaleses e menos de 1/6 de tâmils. Suas elites eram ocidentalizadas e os líderes políticos do país estavam comprometidos com um estado secular e democrático, reconhecendo os direitos dos cidadãos, independentemente de etnia ou religião – padrão de “viva e deixe viver” (p. 109-110).
Ocorre que a estabilidade, paz e ordem que marcavam aquele território foram perdidas e tudo mudou radicalmente no período de uma década depois da independência, “como resultado da politização das diferenças intergrupos e da instituição das políticas de preferências” (p. 110). Justificando-se em razão da história cingalesa, buscou-se por meio de política de preferências a proporcional representação dos tâmils nas universidades, nas profissões e nos negócios e esse foi o estopim para o desequilíbrio social então verificado (p. 110).
Reanimando a história daquele povo, tem-se que muitos foram os conquistadores europeus que se sucederam na colonização daquelas terras – português, holandeses e ingleses. Isso redundou em que as diferentes regiões do país tenham experimentado ocidentalizações de tipos diferentes durante períodos distintos. Os tâmils concentraram-se na parte Norte da ilha (clima seco e sem recursos naturais) e lançaram-se aos estudos nas escolas missionárias cristãs estabelecidas por ingleses e americanos naquele território, ocidentalizando-se primeiro que os demais grupos; os cingaleses, de outro modo, viveram onde o solo era mais fértil e o regime de chuvas, mas favorável (p. 111).
Ainda há que se falar no grupo misto conhecido como “burghers” (parcialmente holandeses), legado do mando colonial holandês, que prosperou em períodos anteriores. Por volta de 1870, esses burghers, que representavam cerca de 1% da população, formavam a grande maioria dos médicos da região, além do que 75% deles falavam inglês contra 10% dos cingaleses e tâmils (p. 111-112).
Por fim, passaram a participar da população do Sri Lanka outro grupo étnico, os tâmils da Índia, hindus, que foram importados pelos ingleses para trabalhar nas plantações existentes nas montanhas de Kandyan. Daí, passou a haver “tâmils do Ceilão” e “tâmils da Índia” – “estes constituíam a mais pobre, a mais isolada e a mais despreparada parcela da população do país” (p. 112).
Àquela época, três questões refletiam diretamente nas oportunidades educacionais e profissionais dos diversos grupos, no caso, o grau de ocidentalização, a educação e a capacidade da falar inglês. Nesses quesitos, destacavam-se os tâmils do Ceilão, que eram “super-representados, comparativamente à sua porcentagem na população” (p. 114). “Nos negócios, como por todos os lados, os cingaleses foram eclipsados pelas minorias, bem como pelos europeus” (p. 115).
Na época da sua independência, o Ceilão (agora Sri Lanka) tinha suas posições de poder, riqueza e prestígio nas mãos das elites educadas, que falavam inglês, frequentemente cristãs, tanto cingaleses como tâmils. Nisso, ressentiam-se os budistas, que falavam cingalês, e os hindus, que falavam tâmil. O grupo de recém-educados também fez pressão política por cotas e grupos preferenciais (p. 116).
Marcante medida pleiteada pelos cingaleses nativos naquele momento foi o da “linguagem própria”, em vez do inglês, e ela “escondia mais coisas do que revelava” (p. 116). A denominada “política da linguagem própria”, bandeira do partido de oposição, criado em 1951, por Solomon Bandaranaike, apregoava que “só o cingalês” podia ser usado nas comunicações oficiais (p. 117). Ocorre que “não havia ‘linguagem própria’ do povo cingalês como um todo, mas dois idiomas diferentes falados pelos dois maiores grupos populacionais” (p. 116).
Aliás, Thomas Sowell reconhece em Bandaranaike a “figura principal na transformação de um ressentimento geral contra as antigas elites e contra o que elas representavam, num programa específico de tratamento preferencial para a língua cingalesa”, embora não falasse em nome de todos (p. 117). Um aristocrata cristão cingalês, educado em Oxford, que cresceu falando inglês e era incapaz de falar cingalês, mas que depois converteu-se ao budismo, passou a falar cingalês e se tornou defensor extremado da cultura, do idioma e da religião cingaleses (p. 118).
Os defensores da “política da linguagem própria” bem sabiam que “(...) por trás da questão do idioma havia o problema do acesso aos empregos”, afinal a principal repercussão de tal medida foi o “deslocamento de uma elite de língua inglesa por uma elite, em sua maior parte e desproporcionalmente, tâmil” (p. 117). Da mesma forma que na Índia e na Malásia, muito mais com a vitória nas urnas de Bandaranaike, em 1956, “a política sobre o idioma no Sri Lanka tornou-se foco de desavenças intergrupos em vista de sua potencialidade para influir profundamente sobre as oportunidades educacionais e econômicas” (p. 118).
Mesmo após a instituição dessa política, por algum tempo, continuou desproporcional o número de tâmils no ensino superior, comparativamente ao número de cingaleses, mas aquele número foi progressivamente reduzindo as possibilidades dos tâmils na educação e no emprego. Outrossim, mais de 2 mil escolas particulares foram encampadas pelo governo em 1960, dentre as quais as escolas missionárias cristãs, a fim de proporcionar educação “que seja [fosse] nacional nos propósitos, objetivos e metas, e tenha conformidade com as aspirações culturais, religiosas e econômicas do povo” (p. 118-119).
Além da “linguagem própria”, outras preferências foram garantidas para os cingaleses por meio da política estatal. São elas: no meio universitário, seleção de cingaleses menos rígida que aquela imposta aos tâmils; no funcionalismo público, empregados cingaleses foram transferidos para o norte do país, onde os tâmils estavam concentrados; aposentadoria obrigatória dos funcionários que não fossem capazes de falar o cingalês; e a Constituição foi modificada para eliminar a seção que garantia direitos às minorias.
As perspectivas declinantes para os tâmils levaram eles a se levantarem para pleitear o uso de sua linguagem própria (o inglês) e alguma autonomia nas regiões onde se concentravam (p. 120). Em 1959, Bandaranaike chegou a um acordo com os tâmils, mas este nunca entrou em vigor, por conta da pressão dos cingaleses. Depois, Bandaranaike foi assassinado por um budista extremista, que o acusava de ter traído a causa (p. 120).
Assistiu-se, assim, o desvanecimento das chances educacionais dos tâmils. Para assegurar as vagas os cursos de ciências exatas para os cingaleses, ao lado da política de admissão preferencial deles, idealizou-se a chamada “padronização”, que era um percentual sobre a nota relativa a outros estudantes do mesmo grupo étnico. Não sendo o suficiente, em 1972, instituiu-se um “sistema de cotas de distrito”. Como cada um dos grupos se concentrava em distritos diferentes, essas cotas, na verdade, eram cotas étnicas (p. 121).
“Depois que apelos, protestos e campanhas de desobediência civil fracassaram na obtenção da autonomia que os tâmils almejavam, teve início a guerra de guerrilha”, os “Tigres Tâmils”, “e as exigências dos tâmils então se intensificaram para incluir uma nação deles, independente e separada”. Dessa forma, uma guerra repleta de atrocidades de ambos os lados se seguiu. Os tâmils resolveram fugir do Sri Lanka e emigraram especialmente para a Índia, para Europa e para outras áreas derivadas do continente europeu, como a Austrália, Gra-Bretanha e países escandinavos (p. 122 e 124).
“À medida que os incidentes assumiam grande escala, a Índia ia sendo atraída para o conflito” (p. 124). Em 1987, o Exército indiano desembarcou 50 mil soldados como força de paz nas regiões tâmils do Norte do Sri Lanka. “A missão das tropas indianas era assumir a missão de manutenção da ordem, que, deveria ser executada pelo Exército e forças policiais do Sri Lanka, e desarmar a guerrilha tâmil, mas esta última resistiu vigorosamente” (p. 124).
A violência instalada no Sri Lanka, que precipitou a morte de mais 64 mil pessoas, surpreendeu muito mais pelo fato de que, ao ver do autor, aquela era uma das nações mais tolerantes do mundo. Entende Sowell que “não foram as disparidades que conduziram à violência intergrupos, mas a politização de tais disparidades e a promoção de políticas de identidade de grupos” (p. 126 e 128).